A propósito do assunto do envelhecimento, bastante falado nos dias de hoje e da situação que vivemos actualmente, relacionada com o novo corona vírus e a forma como nos apanhou a todos desprevenidos, cheios de preocupação em relação a determinados aspectos da nossa vida e da vida dos nossos entes queridos, falo um pouco da experiência que tenho num campo particularmente especial e que toca a todas as pessoas de uma forma ou de outra: Os idosos institucionalizados.
As instituições de apoio a idosos como centros de dia ou lares, constituem um suporte formal na prestação de serviços à pessoa de idade maior, garantindo cuidados indispensáveis a uma vida digna mas muitas vezes não substituem os cuidados informais prestados pela família. O acompanhamento, o amor, o carinho, etc. Não pelo facto de não investirem cada vez mais neste âmbito, porque o fazem, mas pelo facto de a nossa família… ser a nossa família! E de ter um peso e uma influência extremamente importante neste assunto do envelhecimento.
À medida que envelhecemos temos tendência a apresentar capacidades regenerativas decrescentes que nos levam a uma maior vulnerabilidade e predisposição ao declínio funcional, com elas ocorrem também mudanças físicas e emocionais que comprometem a nossa qualidade de vida.
O envelhecimento é um processo biológico normal mas existe uma tendência a rejeitá-lo pois está ainda muito associado à doença, incapacidade e tristeza. Cada vez temos mais pessoas idosas que nesta etapa da vida precisam do apoio dos seus familiares assim como o apoio da sociedade para garantir a qualidade de vida na terceira idade.
Um dos principais problemas associados ao envelhecimento de que todos temos conhecimento, é o isolamento social e o sentimento de solidão. É uma fase da vida em que a pessoa idosa precisa de se sentir valorizada, viver com dignidade e com o carinho da família. As necessidades afectivas nesta fase não são diferentes daquelas que temos noutras fases da vida, como a realização, a alegria, o amor o sentimento de pertença à sociedade.
Estes sentimentos provenientes da relação com os outros fortalecem a pessoa para enfrentar as dificuldades e combater stress, ansiedade, e os desafios diários com que se depara permitindo assim uma melhor qualidade de vida e o equilíbrio psicológico, tão importante para a não desestruturação da personalidade.
As relações familiares assumem um papel importante neste processo de envelhecimento. Durante a vida conseguimos muitas vezes mascarar a ausência da família com o trabalho, os amigos, as férias, os afazeres domésticos, etc. mas acredito que na terceira idade a família assume uma importância impossível de encobrir.
Tem um peso fundamental e necessário mesmo que não nos apercebamos disto. Nesta fase da vida não são as poupanças que temos, os bens que adquirimos ou a casa que conseguimos construir que importam, mas sim o apoio e o amor que temos daqueles que nos são próximos, que nos querem bem e que não nos deixam ficar desamparados ou viver na solidão.
As famílias, na conjuntura actual, não têm muitas vezes condições para cuidar dos seus familiares idosos em situação de incapacidade física e/ou psicológica pois, muitas vezes, estes exigem um acompanhamento permanente, de 24 horas por dia. Algumas pessoas sentem-se impotentes e frustradas por não conseguirem assistir os seus pais, avós, irmãos, como gostariam e chegam a ter algum preconceito em relação à institucionalização. É preciso desmistificar o conceito de “Lar”.
Os Lares são muitas vezes a opção ideal que dá este apoio quer ao utente quer aos seus cuidadores habituais. Na minha opinião a institucionalização deve ser dos últimos recursos a serem tomados, no entanto, não se deve culpabilizar a família por fazê-lo, como se de um abandono se tratasse. Deve ser valorizada a permanência da pessoa idosa em casa, junto da família mas sabemos que em muitos casos é bastante difícil.
Por outro lado, é fácil haver um afastamento quando a pessoa é de facto institucionalizada e é aqui que falhamos! É fácil envolvermo-nos nas nossas rotinas atarefadas que se dividem entre o trabalho, os filhos, as actividades extra-curriculares, os trabalhos domésticos, o trânsito que nos rouba tempo e por aí fora e não nos lembrar-mos, às vezes, que do outro lado temos o nosso pai, a nossa mãe ou avó, à espera de uma visita, de um telefonema com apenas um beijinho para receber.
Provavelmente estiveram todo o dia a pensar em nós, a desejar que nos corresse bem o dia e que não chegássemos ao final cansados e sem energia.
Mais fácil é ainda afastarmo-nos, mesmo que involuntariamente, quando percebemos que as capacidades intelectuais do nosso familiar estão diminuídas ao ponto de não lembrar o nosso nome ou não nos reconhecer e pensarmos que “se hoje não for lá” ou “se hoje não telefonar” nem vai perceber… Mas vai!
Embora não saiba o meu nome, embora já não se lembre quem sou, sentirá sempre o amor que tenho para lhe dar, assim como sentirá a falta dele. O apoio familiar na forma de amor, afecto e cuidado faz a pessoa idosa acreditar que é amada e estimada e esta atitude pode causar efeitos positivos na sua saúde. É muito importante que tenhamos esta noção sempre presente.
Estamos actualmente a viver uma situação diferente em que somos obrigados a ficar fisicamente afastados dos nossos familiares institucionalizados, não por uma questão de distância, falta de tempo ou vontade mas por uma questão de protecção da sua saúde à partida mais fragilizada.
E muitas vezes não procuramos saber até que ponto esta situação é entendida por eles e os deixa com a certeza de que não estão a ser abandonados mas sim que os contactos apenas podem ser feitos à distância de um telefonema ou de uma parede de acrílico para sua segurança.
Esta é uma fase em que temos de ter mais presente ainda a nossa importância enquanto família e tentar perceber de que forma toda esta situação é entendida por eles.
É preciso percebermos o que os faz sentir, o que pensam sobre o assunto, é preciso comunicar de forma clara para que também as suas preocupações sejam controladas, pois vivem num ambiente “fechado” em que muitas vezes não têm a noção real daquilo que se passa fora destas portas.
O acompanhamento e a comunicação têm agora extrema importância para a pessoa idosa. Pelo contrário o afastamento nesta fase e o sentimento de preocupação que recai sobre estes idosos pode levá-los a uma tristeza profunda e promover a ansiedade, os sentimentos depressivos, que por sua vez levarão à falta de ânimo, de apetite e terão obviamente reflexos nocivos na sua saúde física e mental.
Lembremo-nos que nem sempre teremos energia e juventude, que mais tarde todos precisaremos de ajuda, compreensão e o apoio dos nossos filhos, irmãos ou sobrinhos.
Não sendo o amor um imposto que possamos cobrar, trabalhamos para que cada vez mais a sociedade se consciencialize de todos estes aspectos e que cada um possa e procure assumir uma responsabilidade enquanto familiar, de cuidar e acompanhar quem cuidou de si um dia e que vê agora os papéis invertidos dependendo dos seus descendentes.
Lúcia Pestana
Técnica Superior de Animação Sociocultural, há 8 anos, num Lar de 3ª Idade em Lisboa.
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Excelente texto e sempre adequado não só a realidade que o tempo está a exigir como também à realidade de todos nós que um dia se tivermos a oportunidade de lá chegar também passaremos pelo mesmo o Amor da família e o Amor dos cuidadores e técnicos é fundamental para que essa última etapa seja vivida com a certeza de que não seremos só mais um peso para quem amamos incondicionalmente ! Os meus parabéns Lúcia Pestana !