A crescente mobilidade transnacional de pessoas ou o aumento das deslocações internacionais de cidadãos de diversas origens, a cada vez mais frequente miscigenação de casamentos ou uniões entre pessoas de nacionalidades e de culturas diferentes, o desenvolvimento dos meios de comunicação e de transportes, o aligeiramento ou abolição das restrições fronteiriças, os desequilíbrios económicos e até mesmo a própria pulverização da unidade do status familiae que marca as sociedades multiculturais contemporâneas modificaram de forma significativa a estabilidade das relações familiares.
Os Estados já não são hoje constituídos apenas pelos seus nacionais mas também por outros cidadãos que neles resolveram fixar residência, obter trabalho, realizar ou completar os seus estudos ou formação, contrair casamento ou ter os seus filhos, motivados pelas condições de trabalho e pelas remunerações mais elevadas que são oferecidas nos Estados de acolhimento, motivados pela facilidade no uso da língua ou na adaptação cultural, pela facilidade nos transportes e nas condições oferecidas para trabalhar ou estudar ou até na busca da segurança e da paz que os seus países não oferecem.
Estas circunstâncias implicaram igualmente o aumento de casamentos e de relações entre diversas nacionalidades e culturas.
Os filhos destes casamentos e relações sentem-se cidadãos livres do mundo, com direito à mobilidade e direito de acesso às culturas diferentes dos seus progenitores.
Por isso, a protecção da família e da infância tem constituído nas últimas décadas o objecto de esforços efusivos levados a cabo a um nível internacional, inserindo-se neste movimento um fenómeno de internacionalização do direito das famílias e das crianças.
A aposta dos instrumentos de direito internacional que regulam os diversos aspectos da protecção da criança e das relações parentais não procura impedir as crianças que são os seus destinatários directos de ter acesso a qualquer cultura mas antes o de garantir o acesso a todas as culturas da sua herança.
Esta internacionalização talvez não seja tão abrangente que consiga ultrapassar a rapidez e a velocidade das relações familiares plurilocalizadas. É sabida a rapidez com que se pode viajar entre países mas a cooperação jurídica e judiciária, nalguns casos, ainda continua a depender de instrumentos antigos, quase medievais.
Numa imagem, é como se a nossa capacidade de viajar e de nos estabelecermos noutro país estivesse ao nível do correio electrónico ou das comunicações directas em tempo real mas, ao mesmo tempo, a nossa capacidade de cooperarmos enquanto Estados estivesse ao nível da carta ou mesmo do pombo-correio.
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No domínio das relações familiares e parentais, é evidente esta necessidade de uma cooperação efectiva e eficaz, sobretudo quando devemos ter em consideração que o tempo não funciona a nosso favor. O que se perde nas relações de afecto entre pais e filhos não é facilmente recuperável ou pode mesmo nunca vir a ser readquirido.
É hoje reconhecida a importância de uma cooperação internacional reforçada, designadamente através da adesão ou ratificação de instrumentos multilaterais que acautelem um interesse global, respeitem as diversas tradições jurídicas e possam garantir a necessária formação e assistência técnica na implementação desses novos instrumentos, através da partilha de conhecimentos e de experiências de outros Estados, por serem meios dotados de maior dinâmica face à evolução dos movimentos migratórios internacionais e à garantia integral do superior interesse da criança.
A cooperação judiciária internacional, assente nas redes judiciárias e nas autoridades centrais, tem demonstrado ser um instrumento essencial ao estabelecimento de uma confiança mútua nos ordenamentos jurídicos envolvidos, no respeito pelas decisões proferidas pelas autoridades competentes dos Estados, harmonizando soluções jurídicas, que sejam orientadas por princípios e boas práticas comuns.
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Em suma, “a cooperação é a convicção plena de que ninguém pode chegar à meta se não chegarem todos” (Virginia Burden) e a nossa meta deve ser uma Administração da Justiça das Famílias e das Crianças que satisfaça os interesses de todos, em especial, os interesses das crianças envolvidas, seja qual for a sua língua, religião, nacionalidade ou cultura.
António José Fialho
Juiz de Direito
Membro da Rede Internacional de Juízes
da Conferência da Haia de Direito Internacional Privado
Membro da Associação Internacional de Juízes de Família
Membro da Conselho Europeu de Justiça Juvenil
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