A Família e o Estado ou o estado da Família
A Família, na sua génese, foi a primeira célula social orgânica criada para servir de instrumento ao desenvolvimento e crescimento do ser humano.
Foi a partir dessa célula inicial e essencial que, pela sua naturalidade, se desenvolveram formas orgânicas mais complexas onde o homem se inseriu, como sejam a tribo, a aldeia, o condado, o reino e o Estado.
Estas formas orgânicas superiores e coletivas foram criadas e encontraram a sua razão de ser, sobretudo enquanto organização subsidiária à Família como meio de apoio e auxílio aquela, razão pela qual a intervenção do Estado na Família deve ser subordinada e instrumental face aos interesses da Família.
A intervenção do Estado na Família deve, pois, em regra, ser secundária, excecional e auxiliar e, nesse sentido, foi sempre em geral a atuação do legislador constitucional em plurímas ordens legislativas (veja-se, por todos, Jorge Miranda “A relevância constitucional da Familia”).
A consagração e progressiva normativização do Direito da Família tem particular relevo nesse aspeto na legislação judiciária dos tribunais de Família e as suas competências.
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Sem prejuízo de se poder, e bem, discutir o paradigma confrontacional dos tribunais na aplicação do Direito da Família, à semelhança dos outros ramos de Direito, cujos resultados são cada vez mais discutíveis, parece-nos mais importante ver quais as causas que contribuem cada vez mais para a sua incapacidade para dar cumprimento à sua primordial missão – apoiar e ajudar essa célula chamada “Família”.
Antes de mais, a sobrecarga ou excesso de competência dos tribunais de Família.
Se é verdade que se assistiu a uma enorme progressão da capacidade e técnica dos tribunais e dos seus operadores com a criação e o incremento da competência especializada dos tribunais de Família, o alargamento da sua competência está a contribuir fortemente para que os mesmos, por incapacidade, deixem de dar resposta a essa sua primordial função.
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A “fusão” da jurisdição de menores em situação de risco nos tribunais de Família e Menores é causa cada vez maior da paralisação dos tribunais de Família e de insucesso da jurisdição de menores. Porquê?
Porque a “urgência” reconhecida por lei dos processos de menores implica que os processos de Família sejam secundários face aos primeiros e, por isso, postergados para segunda fase, ou seja, entre cuidar da galinha ou do ovo, procura-se cuidar do ovo descurando a galinha que deverá cuidar do mesmo.
Este fenómeno mais não é do que uma tendência cada vez maior de cuidar da árvore esquecendo a floresta, do especial face ao geral onde se origina, do anormal face ao padrão normal com uma progressiva miopia que leva a matar o todo pelo indivíduo.
É, na sua essência, uma incapacidade de perceber que um “fígado” sem “corpo” não tem razão de ser. Tratar de menores que depois não tenham famílias que deles cuidem, nada resolve, pior do que isso, cria ainda mais descrédito na capacidade do Estado de cuidar do indivíduo.
Esta deficiência do Estado na perceção da Família e da sua primordial importância prévia face aos seus diferentes componentes é que nos leva ao presente estado da Família como “algo” incapaz de desempenhar a função que sempre teve e terá, pela simples razão de ser inerente ao homem e à sua condição de animal racional e espiritual.
João Perry da Câmara
Partner da Rogério Alves & Associados
Responsável pelo núcleo de Direito da Família e Sucessões