Eva Delgado-Martins, 2017
Doutorada em Psicologia na Especialidade de Psicologia Educacional pela Universidade Nova de
Lisboa e Instituto Superior de Psicologia Aplicada
Neste artigo, explicamos um modelo de intervenção ecológico que permite fundamentar a intervenção do psicólogo mediador de processos de divórcio ou de alienação parental no conhecimento da realidade contextual, observando os contextos e as interações familiares entre pais e filhos, em casa, em passeios e noutras rotinas diárias do seu dia-a-dia, e estabelecendo parcerias estratégicas com outros profissionais envolvidos, permitindo a compreensão do contexto e das necessidades da família como um todo. Desenvolveremos o método a partir da alusão aos nove princípios que o regulam, procurando ilustrá-los a partir da nossa prática.
Os psicólogos mediadores no processo de divórcio conflituoso/alienação parental devem adotar um papel terapêutico essencial no desbloqueio de questões emocionais que perturbam o progresso da negociação. Para isso, devem atuar numa perspetiva construtiva para ajudar os pais a reduzir a rigidez relacional, a melhorar o diálogo, de forma a puderem conversar com mais flexibilidade, e devem criar uma nova forma de interação entre os pais, melhorando os padrões de comportamento de todos, em benefício do bem- estar dos filhos, num verdadeiro projeto de coparentalidade.
O divórcio ou separação dos pais é o acontecimento que está classificado em segundo lugar, a seguir à morte de um dos pais, entre umas dezenas de situações identificadas como um dos acontecimentos mais traumáticos na vida de uma criança ou jovem. Quando os pais se divorciam, nem sempre imaginam que vão ser confrontados, no futuro imediato, com a necessidade de tomarem um grande número de decisões importantes que os afetarão a eles e aos seus filhos. Os divórcios conflituosos e os processos de regulação das responsabilidades parentais são, muitas vezes, o cenário resultante do desentendimento de adultos (pais) que não conseguem controlar as suas disputas, conflitos e agressões mútuas, e que condicionam os filhos a tomar partido na situação conflituosa. São pais que utilizam o argumento da guarda dos filhos e as disposições em matéria de visita como instrumento de retaliação e vingança; que apresentam dificuldades em exercer as tarefas parentais ou chegam mesmo a abdicar destas; e que não protegem os filhos do conflito entre os adultos e da desorganização familiar.
A Alienação Parental é uma forma de abuso psicológico da criança, de maus-tratos infantis frequentemente ignorada, por nem sempre ser reconhecida. Trata-se de uma forma grave abuso emocional infantil, na medida em que existe uma tentativa de anulação da imagem de um dos pais na vida da criança, através de um conjunto de estratégias manipulativas e perversas.
Alguns casos de Alienação Parental ocorrem ainda enquanto os pais vivem em conjunto, sendo, no entanto, mais comuns os que ocorrem no contexto do processo de divórcio ou de separação conflituosa A alienação resulta da obrigação que um filho sente em desqualificar o progenitor “alienado” e emerge da combinação de uma série de atitudes e comportamentos de crítica de um dos pais em relação ao outro. Os pais alienantes enfrentam o divórcio como uma guerra a vencer a qualquer custo, muitas vezes não estando conscientes das consequências deste combate para a saúde emocional do filho. Como arma de arremesso, os filhos são utilizados como uma agressão entre o pai e a mãe. Como consequência da alienação, os filhos interagem menos tempo com o pai ou a mãe alienados, impedindo-os de criar condições para que estes possam defender-se com sucesso das falsas acusações.
Num processo de alienação parental um dos pais tem atitudes e comportamentos que visam afastar injustificadamente o filho do outro, privando-o da sua relação de vinculação com ele. A alienação parental deve ser considerada como uma prática de crime de violência doméstica, uma vez que consiste numa violação do direito das crianças de terem um contacto saudável com ambos os pais, uma vez que é obrigada a ser fiel a apenas um deles.
Em termos técnicos, a intervenção de um psicólogo mediador deve representar-se por uma abordagem terapêutica, de cariz sistémico e contextualizada, na procura de soluções para os problemas do divórcio conflituoso através de uma transformação construtiva de comportamentos e atitudes na dinâmica familiar destrutiva, com o objetivo de proporcionar às famílias uma situação de parentalidade mais saudável para o bem-estar físico, social, emocional, cognitivo e comportamental dos filhos, procurando formas que reduzam ou eliminem o seu sofrimento e assegurem a proteção imediata da criança, vítima de violência por um ou por ambos os pais.
Esta intervenção implica que o psicólogo se invista num verdadeiro papel de gestor de família. A nossa experiência demonstra que a existência da figura do gestor de família é a resposta mais adequada na transformação construtiva dos conflitos parentais. Falamos da necessidade de assegurar que o psicólogo esteja próximo da criança e da sua família (do pai, da mãe, da família alargada) e dos profissionais que intervenham no caso. Este psicólogo tem a responsabilidade terapêutica de acompanhamento do caso numa perspetiva ecossistémica e holística, promovendo uma intervenção estruturada através de um plano integrado, centrado no apoio à família e de uma intervenção junto das famílias, através de apoios que permitam transformar o conflito num contínuo ajustamento e coordenação de estratégias transversais em toda a linha de respostas de proximidade da rede relacional da criança (pais, família alargada paterna e materna, educadores/professores, advogados, pediatra…).
O psicólogo gestor de famílias procura centrar a intervenção, planear e coordenar os apoios à família, facilitando o acesso e a comunicação entre a família e todos os profissionais, apresentando propostas de estratégias de ajustamento de modos de intervenção, monitorizando os planos de parentalidade ou acordos de regulação das responsabilidades parentais, proporcionando educação para a parentalidade positiva e incentivando a mudança de comportamento.
É neste contexto, que surge a necessidade de repensar a prática profissional no âmbito da intervenção social com as famílias divorciadas conflituosas, inovando metodologias e princípios de intervenção, que se constroem na complementaridade e transdisciplinaridade.
O trabalho em equipa multidisciplinar e transdisciplinar exige uma intervenção em parceria e em rede, articulado, coordenado e personalizado, essencial para o sucesso da intervenção social com as famílias em conflito. O gestor de família pode, por exemplo, emitir recomendações (pareceres) ao tribunal, como especialista ou como testemunha de um dos pais.
O objetivo desta intervenção é a proteção urgente/imediata das crianças vítimas de divórcios conflituosos/alienação parental, como pessoas de direitos próprios. A proteção do direito a ter o pai e a mãe presentes nas suas rotinas de vida diárias obriga a que toda intervenção demonstre os benefícios dos relacionamentos contínuos e estáveis dos filhos com o pai e com a mãe.
É neste contexto que se enquadra o primeiro princípio da intervenção que aqui relatamos, procurando identificar, em cada família, a solução de parentalidade que se revela mais ajustada para o bem-estar físico, social, emocional, comportamental e cognitivo de cada criança de cada filho/filha, reduzindo os conflitos parentais e, desse modo, reduzir ou eliminar o sofrimento das crianças.
Sendo o divórcio gerador de tensões difíceis de gerir entre os pais, os filhos sofrem sempre com a sua ocorrência. Este sofrimento pode ser diminuído se a separação for bem orientada, evitando que as crianças vivam um clima de desconfiança que em nada favorece o seu equilíbrio emocional.
É importante identificar quais são os fatores mais determinantes do sofrimento dos filhos no decorrer do divórcio dos pais, porque alguns são evitáveis e, sobretudo, porque é desejável construir estratégias profiláticas em colaboração com os pais.
Para ajudar a diluir o conflito interparental, seja qual for a sua intensidade ou tonalidade, é necessário, num primeiro momento, levar os pais a perceber o impacto do conflito no desenvolvimento dos filhos e dos próprios e, num segundo momento, dotá-los de estratégias eficazes e de fácil aplicação para “curto- circuitar” o início e a escalada do conflito. No sentido de chamar atenção para as consequências da ausência de um diálogo mínimo, os psicólogos mediadores devem informar os pais sobre o que espera o futuro dos filhos se mantiverem o conflito.
Como todas as famílias diferem na composição, na história, na maneira como projetam e organizam o seu quotidiano, é de esperar que os problemas que surgem e as perceções que sobre eles se têm quando ocorre um divórcio sejam também diferentes.
Como mediadora parental, julgo fundamental esclarecer junto dos pais que estão em conflito a minha prática de intervenção, informando-os, logo na primeira consulta/intervenção, que independentemente de ser o pai ou a mãe a pedir a ajuda, numa primeira fase, o objetivo é a equidade no atendimento aos pais, conhecer e ouvir ambos e, através da escuta do conflito, perceber a perspetiva de um lado e de outro, para conhecer e compreender as preocupações e comportamentos do pai e da mãe das suas potencialidades (pontos fortes) para o entendimento recíproco e, finalmente, poder mostrar a cada um dos pais em conflito o lado positivo do ponto de vista do outro e melhor prover a informação psicológica sobre as etapas, processos, causas e consequências do divórcio.
Somente conhecendo ambos os pais é possível desenvolver estratégias protetoras na adaptação à separação parental, nomeadamente, de envolvimento dos dois pais na vida dos filhos, e uma boa relação dos filhos com ambos caracterizados por apoio emocional, uma comunicação frequente, clara e aberta e uma definição de papéis adequada. Como muitos pais têm dificuldades em negociar muitas das situações da educação dos seus filhos, de forma antecipar situações de possível desentendimento, e diminuindo possíveis situações geradoras de conflito interparental é importante construir com eles um plano parental que organize os principais aspetos a considerar na preparação de um novo quotidiano familiar. Esta capacidade em comunicar diretamente ou por intermédio de terceiros (familiares ou não) bem como as questões relativas à articulação com os diversos contextos (escola, atividades de tempos livres, etc.) onde as crianças se movimentam é fundamental para que os pais consigam negociar as diferenças e desenvolvam uma relação de complementaridade, que permita um crescimento saudável a cada criança.
O divórcio representa um momento de elevada exigência, em termos de adaptação social e psicológica dos diferentes elementos da família. A principal tarefa dos psicólogos mediadores é ajudar os pais a atuarem diretamente no processo de melhoria da qualidade da parentalidade, coresponsabilizando-os pela mudança desejada. O psicólogo deve encarar os pais em situação de divórcio como participantes ativos na resolução dos seus próprios problemas. Proporcionando-lhes a informação necessária para poderem tomar decisões, providenciar alternativas, atuando como consultor, respeitando-os, reconhecendo as suas capacidades e conhecimentos. O psicólogo deve iniciar um processo de relação e de comunicação construtiva entre os pais, ajudando-os no reconhecimento da existência de interesses negociáveis e necessidades comuns, de forma a ser possível, em conjunto, criar estratégias coerentes e consistentes de mudança que contribuam para diminuir o conflito.
O objetivo é transformar a relação entre o casal parental, promovendo uma nova comunicação entre ambos, sem necessariamente alcançar um acordo, apoiando ambas as partes na reflexão sobre o conflito e na compreensão da perspetiva do outro. É muito importante que pai e mãe acordem e partilhem objetivos claros para a maneira como devem agir perante os filhos. Apenas com esse acordo é possível desenvolver uma forma comum e coerente de ação junto das crianças. Para haver este acordo é necessário existir um diálogo permanente entre o casal acerca dos filhos de modo que qualquer decisão que tomem tem de partir de um consenso prévio e transparente. A transformação dos conflitos não consiste simplesmente na sua eliminação (como promove a resolução de conflitos), ou no seu controlo (como incute a gestão de conflitos), mas sim no reconhecimento dos conflitos e no trabalhar com a sua natureza dialética.
Os psicólogos mediadores assumem um papel terapêutico uma vez que se confrontam com questões emocionais que bloqueiam o progresso da negociação. Quando os pais se encontram num processo de divórcio destrutivo, ambos estão envolvidos no conflito, tendo muita dificuldade em exercer as tarefas parentais e em proteger os filhos dos conflitos e da desorganização familiar. O pano de fundo destas situações são, muitas vezes, conflitos anteriores não resolvidos. O psicólogo deve ser ativo e assertivo, na procura dos problemas ainda ocultos, que estão latentes, dos conflitos pertinentes e clarificá-los, contribuindo para o processo transformador e equilibrador da relação dos pais em conflito, informando- os das necessidades dos filhos, assim como fomentando o desenvolvimento de competências comunicacionais e parentais para a resolução dos problemas do dia-a-dia. Esta intervenção deve realizar- se com base na utilização de métodos de intervenção centrados na promoção das capacidades e competências dos pais. Através de um enfoque sistémico e construtivo, o psicólogo deve ajudar os pais a identificar os pontos fortes que emergem no seio do divórcio, em termos contextuais e relacionais, de modo a que, garantindo esta consciência, possa ser reduzida a rigidez relacional para dialogar, e existir uma conversação com mais flexibilidade, criando uma nova forma de interação entre os pais, melhorando os padrões de comportamento de todos, em benefício do bem-estar dos filhos, num verdadeiro projeto de coparentalidade.
Neste modelo de intervenção é fundamental conhecer a realidade das famílias, observando os contextos e as interações familiares entre pais e filhos, em casa, em passeios e noutras rotinas diárias do seu dia- a-dia, permitindo a compreensão do contexto e das necessidades da família como um todo, e perceber a dinâmica familiar vivenciada. Esta realidade social não é possível ser observada apenas em entrevistas, no espaço de consultório, nem através escalas de atitudes parentais ou entrevistas. Na intervenção na díade coparental, não podemos esquecer que os comportamentos e as atitudes não acontecem num vazio contextual. A nossa intervenção com pais divorciados responde com eficácia às necessidades reais das famílias, para poder fazer o adequado aconselhamento parental em todos os contextos da vida quotidiana dos filhos (casa, escola e outros contextos significativos) e para melhor conhecer e adequar as estratégias ao local, às situações, que minimizem as consequências negativas para as crianças é preciso que o psicólogo se desloque aos contextos e faça, in loco, uma observação naturalista dos comportamentos, cognições e contextos da vida real, dos familiares e dos interlocutores do quotidiano dos filhos (professores, familiares, treinadores, ….), criando depois, em conjunto com eles, estratégias conjuntas de intervenção. É no contexto que passamos a compreender o quão intenso são de fato os problemas, antes individuais, coletivos.
As situações críticas do quotidiano não são completamente previsíveis. Quando acontecem têm que ser consideradas oportunamente. Deste modo, é fundamental facultar meios de contacto permanente aos pais, via email e/ou telefone (sms, voz), de modo a que as situações críticas possam ser oportunamente relatadas e ser desenvolvido o necessário apoio à sua gestão. Do mesmo modo, a alteração de comportamentos não é compatível com um contacto episódico, havendo necessidade de criar condições para um acompanhamento regular/sistemático, ao longo da intervenção, onde a iniciativa do psicólogo pedindo que sejam relatados os resultados das estratégias de intervenção combinadas constitui um elemento de charneira essencial. Este procedimento permite não apenas a monitorização da aplicação das estratégias decididas, mas igualmente um elemento de responsabilização parental pela sua implementação. O contexto terapêutico de alteração de perceções e comportamentos pressupõe uma relação sem um tempo previamente determinado, a médio e longo prazo supõe a disponibilidade para permanência de acompanhamento. Um momento crítico para a resolução de problemas inerentes ao divórcio conflituoso pode ocorrer numa experiência do quotidiano, longe do testemunho direto do psicólogo.
A cooperação interdisciplinar na resolução dos conflitos parentais significa que todos os profissionais intervenientes devem responsabilizar-se por participar na resolução conjunta do conflito, de forma assertiva e de modo a reforçar a responsabilidade parental. Para isso é necessário fomentar a proximidade e a disponibilidade para trabalhar com outros intervenientes, a partir do acompanhamento dos pais aos locais onde os conflitos são resolvidos (ex.: Comissão de Proteção de Crianças e Jovens, Escritórios de Advogados, Escola), procurando estabelecer, em conjunto, as estratégias de intervenção com o objetivo comum do bem-estar das crianças. Neste processo de mudança para a resolução de conflitos, é muito importante garantir a cooperação paritária entre todos os profissionais envolvidos (ex.: psicólogos, professores, advogados, médicos….). Esta cooperação deve ser orientada para a promoção de um trabalho colaborativo, na partilha de recursos e na coordenação de serviços de modo a alcançar benefícios comuns no caso.
A intervenção deve garantir que, a todo o tempo, as crianças sejam protegidas de serem submetidas a medidas que podem piorar as suas condições de bem-estar, preservando o uso de espaços de conforto emocional (ex.: escola, clube,….) como elementos estratégicos.
Um dos aspetos centrais para este efeito passa por garantir a concentração da liderança da gestão do caso num profissional que desenvolve a interlocução privilegiada com a família, evitando, desta forma, que se desenvolva um acompanhamento avulso, por profissionais que não se articulam entre si, o que pode gerar a assunção de estratégias de intervenção contraditórias e de graves consequências para as crianças. Neste particular, o psicólogo desempenha um papel relevante, na medida em que é o que detém o conhecimento e preparação profissional que permite aferir o risco em que as famílias e as crianças são envolvidas. Algumas ações jurídicas são muito invasivas do bem-estar das famílias e das crianças, devendo por isso, ser acompanhadas de perto e se possível participadas.
A mediação é pedagógica e preventiva, porque ensina os pais não apenas a resolver os conflitos atuais como a evitar os futuros. A mediação representa assim um mecanismo de transformação construtiva de conflitos na tentativa de encontrar meios e práticas alternativas de transformação construtiva de conflitos, que promovam o diálogo e o envolvimento efetivo de ambos os pais para solucionarem/transformarem os seus conflitos de maneira consensual em mudanças positivas e novas oportunidades com ganhos mútuos para a reorganização familiar.
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