Há já uns anos, causou escândalo um filme intitulado “A última tentação de Cristo”, não tanto pela ideia de que Jesus de Nazaré fosse tentado, mas porque nesse filme se intuía, como aliás em outras obras de ficção, uma relação amorosa entre Nosso Senhor e Maria Madalena.
Como é sabido, o evangelista São João, quando relata a ressurreição de Cristo, diz que Maria Madalena, ao ver o Senhor ressuscitado, tratou-O, embora estivessem sós, por Mestre, ou seja, com a deferência que é própria de uma discípula, e não com a intimidade que é habitual entre os amantes. E, quando ela quis manifestar efusivamente a sua alegria e entusiasmo, foi o próprio Senhor que a conteve, dizendo: “Não me retenhas, porque ainda não subi para meu Pai, mas vai a meus irmãos e diz-lhes que subi para meu Pai e vosso Pai, para o meu Deus e vosso Deus” (Jo 20, 17).
Não repugna à teologia católica admitir que Jesus foi tentado, como aconteceu ao termo dos quarenta dias passados no deserto, embora, dada a sua condição divina, não pudesse pecar. Também se pode admitir, com o devido respeito, que Jesus de Nazaré nem sempre agiu da forma humanamente mais acertada: pense-se, por exemplo, na escolha de Judas Iscariotes, que o traíu, para seu apóstolo; o a de Pedro, que o negou três vezes, para seu representante na terra, como primeiro Papa.
Neste sentido, não será despropositado questionar duas declarações feitas por Jesus, já crucificado, e que, salvo melhor opinião, parecem trocadas. Com efeito, o que disse ao bom ladrão deveria ter sido dito a Nossa Senhora e, o que à sua Mãe foi então pedido, deveria ter sido imposto, mutatis mutandis, ao ladrão arrependido.
É já do alto da Cruz que Jesus não apenas perdoa o bom ladrão, como lhe garante que, nesse mesmo dia, estaria, com Ele, no paraíso. Ora, tendo em conta que o próprio criminoso reconheceu a sua culpa, parecia mais justo que o Mestre lhe tivesse imposto uma dura penitência pelos seus delitos, como exigia a justiça, ou, pelo menos, uns tempos de expiação no purgatório, que para isso, com efeito, existe. Esta absolvição instantânea e incondicional e a imediata canonização do que, desde então, passou à História paradoxalmente como o ‘o bom ladrão’, parece ter sido uma precipitação de Nosso Senhor, talvez devida ao estado de agonia em que se encontrava naquele momento.
A outra injustificada declaração do Mestre, também naquela ocasião, foi a feita a sua mãe, Nossa Senhora. Estando de pé, junto à Cruz, Maria teria merecido uma palavra de elogio ou, pelo menos, de reconhecimento. Esse agradecimento era-lhe tanto mais devido quanto contrastava com a ausência dos apóstolos, salvo a honrosa excepção do discípulo que o Senhor amava. Contudo, em vez de Jesus premiar a sua Mãe pela sua heróica fidelidade, impôs-lhe, precisamente naquele momento, uma enorme cruz, ao fazê-la mãe não apenas daquele apóstolo, mas também de todos nós!
Para quem já era nada menos do que Mãe de Deus, uma tal condição nada tinha de honroso, antes pelo contrário. Pior ainda, atribuindo-lhe essa nova maternidade, Maria ficava impossibilitada de ir também, com Jesus, para o Céu, onde já a esperava São José, os seus pais São Joaquim e Santa Ana, a sua prima Santa Isabel, o seu marido, Zacarias, e o filho de ambos, São João Baptista, etc. Que desilusão para Nossa Senhora! Que pena não poder ainda subir ao paraíso, com Jesus, ela que, mais do que qualquer outra criatura, tanto merecia a bem-aventurança celestial!
Segundo a lógica humana, estes dois casos ter-se-iam resolvido facilmente se Nosso Senhor tivesse dado a cada um deles o destino que deu ao outro: teria sido muito justo que tivesse dito ao bom ladrão que o curava e até libertava da cruz, mas para que servisse os seus irmãos na fé e assim, pelas boas obras, expiasse os seus crimes. Por sua vez, a Nossa Senhora, o seu divino filho deveria ter dito o que então disse ao bom ladrão: Hoje mesmo, estarás comigo, no paraíso!
Não quis Deus que fosse assim, para que Nossa Senhora fosse não apenas a sua Mãe, mas também a nossa mãe. E, com o mesmo desvelo como amou Jesus, também nos ama a nós, convidando-nos, com a sua vida e palavra, a fazermos tudo o que Ele nos disser.
Se Maria trocou o Céu por nós, como não podemos dar o céu, aqui na terra, a todas as mães que nos deram não apenas a vida terrena, mas também a vida na fé?!
P. Gonçalo Portocarrero de Almada
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