Por regra, o exercício das responsabilidades parentais pertence aos pais.
No entanto, existem situações de facto, em que outras pessoas acabam por estabelecer uma relação afetiva com as crianças, por terem assumido o papel de guardiães das mesmas, na ausência dos pais.
A questão que se coloca é a de saber se estas pessoas têm legitimidade para pedir a regulação do exercício das responsabilidades parentais, ficando declarado que tal exercício lhes compete, na medida em que, da interpretação literal dos artigos 17.º e 43.º do RGPTC, resulta que tais normas se aplicam à regulação das responsabilidades parentais de cônjuges separados de facto, de filhos de pais não unidos pelo matrimónio e de crianças apadrinhadas civilmente.
A jurisprudência tem vindo a entender que estas situações devem ser salvaguardas através do recurso à providência tutelar cível destinada a regular os convívios da criança com os irmãos e ascendentes prevista na alínea l) do artigo 3.º do RGPTC, a qual deverá ser utilizada também em relação a outros familiares que não apenas os irmãos e ascendentes aí expressamente previstos, como forma de garantir o respeito por um dos princípios orientadores da intervenção no âmbito da promoção dos direitos e proteção das crianças estabelecidos no artigo 4.º da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo e que se aplica aos processos tutelares cíveis conforme, expressamente, dispõe o artigo 4.º n.º 1 do RGPTC.
Concretamente, o princípio previsto na alínea g) do referido artigo, 4.º da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo, ou seja, o primado da continuidade das relações psicológicas profundas prevê que deve ser respeitado «…. o direito da criança à preservação das relações afetivas estruturantes de grande significado e de referência para o seu saudável e harmónico desenvolvimento, devendo prevalecer as medidas que garantam a continuidade de uma vinculação securizante;».
No mesmo sentido, deixamos nota do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa em 16 de dezembro de 2016 onde, a propósito de uma situação em que a guarda estava a cargo da avó, se lê o seguinte:
«Efetivamente, as pessoas de especial referência afetiva da criança – como os avós – são chamadas ao processo de promoção e proteção (artigo 4.º, alínea g) e 35.º, alíneas b) e c), da LPCJP) e na vida prática real, a exercer as responsabilidades parentais, exercendo-as de facto (cfr. artigo 5.º, alínea b), da LPCJP) pelo que, por maioria de razão, lhes deverá ser garantida a possibilidade de agirem para regular as responsabilidades parentais que exercem de facto.
Por outro lado, tais pessoas podem também ser chamadas ao processo (ou recorrer – cfr. artigo 123.º da LPCJP) no caso de não ser possível obter o acordo de promoção e proteção ou tutelar cível adequado, caso em que o juiz notifica o Ministério Público, os pais, o representante legal, quem detiver a guarda de facto e a criança ou jovem com mais de 12 anos para alegarem, por escrito, querendo, e apresentarem prova no prazo de 10 dias (cfr. artigo 114.º, n.º 1, da LPCJP).
Assim, na LPCJP, o legislador expressamente reconheceu que não pode deixar de fora os guardiões de facto.
Tal como o legislador da OTM e agora do RGPTC o entendeu relativamente à participação na primeira conferência (artigo 175.º da OTM e 35.º do RGPTC), intervindo nesta conferência os guardiões de facto.
Mas não apenas aqui.
Nos termos do artigo 58.º do RGPTC, «(…) qualquer familiar da criança ou pessoa a cuja guarda esteja confiada, ainda que de facto, podem requerer as providências previstas no n.º 2 do artigo 1920.º do Código Civil, ou outras que se mostrem necessárias, quando a má administração de qualquer dos pais ponha em perigo o património do filho e não seja caso de inibição do exercício das responsabilidades parentais.»
Assim, nos termos do RGPTC, confere-se a iniciativa processual aos detentores da guarda de facto, reconhecendo-lhes legitimidade para intervir relativamente às questões patrimoniais, pelo que, por maioria de razão, aos mesmos há-de assistir o direito de iniciativa processual para requererem a regulação das suas responsabilidades parentais.
….
Assim, no n.º 3 do artigo 43.º do RGPTC, quando refere «requeridas por qualquer das pessoas a quem caiba o exercício das responsabilidades parentais» há-de entender-se como reportada aos guardiões de facto e assim àqueles que exerçam efectivamente as responsabilidades parentais, aos quais o mesmo regime, a propósito de outras questões (intervenção na conferência de regulação das responsabilidades parentais – artigo 35.º, n.º 2 – e instauração de providências necessárias a acautelar a situação de perigo do património dos menores – 58.º, n.º 1) expressamente reconhece tal intervenção processual.
Os «guardiões de facto», na realidade, não constam enunciados no artigo 17.º, conferindo-se um sentido útil contemplando os mesmos na previsão do artigo 43.º, n.º 3.
….
Ou seja: Encontra-se sentido para a previsão do n.º 3 do artigo 43.º que, nesta linha, estende a legitimidade conferida já às pessoas do artigo 17.º, também às pessoas que exerçam de facto as responsabilidades parentais.»
Assim, em situações de facto em que crianças estão entregues a familiares, sem que esteja legalmente regulado o exercício das responsabilidades parentais a favor de quem, efetivamente, cuida delas deverá, como forma de proteção dessas mesmas crianças, deverá ser requerida tal regulação do exercício das responsabilidades parentais.
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