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A estabilidade na infância traduz-se no equilíbrio emocional na vida adulta.

2 de Junho de 2023
Postado por FamiliaComDireitos

Para compreender a importância da estabilidade na vida das crianças é interessante começar por clarificar estes dois termos: criança e estabilidade. A ideia será perceber o impacto que a estabilidade ou falta dela pode ter na vida das crianças, futuros adultos. Este impacto existirá sempre e poderá ser positivo ou negativo, daí a importância de pensarmos sobre este tema. É importante lembrar que o termo criança se refere ao ser humano no início do seu desenvolvimento. A criança está em crescimento e por isso é importante proporcionar lhe as condições ideais para o seu desenvolvimento social, emocional e intelectual e para a formação da sua personalidade, que acontece nos primeiros anos de vida. A estabilidade emocional é uma das mais importantes competências a desenvolver desde a infância pois terá impacto no desenvolvimento a todos os níveis, em toda a vida futura.

A família e a escola são fundamentais neste processo na medida em que são os modelos que a criança irá seguir como grande referência na sua vida.

É importante que a relação entre família e escola seja de continuidade. Ou seja, a escola deve ser vista como uma continuação do espaço casa/família ao invés de mais um espaço na vida das crianças. Só assim será possível que as crianças se desenvolvam num verdadeiro ambiente de estabilidade emocional onde através da partilha e reflexão entre escola e família são entendidas e respeitadas as suas vivências, interesses e necessidades. Assim, apesar de na escola a criança pertencer a um grupo, é importante que o educador tenha a oportunidade de conhecer a individualidade de cada criança dentro desse grupo, conseguindo com maior sucesso chegar a cada uma, respeitando o seu estágio de desenvolvimento e as suas necessidades e potencialidades.

É importante que tanto em casa como na escola os adultos consigam transmitir uma estabilidade nas rotinas, regras e limites adequados à idade da criança que se irá traduzir na formação de crianças responsáveis, confiantes e autónomas. Muitas vezes ouvimos os pais dizer “o meu filho na escola porta-se tão bem e em casa não”. Efectivamente, isto acontece mesmo e está muito relacionado com o facto de na escola existir uma rotina diária. E quando falamos em rotina não falamos em horários rígidos e inflexíveis mas sim em momentos em que a criança consegue prever aquilo que vai acontecer a seguir. Assim, quando falamos de rotina falamos de estabilidade, de previsibilidade e segurança.

Rotinas previsíveis, com horários regulares de alimentação e sono, ajudam as crianças a sentir-se seguras e confortáveis. Isto pode ajudá-las a concentrar-se melhor e a aprender mais na escola. Quando existe uma rotina a criança sente se segura porque sabe o que vai acontecer a seguir: sabe que vai arrumar a sala porque é hora da história e, que a seguir vai lavar as mãos porque é hora de ir almoçar.

Quando as crianças têm um ambiente seguro e previsível, elas são capazes de lidar com as situações do dia-a-dia de forma mais tranquila e confiante. Esta previsibilidade permite lhes também uma maior facilidade de organização e gestão do seu tempo durante o decorrer do dia-a-dia.

Por conseguir prever o que vai acontecer a criança sente se parte da rotina e participa em cada momento de forma activa e autónoma.

Muitas vezes em casa pode parecer mais difícil manter alguns momentos da rotina, mas uma boa estratégia para que a criança continue a sentir se segura e tranquila mesmo quando a rotina se altera é antecipar aquilo que vai acontecer, verbalizando. Por exemplo, “hoje não vamos ficar em casa porque é fim-de-semana, vamos passear e à noite voltamos para a nossa casa!”.Com mais ou menos pormenores é importante ir transmitindo aquilo que vai acontecer de forma a que criança sinta a tal previsibilidade e segurança que necessita para se tornar numa criança confiante, segura, cumpridora, responsável, autónoma e organizada.

Além da rotina, como importante elemento de estabilidade na vida da criança é importante também referir a importância da existência de regras e limites. Estes dois são fundamentais e necessários e devem ser sempre claros e bem definidos para que sejam compreendidos e respeitados pela criança. Isto é, se hoje eu disser à criança que não pode brincar com os carros na parede e amanhã a vir repetir este comportamento e não disser nada porque nesse dia estou cansada ou a fazer outra tarefa que me impossibilite de a chamar à atenção, a criança não vai perceber porque é que ontem não podia e hoje já pode. Vai ficar confusa, não vai entender o limite e vai testar mais as regras e limites impostos pelo adulto porque entende que estas, às vezes, podem ser transgredidas. Assim, é importante que exista consistência na imposição de regras e limites. Uma estratégia eficaz utilizada na escola para que as regras sejam interiorizadas pelas crianças é criar as regras da sala com o próprio grupo de crianças. Desconstrui-las. Perceber porque são importantes. O que acontece se não as cumprirmos? Registar por escrito e ilustrar com as crianças. Afixar na parede da sala durante todo o ano. Reler, discutir e relembrar sempre que são transgredidas as regras. Este processo ajuda a que cada criança se sinta responsável e se esforce por cumprir aquilo que foi acordado por todos para o bom funcionamento da sua sala e da vida em grupo que mais tarde será a vida em sociedade. É importante que tudo seja dialogado com a criança. Por exemplo, se a criança quer registar como regra que não se pode bater nos amigos, é importante conversar sobre o porquê desta regra. O que acontece se batermos nos amigos? O que acontece se não arrumarmos a sala ou se falarmos todos ao mesmo tempo? Hoje em dia é importante privilegiar um modelo educacional que ajude as crianças a pensar, a procurar soluções. A criança deve conseguir de forma cada vez mais autónoma encontrar estratégias e soluções para resolver por si os problemas/desafios com que se depara no seu dia-a-dia. Neste processo o adulto deve sempre apoiar, incentivar e elogiar dando espaço à criança para agir. Um ambiente estável, previsível e acolhedor, onde o adulto apoia sempre a criança é especialmente importante para crianças pequenas, que ainda estão a aprender a lidar com o mundo ao seu redor. Quando falamos deste ambiente acolhedor não podemos deixar de referir a importância da aprendizagem das emoções como um importante elemento de estabilidade na vida da criança. Na infância, a educação emocional é da responsabilidade dos pais, educadores e psicólogos. Assim somos nós adultos que devemos ajudar as crianças a descobrir, identificar, nomear e compreender as emoções. É importante que a criança consiga gerir aquilo que sente ao invés de serem as suas emoções a controlar o seu comportamento. As emoções como a raiva, zanga ou tristeza existem e manifestam se na criança tal como no adulto, e acontecem tanto na escola como em casa. A diferença é que o adulto sabe gerir as suas emoções de uma forma mais consciente. A criança ainda não consegue fazê-lo e por isso precisa da ajuda do adulto, neste processo emocional. Assim, é importante que o adulto consiga manter a calma e explicar à criança que é normal o que está a sentir mas que existem várias formas de gerir e controlar aquela emoção. Por exemplo, numa situação em que a criança bate noutra criança, independentemente do motivo, a nossa função é ajudar a criança a desenvolver outros mecanismos de resposta. É normal que perante emoções fortes a criança acabe por ter comportamentos como bater ou empurrar. Mas apesar de “ser normal” é importante que o adulto consiga perceber o que leva a criança a este tipo de comportamento: imaturidade neurológica, desregulação emocional, dificuldade em controlar os seus impulsos ou ausência de recursos para saber lidar com o que sente são alguns exemplos de motivos que podem levar a criança a bater. Para manter a estabilidade e ajudar a criança a gerir estas emoções o adulto deve evitar castigar, humilhar, ignorar, bater ou ameaçar “se voltas a fazer isso ficas aqui sozinho”. Em alternativa, o adulto deve começar por controlar fisicamente a criança para que não magoe o amigo. De seguida deve validar as suas emoções dizendo que percebe que se sinta triste ou com raiva mas deve também colocar um limite dizendo que apesar de perceber e aceitar que se sinta assim, bater no amigo não pode acontecer. No entanto, não basta dizer que não pode bater. É preciso redirecionar o comportamento explicando outras formas de agir, quando sente aquela emoção intensa. O importante é que a criança aprenda desde cedo a lidar com todas estas emoções de forma saudável, construtiva e consciente. Quando tal acontece significa que existe estabilidade emocional, ou inteligência emocional. Na escola, este trabalho de descoberta das emoções é realizado desde cedo através de jogos, canções, conversas e também de histórias onde as crianças descobrem e compreendem as suas emoções e as dos outros através das personagens. Assim, para além das rotinas, regras e limites como elementos fundamentais para a estabilidade infantil na vida da criança, não podemos também esquecer esta aprendizagem das emoções.

Resumindo, a estabilidade é crucial no desenvolvimento das crianças. É fundamental para que se sintam seguras e confiantes na sua vida diária. Assegurar a estabilidade e consistência na vida das crianças é fundamental para que estas consigam criar os recursos emocionais que lhes vão permitir lidar com as situações imprevisíveis do mundo exterior tanto na infância como na vida adulta.

A estabilidade também é importante para a auto-estima da criança. Quando as crianças se sentem seguras e amadas, elas têm uma auto-estima mais saudável e são mais propensas a envolver se em atividades saudáveis e positivas. Isto pode ajudá-las a ter sucesso na escola e a tornarem se adultos mais saudáveis e felizes.

 

 

Luísa Pestana

(Educadora de Infância)

 

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2 comments on “A estabilidade na infância traduz-se no equilíbrio emocional na vida adulta.”

  1. Um Blog extraordinário!

    Muito elucidativo. Aborda temas pertinentes.
    Agradeço o facto de contribuírem para que me torne uma pessoa um pouco mais instruída, nestas matéria.

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