Nos últimos dias, veio o Conselho Superior da Magistratura exprimir o entendimento de que deverá a lei evoluir no sentido da consagração da presunção jurídica do regime de residência alternada, para as crianças filhas de pais separados ou divorciados, só devendo a fixação deste regime ceder em casos em que o mesmo não acautele o superior interesse das crianças. Conforme referido na deliberação do Conselho Superior da Magistratura, este regime só deverá ser afastado por “motivos ponderosos” e, para salvaguarda da sua adequação, sempre a sua aplicação deverá acautelar as especificidades do caso concreto.
Defenderá a eventual futura consagração legal do regime de residência alternada, como regime-regra, o superior interesse das crianças?
Verdadeiramente, quando se dá uma separação ou, quando ocorre um divórcio, é indubitável que a família sofre um parcelamento e os elementos mais fragilizados são as crianças, pois, passam de uma realidade de um agregado familiar, em que vivem com ambos os pais, para uma nova vivência, em que o retorno a casa se terá que construir, dia-a-dia, de uma maneira diferente. O mesmo se passa nos tempos de descanso e lazer, aos fins-de-semana e durante as férias.
Encontrar a melhor solução para a nova realidade dos filhos de pais separados e divorciados é um dever destes pais e a ingerência do Estado, via Ministério Público e Tribunal, só deve acontecer em situações excecionais, pois os pais, enquanto adultos responsáveis e guardiões dos filhos, têm que ser capazes de dialogar entre si sobre o futuro destes, sabendo diferenciar o que é o casal conjugal do casal parental.
Infelizmente, a prática dos tribunais demonstra que a litigância, em sede de regulação das responsabilidades parentais, é uma realidade onde é preciso intervir e decidir, porque os pais ainda levam para estas ações judiciais, diferenças e angústias que ditaram o fim do casal conjugal, separado ou que se pretende divorciar.
Quantas vezes, nas conferências de pais, se ouvem os progenitores, a verbalizar, de forma genuína, que são os melhores amigos dos filhos mas, porque toldados por abalos emocionais relevantes na cisão conjugal, não conseguem colocar os interesses dos filhos à frente dos seus próprios interesses?
Quantas mães, por convicção e por assunção de direito próprio, dão por certo que são as únicas capazes de cuidar dos filhos e que os pais, que escolheram para serem pais dos seus filhos, são uns irresponsáveis que não sabem cumprir horários, que não têm regras estritas quanto à hora de deitar dos filhos, etc, etc?
Não valendo a pena fugir à realidade, é certo que a vida de uma criança, filha de pais separados ou divorciados, é sempre diferente da vida de uma criança cujos pais se mantêm numa união familiar estável.
O grande desafio dos pais, em primeiro lugar e, em segundo, do Ministério Público e do Tribunal quando, por força das circunstâncias, a tal são chamados (bem como dos advogados que aconselham juridicamente os seus constituintes), é o de, nestas situações, conseguirem construir uma nova realidade para estas crianças que lhes mantenha qualidade de vida afetiva com ambos os pais e com a família alargada e que lhes garanta a existência como crianças, com infância e adolescência, pois todas estas crianças têm direito a sorrir, a ter tranquilidade emocional, a estudar com paz de espírito e, acima de tudo, a todos os dias, ter alegria.
Temos para nós que o regime de residência alternada é o que melhor satisfaz o superior interesse das crianças, porque lhes permite viver efetivamente com cada um dos pais e conviver com a família alargada materna e paterna, de forma mais frequente.
Do mesmo modo, proporciona-lhes o sentimento de que a casa de cada um dos pais é, também, a sua casa.
Este regime de tempo paritário ou, tendencialmente paritário, com cada um dos pais garante-lhes o direito a viver a afetividade filial sem corridas contra o tempo e programas com calendário apertado.
Estas crianças, se viverem rotativamente e, por períodos de tempo maioritariamente ou totalmente iguais com cada um dos pais, vivem a sua vida de maneira mais feliz, pois mantêm os afectos equilibrados com cada um dos pais permitindo, assim, a filhos e a pais, viver a cumplicidade do dia-a-dia, situação muito diferente daquela em que estas crianças vivem quando têm a sua residência fixada apenas com um progenitor e em que, de quinze em quinze dias, “aterram” em casa do pai ou da mãe com quem não vivem, sendo quase equiparáveis a uma “visita” de casa desses pais, não participando no dia-a-dia, não tendo rotinas integradoras de uma vida familiar, não sendo parte de um todo familiar, ainda que recomposto, o qual tende a existir na vida destes pais, que constroem novas famílias e, com estas, absorvem novas realidades afetivas com filhos das pessoas com quem passam a partilhar a sua vida.
O regime de regulação das responsabilidades parentais em que é fixada a residência a uma criança junto de apenas um progenitor (o progenitor guardião) está ultrapassado e não defende o superior interesse das crianças, pois que a vivência em fins-de-semana alternados com um dos progenitores não é compatível com uma relação filial onde o afeto, o companheirismo, o entendimento, a integração, a noção de pertença, são essenciais.
Viver com um dos progenitores e passar fins-de-semana com o outro progenitor, em regime de alternância, gera incómodos vários: é afetivamente razoável defender que estas crianças devem ir de “mochila às costas”, aos fins-de-semana, de quinze em quinze dias, para casa do outro progenitor, levando os livros escolares quando têm testes, levando a mala feita para passarem o fim-de-semana, etc? Não, não é.
Justiça seja feita aos pais homens que, cada vez mais lutam para não serem o “pai multibanco”, que paga a pensão de alimentos e que apenas pode estar com os filhos de quinze em quinze dias e, em regra, pernoitar com os filhos, uma noite na semana em que, nesse fim-de-semana, não estão com eles, indo buscá-los no final das atividades escolares ou extracurriculares e, entregando-os no outro dia de manhã, no estabelecimento de ensino que frequentam.
É consolador ver como os pais, homens, se batem para dizerem que querem estar e viver com os filhos, porque apesar de se terem separado ou divorciado, querem continuar a ser pais como o eram antes do casal conjugal se ter desfeito, não admitindo que a sua capacidade parental seja posta em causa, quando não o era antes da separação ou do divórcio.
Estes pais, separados ou divorciados, são tão capazes como as mães o são, encontram e enfrentam o mesmo tipo de dificuldades que as mães e, acima de tudo, não têm que pagar nenhuma “fatura” porque não se mantêm casados ou unidos de facto.
Os pais homens não têm um “atestado de menoridade parental”, por isso, é obsoleto pensar-se que as mães são as que melhor cuidam, as que melhor salvaguardam os filhos e decidir-se em conformidade com esse entendimento redutor.
Ambos os pais, na plenitude das suas capacidades parentais são, como o eram antes da separação ou do divórcio, pais capazes de amar e de se sacrificar pelos filhos.
Mãe e Pai são e, devem ser, os cuidadores principais dos filhos, em situação de igualdade parental.
Estes pais que não se bastam com os fins-de-semana alternados e que se batem genuinamente para serem pais em toda a sua plenitude, são dignos desta futura presunção legal, que eleva a residência alternada a um novo estatuto jurídico, em nosso entender, há muito necessário.
No entanto, não podemos esquecer aqueles pais que vêm a residência alternada apenas como a forma de escaparem ao pagamento da pensão de alimentos.
Estes pais não acreditam neste regime como sendo aquele que melhor defende os filhos, não estão verdadeiramente interessados em serem pais responsáveis e em situação de igualdade parental com as mães.
São pais que, infelizmente, decidem a vida dos filhos e a sua condição de pais, de forma numérica, com a economia a bater no coração, se calhar, sem saberem que a residência alternada não anula as despesas e as comparticipações para o sustento dos filhos.
Estes pais que, têm uma visão economicista do regime de residência alternada, se o mesmo vier a ter consagração legal, nos termos constantes da deliberação do Conselho Superior da Magistratura, terão que crescer emocionalmente para serem pais responsáveis, pois, educar e dar o exemplo no dia-a-dia, sendo a tarefa mais nobre dos pais é, também, a mais difícil.
A residência alternada, em termos ideais, é o melhor regime para as crianças mas é preciso não perder de vista que cada criança e cada relação filial é um mundo irrepetível e, também é preciso não esquecer as circunstâncias do caso concreto, como seja, por exemplo, a idade das crianças envolvidas que poderá convidar a uma graduação na implementação deste regime e ao acompanhamento destas crianças que, à vez, ficarão à responsabilidade corrente de cada um dos pais.
A residência alternada é, por tudo e a nosso ver, um risco calculado, que tem que ser acordado e, quando necessário, decidido com as cautelas que cada criança exige e merece, de forma ponderada, atendendo ao caso concreto e à adequação da sua implementação, de forma imediata ou de forma faseada.
Se a alteração legislativa recomendada vier a ter consagração legal, no Código Civil, nos termos deliberados pelo Conselho Superior da Magistratura, todos terão a ganhar, até porque é defensável que este regime diminui fortemente a conflituosidade entre os pais e defende as crianças de situações de alienação parental.
Mais, ficando estabelecido este regime como o regime-regra, deixarão de existir, por desnecessárias, as acesas discussões entre mãe e pai sobre quem é o melhor progenitor e com quem o filho deverá ficar, pois sendo, em situação de separação ou divórcio, a regra a da residência alternada, é esta aplicada e, só se existirem circunstâncias que determinem uma solução diferente, é que a regra deverá ser afastada.
Evidentemente que, vindo a ser letra de lei, como regime-regra, a residência alternada, salvaguardados terão que ficar os casos que se enquadrem nos “motivos ponderosos” mencionados na deliberação do Conselho Superior da Magistratura.
Com efeito, não se poderá decidir pela aplicação do regime de residência alternada, em situações em que um dos progenitores tem uma dependência, se comporta de forma abusiva, tem um perfil agressor, etc.
Esta exceção, tão necessária e razoável, leva-nos a pensar nas exigências próprias das conferências de pais, em que, de acordo com a lei atualmente em vigor, quando os pais não se entendem, o tribunal tem que decidir, fixando um regime provisório de regulação das responsabilidades parentais.
Existindo a presunção legal de residência alternada e, sendo o Tribunal chamado a intervir, estará este órgão em condições de decidir pela aplicação do mesmo, logo na conferência de pais, fase processual onde a produção de prova ainda é incipiente?
Basta prever, do ponto de vista legal, a presunção da residência alternada ou, será preciso adequar a fase processual da conferência de pais a tal comando?
Ou seja, o que queremos aqui enfatizar é que, muito provavelmente, não bastará alterar a lei substantiva, sendo também necessário moldar e atualizar a lei adjetiva a esta nova realidade jurídica, por forma a habilitar o Tribunal a, quando tem que decidir provisoriamente, o poder fazer, em vista das circunstâncias do caso concreto, de forma adequada e ponderada.
Quando o processo de regulação das responsabilidades parentais ainda está em fase de realização da conferência de pais, na maior parte das vezes, o Ministério Público e o Tribunal ainda não estão munidos das informações e das apreciações técnicas que importaria terem já disponibilizadas, pois que as mesmas só são carreadas para os autos em fase posterior à da conferência de pais e, consequentemente, após a prolação da decisão que fixa provisoriamente o regime de regulação das responsabilidades parentais relativas a uma criança.
Louvamos a deliberação do Conselho Superior da Magistratura, porque acreditamos que o regime de residência alternada, como regime-regra, é o que melhor salvaguarda os superiores interesses das crianças mas, não deixamos de frisar que as soluções jurídicas impõem um corpo legislativo global e harmonizado, para que a sua aplicação prática seja realizada, atendendo aos fins que o legislador teve em vista e que cumpre alcançar, de forma cabal e eficaz.
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