A união de facto, a inexistência de património comum e o arrolamento

A união de facto, a inexistência de património comum e o arrolamento

A Lei n.º 7/2021, de 11 de maio, relativa ao regime jurídico da união de facto, adotou um conjunto de medidas de proteção das uniões de facto, definindo união de facto como a situação jurídica de duas pessoas que, independentemente do sexo, vivam em condições análogas às dos cônjuges há mais de dois anos.

Nesta mesma Lei, foram atribuídos direitos vários aos membros da união de factos idênticos aos que vigoram no casamento, como seja ao nível da proteção da casa de morada de família e outros sendo que, casamento e união de facto são figuras jurídicas distintas, equivalendo tal a dizer que as uniões de factos só têm os direitos que a lei especialmente lhes confere, não podendo estender-se a estas as disposições que regem o casamento.

É o que se passa, por exemplo, no quadro dos efeitos patrimoniais, em que o legislador não estabeleceu qualquer regime patrimonial geral quanto aos bens dos membros que compõem a união de facto, não tendo também definido regras sobre a administração e disposição desses bens, o mesmo acontecendo com as dívidas contraídas e liquidação e partilha do património decorrente da cessação da união de facto.

Com efeito, na união de facto não existe um regime de bens, nem se aplicam as regras previstas para o casamento, por exemplo, em matéria de administração dos bens dos cônjuges, partilha do acervo comum etc. Assim, as relações patrimoniais entre os membros da união de facto ficam sujeitas ao regime geral das relações obrigacionais e reais ou ao que tenha sido acordado entre os membros da união de facto no domínio da sua autonomia privada através dos contratos de coabitação que podem tratar do aspeto patrimonial dos membros da união de facto, por exemplo, em caso de morte de um dele ou em caso de cessão da referida união. No mais, terá que se recorrer, ao regime da compropriedade e ao enriquecimento sem causa.

Mais, com a dissolução da união de facto por vontade de um dos seus membros, a mesma apenas tem que ser judicialmente declarada quando se pretendem fazer valer direitos que dela dependam, devendo esta declaração ser proferida na ação através da qual o interessado pretende exercer direitos resultantes dessa dissolução, seguindo essa ação o regime processual das ações de estado, conforme artigo 8.º n.ºs 2 e 3 da Lei que rege as uniões de facto.

Assim, não se aplica à união de facto, as regras previstas no artigo 409.º n.º 1 do Código de Processo civil relativa aos arrolamentos especiais, norma esta que prevê o arrolamento de bens comuns como preliminar ou incidente da ação de divórcio, tomando em conta que a união de facto não gera um património comum e não há necessidade de declaração judicial da dissolução da união de facto (salvo se se pretender fazer valer direitos desta dissolução.

Como consequência e havendo necessidade de tal, um membro da união de facto pode instaurar uma ação para reconhecimento da compropriedade dos bens e, nessa mesma ação, pedir a declaração de cessação da união de facto, podendo dar entrada de um pedido de arrolamento como dependente da ação de reconhecimento da compropriedade dos bens.

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A compensação pelo trabalho doméstico e pela educação dos filhos

A compensação pelo trabalho doméstico e pela educação dos filhos

A sociedade portuguesa é, ainda, uma sociedade não igualitária e, apesar de muito caminho já ter sido percorrido, não podemos negar que as mulheres ainda assumem um papel de trabalho no lar, que permanece desvalorizado e que, numa situação de rutura, não tem por hábito ser colocado em cima da mesa, para acertos.

No final de uma vida em comum, costuma arrumar-se a questão, dizendo que a mulher se dedicou ao lar e aos filhos e o homem assumiu a figura do provedor da liquidez.

No entanto, recentemente, esta temática, à luz da sua análise jurídica, foi tomada em conta no acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, datado de 14 de janeiro de 2021.

Neste acórdão, relativo a uma situação de união de facto que cessou após quase 30 anos de vida em comum, foi entendido que nas situações em que as tarefas domésticas são assumidas, apenas ou quase exclusivamente por um dos membros da união de facto, existe um desequilíbrio na repartição de tarefas não sendo, por isso, de considerar que este trabalho feito em casa, refletido na lide doméstica, nos cuidados e acompanhamento da educação dos filhos seja enquadrável numa obrigação natural (artigo 402.º do Código Civil) e corresponda ao cumprimento de um dever. Antes pelo contrário.

Podemos ler nesse acórdão que:

«… desde há muito que a exigência de igualdade é inerente à ideia de justiça, pelo que não é possível considerar que a realização da totalidade ou de grande parte do trabalho doméstico de uma casa, onde vive um casal em união de facto, por apenas um dos membros da união de facto, corresponda ao cumprimento de uma obrigação natural, fundada num dever de justiça. Pelo contrário, tal dever, reclama uma divisão de tarefas, o mais igualitária possível, sem prejuízo da possibilidade de os membros dessa relação livremente acordarem que um deles não contribua com a prestação de trabalho doméstico…

O exercício da atividade doméstica, por apenas, ou essencialmente por um dos membros da união de facto, sem contrapartida, resulta num verdadeiro empobrecimento deste, e a correspetiva libertação do outro membro da união da realização dessas tarefas, um enriquecimento, uma vez que lhe permite beneficiar do resultado da realização dessas atividades sem custos ou contributos. Como refere Júlio Gomes, o trabalho doméstico, embora continue a ser estranhamente invisível para muitos, tem obviamente um valor económico e traduz-se num enriquecimento enquanto poupança de despesas ou Paula Távora Victor, o trabalho doméstico constitui uma forma de contribuir para a aquisição de bens».

Assim, numa situação de cessação da união de facto, deve o trabalho realizado por um dos membros da união no circunstancialismo acima referido, ser contabilizado no quadro das contribuições que permitiram ao outro membro da união de facto a aquisição de património da sua titularidade.

Do mesmo modo, se devem tratar as tarefas realizadas com o cuidado e educação dos filhos nascidos dessa união de facto. Conforme se pode ler, neste acórdão, a propósito desta questão:

«Se existe um dever de cuidado e educação dos filhos (artigos 1874.º, n.º 1 e 2, 1877.º e 1879.º do Código Civil), esse dever recai sobre os dois membros da união de facto, pelo que, quando a respetiva prestação é cumprida exclusivamente ou predominantemente por um deles, essa atividade também se poderá incluir nas contribuições geradoras de um enriquecimento sem causa do membro da união de facto não participante.»

Também para os casados, prevê-se no artigo 1676.º n.º 2 do Código Civil, mecanismos que visam a compensação das contribuições desproporcionadas por um dos membros do casal para os encargos da vida familiar durante a vigência do casamento, aqui se incluindo também a realização de tarefas domésticas.

Com efeito, o legislador ponderou que «o trabalho realizado pelas mulheres no contexto familiar, hoje acumulado com o trabalho que desempenham no exterior, não é valorizado no contexto do casamento e permanece ainda mais invisível quando surge o divórcio, chamando a atenção para a necessidade do reconhecimento da importância decisiva para as condições de vida e equilíbrio da vida familiar dos contributos da chamada esfera reprodutiva, isto é dos cuidados com os filhos e do trabalho doméstico».

Sendo hoje o Dia Internacional da Mulher e confrontando-nos, nós, enquanto advogadas de Família, com situações como a supra descrita, queremos deixar o nosso contributo para uma sociedade mais justa e mais igual, com este artigo e esperamos que quem o leia e encontre correspondência com o que aqui é tratado e a sua situação de vida, compreenda que tem o que reclamar e, mais importante, que o que reclama tem acolhimento legal, doutrinário e jurisprudencial.

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As relações patrimoniais dos unidos de facto

As relações patrimoniais dos unidos de facto

Nos termos da lei, a união de facto corresponde à situação jurídica de duas pessoas que, independentemente do sexo, vivem em condições análogas às dos cônjuges, prolongando-se tal situação por mais de dois anos.

Do regime da união de facto resulta que o legislador optou por não regulamentar muito esta realidade, deixando uma margem de liberdade aos unidos de facto e, em situações de lacuna, não existe fundamento legal para preencher uma omissão por recurso ao regime legal que vigora para o casamento, tomando em conta que casamento e união de facto são situações legais distintas.

Um dos pontos que não se encontra contemplado na regulamentação legal da união de facto é o das relações patrimoniais entre os seus membros, na medida em que, ao contrário dos casados, não vigora, entre os unidos de facto, num regime de bens que regule as relações patrimoniais entre eles.

Do mesmo modo, nas uniões de facto não se contemplam questões como as relativas, por exemplo, à administração de bens ou às dívidas, situações estas que, pelo contrário, encontram esteio legal no casamento.

Ora, não existindo previsões legais relativas às relações patrimoniais entre os unidos de facto, as mesmas terão que ficar sujeitas ao regime geral das relações obrigacionais e reais, salvo se os unidos de facto, no âmbito da autonomia da vontade, tiverem acordado, por exemplo, nos termos da divisão dos bens que constituem o acervo patrimonial que foi constituído durante a união de facto, no caso de esta se extinguir.

E, caso os unidos de facto tenham optado por regular, entre si, os termos da sua partilha de bens e clausular a assunção de responsabilidades por dívidas contraídas na pendência da mesma união, deverá esse acordo ser cumprido entre ambos, no momento em que a união de facto se dissolve.

Com efeito, nada obsta a que, numa união de facto, sabendo os seus membros que a sua situação jurídica carece de previsões legais abrangentes, optem por, até de forma detalhada, regularem as suas relações patrimoniais, com identificação dos passivos existentes e de quem é responsável pelas mesmos, bem como concretizar o ativo existente e a identificação de quem fica com o quê.

A elaboração de um acordo deste tipo facilita a resolução das questões patrimoniais decorrentes da cessação da união de facto sendo que, em última instância e nada estado contratado entre os unidos de facto, sempre se pode recorrer ao regime jurídico do enriquecimento sem causa, para se poder solucionar os problemas que possam surgir em sede de efeitos patrimoniais decorrentes da cessação da união de facto.

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Proteção da união de facto

Proteção da união de facto

 

As relações familiares baseadas em uniões de facto são, cada vez mais comuns não sendo já novidade que, a união de facto goza e proteção legal.

Iremos elencar, de forma não exaustiva, alguns dos direitos de que os unidos de facto beneficiam e de que, nem sempre, têm consciência.

Em primeiro lugar, importa ter presente que não basta “viver junto” para poder beneficiar da proteção legal conferida por lei à união de facto.

Com efeito, em primeiro lugar, impõe-se que os unidos de facto vivam em condições análogas às dos cônjuges há mais de dois anos (artigo 1º da Lei n.º 7/2001 de 11 de maio, conhecida com Lei da União de facto).

O artigo 2º da mesma lei, prevê as situações nas quais, embora podendo existir uma situação em que duas pessoas vivam juntas, há mais de dois anos, em situação idêntica à dos cônjuges, não obstante, não beneficiarão da proteção conferida à união de facto.

Estas situações são, por exemplo, aquelas em que um dos membros da união tenha menos de 18 anos, na data em que se pretende que a situação de união de facto seja reconhecida ou que um dos membros da união tenha sido interdito ou inabilitado ou sofra de demência notória (ainda que com intervalos lúcidos). Também não será conferida qualquer proteção jurídica se, um dos membros do casal que “vive junto” se encontrar ainda casado com uma outra pessoa.

Estando em situação de união de facto que possa beneficiar da proteção conferida pela Lei 7/2011 de 11 de maio, os membros desta união, poderão beneficiar da aplicação do regime jurídico relativo às férias, feriados, faltas e licenças, nos exatos termos em que beneficiariam se, em vez de viverem em união de facto, tivessem optado por contrair casamento. Terão também direito de preferência na colocação de trabalhadores sempre que um dos membros da união seja trabalhador da Administração Pública.

Quem opte por viver em união de facto pode optar pela aplicação do regime do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares nas mesmas condições aplicáveis aos sujeitos passivos casados e não separados de pessoas e bens.

Para além destes direitos, que acabam por ter uma influência direta no dia-a-dia de quem opta por viver em união de facto, estas relações gozam também de proteção quando terminam.

Seja quando terminam por separação, seja quando terminam por morte de um dos membros da união.

Com efeito, os unidos de facto, quando fazem cessar a mesma têm direito à proteção da casa de morada de família, a qual pode ser atribuída – tal como nos divórcios – àquele que dela mais necessitar.

Também em situação de morte de um dos membros da união, aquele que lhe sobrevive vê serem-lhe atribuídos direitos de utilização da casa onde ambos viviam (artigo 5º da Lei 7/2001 de 11 de maio).

Também em situação de morte está prevista, entre outros, a proteção social, do sobrevivo, em caso de morte do beneficiário, por aplicação do regime geral ou de regimes especiais de segurança social.

Uma nota final para lembrar que, sempre que se pretenda exercer um direito resultante da existência de uma união de facto, esta terá que ser provada, através das formas previstas no artigo 2º A, da Lei 7/2001 de 11 de maio.

 

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Os direitos sucessórios dos unidos de facto - breves notas

Os direitos sucessórios do unido de facto – breves notas

 

Atendendo à relevância que vai assumindo na realidade social, afirmando-se mesmo como uma nova forma de família, impõe-se uma análise da posição sucessória do convivente sobrevivo na união de facto.

Chegou a ser discutida, na subcomissão responsável pela reforma do Código Civil em 1977, a inclusão na ordem da sucessão legal do unido de facto. Tal possibilidade não foi acolhida pela subcomissão e apenas se concedeu ao unido de facto um direito a alimentos, nos termos do art. 2020.º do Código Civil[1]. Assim, o convivente sobrevivo tem o direito de exigir alimentos da herança do falecido, ainda que não se trate verdadeiramente de um direito sucessório[2]. Portanto, quando exista uma união de facto, nos termos da Lei n.º 7/2001, de 11 de maio, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 23/2010, de 30 de agosto, e pela Lei n.º 2/2016, de 29 de fevereiro, e estejam preenchidos os pressupostos gerais dos arts. 2003.º e segs., o convivente sobrevivo tem direito a uma pensão de alimentos a prestar pela herança do falecido.

Do ponto de vista sucessório, o convivente sobrevivo, não sendo herdeiro legal, pode ser herdeiro testamentário do falecido, nos termos gerais dos arts. 2179.º e segs.

É de realçar que não pode existir qualquer caso de indisponibilidade relativa, previstos nos arts. 2192.º e segs., e, em especial, no art. 2196.º, n.º 1. Em função do vínculo especial que o testador mantém com uma determinada pessoa a lei estabelece certas proibições de testar, certos casos de indisponibilidades relativas testamentárias. Assim, é nula a disposição a favor da pessoa com quem o testador casado cometeu adultério (art. 2196.º, n.º 1). O n.º 2 do referido art. 2196.º considera, porém, não haver nulidade da disposição testamentária se o casamento já estava dissolvido ou os cônjuges estavam separados de pessoas e bens à data da abertura da sucessão (al. a))[3] ou se a disposição se limitar a assegurar alimentos ao beneficiário, tratando-se, portanto, de um legado de alimentos (al. b)).

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Face à Lei n.º 7/2001, de 11 de maio, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 23/2010, de 30 de agosto, o convivente sobrevivo goza ainda de direitos relativos à atribuição da casa de morada comum e à transmissão do direito de arrendamento (art. 5.º da referida lei e art. 1106.º do Código Civil).

O art. 5.º, n.º 1, da referida lei, atribui ao membro sobrevivo um direito real de habitação da casa de morada da família, propriedade do membro falecido, e um direito de uso do respetivo recheio, pelo prazo de cinco anos. Se os membros da união de facto eram comproprietários da casa de morada da família e do respetivo recheio, o sobrevivo tem os direitos referidos, em exclusivo (n.º 3). No caso de a união de facto ter começado há mais de cinco anos antes da morte, os mesmos direitos são conferidos por tempo igual ao da duração da união (n.º 2).

Excecionalmente, e por motivos de equidade, o tribunal pode prorrogar os prazos anteriormente referidos considerando, designadamente, os cuidados dispensados pelo membro sobrevivo à pessoa do falecido ou a familiares deste, e a especial carência em que o membro sobrevivo se encontre, por qualquer causa (n.º 4).

Se o interessado não habitar a casa por mais de um ano, os direitos em causa caducam, salvo se a falta de habitação for devida a motivo de força maior (n.º 5)[4].

A atribuição do direito real de habitação da casa de morada da família tem a natureza de um legado legal (e imperativo). De facto, além da possibilidade de existência de legados testamentários e contratuais pode falar-se em legado legal, à luz do art. 5.º, que prevê um direito real de habitação, pelo prazo de cinco anos, a favor do convivente sobrevivo, relativamente à casa de morada comum[5].

Esgotado o prazo em que beneficiou do direito de habitação, o membro sobrevivo tem o direito de permanecer no imóvel na qualidade de arrendatário, nas condições gerais do mercado, e tem direito a permanecer no local até à celebração do respetivo contrato, salvo se os proprietários satisfizerem os requisitos legalmente estabelecidos para a denúncia do contrato de arrendamento para habitação, pelos senhorios, com as devidas adaptações (art. 5.º, n.º 7). Na falta de acordo sobre as condições do contrato, o tribunal pode fixá-las, ouvidos os interessados (n.º 8).

O membro sobrevivo tem também direito de preferência em caso de alienação do imóvel, durante o tempo em que o habitar a qualquer título (n.º 9).

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No caso de a casa de morada da família ser arrendada, o membro sobrevivo beneficia da proteção prevista no artigo 1106.º do Código Civil. Assim, o direito ao arrendamento para habitação não caduca por morte do arrendatário quando lhe sobreviva pessoa que com ele vivesse no locado em união de facto há mais de um ano[6]. Se o arrendatário era o membro falecido, a sua posição transmite-se ao membro sobrevivo; se no contrato de arrendamento constavam como arrendatários ambos os membros, a morte de um provoca a concentração do arrendamento no outro[7].

Importa ainda referir o regime de acesso às prestações por morte de que beneficia o membro sobrevivo, nos termos dos arts. 3.º, als. e), f), e g), e 6.º da Lei n.º 7/2001, de 11 de maio, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 23/2010, de 30 de agosto, e pela Lei n.º 2/2016, de 29 de fevereiro.

Independentemente da necessidade de alimentos, o membro sobrevivo da união de facto beneficia de proteção social por aplicação do regime geral ou de regimes especiais de segurança social (subsídios por morte e pensão de sobrevivência); tem direito a prestações por morte resultante de acidente de trabalho ou doença profissional; e às pensões de preço de sangue e por serviços excecionais e relevantes prestados ao País (arts. 3.º, als. e), f), e g), e 6.º). A entidade responsável pelo pagamento das prestações, tendo fundadas dúvidas sobre a existência da união de facto, deve promover a competente ação judicial com vista à sua comprovação, salvo se a união de facto tenha durado pelo menos quatro anos (art. 6.º, n.ºs 2 e 3).

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De mencionar, por fim, no caso de lesão de que proveio a morte de um dos membros da união de facto, o direito do sobrevivo de exigir ao autor da lesão uma indemnização pelos prejuízos sofridos. O convivente sobrevivo tem direito a uma indemnização por danos patrimoniais, se o falecido lhe prestava alimentos, nos termos do n.º 3 do art. 495.º, e por danos não patrimoniais. De facto, prevê o art. 496.º, n.ºs 2 e 3, que, por morte da vítima, se esta vivia em união de facto, o direito à indemnização por danos não patrimoniais cabe, em primeiro lugar, em conjunto, à pessoa que vivia com ela e aos filhos ou outros descendentes.

As recentes alterações na estrutura da família, o progressivo aumento dos casais que vivem em união de facto e o entendimento de que o direito sucessório deve assegurar o destino dos bens do de cuius privilegiando aqueles que com este tinham uma maior relação afetiva e de entreajuda, levam alguns autores a considerar adequado uma equiparação da posição do convivente sobrevivo aos direitos sucessórios do cônjuge sobrevivo[8].

Os ordenamentos jurídicos europeus têm vindo a reconhecer efeitos jurídicos às uniões de facto, sendo progressivamente reconhecidas como novas formas de família. Assim, poderá justificar-se uma proteção sucessória semelhante à do cônjuge sobrevivo, especialmente no domínio da sucessão legítima e até legitimária, tal como noutros domínios jurídicos. Criticável poderá ser a natureza jurídica da legítima consagrada no direito português.

Para isso, julgamos ser necessária uma prova mais exigente e fiável da existência da união de facto (como um contrato reconhecido notarialmente ou o registo, como acontece noutros ordenamentos jurídicos) do que a prevista atualmente no art. 2.º-A da Lei n.º 7/2001, de 11 de maio, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 23/2010, de 30 de agosto, e pela Lei n.º 2/2016, de 29 de fevereiro, sob pena de se poder vir a atribuir efeitos sucessórios a meras relações de facto que não configuram verdadeiramente uma união de facto à luz do art. 1.º da referida lei.

 

Cristina Dias

Professora Associada com Agregação

da Escola de Direito da Universidade do Minho

 

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[1] Sempre que sejam citados artigos, sem indicação expressa do diploma a que pertencem, a menção reporta-se ao Código Civil.

[2] A atual redação do art. 2020.º resulta da Lei n.º 23/2010, de 30 de agosto. O n.º 1 do art. 2020.º na redação original dispunha que a pessoa que vivia com o autor da sucessão há mais de dois anos em condições análogas às dos cônjuges tinha o direito de exigir alimentos da herança do falecido, se os não pudesse obter nos termos das als. a) a d) do art. 2009.º, isto é, se não pudesse ser alimentado pelo seu cônjuge ou ex-cônjuge, descendentes, ascendentes ou irmãos. Isto significava que o art. 2020.º só seria aplicável se não houvesse possibilidade de prestação de alimentos nos termos do art. 2009.º. A questão originava alguma discussão jurisprudencial. V., AAVV, 2.ª Bienal de Jurisprudência, Coimbra, Coimbra Editora, 2005, pp. 49-53.

[3] Esta al. a) considera também não haver nulidade da disposição testamentária se os cônjuges estavam separados de facto há mais de seis anos. Cremos que a norma tem que ser interpretada à luz da atual redação do art. 1781.º. Isto é, a referência à separação de facto por seis anos articulava-se com o fundamento de divórcio previsto na al. a) do art. 1781.º na redação original da Reforma de 1977. Se os cônjuges estavam em condições de pedir o divórcio e a separação de pessoas e bens (por remissão do art. 1794.º), a situação da separação de facto podia ser equiparada a estas duas para admitir a validade da disposição testamentária. As alterações sofridas no regime jurídico do divórcio, sendo a mais recente introduzida pela Lei n.º 61/2008, de 31 de outubro, deram nova redação ao art. 1781.º e, no que aqui nos importa, basta, como fundamento de divórcio sem consentimento, a separação de facto por um ano consecutivo (al. a)). Assim, parece-nos que a disposição testamentária a favor da pessoa com quem o testador casado cometeu adultério deve ser válida se os cônjuges estavam separados de facto há mais de um ano.

[4] Além disso, o direito real de habitação previsto no n.º 1 do art. 5.º não é conferido ao membro sobrevivo se este tiver casa própria na área do respetivo concelho da casa de morada da família; no caso das áreas dos concelhos de Lisboa ou do Porto incluem-se os concelhos limítrofes (art. 5.º, n.º 6).

[5] E que prevalece sobre o direito de propriedade de um terceiro que tenha adquirido e registado o bem (a casa) dos herdeiros após a morte do convivente.

[6] A união de facto produz, para este fim em concreto (de evitar a caducidade do direito ao arrendamento), efeitos se se mantiver por um ano (não se exigindo os dois anos previstos no art. 1.º, n.º 2, da Lei n.º 7/2001, de 11 de maio, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 23/2010, de 30 de agosto, e pela Lei n.º 2/2016, de 29 de fevereiro). Além de o arrendatário de cuius viver em união de facto há mais de um ano, é necessário que essa vivência por um ano seja no locado.

[7] É verdade que o art. 1106.º apenas refere a transmissão do arrendamento por morte, mas entende-se incluir também a concentração do arrendamento no convivente sobrevivo. Além do mais, a situação é referida no art. 1107.º.

[8] Christoph Castelein, “Introduction and objectives”, in AAVV, Imperative Inheritance Law in a Late-Modern Society – five perspectives, Antwerp – Oxford – Portland, Intersentia, 2009, pp. 19 e 20.

 

 

 

O enriquecimento sem causa

O enriquecimento sem causa

 

Dispõe o artigo 473º do Código Civil que:

«1. Aquele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou.

  1. A obrigação de restituir, por enriquecimento sem causa, tem de modo especial por objeto o que for indevidamente recebido, ou o que for recebido por virtude de uma causa que deixou de existir ou em vista de um efeito que não se verificou

Em face deste artigo, a obrigação de restituir fundada no enriquecimento injusto impõe a verificação cumulativa de três requisitos:

- o enriquecimento de alguém;

- o enriquecimento sem causa justificativa;

- o enriquecimento ter sido à custa de quem requer a restituição.

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O enriquecimento sem causa, fonte autónoma de obrigações, consagra uma obrigação de restituir o que se adquiriu sem causa, correspondendo tal a uma necessidade moral e social para o restabelecimento do equilíbrio injustamente quebrado entre os patrimónios e que, de outra forma, não era possível obter-se.

A ação de enriquecimento sem causa tem pois, como fim remover o enriquecimento do património do enriquecido, transferindo-o novamente para o património do empobrecido.

No que respeita à falta de justificação para o enriquecimento esta pode nunca ter existido ou, tendo existido, entretanto, ter deixado de existir.

Exemplo de uma situação em que, inicialmente existiu uma justificação para o enriquecimento mas que, entretanto, deixou de existir, é a resultante de contribuições feitas por um membro de uma união de facto que beneficiam, por exemplo, património do outro, o qual na vigência da união de facto era utilizado por ambos os membros como, por exemplo, a casa de morada de família.

Uma vez dissolvida a união de facto, o membro proprietário do bem, no qual foi, por exemplo, investido dinheiro do outro membro, obtém um claro benefício patrimonial, enquanto o outro fica prejudicado, na mesma proporção.

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A contribuição do membro da união de facto prejudicado não pode ser enquadrada em qualquer dos deveres, resultantes da vivência em união de facto não sendo, por isso, possível atribuir ao enriquecimento tal causa, apesar de, evidentemente, a relação familiar estabelecida a partir da união de facto não ser alheia à contribuição efetuada.

Assim a união de facto constituiu a causa jurídica da contribuição monetária realizada pelo empobrecido. Contudo, com a dissolução da união de facto, extinguiu-se a causa jurídica justificativa da referida contribuição deixando a mesma de ter justificação e ocorrendo, assim, uma clara situação de enriquecimento sem causa, por parte do membro da união que ficou beneficiado ficando este, por isso, sujeito à obrigação de restituir ao outro, aquilo que, agora já sem justificou, recebeu.

Finalmente, refira-se que o enriquecimento sem causa tem natureza subsidiária o que significa que só pode ser invocado quando a lei não facultar ao empobrecido qualquer outro meio de compensação ou restituição.

 

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Fim da união de facto: o que acontece à casa de morada de família?

Fim da união de facto: o que acontece à casa de morada de família?

Nos dias de hoje, a opção pela união de facto apresenta-se como uma alternativa ao casamento, prescindindo-se da legalização da relação afetiva, por razões várias, seja de índole pessoal ou, mesmo, de índole económica.

Esta forma de relação está prevista na lei, considerando-se que existe união de facto, merecedora de proteção legal, quando duas pessoas vivem, em condições idênticas às dos cônjuges, por um período superior a dois anos.

Em situação de rutura, uma das questões que se levanta respeita ao destino a dar à casa onde a família vivia.

Por regra, ocorre uma de três situações: a casa é de um dos membros, a casa é propriedade de ambos ou a casa é arrendada (pode ser arrendada por um dos membros ou por ambos).

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