O inventário por divórcio e o património comum

Conforme decorre do artigo 1688.º do Código Civil, as relações pessoais e patrimoniais entre os cônjuges cessam pela dissolução do casamento, sendo que não obstante os efeitos do divórcio se produzirem a partir do trânsito em julgado da sentença que o decreta, a verdade é que, conforme decorre do artigo 1789.º do Código Civil, os referidos efeitos patrimoniais retrotraem-se à data da proposição da ação de divórcio.

Para efeitos de partilha por divórcio, tal equivale a dizer que o património comum dos ex-cônjuges (anteriormente casados em regime de comunhão) corresponde àquele que existia na data em que foi proposta a ação de divórcio.

Assim sendo, apenas os bens que compõem o património comum do ex-casal à data da propositura da ação é que relevam para efeitos de partilha. Por exemplo, apenas relevará, para efeitos de partilha, o saldo da conta bancária à data da propositura da ação de divórcio, significando tal que, quer os movimentos anteriores, quer os movimentos posteriores a essa data não assumem relevância para efeitos da partilha a realizar.
Assim, se um dos ex-cônjuges tiver levantado dinheiro de uma conta bancária comum antes da data de propositura da ação de divórcio, tal montante não poderá ser levado à partilha do acervo comum, pois o levantamento de um montante nestes moldes integra um ato de administração ordinária relativamente aos bens comuns do casal conforme resulta do n.º 3 do artigo 1678.º do Código Civil.

Nos termos do disposto no artigo 1681.º n.º 1 do Código Civil, o cônjuge que administra bens comuns está isento de prestar contas da administração que faz sendo que terá que responder pelos «atos intencionalmente praticados em prejuízo do casal ou do outro cônjuge» conforme resulta do artigo 1681.º n.º 1 do Código Civil, mas tal matéria nada tem que ver com a partilha por divórcio, a qual, conforme supra referido, abrange apenas os bens que compõem o acervo comum à data da propositura da ação de divórcio.

 

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Saída do domicílio conjugal: o que levar?

Saída do domicílio conjugal: o que levar?

Não é raro acontecer que, numa situação de escalada de violência verbal e/ou psicológica, um dos membros do casal decida que o melhor, para cada um e para os filhos é, ambos, deixarem de viver debaixo do mesmo teto. Um fica na casa e o outro sai, sem que, antes, esteja o divórcio decretado e sem que as responsabilidades parentais estejam reguladas.

Há pessoas que saem de casa, não levando praticamente nada; há outras pessoas que querem logo levar o que consideram que lhes pertence e/ou é justo ficar para elas e há situações em que as pessoas, primeiro, saem de casa e, depois, querem ir buscar o que é seu e, aí, pode acontecer que o membro do casal que ficou em casa, comece a levantar problemas, impedindo o acesso do outro à casa, dizendo que já se desfez do que era do outro, etc.

Assim, a pergunta que se coloca é: o que é que uma pessoa pode levar consigo quando sai do lar conjugal?

Pode levar os seus bens pessoais, os seus bens próprios e o que se mostre necessário ao desempenho da sua profissão.

Quanto aos bens pessoais, falamos aqui do que é usado pela própria pessoa e por mais ninguém, como seja roupa, o telemóvel, o computador pessoal, os documentos, etc.

Já quanto aos bens próprios, correspondem àqueles que já eram da sua propriedade antes do casamento ou que lhe tenham sido doados ou, por si, herdados.

No que respeita aos bens necessários para o exercício da profissão, estarão em causa bens diversos consoante a profissão de uma pessoa. Se estivermos a falar de um fotógrafo, a máquina fotográfica será um bem necessário ao exercício da profissão, se estivermos a falar de um professor de surf, a prancha de surf e demais material será necessário ao exercício da sua profissão e, assim, sucessivamente.

Situação diferente é aquela em que o casal tem um negócio comum e, aí, não poderá o membro do casal que sai de casa, levar o equipamento que é necessário ao funcionamento do negócio.

Do mesmo modo, não faz sentido que quem sai de casa leve consigo os eletrodomésticos que se mostrem necessários ao funcionamento do lar, o mesmo acontecendo com as mobílias, não fazendo sentido que se deixe uma casa habitada por uma família, sem móveis.

Idêntico cuidado há que ter com o carro utilizado pela família, nomeadamente, o carro que é usado para levar as crianças ao estabelecimento de ensino que frequentam.

Porque a saída de casa e a definição dos bens que podem ser levados pode suscitar ainda mais discussões, faz todo o sentido que os membros do casal falem e listem os bens que pertencem a ambos e os que não pertencem, como também faz sentido que ambos listem os bens que, por acordo, o que sai de casa, leva consigo.

Do mesmo modo, faz todo o sentido, para memória futura que, quanto aos bens comuns ou que ficam na casa, se inventariem os mesmos, para que, mais tarde, dúvidas não restem sobre o que, no momento da saída de um dos membros do casal, ficou na casa, sendo ainda aconselhável que se atribua valor a esses bens.

Tal listagem evitará problemas no futuro e dissuadirá que quem fica em casa se desfaça dos bens, os estrague ou, mais tarde, venha dizer que, afinal, esses bens são bens próprios seus.

Como em tudo na vida, a prudência é necessária e quando se fecha um capítulo deve acautelar-se o mais possível todas as situações, especialmente, numa situação de rutura entre duas pessoas, com emoções e mágoas à mistura.

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Quando os pais se separam, os filhos não se separam dos pais

Quando os pais se separam, os filhos não se separam dos pais

Quando se regulam as responsabilidades parentais, a regra é a do regime de residência alternada, equivalendo tal a dizer que os filhos, vivem com cada um dos pais, em tempos tendencialmente iguais. A outra hipótese é a fixação da residência dos filhos com um dos progenitores, com estabelecimento de um regime de visitas com o outro.

Para além destas duas soluções, mais evidentes e mais regulares, há pais que acordam entre si um regime diferente, na tentativa de beliscar o menos possível a estabilidade dos filhos.

Assim, por vezes e, até como solução inicial, os pais acordam que os filhos continuam a viver na casa onde sempre viveram com os pais e, estes, alternadamente, passam a viver nessa casa.

Esta solução pode, no imediato, apresentar-se como a que dá estabilidade aos filhos, na medida em que estes se mantêm integrados no ambiente que conhecem e são os pais que, alternadamente, vivem uma semana na casa, ou seja, na primeira semana, os filhos vivem na casa com a mãe e, na segunda semana, os filhos vivem na casa com o pai e, assim, sucessivamente (ou outra periodicidade que os pais acordem entre si).

No entanto e, em termos práticos, esta solução pode não consubstanciar uma solução que contribua para a estabilidade que se procura não tendo, também, na maior parte dos casos,  vocação para ser duradoura, tomando em conta que, na verdade, o que acontece é que esta solução acaba por trazer consigo um conjunto de problemas que se tornam de difícil resolução, potenciando um conflito entre os pais que se pode estender aos filhos.

Um dos problemas que se coloca é que, neste regime, o imóvel que, em regra, é da propriedade de ambos os progenitores, não é partilhado, ficando a situação da propriedade pendente.

Outro problema que se coloca é o de que, neste regime, não há como atribuir o imóvel àquele que mais necessite do mesmo, no quadro da atribuição da casa de morada de família.

Mais, esta solução, apresenta-se como uma solução dispendiosa, tomando em conta que os pais acabam por ter custos com três imóveis: o imóvel onde os filhos habitam e os dois imóveis em que cada um dos pais vive (salvo se, por exemplo, forem viver para casa de familiares).

Existirão, também, problemas práticos relacionados, por exemplo, com o pagamento dos consumos domésticos podendo tal contribuir também para gerar conflitos entre os pais, discutindo estes quem gasta mais o quê e porque é que as contas têm que ser pagas em partes iguais.

Por fim, não podemos deixar de enfatizar que o convívio que acaba por continuar a existir entre o ex-casal pode vir a ter reflexos na futura vida afetiva destes, causando desgastes e, consequentemente, gerando tensões e conflitos que se podem repercutir nos filhos.

Ou seja, esta solução, se duradoura, pode ser mais problemática do que, num primeiro momento, se possa pensar.

Não se descarta que esta solução, se vigorar durante um período de tempo curto e definido, possa trazer a vantagem que se pretende alcançar que é a estabilidade imediata do menor e a sua preparação para a separação dos pais e para a evolução para um regime de regulação de residências alternadas, em que os filhos vivem, com a mãe e com o pai, em tempos tendencialmente igualitários.

Com efeito, nada impede que os pais acordem neste regime se fixarem, entre si, um prazo para partilharem o património comum, onde a casa se inclui e, assim, terem liquidez para, no futuro próximo, solucionarem o problema da sua própria habitação e refazerem as suas vidas proporcionando, desta forma, uma maior qualidade de vida aos filhos.

Do mesmo modo, pode também ser uma solução que se mostre adequada, enquanto um dos progenitores negoceia com o banco a concessão de um empréstimo para adquirir, ao outro, a sua parte no imóvel.

Esta solução que, conforme se referiu acarreta problemas vários, tem sempre que ser desenhada no sentido de garantir o superior interesse dos menores, ainda que vigore por um curto e definido período de tempo, pois, a verdade é que quando se trata de filhos as soluções são no interesse destes e não no interesse dos pais.

Assim, nada impede que os pais acordem entre si um regime destes, nos termos referidos e que o mesmo seja a antecâmara para o regime de residência alternada, regime-regra consagrado na lei, desde que este regime, pelas circunstâncias do caso concreto, se apresente como um regime que beneficia os filhos, nomeadamente, amortecendo o impacto da separação dos pais e da nova vida que terão que viver e amortecendo também a vivência de problemas dos pais que se podem, na separação, confrontar com problemas vários, nomeadamente, de liquidez, que acabam, naturalmente, por se refletir nos filhos e até na capacidade de os pais contribuírem para as despesas dos filhos.

Em conclusão, o que releva é que as soluções que os pais encontram, no âmbito de uma separação ou de divórcio, para os filhos, devem ser faladas e ponderadas de forma madura e, preferencialmente, recorrendo à necessária assessoria técnica que os ajude a encontrar as melhores soluções no quadro legal vigente, tomando em conta que tudo o que respeita a filhos tem que passar pelo crivo do Ministério Público e tem que ser homologado.

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Violência Doméstica – do Reconhecimento à Superação

Representações sociais na violência doméstica


A teoria das representações sociais é importante na análise ao fenómeno da violência doméstica, visto que busca compreender o ser humano considerando-o como sujeito construído a partir do que o determina evolutivamente, historicamente, culturalmente e socialmente, não esquecendo que é também ele que constrói a sua realidade social.
Percebe-se que a violência expressa padrões de sociabilidade, modos de vida, modelos atualizados de comportamentos vigentes em determinada sociedade e em determinado espaço temporal, desta forma, observa-se que a violência expressa as relações sociais, não apenas na dimensão das classes, mas também das pessoas. 


Violência Doméstica – do Reconhecimento à Superação

As representações sociais da violência doméstica relacionam-se com a construção sociocognitiva, com o agir de acordo com as representações sociais próprias e que orientam os comportamentos e práticas. 
Verifica-se que um ambiente familiar hostil e desequilibrado, pode afetar a aprendizagem, o desenvolvimento físico, cognitivo e emocional de todos os intervenientes diretos e até indiretos, assim, percebe-se que a cultura exercida dentro de casa, irá estabelecer normas, valores e costumes, constituindo um dos fatores para o modo como os indivíduos se relacionarão de acordo com a distribuição de poder.


Estudos demonstram a existência de uma banalização da violência doméstica



Pelo facto de a violência acontecer de forma tão sistemática, passa a ser banalizada e considerada como norma, isto é, passa a ser culturalmente legitimada e há uma confusão geral sobre o que é defesa e o que é ataque, o que é proteção e o que é agressão.
Em algumas sociedades a violência faz parte do quotidiano, existindo uma grande permissividade social referente à violência nas notícias sobre crimes, assaltos, sequestros, os quais são ouvidos pela maioria das pessoas sem que reflitam sobre a influência que tais práticas têm nas suas próprias vidas, tornando a aproximação a tais situações, assuntos relativamente banais. 


No fenómeno da violência doméstica é essencial o estudo intensivo e o planeamento de estratégias de intervenção.  
A investigação permanente que é necessária e a análise crítica por profissionais especializados com a compreensão e intervenção nas situações de violência torna-se essencial pelo facto de esta transitar dialeticamente entre as relações sociais e as interpessoais. Porém, ambas consistem na negação de direitos fundamentais e universais como liberdade, igualdade e respeito à vida”(Almeida, 2005)





O contributo Relacional nas relações violentas

A conjugalidade: 

Quando pensamos numa relação a dois, numa relação conjugal, poderá ser imediata a ideia de fusão, união e partilha.
Estas componentes são realmente importantes, uma vez que a relação de casal é um prolongamento de aprendizagem adquiridas na infância, onde nos conhecemos e nos desenvolvemos ao nível das relações humanas.
Uma relação de conjugalidade permite-nos ter contacto com partes de nós, que na maioria das outras relações sociais, não são postas à “prova”. (Talvez por isto existam indivíduos violentos apenas na conjugalidade).
A relação romântica é uma peça fundamental de nós, do nosso autoconceito, fazendo realmente parte da nossa identidade. 

Pelas características acima referidas, as relações românticas podem ser de extremo crescimento, ou pelo contrário, de manutenção das dificuldades dos padrões adquiridos previamente na infância. Sendo assim, quando falamos de relações violentas ou abusivas, curiosamente (ou não) acentuamos as polaridades: tudo ou nada; amar ou odiar.
Desta forma, as ambivalências aumentam e a dificuldade em sair da relação ou de quebrar o padrão acentua-se. 

O autoconceito de cada um dos envolvidos fica também fragilizado e os seus “demónios” (refiro-me aos esquemas – Teoria dos esquemas de Young) são amplificados, tornando a relação mais abusiva e descontrolada.


Relações-violentas

Esquemas Precoces Desadaptativos nas Relações violentas

Os esquemas referem-se a memórias, emoções, sensações corporais e cognições à volta de um tema de infância como abandono, abuso, negligencia ou rejeição. Por isso, existe uma grande componente emocional e muitas vezes inconsciente. 

Nas relações românticas, parece existir uma tendência de encaixe (vitima-agressor) onde os seus esquemas são os mesmos, mas a sua estratégia de lidar com este é aposta (ex: esquema de inferioridade: agressor lida com este por compensação, logo exibe-se grandiosamente; vitima lida com o esquema por manutenção, sentindo-se e referindo-se inferior). Ora com estas características, amplificamos as dificuldades de ambos, a vítima sente-se ainda mais inferior e o agressor aumenta a sua tendência narcísica, não resolvendo ou melhorando o seu esquema desadaptativo. 

É por estas características que caso não se intervencione em ambos os envolvidos, a relação não poderá ser curada. A prova disto é as reincidências em relações violentas (mesmo que com outro agressor). É preciso ajudar ambos os envolvidos para que não recaiam nos seus padrões e possam usufruir de relações saudáveis. 

Catarina Pires
Psícologa Clínica




“Quase morri das lágrimas que não chorei”

A equação matemática do amor-próprio


Estás preso e escrevo-te sabendo que não sentes culpa. O Juiz impõe a sentença sob uma culpa que não te faz mossa. A prisão para onde te mandaram nada fará e eu, para mim escrevo, para exclamar uma nova vida. Antes de te dizer como te venci, repito no subconsciente, mil vezes por dia, estas palavras: 

“Embora tenha o universo,
nada posso afirmar ter,
pois o desconhecido não posso conhecer,
se me agarrar ao que já conheço”


Perdi o medo e procurei ajuda especializada. Libertei-me da crença que pedir ajuda é fraqueza. Sentada na poltrona que comprei para o nosso lar, chorei as lágrimas retidas no coração. A cada gota rompi a culpa e o medo que vivi quando me batias. 


Perdi o medo e procurei ajuda especializada.

Não, essas lágrimas não são aquelas que poderia ter chorado, cada vez que me feriste! As lágrimas do presente estão envoltas de amor-próprio e perdão. Aceito a realidade do passado e não vou em cantigas que tudo já passou. Nada disso! Sei que vou estar em constante processo de auto-cura e, sempre que a dor me atormentar, aceitarei que ser Pessoa é um desafio constante.

Na Clínica Learn2be, aprendi que o coachingé uma relação de parceria que revela e liberta o meu potencial de forma a maximizar o meu desempenho. É ajudar-me a aprender ao invés de me ensinar algo” (Timothy Callwey ).

Aprendi que, para te perdoar, tinha de vencer a luta com os meus fantasmas interiores. Estou grata e comemoro-me diariamente! Munida dos recursos certos e acompanhada em segurança em todo o processo.



Descobri que o amor-próprio tem uma equação matemática: é igual à soma de dois sorrisos e de duas lágrimas.


Agora sou capaz de me valer por mim mesma. No Learn2be deixei gratidão e um até sempre. Regozijo-me por ter agarrado o desconhecido do processo de coaching e, se entrei dilacerada em vergonha, à saída senti a serenidade em estado puro.

Tivesses tu, um dia, a sabedoria de saber sorrir e chorar, como eu agora sei. Um dia, pudesses tu libertar-te da mediocridade da raiva em que vives e desse sentimento que tudo e todos te devem. Mesmo que fosses hoje solto, sete anos antes da sentença, não teria medo de te encontrar. As paredes da prisão não se comparam à tua cela mental. Vai, liberto-te... desagarro-me ao que conheço de ti (e renasço)!

Robert Fisher escreveu o livro “O Cavaleiro da Armadura Enferrujada” de onde retirei o título e o excerto deste artigo. Desejo-lhe presença de espirito, coragem e sabedoria para voltar aqui, sempre que a mediocridade de alguém a/o maltratar.

Marque a sua sessão de coaching e num espaço seguro poderá aprender todas as ferramentas da equação matemática do amor-próprio!  

Pedro Miguel Figueiredo
Life Coach



E se a violência doméstica bater à porta de quem mais gosta?

E se a violência doméstica bater à porta de quem mais gosta?

Da sua melhor amiga, do seu melhor amigo, da sua irmã, do seu irmão, da sua mãe, do seu pai. Poderia ser qualquer um deles a sofrer de violência doméstica. Já pensou como poderia ajudá-los? 

A sua intervenção pode ser fundamental para que essa pessoa ganhe coragem para falar e peça ajuda para sair do terror em que vive todos os dias: a violência doméstica. Não se esqueça que a vítima lida com esta dura realidade sozinha e é essencial sabermos identificar os sinais. 

A violência doméstica é crime, mas não se deixe levar por emoções de raiva ou de revolta. O mais importante é poder ajudar a vítima, seja sua conhecida ou não, a procurar apoio, porque é ela quem deve sentir que quer ser ajudada. Todas as decisões são sempre da própria vítima. 


Quais os sinais mais comuns de quem sofre de violência doméstica?

É importante ter a consciência de que deixar uma relação violenta pode ser muito difícil e perigoso. E ajudar uma vítima de violência doméstica não significa resolver a situação pelos seus próprios meios. 

APAV – Associação Portuguesa de Apoio à Vítima,destaca os principais sinais: 

A vítima está anormalmente bastante nervosa ou deprimida; cada vez mais isolada dos amigos e familiares; muito ansiosa sobre a opinião ou comportamentos do seu/sua companheiro(a); com marcas não justificadas ou mal explicadas como, por exemplo, nódoas negras, cortes, queimaduras. 

Ou se o namorado ou namorada do seu conhecido: desvaloriza e humilha-o à sua frente e de outras pessoas; está sempre a dar-lhe ordens e decide tudo de forma autoritária; controla todo o dinheiro e os contactos e saídas sociais do seu conhecido.


O que nunca deve dizer/fazer à vítima:

Dizer que vai ficar desapontado(a) se ela não seguir os seus conselhos ou se voltar para o(a) agressor(a); fazer comentários que possam culpabilizar a vítima por ser vítima; tentar fazer "mediação" entre a vítima e o(a) agressor(a); confrontar o/a agressor/a, porque pode ser perigoso para si e também para a vítima.

Atenção e sensibilidade são fundamentais, para cuidar de quem mais amamos, e cuidar do próximo. Um desconhecido ou um conhecido nosso pode estar neste momento a sofrer de violência doméstica; o vizinho a quem apenas dizemos “bom dia” pode estar a precisar da nossa ajuda. Estamos realmente atentos às outras pessoas? Ao que se passa mesmo à nossa volta?



Se cada um de nós estiver mais desperto e disposto a ajudar os outros, estará a contribuir para um mundo melhor, mais feliz.


Para contactar APAV:116 006 (chamada gratuita); apav.sede@apav.pt


Nicole Matias
Life Coach




Reconhecer a relação violenta


Reconhecer que se está numa relação violenta não é fácil. Identificá-la de uma perspetiva exterior é algo claro e objetivo, mas reconhecê-la a partir de dentro é bem mais complexo. Isto acontece porque quando se é vitima de abuso e violência, são desencadeados processos emocionais que dificultam o reconhecimento da situação. Um destes processos é a desculpabilização das atitudes abusivas, procurando justificações para estes comportamentos. Muitas vezes, a vítima culpabiliza-se pelos comportamentos violentos do parceiro, sentindo que os provocou por algo que fez ou não fez. Geralmente este sentimento surge porque a vítima acredita e interioriza a argumentação utilizada pelo agressor. Surge também o processo de negação, um mecanismo de defesa contra a dor emocional avassaladora, que leva a que a vítima desvalorize os sinais evidentes de violência e se agarre à esperança de que a situação vai melhorar.


Reconhecer a relação violenta

Para emergir desta confusão emocional que impede o reconhecimento da situação, é necessário desconstruir as crenças que a alimentam. O ciúme, a possessividade e o controlo não são sinais de amor, nem de preocupação. Estas atitudes nascem da insegurança e do desrespeito, são doentias e são o oposto do apoio emocional, confiança e companheirismo que caracterizam uma relação amorosa saudável. A manipulação, a intimidação, a humilhação e a agressão são injustificáveis, unicamente da responsabilidade de quem as comete e são inaceitáveis. Ninguém merece ser tratado assim e nada justifica viver numa sensação de medo permanente. As atitudes abusivas não melhoram com o tempo, pelo contrário, tendem a tornar-se cada vez mais violentas, sendo por isso importante terminar a relação o mais cedo possível.


Terminar a relação violenta

Depois de reconhecer que está numa relação violenta e decidir-se a terminá-la, deve contar a situação e pedir ajuda a familiares e amigos. Nesta fase, a prioridade é garantir a sua segurança, uma vez que terminar uma relação desta natureza envolve riscos elevados. Assim sendo, é essencial a ajuda da sua rede de apoio para garantir a sua segurança física e emocional.



Denuncie a situação às autoridades competentes, a violência doméstica é um crime e deve ser encarada como tal.


Também para esta etapa, peça ajuda a familiares, amigos e/ou grupos e associações de apoio que a podem acompanhar ao longo de todo o processo judicial.


Quatro passos para curar as feridas emocionais e recuperar o controlo sobre a sua vida


Segurança: Para além de estar fisicamente afastada do agressor, é necessário tempo para voltar a recuperar o sentimento de segurança. Para isto, é importante que passe mais tempo com as pessoas que gostam e cuidam de si, como a família e os amigos.

Luto: Reconheça que o processo de recuperação demora algum tempo. Dê a si própria o tempo necessário para fazer o luto do fim desse relacionamento, bem como das expectativas e desejos que tinha em relação ao mesmo.

Aceitação: Compreenda e aceite que vão existir dias bons e dias maus. É natural que por vezes seja invadida por sentimentos de raiva, arrependimento e tristeza. Nesta fase, é importante que fale dos seus sentimentos com quem se sentir mais à vontade: amigos, família, grupos de apoio ou com um terapeuta. Isto vai impedir que se isole, que seja invadida por sentimentos de solidão e vai ajudá-la a encontrar alívio emocional e a construir uma nova perspetiva sobre o que aconteceu.

Faça algo que a acalme e lhe dê satisfação: reaproxime-se de pessoas de quem se afastou, recupere ou descubra novos hobbies, pratique exercício físico, faça atividades lúdicas com os seus filhos. Escolha o que a faz feliz e invista a sua energia nisso.

Superação: A superação do trauma começa pela cura das feridas emocionais, através da reconstrução da relação que tem consigo e com a vida. É o tempo de recuperar a sua auto-estima, deixando de se sentir culpada pelo que aconteceu e despindo o papel de vítima. Passa pela compreensão de que o que lhe aconteceu não define o seu valor pessoal, que teve a coragem de se libertar do sofrimento e de que é uma pessoa válida e capaz de construir uma vida feliz para si. É a etapa de recuperar o controlo da sua vida, interiorizando que a sua história passada não define o seu presente, nem o seu futuro.



Fazer psicoterapia nesta fase é extremamente útil. A terapia acelera o processo de cura emocional e de construção de um novo projecto de vida.


Esta é também a etapa de criar novas atitudes e expectativas face às relações amorosas, para que reconheça e invista em relações felizes, evitando que volte a envolver-se numa relação tóxica. A psicoterapia permite que as mudanças desta fase sejam mais profundas e duradouras.

Se está numa situação de Violência Doméstica, não espere mais, marque a sua sessão de Psicoterapia ainda hoje.




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Quando os cônjuges prescindem mutuamente de alimentos e a manutenção do direito a alimentos

Quando os cônjuges prescindem mutuamente de alimentos e a manutenção do direito a alimentos

Ocorrendo um divórcio por mútuo consentimento, deverão os cônjuges acordar quanto a um conjunto de questões, nomeadamente, quanto à atribuição, ou não, de alimentos a ex-cônjuge.

Pode, no futuro, um ex-cônjuge que, em sede de acordo, prescindiu do direito a alimentos vir posteriormente pedir alimentos ao outro? A resposta é afirmativa.

Os alimentos prestados a ex-cônjuge radicam no entendimento de que esta obrigação de prestação de alimentos resulta do conceito de solidariedade pós-conjugal, que existe após a dissolução do casamento, acrescendo que, mesmo tendo sido firmado entre ambos os cônjuges, um acordo em que estes prescindiram reciprocamente de alimentos a verdade é que, nos termos do disposto no artigo 2008.º n.º 1 do Código Civil, o direito a alimentos não pode ser renunciado.

Assim, o acordo firmado em que, no âmbito de um divórcio por mútuo consentimento, ambos os cônjuges prescindiram reciprocamente de alimentos, não pode ser interpretado como uma renúncia ao direito a alimentos.

A única interpretação admissível é a de que, no momento em que acordaram nesses termos, não quiseram exercer o direito a alimentos (também não podemos esquecer aqui as situações em que um dos cônjuges acaba por assinar o acordo não porque concorde com a desnecessidade de pedir alimentos, mas sim porque sente que para poder ter o divórcio resolvido e, nomeadamente, questões com ele conexas, como seja a regulação das responsabilidades parentais, acede a prescindir de alimentos, mesmo sabendo que, de facto, precisa dos mesmos).

Com efeito, sendo o direito a alimentos irrenunciável, a lei não faz depender a admissibilidade do pedido judicial de alimentos, em data posterior à assinatura do acordo quanto a alimentos, da existência de circunstâncias supervenientes diferentes das que existiam no momento da assinatura do acordo em que não se exigiu alimentos.

Equivale tal a dizer que, tendo sido outorgado um acordo de não prestação de alimentos e vindo, posteriormente, um dos ex-cônjuges exigir alimentos ao outro, o tribunal deverá aferir se existe fundamento para o pedido que é formulado, verificando se, em face da factualidade alegada, se encontram reunidos os requisitos legais para a fixação de alimentos a ex-cônjuge, mais concretamente, se existe necessidade de alimentos e se existe possibilidade de os prestar, por parte do obrigado a tal.

Ao tribunal não caberá inventariar as situações pretéritas, com vista a confirmar se entre o momento do acordo sobre alimentos e o momento em que é pedida a fixação judicial de alimentos a ex-cônjuge, ocorreram circunstâncias supervenientes que justificam o deferimento de tal pedido.

O acordo firmado apenas pode ser interpretado como um documento de onde resulta que, naquele momento, os cônjuges não quiseram exercer o direito alimentos sendo que as motivações que deram origem a tal acordo não têm que ser apreciadas pelo tribunal que tem que decidir sobre a fixação de pensão de alimentos a ex-cônjuge que, previamente, tenha outorgado acordo a prescindir desses alimentos.

Em conclusão: o acordo em que ambos os cônjuges prescindem reciprocamente do direito a alimentos não equivale a uma renúncia a tal direito, o qual pode vir a ser exercido, em momento ulterior.

Tal conclusão vale e deve ser entendida especialmente pelo ex-cônjuge que, por razões subjetivas, se viu confrontado com a necessidade de ter que declarar que prescindia de alimentos quando, a verdade é que, precisava desses alimentos.

O processo pode ser reavivado e a lei protege quem precisa de alimentos, impondo a quem os pode prestar a obrigação de o fazer, dentro do circunstancialismo legal relevante, por isso, quem precisa de alimentos deve ter o necessário apoio legal para que possa exercer o seu direito que, no caso, corresponde a uma necessidade.

 

 

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A frequência de consultas de psicologia carece do consentimento de ambos os progenitores?

A frequência de consultas de psicologia carece do consentimento de ambos os progenitores?

A resposta a esta pergunta tem que ser encontrada na definição do que deve ser entendido como questões de particular importância e no que deve ser tratado como atos da vida corrente dos filhos.

Com efeito, nos termos do artigo 1906.º do Código Civil, que regula o exercício das responsabilidades parentais relativas aos menores em caso de divórcio, as questões de particular importância na vida das crianças são exercidas em comum por ambos os pais nos termos que vigoravam na constância do matrimónio.

Já quanto aos atos da vida correntes das crianças, a decisão cabe ao progenitor guardião, com quem a criança reside habitualmente ou ao progenitor com quem a criança se encontre temporariamente.

A decisão tomada por um progenitor quanto aos atos da vida corrente da criança tem que ser informada ao outro progenitor, sendo os deveres de informação um núcleo essencial que tem que ser respeitado por ambos os progenitores.

A verdade é que, nos dias de hoje, os pais recorrem, com frequência, a consultas de psicologia para os filhos, por forma a lhes garantir um maior conforto emocional, no percurso, por vezes tumultuoso, que são os processos de divórcio, com a inerente conflituosidade que dos mesmos emerge, mais concretamente, a conflituosidade entre os progenitores que não se entendem e que, por vezes, também, não se querem entender.

Evidentemente, que as crianças sofrem e muito e que precisam de ajuda para entender e absorver a nova realidade em que passam a viver.

Assim, a frequência de consultas de psicologia pelas crianças é uma realidade estabilizada nos dias de hoje.

Assim sendo, faz sentido enquadrar a frequência de consultas de psicologia por parte das crianças como uma questão de particular importância nas suas vidas, impondo-se aqui o consentimento de ambos os progenitores para o efeito?

Muitas vezes, no meio do conflito existente entre os progenitores, a recusa de um deles em aceitar que a criança precisa de consultas de psicologia resulta não de uma análise ponderada sobre as necessidades da criança, mas sim de uma forma de continuar a alimentar o conflito e a guerra com o outro progenitor, mantendo-se a criança no meio de tal irracionalidade e, pior, mantendo-se a criança sem acompanhamento psicológico quando, as mais das vezes, precisa do mesmo.

Na doutrina encontramos, por exemplo, Clara Sottomayor que defende que o conceito de questão de particular importância deve ser objeto de uma interpretação restritiva, por forma a se evitar uma situação de grande incerteza para o progenitor guardião, com quem o menor vive.

Também a jurisprudência tem vindo a entender que a definição do núcleo das questões de particular importância deve ser composto por um conjunto reduzido de matérias.

Compreende-se esta preocupação, quer da doutrina, quer da jurisprudência, em procurar reduzir o núcleo do que deve ser qualificado como questões de particular importância na vida das crianças, exatamente porque o inverso, ou seja, a sua ampliação, levaria a potenciar a conflituosidade entre os progenitores e a desproteger as crianças e a defesa do seu superior interesse.

Aqui chegados, somos de considerar que a frequência por parte de uma criança de consultas de psicologia deve ser tratada como um ato da vida corrente desta, pelo que a decisão de frequência das mesmas cabe ao progenitor com quem a criança reside habitualmente, devendo esse progenitor informar o outro da decisão que tomou.

Acresce que o acompanhamento psicológico pressupõe sempre que o técnico em causa contacte ambos os progenitores, mantendo contacto com estes, pelo que o progenitor que não tomou a decisão de o filho frequentar consultas de psicologia e que foi informado de tal, pode e deve colaborar no processo terapêutico, sendo uma figura importante no mesmo, pelo que, efetivamente, não há um afastamento deste progenitor no âmbito deste processo.

O que não pode acontecer é que, no meio de um conflito e sentindo o progenitor guardião que o filho precisa de ajuda, iniciar o processo de frequência de consultas e, de forma abrupta, vir o outro progenitor dizer que não deu o seu consentimento para tal e a criança passar de uma semana em que teve acompanhamento psicológico para outra semana em que deixou de o ter e, a partir daí, iniciar-se um novo capítulo de agressividade crescente entre os progenitores e o consequente recurso aos tribunais, ficando a criança insegura e sem saber se pode ter acompanhamento psicológico ou não.

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Quando falamos de violência … também falamos de violência patrimonial

Quando falamos de violência ... também falamos de violência patrimonial 

Não há dúvida que a violência, física e psicológica, é um fenómeno crescente e instalado transversalmente, razão porque existem campanhas várias que alertam para os perigos e danos destas situações aviltantes.

Uma tipologia específica de violência é a violência que se vive nos processos de divórcio: a violência patrimonial exercida pelo cônjuge que, por uma ou mais razões, está melhor colocado para a exercer.

Falamos, aqui, daquela violência exercida, por exemplo, pelo cônjuge que não paga os alimentos provisórios que foram fixados por tribunal ou que incumpre a pensão de alimentos a ex-cônjuge, judicialmente decretada, fazendo-o consciente e dolosamente, porque sabe que o outro precisa desse valor para pagar as suas contas.

O não pagamento, via incumprimento é, sem dúvida, uma forma de violência patrimonial, porque é direcionada para um fim específico: asfixar quem precisa de receber esses alimentos, prevalecendo-se da superioridade económica que tem e jogando com a fragilidade económica do outro para se vingar, para massacrar, para castigar.

Outra situação que consideramos ser de violência patrimonial é a de pessoas que são administradores de sociedades, das quais são sócios únicos ou maioritários e que, logo que se verifica uma crise no casamento e, prevendo que podem vir a ser chamados a cumprir com o dever de solidariedade que existe entre duas pessoas casadas ou já divorciadas, passam a declarar o salário mínimo ou pouco mais do que isso como forma de se tentarem eximir ao pagamento de uma pensão de alimentos.

Esta conduta leva a que o outro, para poder exercer o direito que tem a ver declarada judicialmente alimentos provisórios ou alimentos definitivos, tenha que lutar muito mais, para conseguir provar que a capacidade económica real é, efetivamente, outra.

Tal corresponde a um desgaste, a um tempo que passa até a prova ser feita e, nem sempre, se consegue prosseguir, porque os recursos económicos que têm que ser alocados a esse fim também escasseiam.

A violência patrimonial existe em outras condutas, como seja a de colocação de património em nome de um familiar, como forma de se tentar que esse património não entre na partilha dos bens do casal ou, mesmo a criação de dívidas fictícias que acabam por ser da responsabilidade de ambos os cônjuges mas que, na realidade, não existem.

Violência patrimonial existe também quando um dos membros do casal utiliza, de forma abusiva, uma procuração que lhe tenha sido passada pelo outro cônjuge que, há data em que o fez, a outorgou no âmbito da confiança existente entre o casal ou, quando se adquirem bens com o cartão de crédito, já após a separação, ficando um valor em dívida que vence juros.

Várias são as situações de violência patrimonial e todas elas têm um fim específico: impedir que o outro cônjuge aceda ao que, por lei, tem direito ou dificultando esse acesso pela criação de subterfúgios vários.

Também é violência patrimonial a recusa em se reconhecer que o trabalho doméstico levado a cabo, durante anos, pela mulher, não tem valor económico, em sede de partilha em decorrência do divórcio sabendo-se, por exemplo, que a mulher (em regra) dedicou a sua vida a um projeto familiar, de forma exclusiva e que, com esse trabalho, foi importante para a criação do património comum.

Falamos pouco em violência patrimonial nos processos de divórcio, mas esta realidade existe e, por vezes, é determinante na decisão do cônjuge economicamente mais frágil de desistir de construir uma nova vida e acabando por se manter num casamento infeliz, como consequência direta da violência patrimonial que se antevê, vai ser exercida ou que é mesmo exercida, mal se começam a reivindicar direitos.

Este artigo é para todas as pessoas que são vítimas de violência patrimonial, que devem ficar cientes que, nestas situações, é fundamental estarem representadas judicialmente por advogado, para que se possam defender, pois existem várias medidas cíveis (e protetivas) que permitem ultrapassar as situações de violência patrimonial.

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A data de produção de efeitos do divórcio nas relações patrimoniais entre os cônjuges

A data de produção de efeitos do divórcio nas relações patrimoniais entre os cônjuges

Nos processos de divórcio e, de acordo com o artigo 1789.º n.º 1 do Código Civil, não obstante os efeitos do divórcio se produzirem a partir do trânsito em julgado da sentença que decrete a dissolução do casamento, a verdade é que, quanto às relações patrimoniais entre os cônjuges, os efeitos do divórcio retroagem à data da proposição da ação e já não a partir da data do trânsito em julgado da referida sentença.

Assim, para efeitos de cessação das relações patrimoniais entre os cônjuges decisiva é a data em que dá entrada, em juízo, a ação de divórcio.

Mais, se antes do divórcio, os cônjuges tiverem deixado de ter uma comunhão de vida, ocorrendo uma separação de facto e, desde que a mesma fique provada no processo de divórcio, qualquer um dos cônjuges pode pedir que os efeitos do divórcio retroajam, não à data da propositura da ação de divórcio, mas antes à data em que se tenha iniciado a separação de facto, ficando tal fixado na sentença que vier a decretar a dissolução do casamento por divórcio.

No que respeita à separação de facto, importa atentar na norma do artigo 1782.º do Código Civil, que define a mesma, nos seguintes termos:

«1. Entende-se que há separação de facto … quando não existe comunhão de vida entre os cônjuges e há da parte de ambos, ou de um deles, o propósito de não a restabelecer

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Importa salientar que, para efeitos de fixação da data da separação de facto, a data que releva é a do início da separação de facto e não a data em que a separação de facto se tenha consolidado.

E, de acordo com a jurisprudência e com a doutrina, a separação de facto inicia-se «logo que demonstrados factos que consubstanciem a luz da normalidade das relações entre duas pessoas, que se verifica uma rutura na comunhão de vida entre os cônjuges.» (cfr, por todos, acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, em 27 de abril de 2017).

Aporta-se, pois, um elemento objetivo para fixação da data em que se iniciou a separação de facto que é o da inexistência de vida em comum entre os cônjuges e é este elemento objetivo o relevante para efeitos de fixação, na sentença que decretar o divórcio, da data em que a mesma se iniciou e, consequentemente, da data à qual retroagem os efeitos do divórcio no que respeita às relações patrimoniais entre os cônjuges.

Este elemento objetivo – início da inexistência de vida em comum entre o casal - assume efetiva relevância, não sendo abalado por episódios esporádicos ou ocasionais, como seja, por exemplo, o caso de, após iniciada a separação de facto, os ainda cônjuges pernoitarem juntos uma ou duas noites pois, apesar deste episódio ocasional, a verdade é que tal não corresponde a uma nova tentativa de restabelecimento da vida de casados, mantendo-se a inexistência de vida em comum entre o casal.

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A fixação da data em que se produzem os efeitos do divórcio nas relações patrimoniais entre os cônjuges, nos termos supra expostos, assume relevância, nomeadamente, em casos em que, não obstante se manter o casamento, a verdade é que já existe uma situação de separação de facto e um dos cônjuges contrai dívidas que possam vir a responsabilizar o outro cônjuge.

Neste caso, ficando fixada a data em que se iniciou a separação de facto e, sendo o requerido na ação de divórcio, que os efeitos do divórcio retroajam à data do início da separação de facto, as dívidas que, durante o período da separação de facto tenham sido contraídas por um dos cônjuges e que poderiam vir a responsabilizar o outro, deixam de poder ser exigidas a este.

 

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"Mas as crianças, Senhor, porque lhes Dás tanta dor, porque padecem assim?"

" Mas as crianças, Senhor, porque lhes Dás tanta dor, porque padecem assim? "

Recordei este lindíssimo poema de Augusto Gil quando pensei em escrever algumas palavras sobre um tema que me é muito querido: O COMPORTAMENTO ESCOLAR DAS CRIANÇAS FILHAS DE PAIS SEPARADOS.

Neste caso, a palavra escolar reporta-se ao ambiente da escola e não propriamente do aproveitamento escolar pois, irei falar de todas as idades incluindo das que ainda não frequentam a escola.

Falar de comportamento humano é sempre um perigo pois, como sabemos todos, varia de acordo com ambiente, com a maneira de ser de cada um, ….mas, vou só referir o comportamento das crianças dos quatro meses aos dez anos e cujos pais se separaram. Será que são felizes, mesmo assim? Será que refletem a separação? Ou pura e simplesmente a separação não afetou a sua vida?

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Pertenço a uma geração cujos princípios de vida se guiavam por conseguirmos ter uma Família para toda a vida. O conceito de Família era quase sagrado. Respeito pela Família, aprendia-se na escola (Salazar levou esse conceito ao limite quando " decretou" a trilogia " Deus, Pátria e Família" como guia da nossa vida coletiva). E essa maneira de pensar levava a que se " aguentasse " tudo em nome da Família. O contrato do casamento era fortalecido e sacralizado pelo complementar casamento religioso. Hoje, em contrapartida, esse contrato é posto em causa. As pessoas "juntam-se" e não querem contratos assinados (o que é um paradoxo pois, relativamente ao trabalho, todos desejam ardentemente um contrato efetivo…trabalho mais importante que a Família? Assim parece...) mas o verdadeiro pensamento era "estamos juntos pelos filhos ...". Hoje em dia isso é considerado pré histórico, apesar de a legislação contemplar que "tudo a bem da criança". E será que é isso que está a acontecer?

Há algum tempo aconteceu o seguinte diálogo à porta do Bambi, entre uma senhora que ia fazer trinta anos e o pai:

“Filha, o que queres que te ofereça nos teus anos?”

“Olha papá, o que eu queria tu não me podes dar.”

“Claro, se for uma casa ou carro…”

“Não, não...o que eu queria mesmo é que estivesses a viver com a minha mãe.”

Os pais da senhora separam-se quando ela tinha três anos de idade! Há vinte e sete anos!

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O que vejo no dia do colégio? Como se comportam as crianças cujos pais se separaram?

Aparentemente não se nota nada de diferente no seu comportamento, apesar de os pais, quando se separam terem sempre uma conversa connosco a chamar a atenção para o facto de se estarem a separar e por esse motivo pedirem um pouco mais de atenção com a criança pois, pode ter reações diferentes do que tem sido até esse momento. Isto é, os pais, por um lado afirmam que se separam por vários motivos e muitas vezes invocam que os filhos irão ficar melhor pois acabam-se as discussões. Mas, por outro, sabem que algo irá acontecer, que a vida das crianças se vai alterar. E ninguém é capaz de afirmar se será para melhor ou pior. O que sei é que as crianças quando choram, só chamam pelo pai ou pela mãe, por mais ninguém. E muito menos por coisas (isto porque há muitos pais que se desculpam por não terem mais tempo para os filhos porque têm de trabalhar muitas horas para darem uma vida melhor à família… mas, nenhuma criança chora porque quer ter um carro ou uma casa melhor… chora, porque quer ter a mãe e o pai mais tempo junto de si…). Então e como reagem as crianças à separação dos pais?

Quando são muito pequeninas não se dão conta em termos racionais do que se está a passar. Mas em termos afetivos já assim não acontece. Quando a separação acontece e um dos pais (normalmente o pai) começa a aparecer menos vezes, a criança, quando já fala, lá vai referenciando a figura paterna naqueles que aparecem. Ou em outros pais (quantas vezes levantam os bracinhos e dizem " pá, pá..." aos pais dos amigos…). Faz doer a alma…mas é a realidade… à medida que vão sendo mais velhinhos as reações, naturalmente são diferentes. Se o assunto é bem conduzido pelos pais, ou seja, se os pais reconhecem que é imperioso, que neste doloroso processo de separação dos filhos, o mais importante é que eles sofram o mínimo possível (o nada é falso) no ambiente do colégio isso reflete-se na sua conduta. No entanto, uma atitude é transversal a todas as crianças nesta situação: tornam-se mais introvertidas (parece que têm, eles, vergonha do que se está a passar em casa…) mais desatentas e até mais irritadiças. O comportamento com os colegas também se altera. Mais exigentes, dão a ideia que têm o mundo contra eles... no fundo, não percebem porque é que têm amigos cujos pais (mãe e pai) os vêm buscar à escola e eles só têm um deles que os vem buscar, levar para casa onde vão conviver com essa nova realidade que é, à mesa só contarem o que se passou na escola a um dos pais. Falta o outro. Essa é a palavra que pode definir a nova situação: FALTA!! E o que não está presente todos os dias, cada vez ficará mais ausente até que um dia, à pergunta "como correu a escola hoje?" a resposta começa a ser sempre a mesma " Bem". Aí a Falta já não tem remédio.

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Claro que o colégio deve ser informado do que se está a passar em casa, de modo a poder contribuir para amenizar essa nova situação. Enquanto educadores temos obrigação de apoiar as crianças (e os pais) a ultrapassar com os menores danos possíveis esta tormenta que se abateu sobre os seus corações e que eles nunca entenderão. Aos pais, só um apelo: quando pensaram gerar um filho, foi de certeza um ato de Amor. Não o transformem num ato de ódio. O sentimento entre os pais transmite-se à criança. Se amam os filhos, então não lhes falem de ódio ou com ódio seja de quem for. Digam-lhe palavras bonitas. Eles gostam e agradecem. E não se esqueçam que, para cada pai em particular, na sua relação com os filhos, a outra parte (mãe ou pai) é a melhor do mundo. Só assim podem e devem contribuir para que os vossos filhos sejam Felizes (dentro do possível).

Maio de 2017

Dorbalino Martins

Diretor do Externato O Bambi

 

O processo de inventário subsequente à dissolução da sociedade conjugal

O PROCESSO DE INVENTÁRIO SUBSEQUENTE À DISSOLUÇÃO DA SOCIEDADE CONJUGAL

E quando chega ao fim?

 

O processo de inventário para partilha de bens, decretada que esteja a separação judicial de pessoas e bens ou o divórcio ou declarado nulo ao anulado o casamento, é tramitado, desde 2 de Setembro de 2013, nos Cartórios Notariais.

De facto, com a publicação da Lei n.º 23/2013, de 5 de Março (RJPI), concretizou-se a pretensão legislativa anunciada desde a Lei 29/2009 de 29 de Junho, de conferir aos processos de inventário uma tramitação primordialmente não judicial, vindo tal Lei a ser regulamentada pela Portaria nº 278/2013, de 26 de Agosto, posteriormente alterada pela Portaria nº 46/2015, de 23 de Fevereiro.

            Assim, o inventário para separação de meações, destinado a partilhar os bens comuns do casal, nomeadamente em caso de divórcio, à luz daquela Lei, passou a ser tramitado no Cartório Notarial sediado no município do lugar da casa de morada de família (nos termos do artigo 3º, nº 6, do RJPI; na falta desta, o cartório notarial competente é aquele que vem referido nos termos da alínea a) do número 5 do artigo 3º e, assim, o Cartório da situação dos bens a partilhar).

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Dispõe o artigo 1688.º do Código Civil que «As relações pessoais e patrimoniais entre os cônjuges cessam pela dissolução, declaração de nulidade ou anulação do casamento, sem prejuízo das disposições deste Código relativas a alimentos; havendo separação judicial de pessoas e bens, é aplicável o disposto no artigo 1795.º-A.».

Ora, havendo que proceder à partilha do património comum do casal e liquidação do passivo da sociedade conjugal, por cessarem aquelas relações patrimoniais entre os cônjuges, o processo adequado é o previsto nos artigos 79º e 80º do RJPI.

Este processo de inventário segue a tramitação prevista para o processo comum de inventário, nos termos do artigo 79º, nº 3, 1ª parte, com as especificidades decorrentes do fim a que se destina, da natureza do património a partilhar, bem como as aludidas nos mencionados artigos 79º e 80º e, assim, designadamente, com a possibilidade de o Notário, em qualquer estado da causa, poder remeter o processo para mediação, relativamente à partilha de bens garantidos por hipoteca, salvo quando alguma das partes expressamente se opuser a tal remessa.

Este processo tem uma tramitação nos Cartórios Notarias e, chegada a fase de ser proferida sentença homologatória da partilha, o mesmo é remetido para o Tribunal da Comarca do Cartório Notarial onde o processo foi apresentado, sendo aí distribuído (artigos 66º, nº 1, 3º, nº 7, 83º do RJPI e artigo 212º §7 do CPC aprovado pela Lei 41/2013, de 26 de Junho).

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O Tribunal de 1ª instância da Comarca do Cartório Notarial intervirá no processo de inventário, para além do momento em que deva proferir decisão homologatória da partilha (artigo 66º do RJPI), também para conhecer dos recursos que venham a ser interpostos da decisão do Notário (Cfr., designadamente, artigos 16º, nº 4, 57º, nº 4).

Intervenção diversa desta, que nada tem que ver com a intervenção na sequência da distribuição acima referida, é o conhecimento, pelos tribunais de 1ª instância das acções que lhes vierem a caber, sempre que, ao abrigo dos artigos 16º,nºs 1 , 17º, nº 2, 36º, nº 1 e 57º, nº3, seja caso de remessa dos interessados para os meios judiciais comuns.

Assim, a competência para a tramitação a cargo dos Notários, não abrange todos os actos a praticar no âmbito do processo de inventário, por um lado e, por outro, assiste às partes o direito de acção judicial para as questões que, atenta a sua natureza ou complexidade da matéria de facto e de direito devam ser decididas nos meios comuns.

No primeiro caso, a intervenção judicial cabe ao Tribunal da Comarca do Cartório Notarial (artigo 3º, nº 7, do NRJPI). No segundo caso, a tramitação destas acções judiciais caberá aos Tribunais competentes de acordo com as regras gerais sobre a competência do artigo 59º e segs do CPC.

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Este novo regime legal trouxe alterações significativas, designadamente, no paradigma de intervenção do Juiz, com repercussão nos papéis atribuídos aos demais intervenientes processuais, como é o caso do Ministério Publico, cuja intervenção foi mitigada.

Para a sua análise, importa que não percamos de vista a génese deste regime e os pressupostos que lhe estão subjacentes.

Efectivamente, esta tramitação a «duas mãos», efectuada à luz de uma Lei em muitas matérias omissa e que convoca, assim, a aplicação do Código de Processo Civil (82º RJPI), importa, para além das dificuldades naturais da articulação entre os dois regimes, a dificuldade acrescida de interpretar o regime supletivo à luz de um novo paradigma da intervenção do Juiz.

Uma nota importa que se deixa a este propósito: a necessidade de não se perder de vista que a opção legislativa pela referida dualidade de intervenientes, pelo formato a atribuir ao processamento do inventário, designadamente, no que toca à intervenção do tribunal e à articulação entre a função notarial e a função jurisdicional, foi sendo sedimentada à luz da necessidade de expurgar qualquer anátema de inconstitucionalidade do diploma.

E esta questão coloca-se a propósito daquela que é a intervenção principal do Juiz no processo de inventário, constituída pela decisão homologatória da partilha.

Subjaz à decisão da partilha o despacho determinativo da forma da partilha, o mapa da partilha e as operações de sorteio, destinando-se a sentença a homologar tais operações.

Poderá ocorrer a não homologação, pelo Juiz, da partilha, para o que mencionará fundamentadamente os motivos determinantes da não confirmação dos actos anteriormente praticados, desencadeando, em sede notarial, a realização de novos actos de partilha ou a prática de actos que, por omitidos, impedem aquela homologação (previsão que não se mostra presente no RJPI e que encontrávamos enunciada na Lei 29/2009, de 29 de Junho: «A decisão de não homologação deve ser fundamentada e propor a forma da realização da nova partilha pelo conservador ou notário.», artigo 60º, nº 2, da Lei 29/2009, de 29 de Junho).

De facto, impende sobre o Juiz o dever de verificar a legalidade da partilha, do ponto de vista substantivo (cumprimento das disposições legais substantivas) e processual (nulidades e excepções de conhecimento oficioso), o que foi expressamente reconhecido no Parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias da Assembleia da República de 12.12.2012, sobre a Proposta de Lei nº 105/XII, que antecedeu a Lei 23/2013, de 5 de Março, nos seguintes termos: «(…) algumas normas da Proposta suscitaram dúvidas quanto à sua constitucionalidade (…). O que está em causa é a alegada violação do princípio constitucional da reserva jurisdicional (…), não só porque pode entender-se que o juiz perde o controlo geral do processo, que passa para o notário, mas também porque este último passa a realizar verdadeiros julgamentos e facto e de direito, apreciando a prova documental e testemunhal apresentada, exercendo, nessa medida, verdadeiros poderes jurisdicionais, que a Constituição reserva exclusivamente aos tribunais. (…) essas indicadas dúvidas ou desconformidade podem suavizar-se ou ultrapassar-se com o poder de homologação da partilha que o art 66°. da Proposta confere ao juiz. Com o despacho que, a final, tem de proferir, o juiz deve verificar a legalidade de todos os atos praticados, validando-os e confirmando-os ou não e conferindo-lhes depois força de sentença. (…) Com a presente proposta, qualquer questão litigiosa ou indevidamente decidida pelo notário, acabará sempre e em última instância (por maioria de razão se as partes assim o desejarem com uma impugnação ou com um recurso) por ser apreciada e escrutinada por um juiz.»

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A atribuição aos Cartórios Notariais da competência para efectuar o processamento dos actos e termos do processo de inventário é, inequivocamente, a tónica dominante deste novo regime (artigo 3º).

O Notário, órgão próprio da função notarial, exerce as suas funções em nome próprio e sob sua responsabilidade, com respeito pelos princípios da legalidade, autonomia, imparcialidade, exclusividade e livre escolha, cabendo-lhe praticar alguns dos actos que, na previsão do Código de Processo Civil, eram antes do RJPI praticados pelo Juiz.

Nesta medida, pela ordem porque deverão ser praticados num processado típico, cabe ao Notário: a nomeação do cabeça de casal (artigo 22.º), excepção feita aos casos em que se verifique a previsão do artigo 2083º do Código Civil; Tomar as declarações de cabeça de casal (artigo 24.º); Receber a relação de bens (artigo 25.º); Determinar a realização das citações (artigos 28.º e 29.º); Receber as oposição e impugnações ao inventário e reclamações contra a relação de bens ( artigos 30.º a 32.º), as respostas do cabeça de casal sobre as reclamações (artigo 35.º); Decidir as reclamações ou determinar que é caso de remessa para os meios judiciais comuns (artigos 35.º e 36.º); Resolver as questões suscitadas que possam influir na partilha e determinados os bens a partilhar; Designar data para a realização de conferência preparatória da conferência de interessados (artigo 47.º); Sendo caso, determinar a avaliação dos bens (artigo 33.º); Conhecer dos pedidos de adjudicação de bens (artigo 34.º); Presidir à conferência preparatória (artigos 47.º e 48.º); Designar data e presidir à conferência de interessados; Proferir despacho determinativo do modo como deve ser organizada a partilha (artigo 57º, nº 2 ); Proceder à organização do mapa da partilha (artigo 59º); Decidir as reclamações contra o mapa da partilha (artigo 63º); Presidir ao sorteio de lotes, sendo caso de a tal proceder (artigo 64º); Proceder à emenda da partilha, havendo acordo de todos os interessados ou proceder à rectificação de erros materiais que a mesma contenha (artigo 70º); Proceder à partilha adicional (artigos 74º e 75º) e à partilha em casos especiais (Inventário em consequência de justificação de ausência – artigos. 77.º e 78.º - e Inventário em consequência de separação, divórcio, declaração de nulidade ou anulação de casamento – artigo 79.º).

Pode ocorrer, por determinação do Notário, a remessa para os meios comuns, a requerimento dos interessados ou oficiosamente.

No que a tal remessa diz respeito, importa atentar no que estabelece, desde logo, o artigo 16.º, nos termos do qual o Notário, oficiosamente ou a requerimento de qualquer interessado, pode entender que existem questões insusceptíveis de serem decididas no processo de inventário, caso em que poderá remeter as partes para os meios comuns.

Assim, o Notário determina a suspensão da tramitação do processo sempre que, na pendência do inventário, se suscitem questões que, atenta a sua natureza ou a complexidade da matéria de facto e de direito, não devam ser decididas no processo de inventário, remetendo as partes para os meios judiciais comuns até que ocorra decisão definitiva, para o que identifica as questões controvertidas, justificando fundamentadamente a sua complexidade (artigo 16º, nº 1).

Para tanto, o Notário deverá fundamentar tal remessa, elencando os fundamentos porque as questões não devam se decididas no processo de inventário, concluindo pelo convite à interposição da acção para resolução da questão em apreço.

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Sobre a remessa para os meios comuns estatui, também, o artigo 17º, nº 2.

Nos termos estabelecidos neste preceito, poderá o Notário determinar a remessa dos interessados para os meios judiciais comuns, quando a complexidade da matéria de facto subjacente à questão a dirimir torne inconveniente a decisão incidental no inventário, por implicar a redução das garantias das partes.

Caberá ao Notário, também aqui, efectuar um juízo de conveniência sobre a resolução da questão e a eventual redução das garantias das partes.

A estas duas normas acresce uma outra que, igualmente, prevê tal remessa.

Assim, tendo sido deduzida reclamação contra a relação de bens e sendo insuficientes as provas para as decidir, estatui o artigo 36º nos seguintes termos: quando a complexidade da matéria de facto ou de direito tornar inconveniente, nos termos do n.º 2 do artigo 17.º, a decisão incidental das reclamações, o notário abstém-se de decidir e remete os interessados para os meios judiciais comuns (nº1). Nesta circunstância, não são incluídos no inventário os bens cuja falta se acusou e permanecem relacionados aqueles cuja exclusão se requereu ( nº2).

Cabe aqui a possibilidade de o Notário, com base numa apreciação sumária das provas produzidas, deferir provisoriamente as reclamações (à semelhança da admissibilidade de resolução provisória prevista no artigo 17º, nº 2), com ressalva do direito às acções competentes (artigo 36º, nº 3).

Estamos aqui, novamente, perante a necessária realização de um juízo de conveniência.

Concluindo-se pela inconveniência da decisão incidental, por implicar redução das garantias das partes, decidirá o Notário que a resolução da questão deverá ser feita em acção autónoma, que acautele estas garantias, em consequência do que remete os interessados para os meios comuns. Também aqui a decisão do Notário deverá ser fundamentada, explicitando-se o motivo porque a decisão incidental poria em causa as garantias das partes.

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Por fim, encontramos a previsão da remessa para os meios comuns no artigo 57º, nº 3, que não prescinde, igualmente, da formulação de um juízo de conveniência e da necessária fundamentação da decisão de remessa para os meios comuns.

O momento adequado para a remessa para os meios comuns que encontra previsão neste preceito ocorre depois de realizadas as conferências – preparatória e de interessados-, e quando o processo se encontra na fase da partilha.

Cabendo ao notário proferir despacho determinativo do modo como deve ser organizada a partilha, cabe-lhe igualmente resolver todas as questões que ainda o não tenham sido e que seja necessário decidir para a organização do mapa da partilha.

A remessa para os meios judiciais comuns, que deverá ser devidamente fundamentada, constitui uma excepção à regra de que cabe aos Notários praticar os actos e termos do processo de inventário (artigo 3º, nº 1) e justifica-se apenas em circunstâncias excepcionais em que a resolução das questões a decidir careçam de uma indagação que se não compadeça com a natureza incidental da tramitação em inventário.

Estas acções deverão ser interpostas nos Tribunais competentes à luz das regras de repartição de competência do Código de Processo Civil, acções estas com total autonomia do processo de inventário.

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Detemo-nos, de seguida, nas duas conferências que poderão ocorrer no processo de inventário: a conferência preparatória e, não terminando o processo nesta conferência, nos termos permitidos pelo artigo 48º, nº 6, a conferência de interessados.

A conferência preparatória da conferência de interessados, com previsão nos artigos 47.º e 48º, é designada logo que resolvidas as questões suscitadas que sejam susceptíveis de influir na partilha e determinados que foram os bens a partilhar.

Destina-se esta conferência à deliberação sobre as verbas que devem compor, no todo ou em parte, o quinhão de cada um deles e os valores por que devem ser adjudicados; à indicação das verbas ou lotes e respectivos valores, para que, no todo ou em parte, sejam objecto de sorteio; ao acordo sobre a venda total ou parcial dos bens.

Esta conferência é, ainda, o momento próprio para os interessados deliberarem sobre a aprovação do passivo.

À semelhança do que já acontecia no regime do Código de Processo Civil, o inventário pode findar na conferência (artigo 48º, nº 6, do RJPI).

Neste caso, se o inventário findar por acordo na conferência preparatória, deverão os autos ser remetidos para tramitação judicial, por forma a que seja proferida sentença homologatória da partilha; Poderá equacionar-se, todavia que, havendo acordo, procedam as partes a um acordo de partilha que prescinda da intervenção judicial.

A conferência de interessados, prevista no artigo 49º, destina-se à adjudicação dos bens e tem lugar nos 20 dias posteriores ao dia da conferência preparatória, devendo a sua data ser designada pelo Notário.

A adjudicação dos bens em processo de inventário faz-se por acordo (afectando-se determinados bens a integrar o quinhão de cada um dos herdeiros) por sorteio (sendo os quinhões preenchidos pelos bens que venham a caber em sorte a cada um dos herdeiros) ou em resultado da venda dos bens, adjudicação esta que é o objecto da regulação do artigo 49º.

A adjudicação a que se refere o artigo 49º é efectuada mediante propostas em carta fechada, devendo o Notário, pessoalmente, proceder à respectiva abertura, salvo nos casos em que aquela forma de alienação não seja admissível, sendo que o valor a propor não pode ser inferior a 85% do valor base dos bens.

Se não forem apresentadas propostas em carta fechada, ter-se-á que proceder à venda mediante negociação particular, a realizar pelo Notário, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no Código de Processo Civil quanto à venda executiva por negociação particular, na mesma medida em que se aplicara à venda por abertura de propostas em carta fechada as regras da venda executiva (artigos 50º, nº 2 e 51º, in fine).

Encerrada a conferência de interessados, eis-nos chegados ao momento da efectivação da partilha, que culminará com decisão homologatória da partilha (artigo 66º), momento em que os autos são remetidos para tramitação judicial.

Para além de proferir sentença homologatória da partilha, incumbe ao Juiz a prática dos seguintes actos no processo de inventário: a) Com previsão na Lei 23/2013, de 5 de Março: Homologação do acordo dos interessados que põe fim ao processo na conferência preparatória (48º, nº 7 e 66º, nº 1 RJPI); Decisão homologatória da partilha (66º, nº 1 RJPI); Decisão do recurso interposto da decisão do notário que indeferir o pedido de remessa das partes para os meios comuns (artigo 16º, nº 4 RJPI); Decisão do recurso interposto do despacho determinativo da forma da partilha (57º, nº 4 RJPI); Decisão, a final, sempre que as questões revistam especial complexidade, do pagamento de um valor superior de taxa de justiça, dentro dos limites estabelecidos na Tabela do RCP ( 83º, nº 1, RJPI); b) Com previsão na Portaria 46/2015, de 23 de Fevereiro (que Regulamenta o processamento dos actos e os termos do processo de inventário no âmbito do Regime Jurídico do Processo de Inventário aprovado pela Lei n.º 23/2013, de 5 de Março): Decisão sobre os valores dos honorários previstos para os processos de inventário de especial complexidade, bem como para os incidentes de especial complexidade (18º, nº 4 e 5, da Portaria 46/2015, de 23 de Fevereiro); Decisão da reclamação da nota final de honorários e despesas (24º da Portaria 46/2015, de 23 de Fevereiro); c) Com previsão no Código Civil: Designar cabeça de casal quando todas as pessoas referidas no artigo 2080º do Código Civil se escusarem ou forem removidas (2083º do Código Civil); d) Com previsão no Código de Processo Civil: Apreciação da legitimidade da escusa com fundamento em sigilo profissional e incidente de dispensa do dever de sigilo, nos termos do artigo 135.º, do Código de Processo Penal, junto do Tribunal da Relação respectivo, que dela deva conhecer (417º, nº 3, c) e nº 4 do CPC e artigo 135.º, do Código de Processo Penal); Decisão dos recursos interpostos das decisões dos Notário, nos casos em que cabe recurso de apelação (76º, nº 2, 1ª parte, RJPI e 644º CPC).

A sentença homologatória de partilha, uma vez transitada em julgado, põe, em regra, termo ao processo de inventário.

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Após o trânsito em julgado da sentença homologatória da partilha, o Cartório Notarial, que retoma a tramitação do processo, emite a nota final de honorários e despesas e, após o pagamento da 3.ª prestação de honorários e de eventuais despesas em falta, procede ao encerramento do processo de inventário, competindo-lhe emitir a respectiva certidão (artigo 25º da Portaria citada).

Aqui chegados, tendo-se efectuado referência aos novos paradigmas da intervenção a cargo do Notário e do Juiz, importa referir que os advogados e solicitadores mantêm a intervenção que as normas do Código de Processo Civil já prescreviam pelo que, quanto a estes intervenientes, a intervenção mantém-se inalterada.

De facto, nos termos estatuídos pelo artigo 13º, é obrigatória a constituição de advogado no inventário se forem suscitadas ou discutidas questões de direito, bem como em caso de recurso de decisões proferidas no processo de inventário.

Assim, sempre que se interponha recurso ou se suscitem questões de direito, é obrigatória a intervenção de advogado.

Os advogados-estagiários, os solicitadores e as partes podem fazer requerimentos onde não se suscitem questões de direito – artigo 32.º, n.º 2 do CPC, aplicável por força do disposto no artigo 82.º do RJPI.

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Concluindo se dirá que à beira de se completarem 4 anos sobre a entrada em vigor da Lei nº 23/2013 de 5 de Março, a prática dos Cartórios Notariais, a prática junto destes de actos pelos demais intervenientes processuais, como os advogados, os solicitadores e a intervenção do Juiz são e serão determinantes na efectivação da mudança preconizada por esta Lei.

Só pelos reflexos da aplicação deste novo regime se poderá aferir da bondade da opção legislativa, ditada pela necessidade de descongestionamento dos tribunais e pela necessidade de atribuir celeridade a um processo particularmente moroso.

Se a evolução legislativa no sentido de que os conflitos familiares saiam da esfera do judiciário - e bem sabemos que o processo de inventário se encontra, na maioria das vezes, eivado de conflitos familiares de intensidade acentuada -, não está isenta da criticas, aqui chegados, aprovada que está a Lei, importa que procuremos olhar para este novo regime recentrando a discussão e colocando-a ao serviço do cidadão.

 

«Embora ninguém possa voltar atrás e fazer um novo começo, qualquer um pode começar agora e fazer um novo fim.»

 

                                                                                 Lisboa, 10 de Março de 2017

Carla Câmara