A retenção ilícita de uma criança e a regulação das responsabilidades parentais

Nos dias de hoje, é usual que pessoas de nacionalidades diferentes casem ou se unam de facto e tenham filhos, o que implica que, cada vez mais, surjam problemas relacionados com a residência das crianças, filhas de pais de nacionalidades diferentes.

Uma situação cada vez mais frequente é a de crianças que residiam com os pais num determinado país, no momento da separação daqueles, sejam levadas, por um progenitor, sem o consentimento do outro, para o país da nacionalidade daquele, porque este entende que nada mais o prende ao país que a família tinha escolhido como local de residência da família.

Nestas situações, podemos ter, uma situação processual, em que uma criança, ao ser levada sem o consentimento do outro progenitor para outro país, implique o acionamento da Convenção da Haia de 1980 ou, mesmo, o acionamento do Regulamento n.º 2201/2003, de 27 de novembro de 2003, acrescendo ainda que, o progenitor que ficou no país onde a família residia, interponha pedido de regulação das responsabilidades parentais relativas à criança.

Qual o tribunal internacionalmente competente para conhecer da regulação das responsabilidades parentais relativa a esta criança?

A regra é a de que o tribunal internacionalmente competente é o da residência habitual da criança à data em que o processo de regulação seja instaurado sendo que, na situação supra descrita, existirá uma criança com residência habitual num país (aquele onde vivia) e com um local de permanência (o país onde se encontra).

A competência para conhecer da regulação das responsabilidades parentais dessa criança cabe ao tribunal onde a criança tem a sua residência habitual, sendo que, a existência de um processo a pedir o regresso da criança ao país da sua residência poderá influir na fixação da competência internacional do tribunal que deverá regular as responsabilidades parentais.

Isto porque pode acontecer que o tribunal do Estado para onde a criança tenha sido deslocada ou esteja retida, venha a proferir uma decisão de não regresso da criança ao Estado da sua residência habitual e, nessa situação, o tribunal desse Estado passa a ser internacionalmente competente para conhecer da regulação das responsabilidades parentais.

Assim, numa situação destas, pode o tribunal onde foi pedida a regulação das responsabilidades parentais vir a suspender a instância, atento o facto de a decisão a proferir sobre o regresso ou não regresso da criança ter repercussão na fixação da competência internacional do tribunal que conhecerá da regulação das responsabilidades parentais.

 

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A assistência a filhos menores e as faltas ao trabalho

A assistência a filhos menores e as faltas ao trabalho

Muitas vezes, principalmente quando se trata de progenitores separados que exercem, sozinhos, as responsabilidades parentais sobre os filhos, acontece que aqueles se vêm em situações complicadas de ter que prestar assistência aos filhos, durante o período de trabalho, chegando mesmo a encontrar-se na situação de ou tomarem conta dos filhos ou irem trabalhar.

A leitura restritiva do regime jurídico das faltas, através do disposto no artigo 49º do Código do Trabalho, por remissão do artigo 249º, nº 2, alínea e) do mesmo Código, conduz à conclusão de apenas é admissível a falta dos trabalhadores, para prestar assistência a filhos (tenham os mesmos mais ou menos de 12 anos), se estes estiverem doente ou tiverem sofrido acidente que imponha a assistência imprescindível e inadiável dos progenitores.

O legislador estabelece os 12 anos de idade como sendo a idade a partir da qual, as crianças possuem uma capacidade e uma consciência relativamente a si próprios e ao mundo que as rodeia que permite conferir-lhe uma maior autonomia (ressalvados os casos de doenças crónicas ou outras limitações com deficiências graves) e, em consequência, permitir a redução do número anual de dias para assistência a filhos prevista na lei. Com efeito, como resulta do citado artigo 49º do Código do Trabalho, a partir dos 12 anos dos filhos, os trabalhadores passam a dispor de 15 dias para assistência aos filhos quando, até aos 12 anos, dispõem de 30 dias, para o mesmo efeito.

Daqui resulta que, se um trabalhador, com um filho menor de 12 anos, que não sofra de qualquer deficiência, doença crónica ou não tenha sofrido qualquer acidente e que, por qualquer outra razão, tenha que prestar assistência ao referido filho (por exemplo, por este estar em período de férias o progenitor responsável não tem com quem o deixar) não existe nenhuma norma legal que, de forma direta, permita justificar a falta ao trabalho. Assim, o progenitor trabalhador terá que optar entre prestar assistência ao filho ou faltar injustificadamente com o consequente desconto na retribuição e contabilização da falta como injustificada.

Sobre esta questão, pronunciou-se o Tribunal da Relação de Lisboa, num acórdão proferido em 13 de julho de 2020, no qual foi entendido que, situações como a que referimos, se enquadram, no instituto da colisão de direitos.

A colisão de direitos consta do artigo 335º do Código Civil, que dispõe que: «1. Havendo colisão de direitos iguais ou da mesma espécie, devem os titulares ceder na medida do necessário para que todos produzam igualmente o seu efeito, sem maior detrimento para qualquer das partes.

2. Se os direitos forem desiguais ou de espécie diferente, prevalece o que deva considerar-se superior.»

No referido acórdão, a este propósito, pode ler-se que: «Pensamos que não nos encontramos face a direitos iguais ou da mesma espécie, pois temos para nós que os direitos parentais são qualitativamente desiguais, de espécie diferente e de valor superior aos derivados do contrato de trabalho para o empregador, designadamente, no que toca à exigência da realização por parte do trabalhador da sua prestação laboral [prestação principal e central do acordado vínculo de trabalho].

Logo, num conflito de direitos entre os derivados das responsabilidades parentais [tomar conta de filho menor de 8 anos que ficará sozinho em casa se o pai for trabalhar, por não ter conseguido arranjar ninguém que dele cuide durante a duração da prestação de trabalho, apesar dos esforços possíveis e de boa fé que desenvolveu para esse efeito] e os decorrentes do contrato de trabalho [execução de funções profissionais] e quando não seja possível arranjar uma solução que permita a sua legítima conciliação, tem de prevalecer o direito emergente das responsabilidades parentais sobre o direito do empregador em exigir a prestação das ditas funções profissionais pelo referido trabalhador, quando tal estiver válida e legitimamente estipulado

Daqui resulta, tal como referido também no supra identificado acórdão, que em situações em que um progenitor trabalhador, se vê na situação de ter que prestar assistência um filho que não se encontra nas circunstâncias que lhe permitam faltar justificadamente, para assistência a filho, poderá e deverá recorre-se ao artigo 249.º nº 2, alínea d), do Código do Trabalho que refere que:

«2 - São consideradas faltas justificadas: […] d) A motivada por impossibilidade de prestar trabalho devido a facto não imputável ao trabalhador, nomeadamente observância de prescrição médica no seguimento de recurso a técnica de procriação medicamente assistida, doença, acidente ou cumprimento de obrigação legal

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A igualdade entre Mãe e Pai no exercício das responsabilidades parentais

A igualdade entre Mãe e Pai no exercício das responsabilidades parentais

É sabido que as responsabilidades parentais dos pais sobre os filhos, devem ser exercidas por aqueles no interesse destes.

Quando os Pais estão juntos, seja pelo casamento, seja em resultado de uma união de facto, ambos os pais exercem, em conjunto, as responsabilidades parentais.

Com efeito, dispõe o artigo 1901.º do Código Civil que o exercício das responsabilidades parentais, na constância do casamento, pertence a ambos os pais.

Quando a relação entre os progenitores chega ao fim, o artigo 1906º do Código Civil, no seu nº 1, estabelece que «As responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida do filho são exercidas em comum por ambos os progenitores nos termos que vigoravam na constância do matrimónio (…)»

Se para a maioria das pessoas se apresenta como evidente que, as questões de particular importância para a vida dos filhos, devem ser decididas por ambos os pais e estes devem ser capazes de, perante uma questão importante para os filhos, pôr de lado as suas divergências e decidir de acordo com o que é verdadeiramente o interesse do filho comum, a verdade é que, no dia a dia e, numa grande maioria de casos, nem sempre tal acontece.

Quanto o legislador estabeleceu, com regra, o exercício conjunto das responsabilidades parentais, na redação do artigo 1906º do Código Civil quis, claramente, impor a igualdade entre pai e mãe no que respeita à sua responsabilidade em relação aos filhos. Ou seja, o legislador estabeleceu que, tanto a Mãe como o Pai são igualmente capazes de exercer as responsabilidades parentais que têm perante os filhos de forma consciente e capaz, não sendo um progenitor mais capaz que o outro.

Contudo existem exceções e esta situação. Com efeito, o exercício das responsabilidades parentais não será conjunto quando o interesse do filho, assim o determine.

Podem existir várias circunstâncias que determinem que., não é do interesse do filho que, ambos os seus pais, detenham o exercício das responsabilidades de particular importância. Estas situações têm que ser analisadas caso a caso, pois cada família é uma família e cada criança tem as suas próprias necessidades e interesses específicos.

Contundo existem situações que, de tão graves impõem, que se presuma que não é do interesse do filho que, ambos os pais, detenham o exercício das responsabilidades parentais.

 
Estas situações estão expressamente previstas no artigo 1906º-A  do Código Civil que se refere à regulação das responsabilidades parentais no âmbito de crimes de violência doméstica e de outras formas de violência em contexto familiar.


Para estas situações o legislador determinou que se considera «…que o exercício em comum das responsabilidades parentais pode ser julgado contrário aos interesses do filho se:  a) For decretada medida de coação ou aplicada pena acessória de proibição de contacto entre progenitores, ou b) Estiverem em grave risco os direitos e a segurança de vítimas de violência doméstica e de outras formas de violência em contexto familiar, como maus tratos ou abuso sexual de crianças

Assim, sempre que estejamos perante uma situação em que exista violência doméstica, não devem, as responsabilidades parentais dos filhos, ser exercidas, em comum, por ambos os progenitores, até porque tem-se vindo cada vez mais de sedimentar o entendimento de que uma criança que vive num contexto em que existe violência de um progenitor sobre o outro é ela própria vítima de violência por parte do progenitor que a exerce.

É, pois, contrário ao interesse dessa criança que o progenitor violento, detenha o exercício das suas responsabilidades parentais, até porque, o simples facto de este usa de violência demonstra uma incapacidade para colocar os interesse do filho em primeiro lugar.

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Porquê regular o exercício das responsabilidades parentais relativas às crianças?

Porquê regular o exercício das responsabilidades parentais relativas às crianças?

Quando os pais se separam ou divorciam e têm filhos, existe um conjunto de aspetos relativos à vida destes que devem ser consignados na regulação das responsabilidades parentais, tendo já, em artigo anterior, sido abordado o conteúdo desta regulação.

Pode acontecer que os pais, porque se entendem quanto à repartição dos tempos dos filhos com cada um, quanto ao pagamento de despesas, das férias e outros aspetos tenham a tendência para considerar desnecessário proceder à regulação do exercício das responsabilidades parentais dos filhos podendo, até, considerar que abordar tal questão com o outro progenitor poderá ser entendido, por este, como um ato de desconfiança ou o iniciar de um ciclo pré-judicial.

Mas, a verdade é que é relevante e necessário que exista uma regulação das responsabilidades parentais que esteja homologada e que tal só trará benefícios para os progenitores e, claro, para a própria criança.

Uma das razões porque é importante regular o exercício das responsabilidades parentais é porque o acordo a que os progenitores chegam (assumindo-se, aqui, que estamos perante progenitores que se entendem e que conseguem, ainda que com a ajuda de técnicos estabelecer, por acordo, o conteúdo da regulação) fica escrito e se, num determinado momento, existir uma dúvida pode consultar-se o mesmo e solucionar essa mesma dúvida permitindo que o acordo escrito e homologado seja uma fonte de soluções e não de conflitos entre os progenitores.

É uma grande vantagem ter um acordo escrito e não apenas um acordo verbal, na medida em que, o documento escrito pode ser lido, consultado e relido, evitando mal-entendidos entre os progenitores.

A existência de uma regulação do exercício das responsabilidades parentais escrita, desde que tenha um conteúdo correto e clausulas bem redigidas, de forma clara e precisa, contribui e muito para evitar mal-entendidos futuros entre os progenitores, podendo o advogado que dê assessoria aos progenitores ajudá-los a construir soluções e a alertá-los para a necessidade de regular, mais ou menos, determinados aspetos.

Acresce ainda, em abono, da redação do acordo de regulação do exercício das responsabilidades parentais que, caso venha a existir, no futuro, uma degradação da relação amigável entre os progenitores, a regulação já se encontra salvaguardada, escrita e homologada evitando-se que, em caso de deterioração da boa relação que existia, uma das partes “revogue” unilateralmente o acordo verbal e tenha que, posteriormente, num clima de tensão, ter que se proceder à regulação do exercício das responsabilidades parentais, por exemplo, por via judicial.

Com efeito, a existência de um acordo escrito e homologado dá a segurança de que o mesmo não será alterado só porque um dos progenitores assim o entende. Após a homologação do acordo, o mesmo apenas poderá ser alterado, judicialmente, se existirem condições supervenientes e atendíveis que justifiquem tal alteração.

Evidentemente que, por acordo, poderão os progenitores ajustar alguns aspetos do acordo homologado alterando o mesmo, constando tal alteração, de documento escrito e, também homologado.

Outra das grandes vantagens de não se ter apenas um acordo verbal entre os progenitores é o facto de, existindo um acordo escrito e homologado, qualquer progenitor pode exigir ao outro o cumprimento de quanto ficou clausulado, nomeadamente, pode acontecer que, num determinado momento, um dos progenitores não cumpra com o que ficou acordado, por exemplo, quanto ao pagamento de pensão de alimentos ou comparticipação para as despesas. Nesta situação, o outro progenitor pode exigir o cumprimento da regulação homologada, recorrendo ao tribunal, se for o caso, tendo assim a garantia de que o acordo de regulação será cumprido, independentemente da vontade do progenitor que não está a cumprir.

Existem, assim, razões válidas para não perpetuar a existência de um acordo meramente verbal entre os progenitores sobre o exercício da regulação das responsabilidades parentais devendo, logo após a rutura ou separação, os progenitores passarem a escrito o que acordaram, sendo importante que tenham assessoria dos advogados para redigirem um conteúdo regulador preciso, claro e que aborda os principais pontos da vida dos menores que importa acautelar e devendo os advogados ajudar os seus constituintes na procura de soluções que melhor sirvam os interesses de todos e, em particular, das crianças, acautelando situações que, no médio e longo prazo, possam ocorrer e que, no momento, porque existe boa vontade entre os progenitores estes não considerem relevante serem acauteladas.

Em suma, a existência de uma regulação do exercício das responsabilidades parentais, escrita e homologada é necessária e importante e facilita o relacionamento futuro entre os progenitores.

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O conteúdo da regulação das responsabilidades parentais

O conteúdo da regulação das responsabilidades parentais

Em caso de separação ou divórcio entre os progenitores, estes devem proceder à regulação das responsabilidades parentais dos filhos menores, prevendo aqui as soluções para as principais questões relativas à vida dos filhos.

A regulação das responsabilidades parentais relativas aos menores tanto pode ser alcançada por acordo entre os progenitores como, na sua falta, ser pedida judicialmente sendo que, podem os progenitores, na conferencia de Pais que será designada, virem a acordar quanto à mesma, total ou parcialmente.

A regulação das responsabilidades parentais deve ser feita, de forma casuística, tendo em consideração as circunstâncias concretas e particulares dos menores e dos progenitores, sendo que, existe um núcleo essencial de questões que devem ficar decididas e reguladas, pelo que, importa esclarecer, o que é deve ser o conteúdo mínimo desta regulação.

Com efeito, um ponto essencial a regular é o da fixação da residência dos menores, ou seja, importa que fique esclarecido e determinado com quem os menores vivem, mais concretamente, se vivem com um dos progenitores ou, se vivem com ambos os progenitores, em regime de residência alternada e, nesse caso, qual a periodicidade da mesma, em termos de rotatividade.

Uma vez fixada a residência dos menores e se a opção ou a decisão for no sentido de que os menores ficarão a residir com um dos progenitores, impõe-se a regulação do regime de visitas e convívios dos menores com o progenitor não guardião, o qual pode ser mais extenso ou limitar-se apenas aos fins-de-semana alternada.

Por vezes, pode começar-se por um regime em que um dos progenitores fica a residir com o menor, por exemplo, porque a sua tenra idade assim o aconselha mas, tendencialmente, procurar-se-á que o regime evolua para uma residência alternada, pelo que, na regulação pode logo consignar-se o faseamento que deve operar, no sentido de se ir adaptando o menor para a transição para o regime de residência alternada.

Outro ponto que importa considerar é do das comunicações dos menores com os progenitores, quando estão com um dos progenitores e não com o outro, sendo importante definir o horários das comunicações e a periodicidade das mesmas, por exemplo, se são diárias, se são mais espaçadas e quem é responsável por garantir essas comunicações. Aqui, a idade dos menores apresenta relevância, pois se estivermos a falar de um menor de tenra idade, a regulamentação deste ponto poderá ser mais precisa e extensa.

Do mesmo modo, importa que a regulação contemple qual o dia e hora em que deve operar a transição dos menores de casa de um dos progenitores para o outro e, também, fixar qual o progenitor que se responsabiliza por assegurar a manutenção dos menores nas atividades extracurriculares que estes frequentem.

Outro aspeto que é essencial prever e que implica uma análise cuidada, é a fixação da pensão de alimentos devida aos menores e regime de comparticipação nas despesas destes, pois aqui, há que atender à capacidade económica dos progenitores, nomeadamente, tendo em conta que podem existir situações em que, efetivamente, exista uma disparidade salarial que justifique que o percentual de compartipação nas despesas deve ser fixado em proporções diferentes para cada um dos progenitores.

Importa esclarecer que se pode optar pela fixação de uma pensão de alimentos que englobe toda a contribuição do progenitor não guardião ou definir-se um valor de pensão stricto sensu e regular as comparticipações, de cada progenitor, nas despesas dos menores.

Do mesmo modo e, sempre que possível, deve ficar consignado o tipo de ensino que os progenitores querem para os filhos (público ou privado), quais as atividades extracurriculares que os filhos frequentam e forma de repartição dos custos, podendo mesmo fixar-se que ambos os progenitores acordam que dividem entre si os custos das despesas extracurriculares cuja frequência, por parte do menor, estejam de acordo e que, no que respeita a frequência de atividades extracurriculares nas quais um dos progenitores não acorde, o outro, estando de pretendendo essa frequência, pague a mesma a suas exclusivas expensas.

Também o regime de férias dos menores com os progenitores deve ficar regulado, de forma clara para que, na sua aplicação, não se gerem equívocos e conflitos.

Em regra, os menores deverão passar metade dos períodos de férias escolares com cada um dos progenitores, sendo que podem existir situações em que se justifique que, por exemplo, as férias da Páscoa sejam inteiramente passadas com o progenitor com quem o menor menos convive, o que pode acontecer, por exemplo, se estivermos a falar de um progenitor que vive no estrangeiro procurando-se, assim que, por exemplo, num período inteiro de férias, exista um contacto maior e de qualidade dos menores com esse progenitor.

Existe um dever essencial de informação a cargo de cada um dos progenitores em relação ao outro no que respeita aos assuntos relacionados com a vida dos filhos, sendo que, apesar de o mesmo decorrer da lei, é melhor que se consigne que os progenitores estão obrigados a transmitir um ao outro, as informações relacionadas com a educação e saúde dos menores podendo ser útil detalhar o conteúdo destas cláusulas para que, no futuro, também não surjam equívocos e  problemas.

Decorre da lei e fica previsto na regulação que o exercício das responsabilidades parentais relativas aos menores que as questões de particular importância na vida destes, são exercidas, em conjunto, por ambos os progenitores sendo relevante que os progenitores saibam o que se deve entender por questões de particular importância na vida dos menores.

Uma vez homologada a regulação definitiva das responsabilidades parentais, a mesma só poderá ser alterada se existirem circunstancias supervenientes atendíveis que aconselhem a sua alteração, pelo que, importa que os progenitores tenham o devido aconselhamento para efeitos de regulação das responsabilidades parentais, por forma a garantir que, mais à frente, não lamentem ter aceite uma ou mais soluções às quais deram o seu assentimento apenas porque desconheciam que existiam outras soluções possíveis.

Com efeito, se é certo que a regulação das responsabilidades parentais tem um conteúdo mínimo, também é certo que existem varias soluções possíveis que permitem garantir que, efetivamente, a regulação protege o superior interesse dos menores e que ambos os progenitores compreendem o alcance do que fica regulado e tal corresponde a uma decisão consciente, seja quando é feito um acordo, seja quando a mesma é judicialmente fixada.

É importante também garantir que existe uma flexibilidade na regulação que tenha em conta que os menores irão crescer e que as soluções que se preveem no momento da regulação podem ter que ser ajustadas à idade dos menores, que têm necessidades diferentes quando têm 3 ou 12 anos de idade ou quando têm mais do que 12 anos de idade.

Assim, a regulação das responsabilidades parentais não deve corresponder a uma minuta que os progenitores encontram ou que lhes é facultada, antes devendo ser pensada, discutida e esclarecida com técnicos que saibam aconselhar e apresentar as várias soluções que podem existir, nomeadamente, pode constar da regulação os termos da sua futura modificação em certas matérias ou a necessidade da sua revisão em face da necessidade de adaptar a regulação.

Por exemplo, nada impede que na definição da pensão de alimentos e do percentual de comparticipações nas despesas, se fixe que, caso exista uma diminuição dos rendimentos de um dos progenitores, automaticamente, a pensão de alimentos se adotará a tal alteração.

Pensemos na importância desta regra nos dias de hoje, com a crise económica que se vive fruto da situação pandémica, em que existem trabalhadores que viram os seus rendimentos diminuídos ou que entraram em situação de desemprego.

Em vez de ter que recorrer a tribunal para obter uma decisão judicial que permita reduzir o valor de pensão de alimentos e o percentual de comparticipação, bastará que, esteja prevista uma cláusula que contemple tal situação futura e que, uma vez comprovada, opera automaticamente.

Por tudo, devem os progenitores aconselhar-se, pois só progenitores informados e esclarecidos podem decidir o que é melhor para os filhos.

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A regulação das responsabilidades parentais e o estado de emergência

A regulação das responsabilidades parentais e o estado de emergência

No passado dia 18 de março de 2020, foi decretado o estado de emergência no nosso País, através do Decreto do Presidente da República n.º 14-A/2020, de 18 de Março.

O Decreto do Conselho de Ministros n.º 2-A/2020, de 20 de Março, que entra em vigor às 00:00 do dia 22 de Março de 2020, procede à sua execução, em todo o território nacional, estabelecendo um conjunto de determinações que cumpre acatar.

Existe uma restrição clara do direito de circulação das pessoas, sendo que ficaram acauteladas as deslocações para efeitos de cumprimento da partilha de responsabilidades parentais, nos termos que se encontrem fixados nos acordos ou nas decisões que regulem o exercício das responsabilidades parentais relativas aos menores.

Ou seja, os pais podem deslocar-se com os menores para os entregarem ao outro progenitor, não havendo restrição de circulação em relação a tal, exatamente porque é imperioso o convívio entre os menores e os pais, devendo este convívio ser preservado o mais possível.

Deste modo, não é justificado o incumprimento do regime de responsabilidades parentais que tenha sido acordado entre os progenitores ou, na falta de acordo, que tenha sido fixado pelo tribunal, com base na existência de uma restrição geral de circulação durante o período de vigência do estado de emergência no nosso país.

Resolvida que ficou esta questão que, nos últimos dias, tantos diferendos tem suscitado entre os progenitores, importa ainda esclarecer que, na situação que se vive, que é de saúde pública, a decisão sobre a entrega do menor ao outro progenitor nunca poderia ser decidida apenas por um dos pais.

Esta decisão, no quadro em que vivemos, pelas implicações que a deslocação do menor pode ter na sua saúde e, também, na saúde dos seus familiares seniores não pode deixar de constituir uma questão de particular importância na vida do menor, equivalendo tal a dizer que a decisão de não entrega do menor ao outro progenitor terá sempre que ser tomada por consenso entre os dois progenitores, pois ambos são chamados a decidir, não podendo apenas um deles decidir.

A decisão de apenas um dos progenitores seria suficiente se esta questão de entrega ou não entrega do menor pudesse ser configurada como um ato da vida corrente do menor, o que não é o caso.

Assim, não é aceitável, porque não é conforme à lei, o envio de uma comunicação por parte de um progenitor ao outro, informando-o que não entregará o menor, para que este se mantenha recolhido em casa.

Conforme referido, tal tem que ser decidido por ambos os progenitores, pois de outro modo, a imposição de um progenitor ao outro, da suspensão do regime de convívios constituirá um incumprimento do regime de regulação das responsabilidades parentais que esteja em vigor.

Com efeito, os pais que têm o dever de zelar pela saúde dos filhos, têm que tomar uma decisão conjunta, de forma ponderada e colocando os interesses do menor antes dos seus próprios interesses (e guerras).

Mais do que nunca, os pais devem estar unidos na salvaguarda da saúde dos filhos e, na decisão a tomar, devem ponderar todas as circunstâncias que envolvem esta deslocação, nomeadamente, a localização geográfica da casa do outro progenitor e a situação que, nessa concreta zona se vive em termos de propagação do vírus, o número de pessoas que habitam nessa casa, se estas pessoas estão a trabalhar em regime de teletrabalho ou se, pelo contrário, têm deslocações profissionais porque as suas funções não permitem a implementação do regime de teletrabalho, a convivência com os avós, etc.

Em síntese:

- o estado de emergência não suspende o regime de convívios do menor com os progenitores nos termos que constarem do regime de regulação das responsabilidades parentais relativas a esse menor, estando legitimadas as deslocações necessárias para assegurar o seu cumprimento;

- a decisão sobre a não entrega do menor ao outro progenitor tem que ser tomada por ambos os progenitores, por esta questão constituir uma questão de particular importância na vida dos filhos.

- decisões unilaterais sobre esta matéria, consubstanciadas na não entrega dos menores ao outro progenitor, constituem um incumprimento do regime de regulação das responsabilidades parentais.

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As responsabilidades parentais quanto aos bens dos filhos

As responsabilidades parentais quanto aos bens dos filhos

As responsabilidades parentais não respeitam apenas à pessoa dos filhos estendendo-se, ainda, aos bens dos filhos.

Com efeito, o artigo 1878.º do Código Civil, ao estabelecer o conteúdo das responsabilidades parentais, define concretamente a existência destas duas vertentes.

As responsabilidades parentais relativas aos bens dos filhos encontram-se reguladas nos artigos 1885.º a 1900.º do Código Civil e, conforme previsto neste último artigo, logo que o filho atinja a maioridade (ou seja emancipado) os pais devem entregar-lhe os bens que lhe pertençam.

O artigo 1888.º do Código Civil refere quais os bens relativamente aos quais os pais não têm a administração e, aqui, releva a alínea c) deste artigo, na qual se exclui da administração, os bens que tenham sido deixados ao filho, com exclusão da administração dos pais, exclusão essa que pode ser feita por meio de testamento onde se nomeie administrador para esses bens, retirando-se expressamente esses poderes de administração aos pais.

Apesar de terem a administração dos bens dos filhos, a verdade é que o legislador considerou que existe um conjunto de atos que só podem ser praticados pelos pais, como administradores, desde que estejam devidamente autorizados para o efeito.

Esses atos encontram-se identificados no artigo 1889.º do Código Civil e cobrem, por exemplo:

Também, não podem os pais de um menor, por exemplo, sem terem autorização judicial para o efeito, tomar de arrendamento (diretamente ou por interposta pessoa), bens ou direitos do filho menor (artigo 1892.º do Código Civil).

Se os pais, na sua qualidade de administradores, praticarem atos como os supra identificados ou os taxativamente enumerados nestes artigos, os atos são anuláveis, a requerimento do filho, o qual o pode fazer até um ano após atingir a maioridade (ou ser emancipado). Este direito de anulação não caduca no prazo de um ano, se o filho demonstrar, em juízo, que só teve conhecimento do ato que pretende ver impugnado, nos seis meses anteriores à data da propositura da ação.

Sendo que, conforme previsão do artigo 1894.º do Código Civil, o tribunal pode confirmar os atos praticados pelos pais, na sua qualidade de administradores, ainda que os mesmos tenham sido praticados sem que previamente tenham requerido a necessária autorização judicial para a sua prática.

Importa, ainda, referir que os pais devem administrar os bens dos filhos com o mesmo cuidado com que administram os seus próprios bens e, em regra, os pais não são obrigados a prestar contas da administração feita.

O presente artigo pretende, de forma sumária, elucidar os pais quanto a este poder-dever sendo que a matéria relativa a este segmento das responsabilidades parentais tem várias especificidades, correspondendo este texto a um sumário, pelo que cumpre sempre acautelar junto dos técnicos habilitados a delimitação da extensão e compressão dos termos da administração e os termos em que esta deve ser levada a cabo.

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O poder-dever de correção dos pais na educação dos filhos

O poder-dever de correção dos pais na educação dos filhos

Da leitura do artigo 1877.º, n.º 1 do Código Civil, resulta que compete aos pais, no interesse dos filhos, dirigir a sua educação.

Desta previsão legal poderá retirar-se a legitimidade para os progenitores corrigirem os filhos, correção essa cujo conteúdo abrange o direito ao castigo dos pais, enquanto educadores, em relação aos filhos.

Este direito de correção, se exercido de forma excessiva, pode vir a integrar um crime de maus tratos, previsto e punido no artigo 152.º do Código Penal.

O exercício do direito de correção, na modalidade pedagógica de castigos físicos, tem que ser adequado a atingir um fim educativo, devendo ser exercido com essa intenção, na medida em que importa sempre compatibilizar tal com a dignidade humana da criança.

Preferencialmente, o poder de correção deve ser exercido com recurso ao exemplo e ao diálogo, não devendo ser privilegiados os castigos corporais os quais, se moderados, e tendo em vista um fim exclusivamente educacional e adequados à situação, são lícitos.

O problema surge quando se sai fora do campo dessas duas intenções e, a violência e a agressividade exercida contra a criança, excedem o âmbito do direto de correção não correspondendo já a um fim educativo mas sim a uma lesão do corpo ou da saúde da criança. Numa situação destas, entra-se no campo dos abusos e dos maus tratos os quais, conforme referido, assumem relevância penal.

A delimitação das situações de abusos é evolutiva pois estas estão marcadamente relacionadas com a evolução da própria sociedade.

Se, no passado, os castigos corporais utilizados pelos pais em relação aos filhos eram um assunto do núcleo familiar, a verdade é que, hoje em dia, a nota dominante é no sentido de que os castigos corporais devem ser utilizados com prudência e com carácter subsidiário, na medida em que se deve privilegiar tipos de correção que saiam fora dos castigos corporais.

No entanto, tal não equivale a dizer que, uma mãe ou um pai se podem sentir legitimados a ignorar comportamentos graves dos filhos os quais, pela gravidade que encerram, não se bastam com advertências verbais, impondo um grau de correção que implica o recurso a uma forma de castigo corporal.

Com efeito, nestas situações, a omissão de castigo levaria a que os pais se estivessem a demitir do dever de assegurar o saudável desenvolvimento intelectual e comportamental do filho e, por essa razão (a da omissão), poderem ser objeto de procedimento com relevância no âmbito do Direito tutelar de menores.

Os tribunais, quando chamados a decidir sobre questões desta natureza, devem ter cuidado e sensibilidade na medida em que, até mediaticamente, existe uma tendência para ampliar a qualificação da desproporção dos castigos corporais dos pais em relação aos filhos.

Em síntese, devem os pais corrigir os filhos, constituindo tal correção um dever a seu cargo mas, este poder-dever de correção e de educação tem que estar em consonância com a consciencialização de que não se pode infligir maus tratos aos filhos e que o exercício deste poder dever, para não merecer censurabilidade, tem que ter como finalidade única educação e o superior interesse do filho.

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Alimentos: modo de os prestar

Alimentos: modo de os prestar

Os alimentos fixados a favor dos filhos têm uma função essencial correspondente à cobertura de um conjunto de necessidades da sua vida cotidiana, tomando em conta que o credor desses alimentos (o filho) não tem autonomia financeira que lhe permita prover à sua subsistência.

A norma do artigo 2005º do Código Civil, regula o modo de prestar os alimentos prevendo que estes devem ser fixados em prestações pecuniárias mensais, admitindo como exceção a esta regra a possibilidade de ser celebrado um acordo entre os progenitores que defina um modo de cumprimento diferente do correspondente ao regime regra que é o do pagamento de uma prestação pecuniária mensal.

Desde já se ressalva que, estando os alimentos fixados - seja por meio de decisão judicial, seja por homologação de acordo -, o progenitor obrigado a alimentos tem que os prestar pela forma que tiver ficado estabelecida, na medida em que alimentos que sejam pagos de outro modo poderão ser encarados como uma liberalidade feita favor do filho sem que se extinga o dever de cumprimento da obrigação alimentícia.

De todo o modo importa equilibrar as situações pelo que se, em determinadas circunstâncias, o progenitor obrigado a alimentos, por exemplo, pagar integralmente o custo de uma cirurgia do filho, esse custo poderá ser tido em conta para evitar que se caia numa situação de enriquecimento do outro progenitor.

No entanto, de acordo com o número 2, do artigo 2008º do Código Civil, os alimentos a menores não podem ser objeto de compensação, ou seja, o obrigado a alimentos não se pode livrar da sua obrigação invocando o pagamento de outras quantias para anular o saldo devedor. Neste segmento e, para clarificação, se o obrigado a alimentos tiver optado por, por exemplo, proceder ao pagamento da totalidade da prestação bancária do imóvel que havia sido adquirido pelo ex-casal e onde os filhos ficaram a habitar com o outro progenitor, não poderá este vir invocar o instituto da compensação para, assim, se eximir ao pagamento dos alimentos.

Este direito a uma eventual compensação do valor suportado a mais, para aquisição do imóvel, nada tem que ver com a prestação de alimentos aos filhos pelo que a invocação deste direito a uma compensação terá que ser tratado no âmbito da partilha entre os cônjuges.

Só subsidiariamente é que poderá ser equacionada a possibilidade de o obrigado a alimentos efetivar a sua contribuição, para o sustento do filho, através da disponibilização de um imóvel e desde que o obrigado a alimentos alegue e prove que não tem meios económicos para prestar os alimentos como pensão.

Esta impossibilidade de invocação do instituto da compensação em matéria de alimentos, resulta da própria natureza desta obrigação e das suas características como seja, por exemplo, a periodicidade, a exigibilidade ou a duração indefinida.

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Em defesa da residência alternada e do superior interesse da criança – um contributo para a discussão

Em defesa da residência alternada e do superior interesse da criança – um contributo para a discussão

Ricardo Simões

(Presidente da Direção da APIPDF - Associação Portuguesa para a Igualdade Parental e Direitos dos Filhos)

 

Destaques:

- A Petição em prol da presunção jurídica da residência alternada para crianças de pais e mães divorciados ou separados é uma reconquista do espaço da sociedade civil na definição de políticas públicas na área do Direito de Família e das Crianças.

- A presunção jurídica da residência alternada é uma política pública.

- A intervenção do Estado no garante do bem-estar das crianças, de uma maior igualdade de género e coesão social faz todo o sentido no atual contexto

- A presunção jurídica não afasta a análise casuística e não é uma imposição, mas um ponto de partida.

- A atual legislação promove a desigualdade nos cuidados à criança.

- A presunção jurídica e os seus princípios normativos retira o elemento especulativo das decisões judiciais, reduz a discricionariedade, contribuindo para a diminuição dos conflitos parentais, dando garantias quantos aos resultados.

- Ainda estão presentes estereótipos de género nas tomadas de decisão judiciais em processos tutelar cíveis.

- A residência alternada contribuí para uma maior igualdade de género, com claros benefícios para homens, mulheres e crianças.

- A residência alternada é a melhor forma de garantir o superior interesse da criança.

- Mais de 2/3 dos pais e mães com filhos entendem que o melhor para as crianças na situação de separação conjugal a criança ter residência alternada.

- 20% dos pais e mães portugueses já têm os filhos/a em residência alternada.

- A residência alternada promove o envolvimento parental igualitário e a redução do conflito parental.

- A residência alternada, com as devidas adaptações, é adequada a crianças em qualquer idade.

- A residência alternada não serve para se deixar de pagar pensão de alimentos.

- A estabilidade da criança é garantida pelas interações num dado espaço, ao qual, através delas, a mesma dá significados.

- As crianças em residência única fazem mais mudanças de residência, passam mais horas em transportes e fazem mais quilómetros que as em residência alternada.

- A residência alternada não é aplicada em situações de violência doméstica e/ou abuso sexual de crianças.

- Não há qualidade parental sem envolvimento parental no tempo.

- O uso do conceito da figura primária de referência está não só ultrapassado como o seu uso nas decisões judiciais coloca em causa a saúde psicológica da criança.

 

 

Este texto pretende esclarecer algumas dúvidas que têm surgido nos últimos meses quanto à Petição em prol da presunção jurídica da residência alternada para crianças de pais e mães[1] divorciados ou separados. A parte introdutória tem como objetivo uma contextualização, seguida de respostas às dúvidas levantadas neste debate. Pretende-se, assim, ajudar à uma leitura mais alargada e fundamentada da temática, permitindo eliminar o ruído que em nada contribuí para uma sã discussão.

De facto, muito se tem escrito sobre a temática, o que por si só é uma vitória da sociedade civil portuguesa, que demonstra uma vitalidade alinhada com a posição do Conselho da Europa. Tal como é questionado no livro “Uma família parental, duas casas”, “(…) será capaz o movimento de pais e mães em Portugal, face ao número significativo de conflitos parentais e à incapacidade do sistema judicial de lhes dar resposta, por via da imposição de um modelo parental de residência única, voltar a chamar a si a iniciativa propositora?” (Simões, 2017). A resposta está na iniciativa da Associação Portuguesa para a Igualdade Parental e Direitos dos Filhos (APIPDF), de 2018, e que foi subscrita por mais de 4 mil pessoas. A sociedade civil voltou a chamar a si a iniciativa propositora e colocou uma temática fundamental, a das crianças e suas famílias, na agenda política institucional, tal como aconteceu nos anos 90 do século passado, quando se procedeu à alteração do Código Civil em 1995 por proposta da sociedade civil.

Esta iniciativa tenta transpor para o nosso ordenamento jurídico a Resolução do Conselho da Europa 2079 (2015) onde insta os Estados membros, no seu ponto 5.5., a “introduzir na sua legislação o princípio de residência alternada depois da separação, limitando as exceções aos casos de abuso infantil ou negligência, ou violência doméstica, ajustando o tempo em que a criança vive na residência de cada progenitor em função das suas necessidades e interesses”. O Conselho da Europa e os Estados que o compõem, Portugal incluído, reconhece assim, a necessidade de alterar os ordenamentos jurídicos na área do Direito das Famílias e das Crianças, no sentido da maior partilha não só de responsabilidades, mas também de uma maior partilha de tempo nos cuidados às crianças.

Nesse sentido, a Petição assenta não só na introdução da presunção jurídica da residência alternada, mas também em outros elementos no ordenamento jurídico português: critérios orientadores normativos como forma de dar previsibilidade e estabilidade às decisões judiciais; planos parentais como instrumento central para a reorganização da vida da criança com os seus pais e mães; envolvimento parental igualitário como critério que melhor vai ao encontro do superior interesse da criança.

O debate em Portugal, no entanto, assemelha-se ao que aconteceu e acontece em outros países ocidentais. Afinal, as práticas e dinâmicas familiares são muito semelhantes entre países, bem como as suas transformações, ao que não é alheio o facto de partilharmos o mesmo referencial civilizacional. Iniciativas que promovam a residência alternada, tais como as implementadas no Canadá (2014-2015), em Itália (onde o atual Governo tem no seu Programa a alteração legislativa no sentido desta presunção jurídica[2]), em alguns Estados dos EUA, como o Estado do Kentucky ou mesmo o debate tido algumas décadas atrás em França (Neyrand, 2005), foram sujeitas, antes da sua implementação, a argumentos semelhantes ao do corrente debate em Portugal. Pretende-se, assim, que o mesmo seja caraterizado pelo rigor e a elevação que merece, caso contrário, corremos o risco de transformar uma matéria que é fundamental para os nossos filhos e filhas, bem como para as próximas gerações, numa tentativa falhada de pacificar a comunidade e garantir a coesão social. Aliás, nunca existiu com os regimes tradicionais de residência única, no passado, um escrutínio académico e público tão grande como existe hoje com a residência alternada (Kelly J. B., 1991). No âmbito desse escrutínio, Edward Kruk (2018), afirma que existem 3 vagas de argumentos que se assumem como resistentes à ideia da residência alternada: uma primeira em que rejeita por completo o modelo; uma segunda, baseada em aprofundadas refutações (fase em que nos encontramos atualmente em Portugal); e uma terceira, em que se reconhece que a ideia tem mérito.

Antes de avançar, também se torna necessário esclarecer que a iniciativa proposta é política e ideológica (ainda que sustentada no estado atual da investigação científica) e como tal implica por parte de quem decide a consciência de que não há posições neutrais. A abstenção sobre esta matéria significa de forma muito clara a manutenção do status quo vigente e a manutenção da desigualdade no cuidado parental pós-divórcio/separação.

Comecemos pelo que é política pública e pela compreensão da necessidade de alteração legislativa no sentido da presunção jurídica, pois é onde se insere esta temática.

 

A atual sugestão de alteração do Código Civil para a introdução da presunção jurídica da residência alternada ou mesmo de um regime preferencial para crianças de pais e mães divorciados ou separados deve ser vista no âmbito de uma política pública. Mas o que é uma política pública? A política pública não se resume a uma política de Estado ou de grupos da sociedade, mas envolve ações e decisões que caraterizam a mesma como uma política de todos. Constituí uma linha de orientação pública e ao mesmo tempo concretiza direitos constitucionais e legalmente previstos. Uma política pública pode, assim, ir ao encontro de uma necessidade social objetiva. A introdução no ordenamento jurídico português da presunção jurídica da residência alternada insere-se claramente nesse propósito. Pode-se também enquadrar esta matéria no âmbito das chamadas políticas públicas de terceira geração, onde surgem novos direitos, difusos, mas direcionados para e garantidos por todos. Garantir o direito da criança a um convívio mais igualitário entre os ambos os pais e mães é um direito a ser garantido, de facto, por todos.

 

Agora cabe responder às críticas que são feitas a esta iniciativa, para que a discussão possa prosseguir sem o ruído que tem caraterizado estas discussões, pois afinal mexem com emoções de pais e mães e com atitudes enraizadas na sociedade portuguesa de resistência à mudança.

 

O que é residência alternada e porquê a sua necessidade em situações pós-divórcio/separação? O que significa a presunção legal da residência alternada?

A residência alternada é uma “modalidade singular de coparentalidade após a dissociação conjugal caracterizada por uma divisão rotativa e tendencialmente paritária dos tempos de residência, dos cuidados e da educação da criança, entre o pai e a mãe” (Marinho, 2011). Assim, assenta numa divisão rotativa e tendencialmente paritária dos tempos, o que, na esmagadora maioria das situações, implica duas residências, e numa produção de um quotidiano familiar e social com a criança, onde efetivamente ambos exercem a parentalidade. A particularidade deste modelo é o que permite os resultados positivos nas crianças, que as investigações dos últimos 30 anos têm evidenciado de forma clara e consistente (Nielsen, 2018).

 

O estabelecimento de uma presunção jurídica da residência alternada, juntamente com os planos parentais e as orientações normativas propostas na Petição, é fundamental para garantir a segurança dos interesses e necessidades das crianças no período pós-divórcio/separação. À semelhança de outros países, elimina, assim, não só a desigualdade legal na atual legislação portuguesa, como reduz a discricionariedade judicial que tem pautado as decisões nas últimas décadas. Ao introduzir previsibilidade no sistema, através dos elementos anteriormente descritos, contribuí para a diminuição dos conflitos parentais, foco dos principais problemas com que as crianças se debatem nos pós-divórcio/separação.

Esta questão torna-se mais premente na medida em que existe desigualdade legal atual no exercício das responsabilidades parentais: “O modelo legal atual de exercício das responsabilidades parentais nos casos de progenitores que nunca viveram juntos, que se divorciaram ou se separaram, implica uma situação nitidamente desigualitária: em regra, é atribuída a maior parcela temporal do poder de decisão em atos da vida corrente do filho a um dos progenitores (o chamado “progenitor residente”) e, como se não bastasse, o outro (progenitor não residente), quando esteja temporariamente com o filho, está impedido de “contrariar as orientações educativas mais relevantes, tal como são definidas pelo progenitor com quem o filho reside habitualmente” (Pinheiro, 2017, p. 249).

 

Existe também desigualdade nas decisões judiciais, colocando a nu a fragilidade do argumento da liberdade de escolha: “Com efeito, os dados analisados sugerem que nas decisões judiciais persistem visões estereotipadas do vínculo privilegiado da mulher à parentalidade a tempo inteiro e o do homem a tempo parcial, na conjugalidade e após a rutura desta. À presença de estereótipos de género e de uma divisão rígida de papéis parentais associa-se uma certa priorização de funções parentais. É assim notória a primazia conferida às tarefas de cuidado, tradicionalmente apanágio das mulheres, invisibilizando-se as vivências associadas à paternidade, certamente diversas e obscurecendo-se também a possibilidade de existir mais do que uma figura de referência” (Jorge, 2017, pp. 202-203).

 

Assim, a presunção jurídica da residência alternada em Portugal irá garantir não só o exercício comum das responsabilidades parentais para os atos de particular importância (legislação em vigor) mas igualmente estabelecer uma maior partilha do tempo e das responsabilidades parentais quotidianas nos cuidados de ambos os pais e mães aos filhos/as. Isto permite igualmente passar a mensagem às crianças que ambos os pais e mães têm o mesmo valor e centrar o discricionário superior interesse da criança no que é o melhor interesse da criança baseado na evidência científica (Kruk, 2018).

Mas afinal o que é uma presunção jurídica? A presunção é algo que o Direito recorre frequentemente, portanto, não se trata de nenhuma inovação jurídica. Já na atual lei das responsabilidades parentais presume-se que aquando da separação ou divórcio se mantenha o exercício comum das responsabilidades parentais que vigorava na constância do matrimónio ou da coabitação ou ainda sem qualquer coabitação. Mas antes de mais, há que distinguir a presunção legal da presunção simples ou hominis ou judicial. A ideia de presunção, de uma forma geral, é ter como verdadeiro determinada coisa até que se prove em contrário. Trata-se assim de um enunciado normativo, geral e abstrato, do qual a partir de um dado conhecido afirma-se algo desconhecido. O que estaria aqui em causa, com a presunção legal da residência alternada é que esta é o melhor para a criança, em princípio (algo conhecido), até que se prove o contrário (algo desconhecido). Ou seja, reconhecemos que à altura do divórcio ou separação existe uma realidade social da partilha de responsabilidades e cuidados de ambos os pais e mães em relação à criança. Se na prática de uma família em concreto essa partilha não existe, ou é prejudicial à criança, poderá uma das partes, ou o próprio Ministério Público, alegar ser contrário aos interesses da criança, afastando assim, de forma fundamentada, esta presunção. É semelhante ao princípio legal da presunção de inocência. Supor à partida que em cada regulação do exercício das responsabilidades parentais estamos perante famílias disfuncionais, estruturalmente conflituosas ou incapazes de exercer a sua parentalidade de forma plena, é de facto um atestado de inferioridade às mesmas por parte do Estado Português. Faz assim todo o sentido invocar, neste momento (e não em outro) o princípio da autonomia da família, de que são reflexo os princípios da intervenção mínima e da responsabilidade parental, consagrados no artigo 4º, alíneas d) e f), da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo, aplicáveis também ao Regime Geral do Processo Tutelar Cível: se durante a vida em comum não foi verificada a existência de qualquer perigo para a criança que justificasse a intervenção do Estado, é legítimo presumir que ambos os pais e mães cumpriram, em condições de igualdade, os poderes-deveres que as responsabilidades parentais encerram; e se não se levantaram dúvidas antes da separação ou divórcio sobre as suas competências parentais, é mais do que legítima a ilação de que, após esse momento, continuarão a exercer as funções parentais nos mesmos termos, justificando-se por isso a manutenção do status quo ante (partilha do exercício das responsabilidades parentais e residência com ambos), sendo o modelo de residência alternada o único que, com as limitações inerentes ao divórcio e separação de casas, efetivamente o permite.

 

Isto leva-nos a outro tipo de presunção, a simples. Esta não se encontra na lei, mas no ser humano, enquanto ideia coletiva, ou seja, da experiência comum e da convivência social. Escusado será dizer que aqui estamos perante inferências empíricas, mesmo que se observem determinados requisitos metodológicos. Tais inferências empíricas levam-nos às conclusões da investigação da Ana Reis Jorge e que ao fim e ao cabo, têm dominado a jurisprudência, doutrina e principalmente práticas judiciais em Portugal durante demasiado tempo.

A presunção legal divide-se ainda em juris tantum e juris et de jure, sendo que na primeiro é admitida prova em contrário para ilidi-la, enquanto a segunda não admite prova em contrário. Ora, a proposta da Petição propõe uma presunção legal juris tantum, ou seja, a legislação assume que a residência alternada é o melhor rearranjo familiar para as crianças em situação de pós-divórcio/separação conjugal, mas admite que a mesma não se possa aplicar num dado caso em concreto, quando os efeitos não são aqueles que a legislação assumiu como apuráveis.

 

Vejamos agora as principais críticas à residência alternada e sua presunção jurídica.

 

  1. A residência alternada só funciona se existir determinadas condições

 

Este argumento, ainda que válido e atendível, está prevista na Petição entre na Assembleia da República.

A proposta que a Petição leva à Assembleia da República propõe pela primeira vez um conjunto de orientações normativas claras, que devem ser tidas em conta, entre outras, para o estabelecimento da residência alternada, tais como: “o superior interesse da criança; as necessidades físicas, psicológicas, afetivas, emocionais, sociais e materiais da criança; o acordo entre os pais e mães e, na falta deste, a necessidade de recurso à mediação familiar ou a outro tipo de acompanhamento/apoio familiar e/ou parental; o manifesto interesse dos pais e mães quanto ao envolvimento parental; a adequação dos termos do plano parental, em particular das modalidades de alternância de residência acordados entre os pais e mães, às necessidades da criança e ao envolvimento parental de cada um dos pais e mães; a disponibilidade manifestada por cada um dos pais e mães para promover relações habituais da criança com o outro e o cumprimento dos termos do plano parental; a vontade manifestada pela criança, de forma livre” (A.P.I.P.D.F., 2017).

Reparem que neste articulado está assegurado uma série de questões que são levantadas pelos opositores da presunção jurídica. Ambos os pais e mães têm que manifestar o seu interesse em manter ou ter um envolvimento parental igualitário, dar resposta às necessidades da criança e para que tal vontade não fique no plano das intenções terá que existir um plano parental que terá que ser cumprido. Introduzimos inclusive a vontade da criança como critério orientador (mas não definidor), o que demonstra a profunda convicção que temos de que as crianças querem ambos os pais e mães envolvidos nas suas vidas. Também fica salvaguardado com este articulado as situações em que uma das partes não pretende ter um envolvimento parental igualitário ou tendencialmente igualitário. Havendo, por exemplo, acordo pela residência única, os magistrados devem ter isso em conta e homologar o mesmo nesses moldes, visto ser a vontade de ambos. Só se devem opor à residência única se, no caso concreto, entenderem que é importante a presença equilibrada dos dois na vida da criança (por exemplo, não deverá aceitar que um pai ou mãe, podendo, esteja totalmente ausente da vida da criança, pois tal é contrário aos seus interesses). Mas a verdade é que nos países em que se optou por uma legislação no sentido de um envolvimento parental mais igualitário assistiu-se no período pós-reforma legislativa a um aumento de residências alternadas, em especial por acordo, como é exemplo disso o caso australiano (Parkinson, 2018). Uma reforma legislativa nestes contornos cria as condições para a diminuição dos conflitos e aumento dos acordos de residências alternadas.

Por fim, parte do conflito parental advém da própria desigualdade da Lei e das práticas judiciais. Geralmente é colocada em causa a idoneidade de um dos pais ou mães. O que se quer dizer com isto? Que se parte geralmente de um pressuposto que uma das partes tem mais aptidões adquiridas pela prática que o outro não tem, justificando assim a opção pela residência única. Assim sendo, as condições ideais que geralmente são colocadas, como a ausência de conflito ou a idoneidade de um deles, são elas mesmo um impedimento ao envolvimento parental mais igualitário. Como mero exercício abstrato, vamos imaginar que para o estabelecimento da filiação quando uma criança nasce não só os pais e mães tinham que o reconhecer legalmente, mas igualmente teriam que mostrar as suas competências e idoneidade para poderem levar a criança para casa. Para a população portuguesa, algo desse género seria inadmissível. Ora, é exatamente isso que se faz com a atual legislação referente ao período pós-divórcio/separação.

 

2. Não deve haver um modelo único aplicado a todas as crianças, pois “cada é um caso”…

 

Não deverá haver uma presunção jurídica pois cada caso é um caso. Este argumento já foi usado em outros países (Kruk, 2018), principalmente por parte de profissionais ligados à psicologia e advocacia e que não se querem comprometer com as mudanças sociais, achando que a sua posição é a posição do “meio”, a ponderada e a que vai sanar as diferenças insanáveis. Assumem-se geralmente a favor da residência alternada, mas contra a presunção jurídica, alegando que tal retirará a possibilidade de análise casuística. Usam também este argumento para rejeitar a residência alternada em situações de pais e mães em conflito intenso ou em crianças pequenas. Dizem ainda que o superior interesse da criança deve ser determinado em função de cada criança e de cada família, devendo assim manter-se a discricionariedade das decisões do Ministério Público ou dos magistrados judiciais, rejeitando, para isso, qualquer presunção legal.

Temos que começar por afirmar que a proposta de presunção legal da residência alternada é fundada na evidência científica das investigações orientadas para o melhor interesse das crianças em situação pós-divórcio/separação conjugal, oferecendo uma clara e sustentada orientação normativa para a tomada de decisão judicial, fundamentada no envolvimento parental igualitário como o melhor interesse da criança. Realiza um corte com o modelo de residência única nas decisões judiciais, retira o elemento especulativo das mesmas, reduz a discricionariedade, contribuindo para a diminuição dos conflitos parentais e dá segurança nos resultados do modelo. Ignorar a correlação que os estudos científicos nos dão para a definição de políticas públicas seria o mesmo que ignorar os efeitos que o consumo do álcool ou do tabaco tem nos adolescentes ou usar o telemóvel enquanto se conduz. Foi com base nessas correlações que se estabeleceram políticas públicas que beneficiam todos. Se entendermos que “cada caso é um caso” os técnicos das Comissões de Proteção de Crianças e Jovens teriam que avaliar se, para cada caso em concreto, o consumo sistemático de álcool num adolescente teria consequências na sua vida; ou um agente da autoridade teria que avaliar, em cada caso, se enviar mensagens pelo telemóvel enquanto se conduz põe ou não em risco a integridade física do condutor e de terceiros. A evidência científica tem uma missão na definição de políticas públicas e tal não deve ser diferente quando discutimos a presunção jurídica da residência alternada.

 

Quanto às situações de conflito como impeditivo da residência alternada, são posições não suportadas pela investigação científica mais recente (Nielsen, 2017). Além disso, atualmente os melhores interesses da criança têm sido baseados na residência única ou na figura primária de referência em situações pós-divórcio/separação. Tal tem sido evidenciado nos estudos em Portugal, onde sistematicamente nos deparamos com um padrão de decisão, com atribuição de residências de crianças às mães, numa percentagem superior aos 2/3, o que indica que se tem menos em conta as especificidades do contexto social das crianças do que uma presunção jurídica da residência alternada, que permite diferentes variações de rearranjos familiares. E estas práticas de decisão ligam-se com a falta de reconhecimento sobre as “componentes sociais e culturais do envolvimento parental, da coparentalidade e das relações familiares, bem como as várias camadas da sua multidimensionalidade e complexidade (…)” (Marinho, 2017). Na verdade, tal reconhecimento “tende a estar arredado da regulação das responsabilidades parentais, sendo muitas vezes preterido a favor de noções psicologizantes e particularistas da família, expressas na ideia, hoje em voga, de que “cada caso é um caso”. Contudo, não existem famílias, crianças, pais ou mães a viver em vazios sociais e culturais. As próprias noções de família, maternidade, paternidade e coparentalidade são construções sociais. Mais, são, na verdade, realidades culturais, ou seja, são configuradas pelas normatividades, valores, práticas e significados que, coletiva e individualmente, atribuímos à reprodução humana e aos laços, relações e papéis sociais que se tecem em torno dela, em cada tempo e contexto socio-histórico. É o conhecimento sobre as dimensões sociais e culturais da parentalidade e da família que permite perceber que as lógicas de funcionamento e as experiências de cada família são simultaneamente únicas e iguais às de muitas outras, seguindo padrões sociais. Isto acontece porque as práticas e relações familiares estão ancoradas na relação entre a cultura e as condições materiais de uma sociedade, e a singularidade identitária, relacional e do percurso de vida de cada pessoa que constitui e cimenta cada grupo familiar. Na verdade, é esta natureza simultaneamente individual, intima, relacional, material e social que leva a que seja na família, e não tanto noutros contextos, que homens e mulheres interpelam e recusam papéis sociais e hierarquias pré-definidas e fomentadoras de desigualdades entre sexos e gerações, substituindo-as pela negociação parental e conjugal, pela igualdade entre sexos e pela proximidade afetiva entre gerações, novos ingredientes da vida familiar que mudaram as formas de tecer as relações parentais” (Marinho, 2017).

 

Tendo em conta tudo isto, a proposta levada ao Parlamento introduz a figura do plano parental que estabelece “pelo menos os termos da partilha entre pais e mães do tempo de residência com filhos e filhas e das atividades, custos, responsabilidades parentais, convívios com outras figuras com que tenham relações afetivas significativas e formas de resolução alternativa de litígios” (A.P.I.P.D.F., 2017). Ora, ao contrário da atual legislação, há uma clara orientação normativa para que pais e mães organizem a vida da criança tendo em conta as suas necessidades e especificidades em função da idade, não só no presente, como no futuro, bem como a realidade do seu quotidiano atual e futuro, numa situação pós-divórcio/separação. Existem dezenas de combinações dos tempos igualitários da criança com o seu pai e mãe e que são adaptados em função da idade. Um plano parental dá resposta integral a isso.

Mas vejamos em mais pormenor os problemas que a posição “cada caso é um caso” levanta à luz do atual ordenamento jurídico português. Em primeiro lugar o próprio conceito de superior interesse da criança é indefinido, com alguma falta de consenso legal (ainda que possamos recorrer aos instrumentos internacionais para o melhor preencher) e baseados na especulação de uma conduta futura (Kruk, 2018), ou seja, geralmente olhando para a família como uma entidade estática, reproduzindo estereótipos de género, contrários aos próprios interesses que alegadamente visam defender. Em segundo, o poder discricionário dado ao Ministério Público (que muitas vezes rejeita acordos de residência alternada de crianças pelos seus pais e mães) e aos magistrados judiciais deixa espaço a idiossincrasias discriminatórias (como temos visto em alguns acórdãos dos Tribunais da Relação quanto aos papéis parentais  em relação a crianças mais pequenas) e numa área em que muitos destes profissionais não têm a formação efetivamente adequada e, portanto, sujeita a erros judiciais. Como já disse Sofia Marinho, “quem quer regular acordos parentais está sempre sujeito às interpretações dos magistrados. É um totoloto” (Marinho, 2017). Em terceiro, as decisões baseadas no superior interesse das crianças tendem a refletir mais a presunção da residência única e eventualmente ideias estereotipadas sobre os papéis de género de pais e mães. A discricionariedade na interpretação do superior interesse da criança cria o contexto para iniciar ou intensificar o conflito parental e alimenta o conflito processual, pois cria o contexto em que o “vencedor fica com a criança”, permitindo que tudo possa ser jogado por ambos para esse fim, inclusive a manipulação da criança de forma a reproduzir uma determinada narrativa no processo. Em quinto lugar, o superior interesse da criança torna o tribunal dependente das avaliações sociais da Segurança Social e das perícias médico-legais. Tais relatórios são morosos e por vezes falta-lhes fundamentação empírica e base científica, bem como profissionais com qualificações adequadas para a elaboração deste tipo de relatórios. Depois, a visão das crianças e da sua família sobre o que são as suas necessidades são diferentes das do sistema judicial, que têm bastantes limitações. Em sexto, perante dois pais e mães adequados o tribunal não tem nenhuma orientação, nem na lei, nem na psicologia, para os distinguir. Finalmente, apesar da retórica assente no “superior interesse da criança” a verdade é que os interesses das crianças estão frequentemente sub-representados nas conferências de pais e nos julgamentos, onde estes últimos mais se assemelham a uma arena de luta de entre os direitos das mães contra os direitos dos pais e vice-versa (Brown, 2013). Será legitimo, face ao que foi dito, manter tudo como antes?

 

3. A residência alternada requer a ausência (ou pode ser geradora) de conflito parental?

 

Durante décadas e ainda nos dias de hoje persiste a ideia que a residência alternada só pode ser determinada na ausência de conflito parental, i.e., se pais e mães se “derem bem”. Próxima desta, é a ideia que a residência alternada pode, de per si, gerar ou potenciar o conflito parental, ou mesmo a violência. Por conseguinte, a existência de conflito parental logo após o divórcio tem sido usada como argumento doutrinal e jurisprudencial para afastar a residência alternada, na convicção de que a sua atribuição a pais e mães em conflito se traduz em resultados negativos para a criança, em comparação com as residências únicas. No entanto, existe hoje uma forte fundamentação empírica que tal não corresponde à realidade. Aliás, a residência alternada pode promover a cooperação entre mães e pais, mesmo quando há alguma conflitualidade.

Apesar de a literatura científica apresentar abordagens metodológicas diferentes nesta matéria (Mahrer, O’Hara, Sandler, & Wolchik, 2018) existem algumas conclusões relevantes que precisam de ser conhecidas antes de se tomar alguma posição.

Para começar, muitos pais e mães têm relações conflituosas quando se separam e no ano seguinte à mesma. Esses conflitos tendem a decrescer com o passar do tempo, em cerca de 50% a seguir ao divórcio e 25% nos anos seguintes (Fischer, Graaf, & Kalmijn, 2005; Hetherington & Kelly, 2003). A investigação realizada por Linda Nielsen vai igualmente nesse sentido, mostrando que a literatura não apoia a ideia de que o conflito parental deve afastar a residência alternada. O conflito e baixos níveis de cooperação não estão ligados a piores resultados em residência alternada do que em residência única. Geralmente, pais e mães com crianças em residência alternada têm menos conflitos e desenvolvem relações mais cooperantes do que crianças em residência única (Nielsen, 2017). Numa meta-análise realizada pela investigadora Linda Nielsen, de dados retirados de 14 estudos (uma amostra de 2.767 pais e mães com crianças em residência alternada e 13.281 sem residência alternada), verificou que pais e mães em residência alternada diminuíam o conflito em 40%, 59% mantinham e apenas em 1% aumentava o mesmo. No mesmo sentido vão autores como Bauserman (Bauserman, 2002). Tal é facilmente compreendido se pensarmos que a residência alternada implica menos intercâmbios (usualmente designado por trocas ou entregas) entre pais e mães, pelo que a probabilidade de o conflito escalar é menor, mais ainda se nas regulações estiver previsto que esses intercâmbios se façam, por exemplo, na escola. Assim, a quantidade de tempo que as crianças passam com pais e mães com elevado conflito e em residência alternada pode não ser tão problemática como crianças em residência única nas mesmas condições familiares (Kelly J. B., 2007). Outra explicação para que o conflito parental tenda a diminuir com a residência alternada do que com a residência única é que nenhuma das partes se sente marginalizada. Assim, a qualidade da relação pai/mãe-criança apresenta-se como melhor preditor do que o conflito parental, com a exceção da exposição da criança a conflito extremo.

Podemos, portanto, afirmar que a residência alternada pode tornar conflitos de elevada intensidade mais toleráveis aos efeitos negativos que estes têm nas crianças (Warshak, 2014). Uma relação próxima com ambos os pais e mães é protetora para a criança, pois estas apresentam uma menor internalização dos problemas (Nielsen, 2017).

Assim, os benefícios da residência alternada são independentes do conflito parental. Estes, são observados tanto em conflitos de baixa, como de elevada intensidade. As exceções são situações onde as crianças estão em situação de maus tratos físicos ou negligência por parte de um dos pais e/ou mães ou a sua exposição a conflito extremo.

 

Por fim, há um erro neste tipo de críticas: a incapacidade de distinguir o conflito extremo da discordância parental. A discordância faz parte do nosso dia a dia, faz parte da nossa sociedade e colocar as crianças numa redoma pode de facto estar a prejudicá-las. “Na medida em que temos famílias mais igualitárias e democráticas, a negociação torna-se num elemento central nas relações familiares, tornando a discordância como algo normal. Ou seja, é a negociação que permite a coesão. Nesta perspetiva, o conflito não é necessariamente negativo, mas um elemento sempre presente, quer na conjugalidade quer na parentalidade” (Simões, 2018). Assim, os conflitos não são necessariamente maus para as crianças. É o conflito persistente e continuado que arrasta a criança para um conflito tóxico e é desse conflito que elas precisam ser protegidas. Mas na maioria das situações de conflito de elevada intensidade pós-divórcio a violência e o abuso não são fatores. As crianças são melhor protegidas quando ambos os pais e mães estão envolvidos de forma igualitária na vida delas e quando as instituições sociais os apoiam no cumprimento das suas responsabilidades (Kruk, 2013).

 

4. A residência alternada já é possível desde a alteração legislativa de 2008 (Lei Nº61/2008)

 

Sim, a residência alternada é possível no ordenamento jurídico português, existindo, no entanto, uma já longa discussão sobre a possibilidade da existência de dois “cuidadores habituais” (Oliveira, 2017, p. 154). Segundo alguns autores de Direito da Família e das Crianças, tal já era possível desde 1977. Mas após a reforma legislativa de 2008, a discussão na doutrina sobre se a lei permitia a fixação de apenas uma ou duas residências, foi mais intensa, tendo prevalecido, salvo melhor opinião, na doutrina e na jurisprudência atual a posição de que é possível a fixar duas residências para a criança. A exemplo disso, diz Prof. Guilherme de Oliveira: “o texto legal refere-se explicitamente ao modelo tradicional em que a criança vive habitualmente com um progenitor e outro exerce direitos de visita. Mas outros dados legais claros sugerem que o tribunal pode homologar ou decidir um regime que alargue os direitos de visita até se poder falar de uma repartição dos tempos de convivência com ambos os progenitores, ou seja, até ao ponto de se fixar um verdadeiro regime de residência alternada” (Oliveira, 2017, p. 162). Ora, se o texto legal é assente num modelo tradicional (progenitor residente versus progenitor visitante), da citação retiramos que a residência alternada não é impedida, o que é diferente de se dizer que está prevista. Por ser uma área de jurisdição voluntária os pais e mães podem entender entre eles qual a melhor forma de determinar os tempos da criança com cada um deles. No entanto, como o próprio Prof. Guilherme de Oliveira o afirma, “a Lei n.º 61/2008 pretendeu, sobretudo, atribuir as responsabilidades parentais a ambos os progenitores nas questões de particular importância; não pretendeu impor um regime novo quanto à residência dos filhos, à confiança, ao cuidado, à guarda, conforme se preferir dizer” (Oliveira, 2017, p. 161)”. Fica assim de fora da letra da lei a promoção da partilha equilibrada dos tempos de vida da criança com ambos os pais e mães. Nem sequer é colocado tal como regime preferencial. Compreende-se assim, que, em 2008, o próprio Guilherme de Oliveira, na elaboração da proposta de Projeto de Lei encomendado pelo Partido Socialista, não quisesse ir mais longe. Optou-se pela estratégia dos pequenos passos, como o próprio esclarece: “estas afirmações mostram que o regime português ficou muito distante de outros que impõem a repartição paritária dos tempos de convivência entre o filho e os dois progenitores. Nos Estados Unidos, alguns Estados impuseram a partilha de “tempos significativos” com cada progenitor; outros estados chegaram ao ponto de exigir uma partilha de “tempos iguais” de convivência (Parkinson, 2011, p. 46)” (Oliveira, 2017, p. 157). Se a isto juntarmos a opinião jurídica do Prof. Jorge Duarte Pinheiro sobre a desigualdade nos cuidados à criança que está implícita na atual legislação, a verdade é que não podemos dizer que a residência alternada esteja prevista na atual legislação. Pela sua omissão legal, pela interpretação dominante da doutrina e de alguma jurisprudência tem sido possível manter algumas decisões judiciais de fixação de duas residências da criança (implicando isso um tempo mais ou menos igualitário da criança com ambos os pais e mães), mesmo em situações de desacordo, e acolhidos acordos de residência alternada, em certos casos com grandes esforços por parte de pais e mães. Assim, a ausência de uma orientação normativa clara neste sentido foi uma opção em 2008, mas face ao que hoje sabemos, não só da literatura internacional, mas igualmente da realidade social portuguesa e das práticas judiciais, é algo que se impõe mudar, de forma a adaptar a lei a esta nova realidade crescente da parentalidade cuidadora nas famílias portuguesas, por parte de pais e mães e no melhor interesse da criança.

 

5. Deve-se ter como critério de determinação da residência a figura primária de referência

 

Na primeira vaga de argumentos contra a residência alternada encontramos frequentemente a defesa da figura primária de referência, geralmente a mãe, como aquela que proporciona a estabilidade à criança. Esta visão, essencialista, argumenta que as separações conjugais com crianças pequenas colocam em causa a vinculação segura, gerando problemas mais tarde no desenvolvimento da criança. Ora, apesar de J. Bowlby, nos primórdios da teoria da vinculação, não abordar o papel do pai, o autor acabou, mais tarde, numa revisão dos seus textos, por salientar o contributo também paterno para o desenvolvimento adaptado da criança. A abordagem do pai como Figura de Vinculação surgiu, desta forma, mais tarde e passou por diferentes fases ao longo das décadas, até aos dias de hoje, a saber (Bretherton, 2010) :

Fase 1. Podem também os pais atuar como Figura de Vinculação? (anos 60)

Fase 2. Se sim, assumem um papel igualitário ao papel da mãe ou secundário? Haverá uma hierarquia das figuras? (anos 70)

Fase 3. Existem diferenças entre a qualidade da relação de vinculação mãe-criança e pai-criança? (anos 80)

Fase 4. A qualidade da relação (e interação) mãe-criança e pai-criança têm impacto no desenvolvimento da criança ao longo do tempo? (anos 90, 2000)

Com o tempo, a investigação neste âmbito foi-se complexificando e, logo, informando a teoria da vinculação. Hoje, a comunidade científica destaca o contributo tanto materno como paterno para o desenvolvimento adaptado da criança, salientando o impacto do seu efeito conjunto: i.e., crianças com vínculos seguros simultaneamente com a mãe e com o pai, parecem evidenciar maior adaptação emocional e comportamental.

Esta mesma investigação tem incorporado a abordagem sistémica da família no estudo da qualidade das relações de vinculação. Tem olhado para outros fatores que influenciam o desenvolvimento emocional e comportamental da criança (e.g. conflito conjugal ou coparentalidade). Assim, tem-se centrado no envolvimento conjunto e recíproco de ambos os pais nos cuidados e decisões a respeito da criança. Incide igualmente nas interações interparentais em relação às práticas, funções e expectativas dos pais no desempenho do papel de ambos. Também desmonta a ideia de que as alterações biológicas são exclusivas da mãe. Por exemplo, a investigação tem verificado que durante as interações criança-pai ocorrem também alterações neuroendócrinas no pai (níveis de ocitocina, por exemplo), e que os homens que são pais apresentam níveis diferentes de prolactina.

Assim, a grande falha deste argumento é que se baseia em investigação científica ultrapassada e datada no tempo. Sustentar a determinação da residência única e, consequentemente, um envolvimento parental desigual nos cuidados à criança após a dissociação conjugal significa não saber fundamentar, à luz do estado atual do conhecimento científico, o melhor interesse da criança.

Por fim, há que referir que este argumento tem sido utilizado há várias décadas, para sustentar os supostos benefícios da figura primária de referência ou do progenitor cuidador como critério orientador, afirmando-se que tal conceito colocaria em causa a saúde psicológica da criança na medida em que tornava os processos judiciais longos e incertos. Essa discussão levantava a hipótese de existir antes presunções, que permitissem produzir resultados mais previsíveis e assim diminuir os tempos da criança em tribunal (Goldstein, Freud, Solnit, & Burlingham, 1984).

Do ponto de vista legal, em Portugal, a opção pela figura primária de referência é, hoje, salve melhor opinião, face ao artigo 1906º, do Código Civil, um critério meramente residual, sendo o critério preferencial o do progenitor amistoso, com a atribuição de força legal à chamada "friendly parent provision".

 

6.A residência alternada não se pode aplicar a bebés e crianças de “tenra idade”

 

Sobre esta matéria existe um consenso que pernoitas frequentes para crianças pequenas com ambos os pais e mães é um fator protetor (Warshak, 2014), contribuí para o seu bem-estar e não diminuí a qualidade da relação mãe-criança (Nielsen, 2015). Especialmente quando elas são muito pequenas as interações entre pai-criança e mãe-criança precisam de ser regulares, com uma rotina e precisam de incluir pernoitas. Só assim é possível maximizar relações douradoras e vinculações seguras. Mas claro que esta situação não se aplica a todas as crianças mais pequenas, pois outros fatores devem influir para as famílias pós-divórcio/separação, como por exemplo os horários de trabalho. No entanto, qualquer proibição ou condicionamento de tempos mais igualitários da criança com ambos os pais e mães (como por exemplo, “não pode dormir na casa do pai antes dos 3 anos”) vão contra o que hoje sabemos sobre o desenvolvimento infantil e tem sido baseada em falsas conceções (Nielsen, 2014). Um dos exemplos dados para desconstruir esta ideia sem fundamento são os casais com profissões com turnos noturnos, como sejam os/as médicos/as, os/as enfermeiros/as ou pessoas que trabalham na aviação comercial ou ainda em fábricas de automóveis. Nesses casais é frequente ver a mãe ausente durante o período noturno por motivos profissionais e o pai assumir os cuidados à criança. E observamos este comportamento com famílias monoparentalis femininas, onde as crianças são confiadas a terceiros. Exemplo disso, em Portugal, é o infantário da companhia aérea TAP, que funciona 24 horas por dia, 365 dias por ano. Como é descrito e apresentado pela própria Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego como uma boa prática, o “serviço destina-se, preferencialmente, a pessoal com horários menos convencionais, como o pessoal de voo ou pessoal com horários por turnos” (CITE, s/d). A pernoita da criança é feita com os chamados cuidadores profissionais (por exemplo, educadores de infância) e nestas circunstâncias não se questiona o afastamento da mãe ou do pai.

Sabemos da atual investigação sobre a vinculação que depois do divórcio/separação as pernoitas são oportunidades fundamentais para interações e cuidados à criança que as “visitas” não permitem, como dar banho, estabelecer rituais de dormir, confortar durante a noite, dar segurança quando acordam, fazer as refeições para a criança entre outras (Warshak, 2014). Além disso, as crianças muito pequenas não toleram bem a separação longa das suas figuras de referência, geralmente pais e mães, pois afeta o seu desenvolvimento e ajustamento à mudança provocada pelo divórcio/separação. Um estudo recente indica-nos inclusive que as crianças com menos de 3 anos que tiveram relações significativas com ambos os pais e mães (com pernoitas) têm, enquanto jovens adultos, melhor relacionamentos com os seus pais e mães do que aquelas crianças que não tiveram esse tipo de relacionamento (Fabricius & Suh, 2017).

Portanto, afastar-se logo à partida a residência alternada de crianças muito pequenas é condicionar as opções sobre o que pode ser o melhor interesse da criança. Sabendo nós, através da literatura científica, que os primeiros anos de vida são fundamentais para o desenvolvimento da criança, especialmente através do estabelecimento de relações significativas com os seus cuidadores, não podemos de todo excluir a importância do tempo igualitário da criança com os pais e mães nesta fase do seu desenvolvimento. Só assim as crianças atribuem significado à relação e a internalizam de forma segura. Existem estudos em Portugal que vão neste sentido, onde o envolvimento parental, em particular, do pai, nos cuidados e atividades de lazer está ligado a vinculações mais seguras (Monteiro, et al., 2010). A desconstrução destes mitos é fundamental para que nos possamos centrar-nos no conceito que melhor dá resposta às necessidades das crianças, que é o envolvimento parental mais igualitário.

 

7. A residência alternada não dá estabilidade à criança

Existem vários argumentos associados à residência das crianças e às mudanças entre residências que tentam descredibilizar a residência alternada enquanto modelo viável. Convém, assim, analisar cada uma dessas críticas e compreender, à luz do que hoje sabemos da literatura científica, o que efetivamente conduz ao melhor interesse da criança.

 

Comecemos pelo argumento recorrente nesta discussão que é a visão dos adultos sobre o lugar ou residência da criança. Para começar é necessário perceber que o lugar da criança se estabelece na relação entre o espaço e a interação. As crianças movem-se num determinado espaço geográfico, mas igualmente nas suas diferentes expressões: paisagem (por exemplo, parques infantis, mas também os seus cheiros, sons, cores, etc.), território (espaço onde se processam as interações e que podem ser ou não vedados às crianças) e lugar (espaço a que a criança dá significado). Assim, as crianças constroem ao longo do tempo, assim, territórios-lugares através de processos de vivência do espaço através da interação, de subversão do espaço, subversão da ordem instituída, conhecimento da comunidade, do sentimento de identidade e de pertença e capacidade de abstração para a criação (Lopes, 2008). As infâncias e a adolescência devem ser vistas como construções sociais, pois só assim é permitido à criança ter um papel de agência nos diferentes processos sociais, assumindo-se como sujeito de direitos. É isso que nos permite hoje olhar para o significado que a criança dá às relações num dado espaço enquanto espaço vivido (Fremont, 1980). Assim, o espaço geográfico deve ser visto como produto social (Isnard, 1982). Tudo isto leva-nos a afastar do essencialismo e do biologismo que durante demasiado tempo dominou muitas das ciências sociais e que ainda perdura no senso comum.

 

Tendo em linha de conta esta perspetiva, em especial a noção de lugar da criança, existiram vários estudos que procuram perceber o impacto da existência de duas residências na criança. As famílias cujas crianças estão em residência alternada raramente se preocupam com a disrupção de ter duas casas (Greif, 1979), sentindo-se as crianças “em casa” nos dois lugares (Abarbanel, 1979). É reconhecido pela literatura que a residência alternada diminui o nível de stress das crianças e melhora a adaptação à separação conjugal dos pais e mães, em comparação com a residência única. Estudos mais recentes, com amostras significativas e longitudinais, têm mostrado que o envolvimento parental igualitário traduz-se no melhor ajustamento ao divórcio conjugal e melhores indicadores físicos, psicológicos, emocionais e de bem-estar da criança (Bergström, et al., 2013; Bergström, et al., 2015; Fransson, Låftman, Östberg, Hjern, & Bergström, 2017; Turunen, 2015). Devemos assim ter em grande consideração o significado que as crianças dão aos espaços, significado esse muito intermediado pelo envolvimento parental.

 

Outra questão é a instabilidade da existência de duas residências para as crianças. É verdade que as crianças precisam de estabilidade e previsibilidade nas suas vidas. Mas essa estabilidade advém das vivências da criança com os seus cuidadores e não do lugar em concreto. Assim, a estabilidade e previsibilidade não deve ser vista sob o ponto de vista de um espaço físico, mas sim das relações e interações que a criança estabelece, em particular, com pais e mães. Se uma criança está habituada a ter mães e pais envolvidos na sua vida quotidiana, a separação ou divórcio provocará instabilidade se esse envolvimento parental (tempos, atividades parentais, cuidados e relacionamento) parental for drasticamente alterado. É nesse envolvimento que se estabelece uma relação quotidiana não só com os pais e mães, mas igualmente com a restante família alargada.

Se atendermos à conciliação entre vida familiar e vida profissional na sociedade portuguesa, não é raro ver as famílias socorrerem-se de ajudas na organização do quotidiano, seja de outros familiares, seja de cuidadores profissionais. Por exemplo, quando mães e pais trabalham muito cedo e tem que deixar a criança na casa dos avós ou em algum equipamento escolar que abra bastante cedo, ou ainda quando precisam de apoio após o horário escolar. As dificuldades a nível da conciliação são ainda maiores em famílias monoparentais, em que recai apenas sobre um progenitor esta gestão do dia-a-dia (Correia, 2013; Wall et al. 2016).Se aceitamos tudo isto, em que a criança circula diariamente entre vários espaços, porque não aceitar a residência alternada, onde a criança poderá ter mais resposta às suas necessidades (pois estão envolvidos os dois pais ou mães e respetivas redes de suporte) e inclusive ter relações muito mais significativas, mitigando ainda a sobrecarga que penaliza a conciliação das famílias monoparentais com residência única?

Existe uma variedade de perspetivas que se propõem explicar as ligações entre o divórcio e o ajustamento da criança (Hetherington, Bridges, & Insabella, 1998) e que podem estar ligados à instabilidade (e não tanto o modelo de residência): caraterísticas individuais da criança; mudanças na composição da família e o possível efeito negativo da ausência paterna, típico nos modelos de custódia maternal; o stress económico gerado pelo orçamento familiar passar a ser suportado essencialmente por um dos pais/mães; os efeitos do stress parental na criança; e as mudanças nas dinâmicas familiares, como o conflito e a expressão de emoções. Existe, assim, uma série de outras variáveis que podem influir para a (in)estabilidade da criança no seu processo de adaptação ao divórcio dos pais e mães, que não tem necessariamente a ver com o modelo de residência.

 

Uma das outras críticas mais comuns e que faz parte da primeira onda de argumentos contra a residência alternada é o da “criança com a mala às costas”. Este argumento tenta passar a ideia que a residência alternada é insustentável para a criança, pois iria parecer um ioiô. Também é argumentado que a transferência entre casas iria trazer consequências no ajustamento da criança e trazer instabilidade e insegurança à mesma. Além desta questão, é levantada ainda a necessidade de a criança se adaptar a dois estilos educativos diferentes e que tal se traduziria em stress e confusão. E ainda que o facto de estar frequentemente com os dois pais e mães poderia estar mais exposta a conflitos de lealdade.

Vejamos então em mais pormenor todas estas questões. Em parte, podemos dizer que as crianças andam com as malas de um lado para o outro, mas isso verifica-se essencialmente com as residências únicas, onde a criança leva uma mala para a casa do outro pai/mãe com quem não está habitualmente e portanto, tem pouca coisa na casa do pai/mãe “visitante”. Um estudo empírico apresentado na 7ª Conferência Internacional Igualdade Parental Séc.XXI, em Leiria, este ano, pelo advogado e mediador familiar espanhol, José Luis Sariego Morillo, demonstrou que em residência única a criança separa-se de cada um dos pais/mães, em média, 120 vezes ao ano de cada um, ou seja, 240 vezes. Num modelo quinzenal a criança separar-se-ia 24 vezes de cada pai ou mãe ou num regime semanal na ordem das 49 vezes (Sariego, 2018). Mas também contabilizou os km que uma criança faz em média, em Sevilha, por semana, nos dois modelos. Verificou que em média em residência alternada a criança faz por semana cerca de 120 km e uma média de 5h de automóvel (seja com o pai ou com a mãe). Em residência única materna observou que uma criança fazia cerca de 200 km e mais de 7h por semana eram passados no automóvel. E não me parece que a cidade de Sevilha seja muito diferente de uma outra cidade urbana em Portugal, pelo que o mesmo raciocínio se poderá fazer para o nosso país.

 

Este mesmo advogado faz a pergunta: comparando os dois modelos qual deles faz efetivamente sentir a criança como uma “criança com a mala às costas”? Penso que a resposta será evidente face ao que acima foi apresentado.

 

Por fim, referir que quando é esperada a fixação de uma residência alternada das crianças os pais e mães tendem a escolher residências próximas uma da outra, nem se colocando a questão da “mala às costas”. Mais uma vez, a previsibilidade legal induz comportamentos que promovem um maior envolvimento parental de ambos.

 

8. É mais importante a qualidade do que a quantidade de tempo com que uma criança está com um dos pais ou mães.

 

Parece hoje evidente que não há qualidade sem quantidade. A literatura científica tem-nos mostrado resultados positivos em vários domínios na relação com a criança quanto maior for o envolvimento parental. Penso que hoje já é do senso comum que contatos de fim-de-semanas quinzenais pouco significam envolvimento parental, na medida em que um pai ou uma mãe não se envolvem no quotidiano da criança. Por exemplo, o envolvimento paternal incluí 3 componentes primárias: (1) um envolvimento positivo nas atividades e interação com a criança ao ponto de influenciar o seu desenvolvimento; (2) afetos e responsividade; e (3) controlo, em particular monitorização e tomada de decisão (Pleck, 2010). Existem ainda dois domínios auxiliares, a saber: os cuidados materiais indiretos, atividades que não envolvam interação direta com a criança (como comprar coisas para a criança) ou cuidados sociais indiretos (como ligação com os pares, ligações com a escola, etc.); um processo de responsabilização, onde o pai/mãe monitoriza em que medida o seu envolvimento parental está a ser adequado às necessidades da criança em função das componentes anteriormente referidas. Por sua vez o envolvimento parental pode-se processar de muitas formas, que passam pela comunicação, educação, monitorização, processos cognitivos, de cuidados, de cuidados indiretos à criança, partilha de interesses, disponibilidade, planeamento, partilha de atividades, prover, afetos, proteção e apoio emocional (Palkovitz, 1997). É o envolvimento em todas estas atividades que dão confiança e segurança à criança na relação com os seus cuidadores. Não será de certo com 4 a 6 dias por mês que se consegue ter um envolvimento parental efetivo e assim contribuir para o desenvolvimento harmonioso da criança. Numa situação pós-divórcio/separação apenas com tempos equitativos conseguimos obter resultados positivos para a criança.

 

9. Só quando existir uma maior convergência na igualdade de género é que devemos alterar a lei

 

Este é um argumento usado para se travar o progresso social e ao fim e ao cabo a modernização da sociedade portuguesa. Também chega a ser visto como um argumento centrado nos adultos e não nas crianças. Ora, não só assistimos já hoje a famílias mais igualitárias e democráticas, como a igualdade trás claros benefícios para as crianças. Vários estudos vão nesse sentido e a prática das famílias portuguesas também o exige. Quando na sondagem encomendada pela APIPDF à Netsonda[3] nos revela que 68,8% dos pais e mães portugueses entendem que o melhor para os seus filhos/a é que numa situação de separação as crianças devem ficar a viver com os dois, isso significa que as atitudes dos portugueses mudaram significativamente nas últimas duas décadas[4]. Mais, quando 20% dos inquiridos tem pelo menos um dos seus filhos em residência alternada, podemos dizer que não só a realidade social hoje justifica a mudança legislativa, mas principalmente os valores da igualdade e da democracia têm efetivamente produzido práticas familiares mais igualitárias. Não reconhecer isto significa querer ignorar a realidade, prestando um mau serviço ao país e em particular às crianças, mães e pais.

Importa, assim, dizer que a igualdade de género é um processo civilizacional em marcha e ainda incompleto. Que a democratização da sociedade portuguesa tornou mulheres e homens iguais perante a lei, embora as mudanças na vida das mulheres tenham sido graduais, nomeadamente no que se refere ao mercado de trabalho e as mudanças na vida dos homens se tenham operado em períodos mais recentes. Este processo tem de avançar em várias frentes em simultâneo, pois estas frentes são interdependentes e beneficiam-se mutuamente: para as mulheres estarem em igualdade de circunstâncias e terem as mesmas oportunidades e responsabilidades na esfera pública, nomeadamente no mercado de trabalho, os homens também têm que estar em igualdade de circunstâncias e terem as mesmas oportunidades e responsabilidades na esfera privada, nomeadamente nos cuidados aos filhos. E tal como os legisladores perceberam que não basta consagrar a igualdade na lei para a igualdade se tornar uma realidade, pelo que é necessário introduzir medidas de incentivo à igualdade  que pretendem combater a discriminação das mulheres na esfera pública, como é o caso das cotas, também são medidas de incentivo à igualdade aquelas que promovem o papel do pai nos cuidados, seja nas licenças parentais seja no período pós-divórcio/separação. Ora, quando se usa o argumento de que não se deve avançar para uma presunção da residência alternada porque não existe igualdade parental como regra na população e que a realidade da presunção iria representar a exceção devo reforçar duas ideias que contradizem essa lógica: a primeira remete-nos para a já referida sondagem, onde demonstra uma verdadeira mudança de atitude e práticas familiares; em segundo, esta visão, ao obstaculizar esta medida de incentivo à igualdade, está na prática a alimentar e a reproduzir a desigualdade estrutural que tem pesado sobre as mulheres e mães, em particular, nomeadamente na sobrecarga familiar e discriminação no mercado de trabalho (a chamada “vulnerabilidade cíclica”  a que as mulheres têm estado sujeitas (Okin, 1991)). Aliás, a resposta a esta visão limitadora da própria igualdade de género, mas que é apresentada como se a realidade social fosse segmentada e cronologicamente programada, é demonstrada no próprio Livro Branco Homens e a Igualdade de Género em Portugal, quando se refere às consequências da manutenção da convicção de que homens e mulheres têm papéis “naturais” de género: “Sobre as mulheres passa a recair uma responsabilidade acrescida (“exclusiva”) no dia-a-dia, com um forte impacto na sua relação com o mercado de trabalho, na conciliação família-trabalho, na gestão dos tempos e no bem-estar económico do seu agregado doméstico. Os homens veem altamente condicionado o acesso aos/às filhos/as, através de um regime de visitas que os impossibilita de partilharem o seu quotidiano e de manterem a proximidade relacional que se cultiva no dia-a-dia, ao mesmo tempo que os desresponsabiliza “quanto aos atos da vida corrente” dos/as seus/suas filhos/as na qualidade de ‘pais não-residentes’” (Wall, et al., 2016, p. 54).

Existe ainda um argumento muito forte para discordar da ideia que só “quando a igualdade de género for efetiva é que os pais e mães podem beneficiar de uma presunção jurídica”: as crianças. Recorro mais uma vez ao Relatório supracitado: “A desigualdade está inscrita, reproduz-se e legitima-se através de estereótipos de género em variadíssimas instâncias sociais, desde a família à escola, desde o mercado de trabalho às políticas públicas e à moldura legal. É consequência da socialização de gerações sucessivas, naturalizando-se e transmitindo-se através das atitudes e das práticas quotidianas de homens e mulheres. Um dos estereótipos mais poderosos, porque legitima a desigualdade de género em diferentes dimensões da vida dos indivíduos e confere prerrogativas a quem é dominado - as mulheres -, prende-se com a conceção de que cuidar é uma atribuição das mulheres, porque está inscrita numa natureza feminina que se materializa com a maternidade” (Wall, et al., 2016, p. 55). Como este Relatório recomenda (e bem), a mudança do status quo é fundamental para mudar as mentalidades e aprofundar a igualdade. As crianças precisam de ser socializadas na igualdade de género, nomeadamente na igualdade parental, para serem adultos que normalizam a igualdade. As crianças precisam de ver as mães a trabalharem em igualdade e os pais a cuidarem em igualdade para serem adultos com atitudes e práticas mais igualitárias. Ter um pai cuidador é o maior incentivo e fonte de aprendizagem para um rapaz vir a ser um pai cuidador. A entrada do pai no universo doméstico, ainda que não de forma linear, tem permitido, já hoje, a socialização de crianças e jovens para esta mudança do estado de coisas.

O caminho faz-se caminhando e é preciso avançar em todas as frentes. E não se pode priorizar avanços ou condicionar um determinado avanço enquanto outros não se concretizarem. As políticas públicas quanto às licenças parentais visam essencialmente promover a entrada de homens e mulheres na parentalidade, enquanto a presunção jurídica da residência alternada visa atuar a nível do pós-divórcio/separação. São assim políticas públicas interdependentes e não baseadas em alguma lógica temporal e sequencial. A presunção jurídica pode ajudar a sociedade a reconhecer cultural e legalmente que a criança precisa de ambos os pais e mães na sua vida e que esse modelo é resultado natural do divórcio (Warsh, 1992).

Bianchi atribuí a convergência de género no cuidado às crianças a 6 fatores: a) à crescente alocação de tempo ao mercado de trabalho por parte das mulheres; b) a sobrestimação, em muitas investigações, do tempo da mãe com os filhos, pois era assumido que todo o tempo doméstico era investido na criança (significando assim que exista um maior equilíbrio nos tempos quanto aos cuidados às crianças); c) a redução do tempo despendido com as crianças em famílias com menos elementos; d) cada vez mais crianças em idade pré-escolar passam mais tempo em equipamentos educativos, independentemente da situação de emprego da mãe; e) o realocar do tempo das mães ao trabalho tem permitido aos pais estarem mais envolvidos nos cuidados às crianças; f) a tecnologia, como os telemóveis, tem permitido a pais e mães estarem presentes na vida dos filhos, sem que tenham a necessidade de estar fisicamente (Bianchi, 2000). Um outro estudo (Hsin & Felfe, 2014) chega mesmo a afirmar que os pais chegam a compensar o facto de a mãe estar empregada, aumentado as atividades que podem contribuir para o melhor desenvolvimento da criança. Outro ainda, muito recente, aponta claramente para que as mudanças sociais têm conduzido a alterações na masculinidade normativa e isso tem-se traduzido num maior envolvimento parental (Petts, Shafer, & Essig, 2018). Assim, não iremos observar, naturalmente, que estes critérios se verificam todos e na perfeição em Portugal, ou em qualquer outro país do mundo. Mas podemos, com certeza, verificar uma tendência muito significativa de convergência nesta matéria e cabe à sociedade e ao Estado estimula-la em vez de colocar obstáculos. Aliás, nesse sentido, um trabalho recentemente publicado (Cunha, Rodrigues, Correia, Atalaia, & Wall, 2018) aborda esta temática: os obstáculos às masculinidades cuidadoras que estão intimamente ligadas à parentalidade e conjugalidade. É referido que as masculinidades cuidadoras em Portugal enfrentam obstáculos, com falta de visibilidade e reconhecimento social. Os estereótipos de género têm reproduzido, prejudicado e legitimado a descriminação também de homens e rapazes, afastando-os dos benefícios do trabalhado cuidador, seja nas famílias, nas escolas, no mercado de trabalho, na saúde e nas políticas públicas (Cunha, Rodrigues, Correia, Atalaia, & Wall, 2018, p. 325). Dizem-nos que para conseguirmos ultrapassar esses obstáculos teremos que envolver os primeiros nos processos de igualdade de género, em particular, no que nos interessa aqui, na socialização de rapazes e homens em práticas e identidades cuidadoras. Para isso temos que remover os obstáculos institucionais, como a ordem legal vigente, que permitam aos homens abraçar as masculinidades cuidadoras e as mulheres partilharem as responsabilidades cuidadoras (desde os próprios filhos a outros familiares). A remoção desses obstáculos permitirá claros benefícios para os homens em diferentes esferas das suas vidas (saúde física e psicológica, esperança média de vida, melhores qualidade nas relações familiares, menor violência interpares, etc.), mas igualmente para crianças e mulheres, que, tal como os homens, vão poder escolher livremente os seus papéis socais na sociedade. A presunção jurídica da residência alternada será de facto um pequeno grande passo para a aceleração dessa mudança social em curso, não só em Portugal, mas na maioria dos países ocidentais.

 

10. O Estado não deve intrometer-se na vida das famílias

 

Um dos argumentos usados, recorrendo-se inclusive à Constituição da República Portuguesa, é que o Estado não deve intrometer-se na família, pois há determinados limites que não podem ser passados e que as famílias precisam de liberdade de escolha. Os pontos um e dois dão resposta a esta última parte. Já quanto à intromissão do Estado nas famílias, parece existir algum desconhecimento sobre a evolução social de ambas as instituições. Os processos de modernização da família têm-se caraterizado por uma “individualização institucionalizada; privatização e sentimentalização das relações familiares; e uma família relacional e individualista” (Marinho & Correia, 2017, p. 14). Diz ainda Sofia Marinho: “Compreende-se, deste modo, que a privatização das relações familiares e os seus desenvolvimentos não devem ser interpretados como um movimento de total libertação dos indivíduos de condicionalismos normativos e institucionais na família e na sociedade, mas, sim, como a sua inserção em novos imperativos sociais e morais, e em quadros

institucionais que substituem as normatividades de pertenças coletivas do passado, como, por exemplo, o legal. Com efeito, é o Estado e as suas instituições que passam a ter um papel central na construção da conjugalidade – ainda que esta possa ser percecionada como uma relação escolhida e construída entre cônjuges – bem como da parentalidade, regulada e intervencionada a vários níveis quer pelos sistemas jurídico e escolar, quer por sistemas periciais (Beck et al., 2000)” (Marinho & Correia, 2017, p. 18). O que isto nos diz é que o Estado, hoje, está constantemente presente na esfera familiar, seja por via da existência de um Sistema de Promoção e Proteção de Crianças e Jovens, pela regulação do exercício das responsabilidades parentais, pelos apoios dados por via da Segurança Social, pela existência de uma rede pré-escolar e escolar, pelo apoio à entrada na parentalidade através das licenças parentais e por muitas outras políticas públicas direcionadas para as famílias e crianças. Esta privatização das relações familiares (separação da esfera pública da privada) ao mesmo tempo que garante uma maior opção de escolha ao individuo exige dele uma maior autorregulação, constantemente supervisionada pelo Estado, através de diversas instituições, em particular pela Justiça. Um bom exemplo desta tutela do Estado é o casamento de pessoas do mesmo sexo. Até há bem pouco tempo o Estado não reconhecia essa forma de relacionamento, apesar de na esfera privada tais relacionamentos existirem de facto. Se até hoje a legislação não tivesse sido alterada a alegada liberdade dos casais do mesmo sexo estaria quartada quanto ao reconhecimento legal da sua relação através do casamento.

No entanto, este argumento vem de setores da sociedade portuguesa que lutaram para que se retirasse o manto da privacidade da família, exigindo a intervenção pública como forma de intervir nas injustiças das relações familiares, visto que a lei lhes dava cobertura (Bartlett, 1999). Tornaram evidente (e bem) que por ser privado não significa que não deva estar sob o olhar público. Foi esse mesmo movimento feminista que nos E.U.A. mostrou a falsa neutralidade da separação entre o privado e o público, visto que ignorava toda a opressão que as mulheres sofriam no seio familiar. Não é por acaso que este movimento, um pouco por todo o mundo, se centrou nas questões do divórcio, da sexualidade e saúde reprodutiva e na violência doméstica. Exatamente porque entendeu que o privado não poderia significar a ausência de intervenção do Estado de forma a garantir direitos fundamentais. Ora, com a presunção jurídica da residência alternada passa-se exatamente o mesmo. Perante a evidência científica dos benefícios para a criança, para pais e mães, para a convergência de género na família, pelo contributo para a conciliação trabalho-família e consequentemente para uma maior igualdade de género, faz todo o sentido que o Estado acompanhe todo este movimento social e legisle em prol da presunção jurídica da residência alternada.

 

11. A residência alternada serve para os pais/mães não pagarem pensão de alimentos

 

Pode parecer uma questão menor, mas é sistematicamente levantada quando se equaciona a residência alternada. Mais uma vez, não é um argumento novo, nem no nosso país nem outros países. Assim, a frase “os pais não querem é pagar pensão de alimentos” acaba sempre por aparecer e é reproduzida por pessoas com responsabilidades na área e que se deviam informar melhor.

Este argumento reproduz um estereótipo quanto ao exercício da Parentalidade, de um pai desinteressado pela criança e apenas preocupado com questões materiais. Ora, este argumento esquece a convergência de género quanto aos cuidados à criança que se tem observado (Bianchi, 2000), inclusive em Portugal. O casal de duplo emprego é uma realidade generalizada em Portugal e as diferenças de tempos nos cuidados às crianças não são o que eram há 30 anos atrás (Perista, et al., 2016). Assim, numa situação pós divórcio/separação, tem-se observado que os pais querem manter uma relação diária significativa com os seus filhos/as, o que implica partilhar direitos e responsabilidades parentais (Lund, 1987; Kruk, 1992).

 

Tendo em conta que o Fundo de Garantia de Alimentos Devido a Menores nos indica que em média de alimentos atribuídos por este Fundo anda ordem dos 150 euros/mês, facilmente poderemos concluir que querer a residência alternada para não pagar pensão de alimentos é uma falsa questão. Estar envolvido na vida de uma criança, com tempos tendencialmente igualitários significa que o custo mensal com a criança é muito superior a este valor. Curiosamente, alguns juristas, são da opinião que o principio constitucional da igualdade de deveres de ambos os progenitores na manutenção dos filhos “não pretende (…) que cada progenitor contribua com metade do necessário à manutenção dos filhos, antes se visa que sobre cada um deles impenda a responsabilidade de assegurar, na medida das suas possibilidades, o que for necessário ao sustento, habitação e vestuário (alimentos naturais), bem como à instrução e educação do menor (alimentos civis)” (Pinto, s/d). Ora, a aplicação prática da atual legislação portuguesa tem-se traduzido, em média, em baixas pensões de alimentos devidos a menores. Custa assim a crer que se queira gastar dinheiro na regulação ou alteração do exercício das responsabilidades parentais quando provavelmente vão estabelece-se baixas pensões de alimentos (talvez pelo salário médio em Portugal ser relativamente baixo em comparação com outros países). Logo, quando cada vez mais pais e mães querem genuinamente estarem envolvidos na vida quotidiana dos seus filhos/as tal não é motivado pela questão da pensão de alimentos, pois, na prática, tal traduz-se num maior custo efetivo no orçamento familiar daquele pai ou mãe.

 

12. A maioria dos pais entendem-se fora do tribunal e por isso não é preciso alterar a lei

 

De facto, a maioria dos pais e mães acordam fora dos tribunais a regulação do exercício das responsabilidades parentais. Em Portugal estima-se que apenas 4% das famílias divorciadas com crianças com menos de 18 anos é que estejam em incumprimento da regulação (Marinho & Correia, 2017, p. 21). Não deixa, no entanto, de ser um número significativo de crianças, por ano, nesta situação (18.069 processos de incumprimento da regulação do exercício das responsabilidades parentais/poder paternal entrados em 2017, segundo a Direção Geral de Política da Justiça). No entanto, devemos ter em atenção algumas questões. Muitos pais e mães continuam sem acesso à justiça pelos elevados custos associados a um processo de divórcio e/ou regulação litigioso, pelo que tendem a aceitar mais facilmente acordos com os quais não concordam. Também é passada a mensagem (algumas das vezes verdadeira) que o Ministério Público frequentemente se opõe à ideia da residência alternada, fazendo com que uma das partes desista de conseguir esse modelo para o seu filho/a, exatamente em nome do mesmo/a. O mesmo acontece com o aconselhamento de alguns advogados/as e mediadores familiares[5]. Daí que seja habitual as crianças voltarem com a sua situação a tribunal, pois as regulações iniciais não correspondem às expetativas de pais e mães, mas também das crianças. Muitas dessas situações geram conflitos, outras apenas alterações da regulação. Com a recente alteração introduzida no Código do Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Singulares, onde existe um claro benefício fiscal para progenitores com crianças em situação de residência alternada, temos observado com frequência pedidos de alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais por ambos os pais e mães, pois na prática a criança já se encontra em residência alternada e ambos estão de acordo em alterar a mesma. A sondagem encomendada pela APIPDF demonstra igualmente esta realidade, onde 20% das crianças têm os seus filhos/as em residência alternada. Ao se criar uma presunção jurídica da residência alternada mais pais e mães vão regular as situações de facto dos seus filhos/as e ao mesmo tempo constituirá um incentivo para que outros o façam, beneficiando o desenvolvimento da criança. Assim, a mudança legislativa impõe-se como necessidade de regular uma nova realidade social (pois já não falamos de situações residuais) e de dar resposta às mudanças sociais na família onde se assiste a um maior envolvimento parental de ambos pais e mães.

 

13. A residência alternada coloca em perigo as crianças, visto que permite convívios com pais/mães agressores ou mesmo abusadores sexuais

 

Dentro da segunda onda de críticas à residência alternada encontramos aquela que alega que esta modalidade de residência expõe as crianças ao conflito de alta intensidade e à violência doméstica. Este argumento tem persistido, sendo mesmo veiculado na comunicação social como verdadeiro, apesar da ausência de investigação que sustente essa ligação. O argumento mais usado em Portugal é que a residência alternada expõe as mulheres e as crianças à violência doméstica e ao abuso sexual. É dito que a residência alternada é frequentemente atribuída a crianças cuja família tem um histórico continuado de violência doméstica.  Não são raras as vezes que organizações e opinadores jurídicos escrevem textos nesse sentido.

 

Ora, a violência doméstica e o abuso sexual de crianças é algo que os defensores da igualdade parental levam muito a sério e daí não aderirem a discursos populistas que nas últimas décadas muito pouco tem trazido à resolução destes fenómenos. Como é óbvio, a residência alternada de crianças de pais e mães separados ou divorciados não se aplica a situações de violência doméstica ou abuso sexual ou mesmo alto conflito parental com violência.

E nestes fenómenos devemos ter em conta que o atual sistema em que um dos pais ou mães “fica com tudo” pode exacerbar o conflito parental e levar a situações de violência. Quase metade das ocorrências na primeira situação de violência familiar ocorre quando os pais e mães se estão a separar, no meio de uma disputa de custódia em que o vencedor “ganha tudo” (Hotton, 2003). Quando ambos os pais e mães não são ameaçados com a perda de convívios com os seus filhos/as o conflito parental e violência doméstica têm maior probabilidade de diminuir (Johnston, Kuehnle, & Roseby, 2009). A animosidade criada por um sistema baseado na residência única é fadado a produzir os piores resultados, apesar de na esmagadora maioria das situações estarmos perante dois pais e mães cuidadores, afetivos e com competências parentais, mas que apenas não concordam quanto à residência da criança e aos tempos de envolvimento parental.

O que sabemos, hoje, é que, em Portugal, a residência alternada não tem tido nenhuma relação direta com as situações de violência doméstica ou abuso sexual (quer os Relatórios Anuais de Avaliação da Atividade das CPCJ quer o Relatório Anual de Segurança Interna não têm identificado nenhuma situação associada à residência alternada[6]). Mesmo nos casos mais mediáticos o que observamos é que tais situações acontecem com regimes restritivos de contatos ou regimes tradicionais (limitados) de contatos. Assim sendo, a residência alternada não constituiu nenhum perigo adicional, antes pelo contrário: ao ter dois pais e mães interessados em cuidar da criança significa que a vigilância sobre o bem-estar da criança é maior e assim mais fácil de sinalizar situações de violência ou abuso. Assim, perante situações com fortes indícios de violência doméstica e abuso sexual as autoridades judiciais vão continuar a comportar-se como até aqui e, de preferência, melhorando os mecanismos e tempos da investigação. A presunção jurídica é imediatamente afastada em função desses fortes indícios, visto que são contrários ao superior interesse da criança e não necessita sequer de uma sentença condenatória.

Tais argumentos só podem ser, assim, usados numa lógica ideológica, que infelizmente, pouco se prende com os interesses da criança. A utilização deste argumento tem por detrás uma visão de uma das correntes do feminismo, o feminismo radical, o qual “defende que todas as relações entre homens e mulheres têm por base o patriarcado, significando isso que o homem é a fonte da exploração e opressão da mulher. Nesse sentido, o patriarcado necessita de ser derrubado e em particular a família, vista como o centro da opressão” (Simões, 2018). Aliás, toda a discussão dentro do próprio movimento feminista sobre o papel dos cuidados às crianças tem sido pouco consensual, chegando esta corrente a afirmar que é impossível saber se os cuidados às crianças entre mulheres e homens serão diferentes ou não numa nova sociedade (Carbone, 1994). É nesta ambiguidade de relações de poder entre mulheres e homens que se posiciona este argumento, ignorando o papel da criança enquanto sujeito de direitos, o mesmo será dizer, ignorando a sua capacidade enquanto ser capaz de agir de forma independente. Este longo movimento histórico, onde a forma como a criança é vista pela sociedade situa igualmente homens e mulheres quanto aos seus papéis, tem, na verdade, ignorando-a, centrando-se essencialmente nos pais e mães. Exemplo disso é o papel que a segunda vaga do feminismo desempenhou no apoio às famílias monoparentais femininas, procurando responsabilizar toda a sociedade, através do Estado, dando assim resposta a uma considerável parte da população feminina empobrecida. A terceira vaga do feminismo veio afastar essa preferência maternal da segunda vaga, procurando iguais direitos e deveres no pós-divórcio, onde se situa a presunção jurídica da residência alternada, rejeitando o essencialismo da feminilidade. No entanto, a história não é linear e muito menos a história das ideias, onde estas últimas coexistem ao mesmo tempo e num no mesmo espaço. Assim, o argumento da violência doméstica e do abuso sexual é puramente instrumental, típico da segunda vaga do feminismo (anos 60 e 70) mas usado nos tempos atuais, como forma de inviabilizar qualquer possibilidade de partilha entre homens e mulheres, em particular no que concerne esfera familiar, vista esta como o centro de opressão da mulher.

 

14. A residência alternada não garante o superior interesse da criança, mas antes o interesse dos pais e mães e a atual petição à Assembleia da República é centrada nos interesses dos adultos e não da criança

 

Devemo-nos lembrar que atualmente o que se tem entendido como o superior interesse da criança tem sido o modelo da residência única ou do progenitor de referência. Argumenta-se com o “cada caso é um caso” e da necessidade de avaliação das circunstâncias únicas de cada criança e sua família. E a reboque deste argumento vem a necessidade de discricionariedade das decisões judiciais. Levanta-se assim a questão que a residência alternada iria priorizar os direitos parentais em função do bem-estar da criança.

Se observarmos o que a criança verdadeiramente deseja encontramos um grande número de estudos que nos dizem que as crianças querem mais tempo com os seus pais numa situação de pós-divórcio/separação (Fabricius, 2003; Emery, 2006; Finley & Schwartz, 2007; Bauserman, 2002; Smith, Taylor, & Tapp, 2003; Nielsen, 2014).

 

Mas também existem aqueles que reconhecem a validade da residência alternada para as crianças, mas criticam a petição apresentada no Parlamento, por se centrar nos adultos. Tal é infundado. Esta petição não vê o mundo de forma segmentada, onde há o mundo das crianças e depois o mundo dos adultos. As vivências, os processos de socialização, entre muitos outros processos sociais, são vivenciados pela criança na relação com os outros. É impossível tratar a criança como sujeito de direitos e não ter em conta quem lhe possa efetivamente garantir esses direitos, visto que em função da sua maturidade, não possui ainda os instrumentos para o fazer. Assim, a família da criança é a primeira linha de proteção e garantia de desenvolvimento harmonioso desta. Ao promovermos o envolvimento parental igualitário, ao propomos a figura dos planos parentais, que são centrados nas necessidades presentes e futuras as crianças, estamos a garantir que a família da criança está em condições no período pós-divórcio/separação para ser o principal garante da concretização desses direitos, com o Estado a ter aqui um papel orientador e vigilante. O Estado está presente nas famílias portuguesas a diferentes níveis através das políticas públicas, mas daí a querer-se substituir totalmente às famílias vai um passo. A presunção jurídica da residência alternada é de facto uma política pública que orienta as decisões, dando aos pais e mães instrumentos fundamentais para concretizarem um dos melhores interesses das crianças: o direito a terem um envolvimento parental igualitário. Afinal, uma das máximas da Psicologia do Desenvolvimento, “não há filhos felizes sem pais felizes” aplica-se como resposta a este argumento.

Por fim, se olharmos efetivamente para vontade da criança constatamos o óbvio. Vários estudos dizem-nos que as crianças preferem a residência alternada do que ver esporadicamente um dos pais/mães (Warshak, 2003; Buchanan, Maccoby, & Dornbusch, 2000; Laumann-Billings & Emery, 2000). A concretização da expetativa da criança de continuar a ter o envolvimento parental de ambos os pais e mães é o que a permite sentir-se segura e estável no seu desenvolvimento.

 

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[1] A utilização das palavras “pais e mães” tem como objetivo englobar não só pais e mães de sexo diferente, como pais e mães do mesmo sexo.

[2] Pode ser consultada neste site: https://www.senato.it/japp/bgt/showdoc/18/DDLPRES/0/1071882/index.html

[3] Sondagem publicada em setembro de 2018, tendo por base 1000 entrevistas online recolhidas junto do Painel Netsonda, entre os dias 24 de maio e 18 de junho de 2018, realizadas a indivíduos de ambos os sexos, com idade entre os 26 e 64 anos e com filhos(as) com 17 anos ou menos, residentes em Portugal Continental.

[4] Já Sofia Marinho tinha apontado a mesma tendência expressa no inquérito do ISSP, de 2014, onde 47,5% entendiam que a criança deveria residir alternadamente com os dois (Marinho & Correia, 2017, p. 25).

[5] O que demonstra um pouco o falhanço da Mediação Familiar em Portugal. Em 2017 existiu apenas 478 pedidos de mediação familiar no sistema público (dados da Direção Geral de Política da Justiça).

[6] Relembre-se que a sondagem da APIPDF aponta para que 20% das crianças vivam num modelo de residência alternada

 

 

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