Pais cuidadores e alteração à regulação das responsabilidades parentais

Pais cuidadores e alteração à regulação das responsabilidades parentais

Nas situações em que a residência de um filho portador de algum tipo de deficiência –e, por isso, carecido de cuidados e atenção especiais - é fixada, exclusivamente, com um dos progenitores acontece, por vezes que, com o decurso do tempo, o progenitor guardião se vê numa situação em que não consegue, continuar a garantir a mesma qualidade de cuidados prestados ao filho.

Com efeito, seja em resultado do simples envelhecimento do progenitor que presta os cuidados diários ao filho, seja em resultado do impacto que o tempo e o crescimento do filho têm na situação pessoal deste, resulta evidente que, sem pôr em causa a vontade e a dedicação com que o progenitor guardião presta os cuidados ao filho, a capacidade deste para o fazer se encontrará, muitas vezes, reduzida, fruto do desgaste psíquico, emocional e físico que uma situação destas, necessariamente, acarreta.

Nestas situações, justifica-se fazer uma alteração à regulação do exercício das responsabilidades parentais, nomeadamente, alterando-se o regime de residência do filho, deixando o mesmo de residir apenas com o progenitor aos cuidados de quem tem estado e passando a residir, de forma alternada, com ambos os progenitores.

Com efeito, sendo ambos os progenitores, pessoas capazes de assegurar os cuidados de que aquele filho carece e, estando um dos progenitores (aquele que até à data tem vindo a ser o cuidador do menor) esgotado, seja, emocional, seja fisicamente é do interesse do filho que, por forma a garantir que a qualidade dos cuidados que lhe são prestados se mantenha, proceder a uma alteração que garanta que, ambos os pais serão, igualmente, responsabilizados pela prestação dos cuidados em causa. Aliviando, assim, o progenitor que tem vindo a prestar esses cuidados em regime de quase exclusividade e, envolvendo mais intensamente o outro progenitor na prestação de cuidados ao filho.

Sendo certo que para que se possa alterar a regulação do exercício das responsabilidades parentais importa, nos termos do artigo 42º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, que exista uma alteração superveniente das circunstâncias e que, na maioria dos casos em que os filhos são portadores de uma deficiência que determine a necessidade de cuidados especiais, essa situação já existia à data da regulação do exercício das responsabilidades parentais, a verdade é que, a alteração superveniente que determina a necessidade de alteração, não está diretamente relacionada com a pessoa do filho mas sim com a pessoa do progenitor.

Com efeito, conforme se referiu no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 27 de novembro de 2018, no qual foi apreciada uma situação em que, uma mãe que há oito anos cuidava, em exclusivo, do filho deficiente profundo, requereu a alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais, com fixação de residência alternada, tendo-se o pai oposto com base, nomeadamente, no argumento de que a situação do filho era conhecida à data em que a regulação das responsabilidades parentais havia sido homologada:

«As circunstâncias supervenientes suscetíveis de justificar a alteração do exercício das responsabilidades parentais (Artigo 42º, nº1, do RGPTC) podem derivar de qualquer um dos polos da relação triangular menor-pai-mãe, não sendo necessário que derivem necessariamente de vicissitudes ocorridas com o menor. Assim, ninguém questiona que a alteração significativa do vencimento de um dos progenitores possa justificar um pedido de alteração do exercício das responsabilidades parentais. Pela mesma ordem de razões, o sacrifício pessoal e desgaste físico e mental acumulado (ao longo de oito anos) da progenitora guardiã de menor com grave deficiência (e inerentes limitações e cuidados acrescidos) constituem circunstâncias … que se repercutem, severamente, na vida da progenitora e, de modo reflexo, tal saturação é idónea a diminuir a capacidade e qualidade dos cuidados a prestar a menor com tais limitações. Comparando esta situação com a (mais recorrente) de alteração do nível de rendimentos de um progenitor, fácil é concluir que aquela com maior prontidão se repercutirá na degradação da qualidade de vida do progenitor e do menor do que necessariamente a segunda (redução de rendimentos).

Pelo contrário, as responsabilidades parentais são indisponíveis e devem ser exercidas no interesse do filho (arts. 1699º, nº1, al. b) e 1878º, nº1, do Código Civil), assistindo-lhes ainda o carácter de uma funcionalidade acentuada, no sentido de que têm de ser exercidas, tratando-se de normas imperativas….

Estamos perante um dever permanente cuja concreta conformação está sujeita a vicissitudes que ocorram na esfera do pai/mãe, desde que estas sejam idóneas a repercutir-se na consistência e qualidade dos cuidados a prestar ao menor.»

De tudo resulta que, numa situação em que um dos progenitores tem vindo a assumir as responsabilidades resultantes da prestação de cuidados diários a um filho portador de uma deficiência, estando este progenitor numa situação de esgotamento emocional, tal é circunstância superveniente que baste para justificar a alteração à regulação fixada, sendo tal alteração do interesse do filho.

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As decisões judiciais e os relatórios sociais

As decisões judiciais e os relatórios sociais

 

Estando em curso um pedido de regulação provisória das responsabilidades parentais relativas a uma criança e, não se tendo alcançado, em sede de conferência de pais, um consenso entre os progenitores quanto à regulação, o tribunal decide provisoriamente o regime que deverá vigorar até se encontrar estabelecida a regulação definitiva das responsabilidades parentais dessa criança, remetendo os progenitores para mediação ou, não sendo o caso, para audição técnica especializada.

Daqui resultarão relatórios sociais, feitos com base em entrevistas realizadas a cada um dos progenitores e em outros elementos informativos que os técnicos considerem relevantes para emissão do referido relatório.

Por vezes, sucede que, quando o processo chega à audição técnica especializada, o regime de visitas da criança ao progenitor não guardião, não está a ser integralmente cumprido, mostrando a criança resistência nesses convívios e recusando a ida para casa deste.

Se estivermos no meio de um conflito parental, em que, por exemplo, o progenitor guardião acumula sentimentos de raiva contra o outro, tal será patente em sede de entrevista com os técnicos que irão elaborar o relatório social e pode acontecer que os técnicos em causa, em vista do que viram e observaram, considerem que a recusa e a resistência da criança resulta, também, de uma influência negativa desse progenitor.

Uma vez junto o relatório social aos autos de regulação das responsabilidades parentais, pode o tribunal, até mesmo em face do conhecimento que tem de que o regime de visitas ao progenitor não guardião não se encontra a ser cumprido, considerar que a criança tem que ser retirada do ambiente perturbador do progenitor guardião e optar por alterar a decisão provisória fixada, retirando a guarda da criança ao progenitor guardião e colocando essa criança a residir com o progenitor não guardião (exatamente o progenitor com quem a criança não quer estar).

Em situações destas, partirá o tribunal do princípio que, em face do conhecimento funcional que tem do processo e dos apensos (incidentes de incumprimento), se afigura estar perante uma situação em que o progenitor guardião exerce uma influência nefasta sobre a criança, induzindo na mesma, sentimentos negativos e desvalorizantes em relação ao progenitor não guardião, influência essa que poderá ser a causa para a resistência da criança em querer conviver com esse progenitor.

Uma tomada de decisão pelo tribunal, em termos tão radicais, não poderá, em nosso entendimento, assentar apenas em relatórios sociais, na medida em que é preciso ter o detalhe científico do que efetivamente se está a passar com aquela criança que recusa estar com o progenitor não guardião ou que, querendo estar algumas horas com esse progenitor, não se sente confortável em pernoitar com ele.

Esse detalhe terá que vir de avaliações psicológicas, feitas quer aos progenitores, quer às crianças envolvidas e terá que ser reforçado, consoante os casos, com pareceres de pedopsiquiatria.

Com efeito, se é verdade que as crianças não devem ser contaminadas pelo conflito conjugal, também é verdade que as crianças e, especialmente as com mais de 12 anos são crianças que, por si, apreendem as realidades e pensam pela sua cabeça, formulando juízos de valor e sabendo distinguir o bem do mal.

As crianças podem, ainda durante o casamento dos progenitores, ter presenciado situações em que o progenitor não guardião foi agressivo com o outro, foi agressivo com as próprias crianças ou que, mesmo já após a separação e o divórcio, continua com um atitude pouco exemplar, ainda que a outros níveis, como seja, por exemplo, não cumprindo com o pagamento da pensão de alimentos, ou fazendo-o de forma irregular.

Tudo isto pode levar a que as crianças sintam o progenitor guardião como o seu refúgio, o seu porto de abrigo e desenvolvam sentimentos de de zanga em relação ao progenitor não guardião.

Ou seja, podemos estar perante uma situação em que há uma mistura de sentimentos, os próprios das crianças e os próprios do progenitor guardião, todos confluindo para um entendimento de que o progenitor não guardião não é uma pessoa confiável e que goste dos filhos como deveria, daí advindo a resistência da criança em estar com o progenitor não guardião.

Em situações destas, em que o tribunal se apercebe que existem problemas grandes, ao nível emocional, seja dos progenitores, seja das próprias crianças, deverá rodear-se dos necessários pareceres técnicos, nomeadamente, ao nível de pareceres de pedopsiquiatria que permitam a compreensão da dinâmica emocional da criança com os progenitores, pois só desta forma será possível perceber, em concreto e com grau de certeza elevado o que, de facto, é melhor para aquela criança.

O incumprimento de um regime de visitas e a junção aos autos de um relatório social que pugna pela retoma imediata do mesmo regime de visitas, com considerações sobre a influência negativa que o progenitor guardião está a ter nas crianças, não é elemento bastante para justificar e basear a decisão de retirada da guarda a esse progenitor e a entrega da mesma ao outro.

A prudência é essencial e, acima de tudo, deve o tribunal ouvir as crianças e exercendo os poderes de que dispõe procurar respostas conclusivas quanto ao que se está a passar, pois pode existir um quadro vivencial da família (desagregada) que determine a adoção de outras medidas e decisões, que melhor protegerão a criança em sofrimento.

A aliança de uma criança com o progenitor guardião não significa que esta criança esteja a ser alienada.

Pode significar que o progenitor guardião e que o progenitor não guardião tenham que ter acompanhamento psicológico para saberem exercer a parentalidade de forma correta e em favor dos filhos, o que equivale a dizer que não é com decisões radicais que se resolve a situação.

Optar por retirar a guarda ao progenitor guardião pode ser o que, no momento, se queira fazer, mas não é, seguramente, o que deve ser feito, sem que o tribunal esteja rodeado dos pareceres que lhe permitam, em consciência, tomar essa decisão.

As regulações das responsabilidades parentais não são processos crime em que se condenam os progenitores guardiões,retirando-lhes a guarda das crianças.

Os processos de regulação das responsabilidades parentais são processos em que se defendem os interesses das crianças, pelo que o tribunal tem que se munir de uma prudência e de uma diligência acrescidas, não optando por retirar a guarda de uma criança ao progenitor guardião, quando tal, em termos práticos, levará a que essa criança vá sofrer um profundo abalo emocional e psicológico, com danos futuros imprevisíveis, pois essa criança também pode, por si, estar muito zangada com o progenitor não guardião.

Essa criança não entenderá a decisão do tribunal e sentir-se-á ainda mais desprotegida e o seu sofrimento aumentará.

Assim, se o conflito parental é grande, mas resulta de uma zanga de adultos que ainda não se equilibraram e se resulta também de um conjunto de atitudes adotadas pelo progenitor não guardião que fazem a criança sofrer, estes progenitores terão que ser capazes, ainda que com ajuda de técnicos, de saber exercer a sua parentalidade e a criança deve ser preservada o mais possível, querendo-se aqui significar que a criança, tanto quanto possível, se deve manter a residir com o progenitor com quem sempre residiu e que ao longo do processo tem sido o seu apoio e o seu suporte podendo evoluir-se, no futuro, para uma situação e guarda alternada.

Só assim se garante o superior interesse da criança, em todas as suas vertentes, mediante a atuação prudente e diligente de todos os intervenientes, mormente do tribunal que é quem decide.

 

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O direito da criança à nomeação de advogado

O direito da criança à nomeação de advogado

Dispõe o artigo 18.º n.º 2 do Regime Geral do Processo Tutelar Cível que:

«É obrigatória a nomeação de advogado à criança quando os seus interesses e os dos seus pais, representante legal ou de quem tenha a guarda de facto, sejam conflituantes, e ainda quando a criança com maturidade adequada o solicitar ao tribunal

Sobre este direito pronunciou-se o Tribunal da Relação de Lisboa, no acórdão datado de 13 de julho de 2017, o qual analisamos.

Em causa estava um regime de regulação das responsabilidades parentais, o qual acabou por ser obtido por acordo entre os progenitores e que foi homologado pelo Tribunal no decurso do presente ano de 2017, por se ter considerado que o mesmo acautelava devidamente os interesses da criança (nascida em 2003).

Sucede que a criança, por discordar do acordo alcançado, apresentou um requerimento nos autos, no qual expressou que os seus interesses eram conflituantes com os dos seus pais, solicitando que lhe fosse nomeado advogado, na medida em que pretendia interpor recurso da sentença que homologou a regulação das responsabilidades parentais em causa.

O Tribunal de primeira instância entendeu que o pedido de nomeação de advogado, constituiria um ato inútil na medida em que a criança o havia apresentado após a homologação do acordo de regulação das responsabilidades parentais estando, por isso, a decisão transitada em julgado. Mais, considerou o Tribunal que a criança não tinha, também, legitimidade para interpor recurso, pelo que indeferiu o requerimento.

O Ministério Público recorreu, pugnado pelo direito da criança a pedir a nomeação de advogado para efeitos de interposição de recurso.

No acórdão em análise, o Tribunal da Relação de Lisboa considerou que esta criança (que tinha idade superior a 12 anos, à data dos factos), tinha direito à nomeação de advogado.

Com efeito, entendeu o Tribunal da Relação que, nos termos do disposto no artigo 18.º n.º 2 do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, o Tribunal de primeira instância estava obrigado a nomear advogado à criança, não lhe sendo «lícito sujeitar o deferimento da nomeação em causa da pertinência da ratio invocada – pelo menor – para a solicitada nomeação», sendo ao advogado nomeado que compete aconselhar e aferir qual o meio adequado para a defesa dos interesses do seu constituinte, no caso, a criança.

Ou seja, se no seu requerimento, o menor havia assente o pedido de nomeação de advogado no facto de existir uma situação de interesses conflituantes – os interesses dos pais e os interesses do menor – o Tribunal teria que ter procedido, sem mais, à nomeação de advogado à criança, independentemente de, à data, a sentença ainda admitir, ou não, recurso, na medida em que a nomeação de advogado à criança deve «ser perspetivado para todo o processo» e não apenas «dirigido tão só para a prática de um único e isolado acto processual.»

Este entendimento sufragado pelo Tribunal da Relação de Lisboa, no referido acórdão assentou, do ponto de vista legal, na norma do artigo 18.º n.º 2 do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, bem como na previsão do artigo 103.º n.ºs 2 e 3 da Lei n.º 147/99, de 1 de setembro (Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo) e na própria Lei n.º 103/2009, de 11 de setembro (Lei do Apadrinhamento Civil), normas estas que contemplam a obrigatoriedade de nomeação de patrono à criança ou jovem quando exista uma situação em que os seus interesses e os dos pais, representante legal ou quem tenha a sua guarda de facto sejam conflituantes e, ainda, quando aquele o solicitar, desde que tenha maturidade para tal.

Por fim, não queremos deixar de salientar que este direito das crianças à nomeação de advogado é um corolário do seu direito de audição, sendo importante que os tribunais e todos os intervenientes judiciais saibam atuar, efetivamente, na salvaguarda dos interesses das crianças, para que os seus direitos sejam ferramentas legais consequentes e consentâneas com os seus interesses que é o que se visa, sempre e a todo o tempo, salvaguardar.

 

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