O direito à estabilidade emocional das crianças e as visitas ao progenitor não guardião: a harmonização do conflito de interesses

O direito à estabilidade emocional das crianças e as visitas ao progenitor não guardião: a harmonização do conflito de interesses

O que fazer quando uma criança, filha de pais separados ou divorciados, se sente desconfortável, insegura e renitente em estar com o progenitor com quem não vive, mas com quem passa fins-de-semana, de quinze em quinze dias?

A tendência primeira, especialmente quando se está perante uma decisão que foi tomada pelo tribunal, em vista da falta de acordo dos pais quanto à amplitude desse regime de visitas, é a de afirmar que o progenitor com quem a criança vive (e, por vezes, também a família alargada desse ramo), incutem na criança a ideia de que o tempo que passam com o outro progenitor não é bom, porque aquele não se preocupa, não se interesse, não se sacrifica pelo filho, etc, etc.

E, quando não é assim? Quando, apesar de existir um regime de regulação decidido pelo tribunal quanto aos tempos de convívio com o progenitor não guardião e não influenciando negativamente o progenitor guardião a relação com aquele o que se verifica, na implementação prática desse regime, é que a criança começa a ter comportamentos reticentes, dizendo que não quer ir, não mostrando entusiasmo, dizendo que preferia não ir, que tem que estudar e que prefere trocar esse fim-de-semana por outro fim-de-semana?

Evidentemente, que deve o progenitor com quem a criança vive, explicar que o regime de visitas é essencial, porque os laços de afeto constroem-se e desenvolvem-se, com o convívio e com a presença, pelo que é dever desse progenitor promover esse encontro e tempo de convívio, desmistificando medos, ansiedades e angústias.

Mas se, apesar de tudo, a criança continua a não querer estar com o outro progenitor?

Então, é preciso ouvir o que a criança tem para dizer.

Por experiência, sabemos que, num conjunto de casos, em número não despiciendo, existe um histórico relacional onde impera a mágoa, o desgosto, a desilusão.

As crianças não se sentem bem com esse progenitor, porque este os desiludiu, porque tinham expetativas várias e, de cada uma dessas vezes, esse progenitor não esteve lá, não os ouviu, não os acompanhou, não os colocou no centro do tempo de convívio.

E, fim-de-semana após fim-de-semana, tudo se repete, num desconforto emocional que se vai acentuado e que, por vergonha e medo, não é verbalizado.

Pior, porque a criança gosta desse pai ou dessa mãe e, porque não lhe quer ser desleal, cala as razões do seu sofrimento, mas mantém a atitude de retração, a qual não passa, não evolui, antes pelo contrário, agrava-se.

Este agravamento pode ser visível de várias formas e, uma delas, é a criança começar a desenvolver sintomatologia, como sejam dores de barriga, vómitos, febre quando se aproxima a hora de ir passar o fim-de-semana com esse progenitor, até ao momento em que, já não vai mais.

Também por experiência, sabemos que a reação mais corrente é a do progenitor em causa, dar entrada de um incidente de incumprimento do regime de visitas, com um conjunto de acusações ao progenitor com quem a criança vive e, a partir daqui, inicia-se um processo judicial entre pai e mãe, para que o regime de visitas seja cumprido e, não poucas vezes, inicia-se um outro processo, a pedir a alteração da regulação das responsabilidades parentais relativas a essa criança, em que o progenitor guardião pede o encurtamento do regime de visitas, alegando que o mesmo se está a mostrar prejudicial ao filho.

Muito poucas vezes se acredita no progenitor com quem a criança vive quando este diz, em tribunal e ao ministério público, que sente o filho tenso e angustiado quando se aproxima a hora de ir para o outro progenitor. Existe uma natural desconfiança e o medo de se estar a cair na armadilha da manipulação.

Por isso, a tendência será a de insistir no cumprimento do regime de visitas com o argumento de que, sem contactos regulares, se compromete o tempo relacional filial.

Nestas situações, apesar dos esforços feitos por quem tem que decidir, a verdade é que a mágoa da criança tende a passar despercebida.

É muito difícil decidir pelo encurtamento de um regime de visitas, em contexto de conferência de pais.

Percebem-se as razões: o enquadramento é mais adverso que promotor, os pais estão em campos opostos e, a verdade é que, cada um à sua maneira, se sente a defender o filho.

E, esta criança, em voz sumida, diz que não se sente bem, que não quer passar um fim-de-semana inteiro com esse pai ou com essa mãe explicando, à sua dimensão, as suas razões.

Essa voz sumida pode ser o máximo que uma criança, confrontada com a necessidade de explicar porque não quer estar com esse progenitor, é capaz de fazer.

Não nos podemos esquecer que essa criança está sozinha, no mundo dos adultos e, ainda mais, no mundo dos tribunais. Não conhece as regras, não sabe exatamente como se explicar, tem medo de dececionar mãe e pai, quer fugir dali, para muito longe.

Os pais, esses, em regra, estão representados por advogados, mas a criança, na esmagadora maioria das vezes, para não dizer sempre, não está, porque não existe a prática judicial corrente de, em situações que o justifiquem, as crianças estarem representadas em tribunal, por advogado até porque, apesar da consagração legal, pouco se fala sobre este assunto, o qual padece de um desconhecimento generalizado.

Assim, sendo esta a realidade do dia-a-dia, resulta que uma criança, nestas condições, está sozinha, com as suas razões, com o seu sofrimento, com a sua incapacidade natural e, de forma indefesa, com os olhos postos em quem decide e, quem decide, também à sua maneira, está de forma solitária, a avaliar a situação, sem verdadeiro acesso à criança e às suas razões, sendo que é essa criança que vai ser a destinatária da decisão a tomar.

Os pais, esses, muitas vezes, estão tão embrenhados na sua luta processual que ouvem o filho, mas não o ouvem essencialmente porque se o ouvissem, percebiam que o afeto não se exclui, mas também não se força.

Se uma criança não se sente genuinamente bem com um progenitor e com o regime de visitas decidido, porque não se sente acolhida, porque não se sente atendida, porque se sente excluída, porque se vê obrigada a conviver com quem não quer, porque no seu tempo com o progenitor é obrigada a estar e a conviver com pessoas que não conhece ou mal se relaciona, porque é que é a criança que tem que se adaptar ao mundo desse progenitor e porque é que não é esse pai ou essa mãe que, num exame de consciência, sério e consciencioso, não procura o que está errado no seu mundo e não muda, pelo filho?

Vale a pena forçar o afeto, decidindo pela manutenção do regime de visitas quando esse forçar só desestrutura o afeto e gera a revolta, que nasce da incompreensão? Não, não vale.

Vale, sim a pena, reconstruir.

Reconstruir, significa deitar por terra os preconceitos e os conceitos e, refazer uma nova estrutura, em que a vida do adulto também se molda ao mundo infantil, sem forçar e sem impor, mas criando as condições necessárias para que a criança comece a olhar para esse progenitor e veja que, por si, aquele pai ou mãe, está a mudar, está a entendê-lo e demonstra-lhe, a cada mudança, que o ama verdadeiramente.

Conseguem os advogados dos pais explicar esta realidade tão complexa ao ministério público e ao tribunal? É difícil, pois serão sempre os mandatários dos pais, vistos como os seus representantes, mesmo em processos em que o direito supremo é o da criança.

É tempo de olhar para situações destas sem o dogma de que o regime de visitas tem que ser cumprido (e ponto final) e que o desconforto da criança em estar com o progenitor com quem não vive irá passar, pelo que a solução será a de não dar relevância a tal e, em consequência, não graduar o regime de convívios, reajustando-o.

Vale a pena lembrar que as crianças têm direito a estar representadas em juízo por um advogado, com quem podem previamente falar e explicar o seu ponto de vista e, este patrocínio judiciário, tem que ser aceite por advogados que saibam ouvir e que, de forma sensível e responsável, ajudem estas crianças a caminhar num sentido positivo, ao encontro desse progenitor, que amam mas com quem estão profundamente magoadas.

Vale a pena evoluir, no interesse das crianças, pois a justiça do caso concreto é o que for justo na defesa do superior interesse das crianças, custe o que custar, mesmo que custe perceber que um regime de visitas só vai evoluir, em termos práticos, se for encurtado e se esse progenitor visado conseguir caminhar ao encontro do filho, aceitando esta nova realidade, com inteligência emocional, sem agressividade e sem se sentir como o perdedor.

Todos os intervenientes – pais, família, ministério público, tribunal, advogados dos pais, advogados das crianças – têm uma missão nestes processos: a mais nobre de todas e, tantas vezes, tão difícil de alcançar: a defesa do superior interesse daquela criança, contribuindo para a sua felicidade afetiva.

Vale a pena garantir que, no conflito de interesses entre o direito à estabilidade emocional da criança e o direito de visita, este deve ceder, na justa medida em que se mostre necessário, a garantir que, aquele, não é beliscado porque, uma solução diferente é contrária ao superior interesse da criança em causa.

Evoluímos na vida, evoluímos no pensamento, evoluímos na maturidade e, temos que saber evoluir na integração de conceitos que, primeiro se estranham mas que, depois, se entranham, como seja a realidade das crianças estarem representadas em juízo, por advogado, que é o seu advogado, que vai saber sintetizar, de forma escrita, o seu interesse e que a vai guiar, ao longo do processo, em defesa do seu superior interesse, garantindo os seus direitos, nomeadamente, o direito de audição, com a dignidade que lhe corresponde e com cumprimento estrito dos comandos legais sobre o exercício de tal direito.

Por isso, sim ao direito à estabilidade emocional da criança como critério decisivo, sim ao advogado da criança e, sempre sim, à defesa das crianças, do seu futuro e à luta para que estas tenham uma vida feliz, com saúde mental.

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A relação de namoro e o património

A relação de namoro e o património

 

De acordo com o número 1 do artigo 473.º do Código Civil:

«Aquele que, sem causa justificativa enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou. ».

Precisa-se no número 2 do mesmo artigo que:

«A obrigação de restituir, por enriquecimento sem causa, tem de modo especial por objeto o que for indevidamente recebido, ou o que for recebido por virtude de uma causa que deixou de existir ou em vista de um efeito que não se verificou.».

Resulta, pois, que são três os requisitos constitutivos, de verificação cumulativa, para efeitos de acionamento do instituto do enriquecimento sem causa:

- existência de um enriquecimento, através da obtenção de um vantagem patrimonial;

- obtenção desse enriquecimento á custa de outrem;

- inexistência de causa justificativa para esse enriquecimento.

Identificado, em termos gerais, este instituto, não é de menor importância concretizar os termos da sua aplicação - ou da sua não aplicação -, no âmbito de uma relação de namoro (que não se confunde com uma união de facto), no caso em que um dos namorados, durante a vigência da relação afetiva, tenha adquirido, por exemplo, um imóvel, figurando como o único adquirente desse bem e alegando o outro que, contribuiu financeiramente, para a aquisição do imóvel em causa.

Resulta do artigo 1316.º do Código Civil que:

«O direito de propriedade adquire-se por contrato, sucessão por morte, usucapião, ocupação e demais modos previstos na lei.»

Mais, conforme resulta das disposições combinadas dos artigos 1317.º, alínea a) e 408.º, nº 1, ambos do Código Civil, o momento de aquisição do direito de propriedade é o da constituição ou da transferência desse direito, que se dá por mero efeito de contrato.

Assim, mesmo que um namorado pague uma parte do preço de aquisição do imóvel, não adquire, ainda assim, qualquer direito de propriedade sobre esse imóvel quando o comprador, que figura no título aquisitivo de propriedade, é o outro namorado.

Aliás, atentando no número 1, do artigo 777.º do Código Civil, resulta que a prestação, a título de preço, tanto pode ser feita pelo devedor (no caso o comprador que figura no título de aquisição), como por terceiro, interessado ou não, no cumprimento da obrigação.

Daqui resulta que o membro do casal de namorados que não figura no título aquisitivo como proprietário, não tem qualquer direito de propriedade sobre o bem.

Questão diferente é a do acionamento do instituto do enriquecimento sem causa, na medida em que o ex-namorado, não adquirente do bem, se alegar factualidade que preencha os requisitos constitutivos (e cumulativos) deste instituto, tem a faculdade de intentar uma ação contra o outro, com vista a exigir deste, a sua contribuição monetária para a aquisição do bem.

 

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