A partilha por divórcio no regime da comunhão de adquiridos

Quando não se faz convenção antenupcial, o regime de bens que vigora entre os cônjuges, para regular as relações patrimoniais entre estes na constância do casamento é o regime da comunhão de adquiridos, pelo que, em caso de divórcio e pretendendo os ex-cônjuges partilhar o acervo comum do casal, cada um deles receberá os seus bens próprios e a sua meação nos bens comuns conferindo, ou seja, restituindo, cada um deles, o que dever ao património comum, conforme resulta do artigo 1689.º n.º 1 do Código Civil.

A partilha é feita através da entrega a cada um dos ex-cônjuges dos seus bens próprios. Após tal entrega, será feita a conferência das dívidas de cada um dos cônjuges ao património comum determinando-se, em consequência, o valor do ativo comum líquido. Existindo passivo, serão pagas as dívidas comunicáveis até ao limite do património comum determinado e, só após, se pagarão as restantes dívidas, nomeadamente, as compensações entre os cônjuges, as quais serão pagas pela meação do cônjuge devedor no património comum.

Se, após o pagamento das dívidas comuns, não existirem bens comuns suficientes, a compensação entre os ex-cônjuges será paga através dos bens próprios do ex-cônjuge devedor.  

Se, após estas operações, existir património comum, o mesmo será repartido na proporção de 50% para cada um dos ex-cônjuges.

A regulação das dívidas dos cônjuges consta dos artigos 1690.º e seguintes do Código Civil aí se elencando, nomeadamente, as dívidas que são da responsabilidade de ambos os cônjuges, as que são da responsabilidade de apenas um dos cônjuges, as que oneram bens doados ou herdados, etc.

É, também nesta secção do Código Civil que estão reguladas as compensações devidas pelo pagamento de dívidas do casal (artigo 1697.º), ou seja, dívidas que são da responsabilidade de ambos os cônjuges e que foram pagas através de bens próprios de apenas um deles, situação em que esse cônjuge se torna credor do outro relativamente ao montante que tenha pago a mais, face ao que lhe competia. 

Este artigo consagra, pois, o direito à compensação quanto ao cônjuge que pagou mais do que era sua obrigação quanto às dívidas comuns, contudo, este direito à compensação só pode ser exercido no momento em que se faz a partilha do acervo comum do ex-casal, a menos que, entre os cônjuges vigore o regime da separação de bens. 

Ou seja, sendo o regime de bens o da separação, não há partilha a fazer, pois não há bens comuns e, se durante o casamento, um dos cônjuges pagar com o seu património próprio dividas do outro cônjuge, pode exigir o pagamento imediato de tal dívida. Diferentemente, se um cônjuge casado no regime da comunhão de adquiridos pagar com bens próprios seus a totalidade de uma dívida comum apenas após o divórcio e na partilha poderá exigir a parte que pagou e que era da responsabilidade do outro cônjuge.

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Doações entre marido e mulher

Doações entre marido e mulher

Um tema que não é muito falado, mas que, nem por isso, deixa de ter relevância, é o das doações efetuadas entre cônjuges.

Em que termos podem ser feitas, quais as suas restrições, qual a validade destas doações, são algumas das perguntas que se colocam e que importa esclarecer.

Desde logo, o primeiro aspeto a considerar, prende-se com o regime de bens do casamento pois, sempre que o regime da separação de bens resulte, não de uma escolha de ambos, mas de uma imposição legal - nos casos em que não foi precedido do processo preliminar de casamento ou nos casos em que, um dos nubentes tenha, à data do casamento, 60 anos - as doações, que sejam feitas entre marido e mulher, são nulas nos termos do artigo 1762º do Código Civil.

Importa, também, salientar que são proibidas as doações de bens comuns, resultando esta proibição do princípio da imutabilidade do regime de bens, com o qual se pretende proteger o património comum do casal, proteção esta que pode assumir relevância em matéria de salvaguarda dos direitos de credores de ambos os cônjuges.

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Sendo possível a doação entre cônjuges, uma das especificidades a ter em conta é a de que o doador pode, a todo o tempo, revogar a doação, sendo este direito irrenunciável, o que se explica pelo facto de se pretender evitar que, através de ascendente físico, intelectual ou moral, de um dos cônjuges sobre o outro, o cônjuge beneficiário da doação, possa extorquir - ao outro - bens conseguindo, por esta via, modificar o regime de bens em que casou.

Para acautelar este perigo de extorsão nas doações entre casados, a lei consagrou a livre revogação destas, sem necessidade de o cônjuge revogante ter que invocar qualquer justificação para tal, permitindo assim que, caso a doação tenha sido fruto da pressão do outro cônjuge, o doador possa destruir a doação feita, sem que o outro tenha que ter conhecimento de tal revogação e sem que se possa opor à mesma.

Este direito de livre revogação, encontra-se previsto apenas para as doações efetuadas entre casados, não separados judicialmente de pessoas e bens.

Com efeito, a separação judicial de pessoas e bens, apesar de não dissolver o vínculo conjugal, extingue o dever de coabitação entre os cônjuges e, quanto aos bens, a separação produz os mesmos efeitos que se produziriam com a dissolução do casamento.

Assim, numa situação de separação judicial de pessoas e bens, já não se verificam os riscos de extorsão que levaram à consagração legal da livre revogabilidade das doações entre casados, razão porque o direito de livre revogação se encontra previsto apenas para as doações entre casados, não separados de pessoas e bens.

Por completude quanto ao regime da livre revogabilidade previsto na lei, refira-se que, os herdeiros do cônjuge doador não podem revogar a doação que este haja feito.

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Outro aspeto a considerar é o de que as doações de um cônjuge ao outro, não se comunicam, seja qual for o regime de bens, o que equivale a dizer que, ainda que o regime seja o da comunhão geral de bens, o bem doado, por exemplo, pela mulher ao marido, será sempre considerado bem próprio deste.

Já quanto ao regime da caducidade das doações entre casados, a lei prevê, no artigo 1766º do Código Civil, três situações em que esta caducidade opera automaticamente:

- quando o cônjuge beneficiário da doação morra antes do doador, exceto se este confirmar a doação nos três meses seguintes à morte daquele;

- quando o casamento seja declarado nulo ou anulado;

- quando seja decretado o divórcio ou a separação judicial de pessoas e bens.

Tomando em conta a redação da alínea c) do nº 1, do artigo 1766º do Código Civil, que refere que a doação entre casados caduca em caso de divórcio ou separação judicial de pessoas e bens «por culpa do donatário, se este for considerado único ou principal culpado» e, tomando em conta que, com a Lei nº 61/2008, de 31 de outubro de 2008 deixou de existir o divórcio litigioso fundado na culpa de um dos cônjuges, colocou-se a questão de saber se, não podendo o divórcio ocorrer por culpa do cônjuge beneficiário da doação - não podendo este vir a ser considerado cônjuge único ou principal culpado pelo divórcio -, a causa de caducidade prevista na alínea c) do nº 1, do artigo 1766º do Código Civil devia, ou não, operar em caso de divórcio.

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A resposta a esta questão encontra-se na previsão do artigo 1791º, nº1 do Código Civil, na redação que lhe foi dada pela referida Lei nº 61/2008 que, a seguir se transcreve:

«1 – Cada cônjuge perde todos os benefícios recebidos ou que haja de receber do outro cônjuge ou de terceiro, em vista do casamento ou em consideração do estado de casado, quer a estipulação seja anterior quer posterior à celebração do casamento.».

Ou seja, por efeito do divórcio, os cônjuges perdem todos os benefícios, não carecendo o cônjuge de ser declarado, como era antes da entrada em vigor da Lei nº 61/2008, único e principal culpado. Um dos benefícios é o da doação que tenha sido feita entre casados.

Tomando em conta que, crê-se, por lapso, não foi alterada a redação da parte final da alínea c) do nº 1 do artigo 1766º do Código Civil, - que deveria ter sido adequada à nova redação do artigo 1791º do mesmo Código, que eliminou a referência ao cônjuge declarado único ou principal culpado -, deve ser considerado que esta se encontra tacitamente revogada na parte em que faz depender a caducidade da doação da exigência de o divórcio ter ocorrido por culpa do beneficiário da mesma sendo este considerado cônjuge único ou principal culpado.

Deste modo, a interpretação que deve ser feita da alínea c) do nº 1 do artigo 1766º do Código Civil é a de que, a doação entre casados, caduca sempre por efeito do divórcio. Neste sentido, encontramos o parecer nº 44/CC/2014, do Instituto dos Registos e do Notariado, datado de 18 de agosto de 2014. Também no sentido de que se deve fazer uma interpretação revogatória ou ab-rogante da alínea c) do nº 1, do artigo 1766º do Código Civil refere-se, a título de exemplo, o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 21 de fevereiro de 2017.

Conforme resulta do referido parecer, operando a caducidade por efeito do divórcio, terá que ser feito um novo registo de aquisição, pelo doador, invocando como causa a caducidade da doação, por forma a extinguir o direito na esfera jurídica do beneficiário da doação.

Caducando a doação, o doador pode determinar que esta reverta para os filhos do casamento, conforme previsão do artigo 1791º, nº 2 do Código Civil, com o que se pretende proteger os interesses dos filhos do casamento, fazendo-se reverter a doação a favor destes.

Seguindo de perto o aludido parecer nº 44/CC/2014 neste segmento, resulta que: «o registo a fazer, na sequência da caducidade da doação, deverá ser de aquisição a favor dos filhos do casamento, tendo por base a declaração de vontade do doador destinada a operar em face do divórcio, do efeito patrimonial extintivo em tabela e da existência de filhos comuns do dissolvido casal

As questões que acabámos de referir, apesar de não esgotarem o tema das doações entre casados, são as que, em termos gerais, se apresentam como mais relevantes e que, por isso, cumpre assinalar.

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