Quem é herdeiro de quem?

De acordo com a lei portuguesa existem pessoas que, pela relação família que têm com o falecido, não podem ser afastados da sucessão, sendo, obrigatoriamente, herdeiros.

Estas pessoas são, na terminologia da lei, herdeiros legitimários e são o cônjuge, os descendentes e os ascendentes.

Aos herdeiros legitimários está destinada uma parte da herança (chamada legítima) que não pode ser reduzida, nem sequer por vontade do autor da herança.

Atualmente a lei permite que os cônjuges não sejam herdeiros, entre si, desde que desde que, ao casar, o façam no regime da separação de bens e que, simultaneamente, renunciem à qualidade de herdeiros.

Fora desta situação, os herdeiros legitimários, apenas não terão direito à herança em situações muito especificas de deserdação ou indignidade que terão que ser declaradas pelo tribunal em processos específicos para o efeito.

A legitima é calculada tendo em consideração diversos fatores como seja o valor dos bens que compõem o património do falecido (à data da morte), o valor dos bens que este - em vida - doou, as despesas que estejam sujeitas a colação (restituição à herança, para efeitos de igualação na partilha) e, claro, as dívidas da herança.

O valor concreto da legitima vai, também, depender dos herdeiros a quem se destine.

Assim, se não tiver havido renúncia à qualidade de herdeiro por parte do cônjuge e o falecido não tiver filhos, nem pais, a legitima do cônjuge é de metade da herança.

Se o falecido tiver filhos (e cônjuge) a legitima do cônjuge e dos filhos é de dois terços da herança.

Se não houver cônjuge sobrevivo (ou se este tiver renunciado à qualidade de herdeiro) a legitima dos filhos varia consoante o número de filhos: metade de for um único filho, dois terços se forem dois ou mais filhos.

Numa situação em que não existam filhos, mas exista cônjuge e pais ainda vivos, a legitima destes é de dois terços do total da herança.

Já se apenas existirem pais vivos, a legitima destes é de metade da herança ou, caso existam avós ainda vivos, de dois terços.

Os bens da herança que não estão, obrigatoriamente, destinados aos herdeiros legitimários, (consoante os casos, metade ou um terço), podem ser livremente distribuídos por quem o autor da herança entender, podendo fazê-lo por testamento.

Se não existir testamento e existirem herdeiros legitimários a metade ou o um terço dos bens disponíveis será distribuído pelos chamados herdeiros legítimos que, nos termos da lei e pela ordem preferencial que esta estabelece, são:

O cônjuge (não renunciante) e os descendentes;

O cônjuge (não renunciante) e os ascendentes;

Os irmãos e os descendentes destes

Outros colaterais (até ao 4º grau)

Não existindo parentes colaterais de 4º grau e não existindo como supra referido, testamento, os bens em causa serão entregues ao Estado

Conclui-se, assim, que os cônjuges, os descendentes (filhos, netos, etc) e os ascendentes (pais, avós, bisavós) não podem ser, por regra, afastados da sucessão.

Os irmãos, tios e primos, quando não existam cônjuge, descendentes e ascendentes, são herdeiros sendo que, por vontade do autor da herança, expressa através de testamento, podem ser afastados da sucessão ou podem herdar nos termos que o autor da herança entender.

Através de testamento, o autor da herança, ainda que tenha herdeiros legitimários que não pode afastar da sucessão, pode dispor de metade ou um terço dos seus bens, nos termos que entender, podendo dispor da totalidade dos mesmos, como quiser, se não tiver cônjuge, descendentes ou ascendentes

 

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O Avô...

O Avô...

Até receber o desafio para escrever sobre a figura do avô, confesso que não tinha ainda meditado profundamente sobre essa minha condição que há já algum tempo tenho  a alegria de viver, em particular no momento em que procuro escrever este texto......

“-Espera João Maria que o avô tem de acabar aqui uma coisa e depois já te dá toda a atenção.”

Na sua simplicidade ser avô é ser duas vezes Pai, na medida em que vivemos os netos com o sentido de quem tem uma segunda oportunidade de vivência da paternidade e dessa forma ajudar os nossos filhos.

Mas é uma paternidade em muitos sentidos diferente e mais profunda, na medida em que o nosso papel educador, ou seja de quem educa no amor,  apesar de existente é de reserva e não de primeira linha o que o torna mais desejado e cada vez mais presente, mais concentrado, mais transbordante, mais apaixonadamente puro, com a liberdade de quem sabe ser a sua responsabilidade subsidiária e por isso mais cúmplice, menos formal, mais compreensiva e  companheira e como tal muito mais marcante por paradoxal que isso possa parecer à primeira vista....

E isso não é por acaso, por três razões principais.

Antes de mais porque o avô ao já ter uma vida profissional menos ativa, dispõe desse bem precioso que é o tempo, o que nos dá a disponibilidade para usufruir do crescimento dos netos como não se pôde com os filhos, num tempo que por ser normalmente mais curto é-nos a ambos avós e netos mais marcante.

Em segundo lugar por ser um amor muito mais infantil e nessa medida mais genuíno e desinteressado que a ambos marca em igual medida. Muitas vezes quando brinco ou interajo com os netos percebo que Deus nos permite voltar a ser criança....

Em terceiro lugar por ser uma missão de apoio aos nossos filhos, ajudando-os numa tarefa sempre incompleta que é a educação, que com a doçura típica dos anos vividos lhe dá uma “patine” diferente e por isso exemplo sempre passível de ser recordada de forma mais marcante.

“João Maria, o avô já te mostra o que está a fazer, dá só mais um minuto ao avô....”

Quando como profissional em assuntos de família me pedem para explicar a relação inter-geracional socorro-me muitas vezes da imagem da Trindade para o explicar, na medida em que o amor entre avós e netos é-o semelhante ao Espírito Santo (no caso o pai que está no meio, mas que mais não é do que a força geradora desse amor) e curiosamente na nossa vida são muitas vezes três pessoas em uma só. Nós somos na família, como elos de uma corrente, e muitas vezes ainda que não estejamos em contacto direto, o sentido e razão de ser da nossa função resulta dessa ligação que se prolonga e não se esquece.

“João Maria o avô está quase a ir combater o Ninjago....”

Na segunda oportunidade que temos de dar sentido a algo que foi criado por quem nós criamos, evidencia-se o verdadeiro poder divino do homem, na sua aliança criadora, de algo que deve ser nosso mas diferente de nós com um sentido próprio que nós podemos e devemos desejar que seja único e evolutivo  não um clone de uma obra que nunca acaba, pois “ninguém é progenitor de si mesmo.

A vida não se gera a si mesma; portanto, vem de um horizonte e, ao mesmo tempo, é impelida a gerar de novo.

O verdadeiro herdeiro é aquele que diz sim à proveniência, e porque o faz, sabe conquistá-la, sabe apropriar-se dela, torná-la sua e, portanto, sabe gerar algo novo.”

Como avô o que se me pede é exatamente ajudar a gerar algo novo, mas numa expressão muito simples e fácil:

“- João Maria o avô aqui vai como o Ninja verde!!!”

João Perry da Câmara

Avô/Advogado

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O direito de visita dos avós no âmbito do Regulamento (CE) n.º 2201/2003 do Conselho de 27 de novembro de 2003

O direito de visita dos avós no âmbito do Regulamento (CE) n.º 2201/2003 do Conselho de 27 de novembro de 2003

Para efeitos de quanto disposto no artigo 2.º n.º 10 do Regulamento, o direito de visita corresponde ao «direito de levar uma criança, por um período limitado, para um lugar diferente do da sua residência habitual» sendo que esta definição não identifica as pessoas que poderão exercer este direito, nomeadamente, não expressa se, neste direito de visita, estão incluídos os avós.

É certo que, conforme resulta do considerando 5 do Regulamento, este abrange «todas as decisões em matéria de responsabilidade parental …» e de entre estas, o direito de visita é considerado como uma prioridade.

Sobre esta matéria pronunciou-se o Tribunal de Justiça, no acórdão proferido em 31 de maio de 2018, no qual concluiu que o direito de visita dos avós tem acolhimento no Regulamento, pelas razões expressas nos pontos 33 a 35 que, a seguir, se transcrevem:

«33. Resulta ….o conceito de direito de visita, referido no artigo 1.º, n.º 2, alínea a), …. Deve ser entendido no sentido de que se refere não só ao direito de visita dos progenitores em relação ao filho, mas igualmente ao de outras pessoas com as quais é importante que o menor mantenha relações pessoais, designadamente os seus avós, independentemente de se tratar ou não de titulares de responsabilidade parental.

34. Daqui decorre que um pedido dos avós destinado a que lhes seja concedido um direito de visita em relação aos seus netos está abrangido pelo âmbito de aplicação do artigo 1.º, n.º 1, alínea b), do Regulamento n.º 2201/2003 e, por conseguinte, pelo âmbito de aplicação deste último.

35. Importa igualmente sublinhar que, se o direito de vista não visasse todas estas pessoas, as questões relativas a este direito poderiam ser determinadas não só pelo órgão jurisdicional designado em conformidade com o Regulamento n,º 2201/2003 mas igualmente por outros órgãos jurisdicionais que se considerassem competentes com fundamento no direito internacional privado. Correr-se-ia o risco de serem adotadas decisões contraditórias, ou até inconciliáveis, podendo suceder que o direito de visita concedido a alguém próximo do menor fosse suscetível de infringir o direito concedido a um beneficiário da responsabilidade parental.»

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Ser Avó

Ser Avó

Quando nasceu o João Maria começou uma nova aventura, o papel de Avó. Lembro-me de sentir que era ainda estranho que me chamassem Avó. Avó era a minha Mãe, não eu.

Perguntam-me muitas vezes como é ser Avó em comparação a ser Mãe. Antes dos meus netos nascerem, eu própria tinha essa dúvida. Ia sentir-me como Mãe outra vez? Fiquei surpreendida quando percebi que não.

Agora percebo que os dois papéis são muito diferentes. Nem melhor, nem pior. Diferentes. O amor que se sente por um neto é igualmente inexplicável e instintivo. Multiplica-se com o nascimento de cada neto. É um renascer do espírito da maternidade. Mas o papel de uma Avó é diferente, porque Deus fez muito bem o mundo — este novo papel está ajustado à nova realidade que a idade traz, tanto em experiência como em diferentes capacidades.

Uma Avó não deve, nem consegue, substituir uma Mãe ou um Pai.

Uma Avó deve ter presença na educação, mas não a preocupação de educar.

Uma Avó deve trazer a tranquilidade que a experiência lhe vai dando e, que por vezes, os Pais ainda não sentem, mas sem se impor.

Uma Avó, tendo a possibilidade, pode ser uma ajuda fundamental para os Filhos que hoje têm vidas profissionais tão exigentes ou que estão longe de casa e que por vezes precisam de nós mais próximas.

Os meus filhos dizem-me muitas vezes que uma das melhores coisas da vida deles foi crescer tão perto dos Avós. Tenho imensa alegria e orgulho nisso. E sei que o meu papel de Mãe não foi substituído pelos meus Pais, mas sim enriquecido. Assim como a vida dos meus Pais foi também enriquecida.

A minha vida tem sido imensamente agraciada pelo João Maria e pelo Álvaro. Espero que eles, e os netos que estão por chegar, encontrem sempre no colo da Avó amor, alegria, confiança, segurança e mimo.

Ana de Fátima Andión Oitabén Perry da Câmara

Avó

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Relevância legal do papel dos avós na vida dos netos

Relevância legal do papel dos avós na vida dos netos

É indiscutível que o convívio entre avós e netos se reveste de importância afetiva e emocional, estreitamente ligada a um património familiar de memórias e tradições com tem grande impacto na construção da personalidade das crianças.

Na vida do dia-a-dia, fruto de necessidades e limitações que os pais enfrentam, os avós têm vindo a desempenhar, cada vez mais, um papel muito importante no quotidiano dos netos assumindo uma função de cuidadores que ultrapassa o papel que antes desempenhavam quando, por exemplo, acolhiam os netos durante o período das férias escolares de verão.

Hoje em dia, os avós vão buscar os netos à escola, asseguram a sua condução a atividades extra-curriculares, estudam com os netos e são a presença familiar e acolhedora em casa colmatando, desta forma, o vazio que a exigência laboral dos pais, crescentemente, cria.

Para além das atividades do dia-a-dia, não resta dúvida que a relação entre avós e netos, pela sua essência, se pauta por um acolhimento afetivo de grande doçura, de paciência, de sabedoria e tranquilidade.

A lei não é alheia a este papel determinante dos avós na vida dos netos, seja no plano afetivo, seja no plano do seu papel de cuidadores disponíveis para facilitar grandemente a vida dos netos.

O superior interesse da criança, conceito sempre presente nos processos relacionados com as crianças impõe, para que seja efetivo, o seu preenchimento casuístico pelo que, numa situação em que chegue ao conhecimento de um tribunal um caso que impõe uma decisão sobre a dinâmica familiar da criança com os avós, evidentemente que o tribunal tomará em conta o papel determinante que os avós sabem ter - e querem ter – na vida dos netos, até porque ninguém esquece as memórias da infância junto dos avós.

Já aqui difundimos que a lei consagra o direito de convívio entre avós e netos salvaguardando, assim, esta relação familiar tão especial porque, a verdade é que o superior interesse da criança não pode esquecer que, mesmo em processos judiciais, as crianças continuam a ser crianças, seja na sua infantilidade, seja na sua adolescência e, independentemente das zangas, dos conflitos e das imaturidades dos pais, continuam a ter direito a um património afetivo com os avós que lhes permita, mais tarde, até quando estes já partiram, lembrar docemente a intimidade, os passeios, as guloseimas dadas para lá das proibições, a alegria do estar e conviver, a segurança, o conforto e o auxilio sempre disponível. Por isso esta referência familiar, no seu todo, levou o legislador a proteger crianças e avós.

Sendo a presença dos avós na vida dos netos tão essencial e, ao mesmo tempo, tão natural - até fruto das exigências da sociedade atual -, sempre se pode também refletir qual poderia ser o papel a atribuir, do ponto de vista legal, aos avós, pais de uma mãe ou de um pai, que faleça na menoridade de uma criança.

Percorrendo as normas legais relativas ao exercício das responsabilidades parentais é, para nós, evidente que o progenitor que sobrevive e no qual se concentram as responsabilidades parentais numa situação de morte do outro progenitor não pode equiparar os avós desse ramo ao progenitor falecido. Os pais são sempre pais, com os seus direitos e com os seus deveres e é a eles que incumbe esse papel.

No entanto, não podemos deixar de admitir e de aceitar que, com o vazio afetivo instalado em virtude da morte de uma mãe ou de um pai, o outro progenitor sabendo e devendo valorizar o património afetivo da criança com os avós chame estes, de uma forma mais efetiva, a participar na vida da criança.

Lendo as normas dos números 1 e 4 do artigo 1906º do Código Civil, podemos encontrar uma porta de legitimação para um acordo entre o progenitor sobrevivo e os avós (pais do progenitor falecido) que permita uma participação ativa desses avós na vida da criança, sendo que tal participação não pode colidir com o exercido das responsabilidade parentais por parte do progenitor sobrevivo mas já poderá incluir a participação ativa dos avós nos atos da vida corrente da criança. Fica, contudo, vedada a delegação das responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância cujo exercício compete aos pais.

Este acordo terá sempre que ser judicialmente homologado devendo o tribunal, verificando que o mesmo salvaguarda os concretos interesses da criança, aprovar a solução obtida no seio familiar até porque um acordo deste tipo, na sua execução prática, tenderá a reforçar os laços familiares e a dar conforto e segurança emocional à criança cujos superiores interesses importa salvaguardar.

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O "Horror" da ida para a Escola...

O “Horror” da ida para a Escola…

 

A vida moderna trouxe inevitáveis melhorias na qualidade de vida das pessoas, mas esta regra tem naturalmente excepções.

Uma das coisas que nos choca hoje em dia, é ver o problema que todos os jovens pais têm com a compatibilização da vida profissional com a vivência da paternidade e a educação dos filhos.

É confrangedor ver as crianças de quatro meses, serem arrancadas do do calor do lar da família para serem “depositados” ou “entregues” a escolas, berçários e infantários, que por mais que façam nunca conseguirão substituir o “calor” e o “colo” dado pelas gerações mais velhas.

Há toda uma memória de ligação “inter-geracional” que mais do que se perder, nunca chega sequer a constituir-se, com todas as perdas e consequências que isso tem para ambas as gerações, mais velhas e mais novas, que dessa forma nunca chegam a desenvolver os laços que as possam tornar solidárias.

Os nosso governantes têm nesta questão uma enorme responsabilidade, pois facilmente, fosse através de incentivos às empresas, fosse através de benefícios fiscais criados a favor de apoios ou incentivos inter-geracionais, poderiam inverter esta situação em benefício da melhoria da qualidade de vida dos seus cidadãos.

As crianças devem ser educadas com Pais, Avós, Tios e Família, sem necessidade de viverem com horários próprios de operários logo à nascença, e com o stress da vida, em que na maior parte dos casos os seus progenitores têm de viver.

Vale a pena pensar nisto…

 

João Perry da Câmara

Partner da Rogério Alves & Associados – Sociedade de Advogados, RL

 

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Avós Património Inalienável dos Netos

Avós "Património Inalienável dos Netos"

 

Até à publicação da Lei 84/95 de 31 de Agosto a jurisprudência não reconhecia o direito dos avós às relações pessoais com os netos, como um direito autónomo.

Desde então esta realidade socio-afectiva passou a ser reconhecida e tutelada juridicamente, nomeadamente através do artº. 1887º-A do Código Civil com a consequente alteração no na abordagem pelos Tribunais desta temática, reflectida em inúmera jurisprudência que veio consagrar e pugnar pela defesa das relações pessoais e reciprocas entre avós e netos.

Da introdução do citado art.º 1887.º-A, resulta, assim, a necessidade de salvaguarda de relações familiares não estritamente nucleares, tendo como pressuposto a ideia de que esse relacionamento se traduz numa mais-valia para o desenvolvimento psico-social e educacional das crianças.

O aprofundamento dos vínculos e o assegurar da convivência pessoal dos netos com os avós, verdadeiro “tesouro de afectos” esquecido pelo legislador português tornou-se, para bem das nossas crianças e dos seus ascendentes, numa realidade.

Naturalmente que esta conquista adveio, fundamentalmente, da perspectiva inovadora da criança como verdadeiro sujeito de direitos fundamentais.

O legislador veio assim consagrar o direito fundamental de cada criança ao convívio e ao estabelecimento de uma relação pessoal, regular e directa com os seus avós.

Os pais tem o dever – e não meramente a obrigação moral - de respeitar os filhos enquanto pessoas, o que inclui o respeito pelas suas ligações afectivas e pela manutenção das mesmas, impondo-se que, na defesa do superior interesse da criança, prevalecem o direito da criança às relações afectivas com os avós e irmãos, caso os pais não demonstrem razões bastantes para impedir a relação da criança com os avós, dado que o objecto ultimo do exercício das responsabilidades parentais éOra o relacionamento próximo dos avós com os netos constitui inequívoca mais-valia para a criança, pois que através dos avós lhe será, primacialmente, assegurada a transmissão das memórias familiares, do sentido de pertença, o conhecimento dos seus antepassados, o seu acesso às origens.

A relação pessoal e próxima com os avós fortalecendo recíprocos laços de afectividade, é indispensável para a formação e crescimento da criança, assumindo-se como um veículo particular e securizante de expressão de afectos e de partilha de emoções, valores e sentimentos

Para além de tal convivência promover o aprofundamento dos laços com a grande família, salvaguardando-se assim as relações familiares não nucleares. promover o superior interesse da criança.

Esta realidade socio-afectiva constituiu pois uma componente essencial para o saudável crescimento e formação da criança, encontrando-se constitucionalmente protegido o direito de cada criança ao desenvolvimento da sua personalidade. – 26º nº. 1 da Constituição -

O entendimento da jurisprudência é assim o de que estamos perante um direito autónomo da criança a manter um relacionamento próximo e pessoal com os avós, direito este que é muito mais profundo que“visitar” ou “ser visitado”, pois assume-se como um verdadeiro direito de convívio e de proximidade entre avós e netos.

“O artº. 1887º- A do CC tutela o direito autónomo dos menores ao relacionamento com os seus ascendentes e irmãos, introduzindo um limite ao exercício das responsabilidades parentais, impedindo os pais de obstarem, sem qualquer justificação, a que os filhos se relacionem comos seus ascendentes ou com os irmãos, estabelecendo uma presunção de que a relação da criança com os avós e irmãos é benéfica para esta.” - Ac. Relação de Lisboa de 8.02.2018

Este direito dos netos, como direito autónomo em relação ao direito de guarda configurará um limite ao direito dos pais à companhia dos filhos, mas assim é porque tal o impõe o interesse da criança, sendo unicamente esse o critério a atender.

Acresce que,

Sendo o papel dos avós de natureza distinta mas complementar ao dos pais, quase exclusivamente lúdico e afectivo, tal convivência assegurará de forma ímpar a satisfação dos anseios emocionais da criança de se sentir amada e de vivenciar a dádiva e a paciência infinita do conforto, da segurança e do amor carinhoso e “especial” dos avós.

Este relacionamento pessoal e afectivo, verdadeiro direito de caracter familiar, é pois um património inalienável e irrenunciável de cada criança.

A tutela do interesse dos avós em conviver com os seus netos, assegura-se a transmissão dos seus valores e tradições e em especial a expressão de afectos, cuja finalidade visa primacialmente o superior e transversal interesse da criança ao desenvolvimento da sua personalidade, mas também a auto realização dos avós, enquanto tais.

 

Leonor Vicente Ribeiro

Advogada

 

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Hoje é o meu dia

Hoje é o meu dia

Por Júlia Pinheiro

À medida que o tempo passa e vamos celebrando anos de vida, também conquistamos mais dias ao calendário. Primeiro vem o Dia da Mulher. Aquele em que me tornei Júlia, a mulher, a esposa, a apresentadora que desde cedo habitou-se a cumprimentar o seu público, em direto.

Depois, veio o maior desafio de uma vida inteira: o dia da Mãe. Mãe de uma família numerosa, com fraldas, papas, sarilhos e amor a triplicar.

Rapidamente a Júlia Pinheiro passou a ser a mãe do Rui Maria Pêgo e das gémeas Carolina e Matilde. E à velocidade de um sopro, houve um dia em que, emocionada como nunca, anotei mais um dia no Outlook: Dia dos Avós.

Todos os avós já viveram com os seus filhos as fases encantadoras da infância. É tudo igual e, simultaneamente ,é tudo diferente. Temos hoje uma maturidade e uma experiência que nos ajuda a desfrutar dos tempos que passamos juntos, com os nossos netos, de maneira diferente. A Francisca está uma senhora, vai para a primeira classe. Divertimo-nos a fazer bolos na cozinha – cada receita que lhe transmito é uma espécie de herança que, estou certa, há-de aproximar-nos ao longo da vida.  Também damos cambalhotas no tapete de ginástica, uma prenda de aniversário. Simples e verdadeiramente luxuosa. Juntar a família para dar cambalhotas é um luxo!

A Benedita é o “menino Jesus” que chegou no Natal. Chorava muito. Três quilos de mau feitio. Olhos rasgados e cabelo preto. O meu filho descreveu-a assim minutos depois de nascer: “Chegou mais um gnomo Pêgo ao universo. Benedita. Daqui a 10 horas já deve conseguir fazer tranças. Tanto cabelo!”

Ser avó nesta família de “gnomos” é uma aventura. Ser avó é uma aventura. De pêndulo em punho, desequilibramos os mimos com os raspanetes. A ternura é o grande azimute. Lá diz um provérbio italiano: “Se non c'è niente che va bene, chiama tua nonna". Se nada te corre bem, chama a tua avó. Estamos cá para isso, certo?

 

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O Direito Fundamental da Criança à Convivência Familiar com os Avós

O Direito Fundamental da  Criança à Convivência  Familiar Com os Avós

 

Cada família torna-se mais unida na medida em que o apego recíproco e a liberdade constituem seus únicos laços.

J.J. Rousseau

 

Fernanda Molinari[1]

 

Através da análise jurídica Brasileira, que invoca a proteção da criança e do adolescente, é fundamental restar esclarecida a trilha percorrida, tanto pela ordem constitucional como pela legislação especial, a fim de se adequar às premissas instituídas pela Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança que deu novo contorno à legislação da criança e do adolescente, em nível internacional, definindo o objetivo de se estender a proteção integral à criança e ao adolescente, de forma completa, integral e com absoluta prevalência, pois:

A determinação de prioridade no atendimento aos direitos infanto-juvenis, inserida no texto da Convenção, é uma garantia e um vínculo normativo idôneo, para assegurar a efetividade aos direitos subjetivos; é um princípio jurídico-garantista na formulação pragmática, por situar-se como um limite à discriminação das autoridades[2].

A mudança de paradigmas[3] quanto aos direitos da criança ocorre, no Brasil, com a Constituição Federal de 1988. A Carta Magna, ao estabelecer o princípio da prioridade absoluta[4], representado pela prevalência e especialidade dos direitos e garantias de crianças e adolescentes, impôs uma série de condutas ao Estado, com possibilidade de controle judicial na hipótese de sua omissão.

Eis aqui a grande responsabilidade do Poder Judiciário: dar efeito prático aos preceitos constitucionais, sobretudo quanto à obediência ao princípio da prioridade absoluta aos direitos das crianças e dos adolescentes.

Sobre a matéria, manifestou-se Maria Regina Azambuja, nos seguintes termos:

Pela primeira vez, um texto constitucional brasileiro apresenta disposições expressas e minuciosas sobre os direitos da criança e do adolescente: direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. À família, à sociedade e ao poder público, foi atribuída a responsabilidade de assegurar, com absoluta prioridade, a todas as crianças e adolescentes, a efetivação dos direitos relacionados ao artigo 227 da Constituição Federal. Em 1988, o Brasil, adotando uma postura de vanguarda, projeta-se no cenário internacional, ao incorporar em seu texto constitucional, princípios que, à luz da mentalidade vigente no planeta, não tinham ainda sido suficientemente assimilados. Doravante, muda o enfoque jurídico: a situação irregular, antes atribuída à criança, passa a se voltar na direção da família, da sociedade e do poder público, sempre que forem desatendidos os direitos fundamentais aos menores de dezoito anos, valendo mencionar que a Constituição não tem somente a tarefa de apontar para o futuro; tem, igualmente, a relevante função de proteger os direitos já conquistados[5].

Os novos direitos, consagrados na proteção das crianças e dos adolescentes, reconhecem a sua condição peculiar de pessoas em desenvolvimento, bem como a necessidade de lhes serem atribuídos não apenas aqueles direitos já assegurados aos adultos, mas também outros decorrentes dessa situação especial.

Seguindo esse novo paradigma, é que deverão ser pautadas as decisões que envolvem questões concernentes às crianças e aos adolescentes. É nessa esteira de reconhecimento de direitos que o Tribunal de Justiça brasileiro vem-se firmando, conforme se depreende dos julgados abaixo transcritos:

O princípio da dignidade humana e a garantia de atendimento prioritário às crianças e adolescentes, além do exame da prova dos autos, conduz ao pronto atendimento do pedido da inicial. O fornecimento de tratamento médico à criança independe de previsão orçamentária, tendo em vista que a Constituição Federal, ao assentar, de forma cogente, que os direitos das crianças e adolescentes devem ser tratados com prioridade, afasta a alegação de carência de recursos financeiros como justificativa para a omissão do Poder Público. Existe solidariedade entre a União, os Estados e os Municípios, quando se trata de saúde pública, cabendo ao necessitado escolher quem deverá lhe fornecer o tratamento médico pleiteado[6].

ECA. DESTITUIÇÃO DE PÁTRIO PODER. A adoção da doutrina da proteção integral, por parte do Estatuto da Criança e do Adolescente (art.1º da Lei 8.069/90) fortaleceu o princípio do melhor interesse da criança, que deve ser observado em quaisquer circunstâncias, inclusive nas relações familiares e nos casos relativos à filiação. O presente caso trata de crianças vítimas de maus-tratos, cujos genitores fazem uso reiterado de bebidas alcoólicas, e não dispensam os cuidados mínimos necessários à prole. Cabível, pois, a destituição do pátrio poder. Apelo desprovido. Unânime[7].

eca. ação de adoção. FOro competente. De acordo com o princípio constitucional da prioridade absoluta e a doutrina da proteção integral, as regras insertas no Estatuto da Criança e do Adolescente devem ser interpretadas de forma a preservar o melhor interesse da criança. Partindo-se de tal concepção, tem-se que em ações de adoção, o foro competente será o do domicílio de quem já exerce a guarda da criança, para que a sua estabilidade emocional seja preservada. Agravo provido[8].

A família e o sistema de estabelecimento da filiação tiveram seus conceitos alterados, juntamente, com a evolução da sociedade e dos princípios que a ela se aplicam, transformando, com o passar do tempo, valores e conceitos.

Patriarcal e hierarquizada, a família do início do século XX cumpria apenas uma função: assegurar a transmissão da vida, dos bens e dos nomes, não havendo muita preocupação e interesse com a pessoa dos filhos e seus sentimentos.

Com o passar dos anos, a família deixa de ser silenciosa, passando a existir um sentimento de preocupação e cuidado para com os seus membros. Tratando dos aspectos a serem considerados, no que concerne à visão contemporânea de família, Patrícia Pimentel de Oliveira Ramos aduz:

[...] o reconhecimento deste direito à felicidade individual, o princípio da dignidade da pessoa humana e a afirmação dos direitos fundamentais do infante vêm inspirando o legislador e orientando as interpretações dos múltiplos aspectos da regulamentação jurídica da vida familiar. A proteção da família e a preservação da dignidade da pessoa humana em cada um dos membros da família existe não só na família matrimonializada, como também na família matrimonial desfeita, e nas demais formas de entidade familiar. A criança e o adolescente, qualquer que seja a forma da família em que estejam inseridos, hão de sentir-se protegidos, confortados, respeitados, gozando de todos os direitos fundamentais. Tanto o pai quanto a mãe, querendo e tendo condições morais e psicológicas, devem estar presentes no processo de formação do filho, e estão em igualdade de condições para exercerem esse munus[9].

A realidade sociológica, hoje existente, encontrou respaldo jurídico com a Constituição Federal de 1988, face à posição ocupada pela pessoa humana, em detrimento de quaisquer instituições das quais a mesma seja integrante. Com o advento da Constituição Federal de 1998 e, posteriormente, com o Estatuto da Criança e do Adolescente, o papel dos pais e a convivência familiar passam a ser vistos como primordiais ao desenvolvimento natural da criança.

A família passa a ser considerada o lugar apropriado e indispensável ao desenvolvimento dos seus membros, ao passo que é ela quem propicia os aportes afetivos e materiais necessários ao crescimento e bem-estar de seus integrantes.

A Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança destaca a importância de a criança conviver com seus pais, ao dispor nos seguintes termos:

Art.9

  1. Os Estados Partes deverão zelar para que a criança não seja separada dos pais contra a vontade dos mesmos, exceto quando, sujeita à revisão judicial, as autoridades competentes determinarem, em conformidade com a lei e os procedimentos legais cabíveis, que tal separação é necessária ao interesse maior da criança. Tal determinação pode ser necessária em casos específicos, por exemplo, se a criança sofre maus tratos ou descuido por parte dos pais, ou quando estes vivem separados e uma decisão deve ser tomada a respeito do local da residência da criança.
  2. Caso seja adotado qualquer procedimento em conformidade com o estipulado no parágrafo 1 do presente Artigo, todas as Partes interessadas terão a oportunidade de participar e de manifestar suas opiniões.
  3. Os Estados Partes respeitarão o direito da criança separada de um ou de ambos os pais de manter regularmente relações pessoais e contato com ambos, a menos que isso seja contrário ao interesse maior da criança.
  4. Quando essa separação ocorrer em virtude de uma medida adotada por um Estado parte, tal como detenção, prisão, exílio, deportação ou morte (inclusive falecimento decorrente de qualquer causa enquanto a pessoa estiver sob custódia do Estado) de um dos pais da criança, ou de ambos, ou da própria criança, o Estado Parte, quando solicitado, proporcionará aos pais, à criança ou, se for o caso, a outro familiar, informações básicas a respeito do paradeiro do familiar ou familiares ausentes, a não ser que tal procedimento seja prejudicial ao bem-estar da criança. Os Estados Partes se certificarão, além disso, de que a apresentação de tal petição não acarrete, por si só, consequências adversas para a pessoa ou pessoas interessadas.

A família é a base para o desenvolvimento saudável e normal de uma criança, e a sua responsabilidade é reconhecida como sendo um dever moral, decorrente, via de regra, da consanguinidade e do fato de ser o primeiro lugar onde a criança externa os seus sentimentos, e tem contato com o mundo.

O Estatuto da Criança e do Adolescente trata do tema em capítulo próprio, estabelecendo, a partir do artigo 19, que toda criança ou adolescente tem direito a ser criado e educado no seio da sua família natural e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária, em ambiente livre da presença de pessoas dependentes de substâncias entorpecentes.

A convivência familiar é considerada fator essencial da personalidade infanto-juvenil, posto que a criança não cresce, sadiamente, sem a constituição de um vínculo afetivo estreito e verdadeiro com os adultos, preferencialmente, com seus pais naturais e família extensa, incluindo os avós.

O vínculo é de tamanha importância à condição humana, bem como essencial ao desenvolvimento, que os direitos da criança e do adolescente o consideram como convivência, ou seja, o viver junto. Não basta sobreviver: a criança possui o direito de participar de uma rede afetiva onde possa crescer e desenvolver-se de forma plena, tendo, ao seu redor, todos os meios e instrumentos necessários a um crescimento natural.

Dentro da família, a criança tem direito à vida, à saúde, ao reconhecimento de sua dignidade e, acima de tudo, o direito de crescer de forma natural, sem possíveis desvios que comprometam o seu desenvolvimento. Corrobora com o exposto, decisão proferida pelo egrégio Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:

A convivência familiar em um ambiente sadio é direito fundamental das crianças e adolescentes e, como tal, deve ter tratamento prioritário e adequado pelo nosso ordenamento jurídico, sopesando a manutenção dos laços afetivos entre pais e filhos e a proteção da dignidade da pessoa em estado de desenvolvimento. Deram provimento ao apelo[10].

É a família que, em primeiro lugar, conhece as necessidades, as deficiências e as possibilidades da criança; por isso, pode-se dizer que está apta a garantir a primeira proteção. Nessa esteira, o artigo 227 da Constituição Federal elevou a convivência familiar à categoria de direito fundamental, sendo dever da família, da sociedade e do Estado, como um todo, garantir que essa convivência se efetue, oportunizando um desenvolvimento saudável.

Martha de Toledo Machado afirma que o direito à convivência familiar, previsto no artigo 227 da Constituição Federal, é direito essencial às crianças e aos adolescentes, sendo considerado direito próprio da personalidade infantil, pois diz só com a personalidade destes e não com a dos adultos. E conclui, afirmando:

Anote-se, também, que é em estrita obediência aos preceitos dos artigos 226 e 227 da Constituição Federal, calcados na noção fundante de dignidade da pessoa humana, e na positivação de que a convivência familiar é direito fundamental de crianças e adolescentes, porque ligado ao valor mais básico da personalidade infanto-juvenil, que vieram as disposições contidas nos artigos 19 e 25, da Lei nº 8.069/90.

Na esteira desses entendimentos, passa-se a considerar a relevância de se legitimarem direitos de convivência das crianças e adolescentes com os avós, e importante inovação legislativa sobre a matéria ocorreu com a promulgação da Lei nº 12.398/2011, que estende aos avós o direito à convivência com os netos. A Lei, de forma expressa, assegura: O direito de visitas estende-se a qualquer dos avós, a critério do juiz, observados os interesses da criança ou do adolescente (artigo 1.589, parágrafo único, do Código Civil).

O Código de Processo Civil, artigo 888, inciso VII, também disciplina sobre a matéria, nos seguintes termos: A guarda e a educação dos filhos, regulado o direito de visitas que, no interesse da criança ou do adolescente, pode, a critério do juiz, ser extensivo a cada um dos avós. 

É neste sentido que a jurisprudência do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul vêm se posicionando:

É sabido que a relação entre avós e netos é considerada saudável e até necessária para preservar os vínculos afetivos. Corroborando tal entendimento, dispõe o art. 1.589 do CC:

“Art. 1.589. O pai ou a mãe, em cuja guarda não estejam os filhos, poderá visitá-los e tê-los em sua companhia, segundo o que acordar com o outro cônjuge, ou for fixado pelo juiz, bem como fiscalizar sua manutenção e educação.

Parágrafo único. O direito de visita estende-se a qualquer dos avós, a critério do juiz, observados os interesses da criança ou do adolescente.” – grifei.

É certo que a formação dos vínculos afetivos entre a infante e os avós é essencial para o desenvolvimento sadio da menina, todavia, tal convívio deve ser estabelecido de forma a atender aos interesses e conveniências da criança.

Atenta-se, por oportuno, que em ações como a presente, que envolvem menores, são os interesses destes que devem preponderar em detrimento de qualquer outro. E são os interesses da menina que dizem que, por ora, enquanto ainda inexistente elementos seguros acerca da impossibilidade de os avós conviverem com a neta e de qualquer comportamento irresponsável do avô, as visitas avoengas devem ocorrer na forma em que estipuladas pelo juízo da origem.

(Agravo de Instrumento Nº 70074800657, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Relator Jorge Luís Dallágnol, Julgado em 12 de dezembro de 2017).

REGULAMENTAÇÃO DE VISITAS. PEDIDO DA AVÓ MATERNA. SUPREMACIA DO INTERESSE DA CRIANÇA. 1. O convívio da criança com os avós é, em regra, recomendável. 2. Justifica-se o indeferimento das visitas quando desaconselhada pelos laudos psicológicos e pela avaliação psiquiátrica da autora, pois prejudicial para a criança. 3. Comprovado que a criança enfrenta graves problemas de saúde e sendo insuperáveis dificuldades no relacionamento entre as litigantes, que são mãe e filha, e, especialmente, comprovado o transtorno de personalidade da própria autora, mãe da ré e avó da criança, mostra-se descabida a pretendida regulamentação de visitas. Recurso desprovido. (Apelação Cível Nº 70074757659, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, Julgado em 27/09/2017).

AGRAVO DE INSTRUMENTO. REGULAMENTAÇÃO DE VISITAS. VISITAS AVOENGAS. 1. O direito de visita dos avós aos netos está assegurado na esteira do disposto no artigo 1.589, parágrafo único, do Código Civil 2. Na hipótese, não há nos autos justificativa para impedir o convívio entre a avó materna e os netos, tratando-se meramente de animosidade entre a genitora dos menores e sua mãe. RECURSO DESPROVIDO. (Agravo de Instrumento Nº 70074734559, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Liselena Schifino Robles Ribeiro, Julgado em 27/09/2017).

O afeto emergiu dos lugares implícitos e tomou posições constitutivas de direitos e deveres, mas, sobretudo, passou a ecoar livremente entre os sujeitos familiares, abrindo espaço para novas formas de vinculação e convivência, como, por exemplo, entre avós e seus netos. Vínculo afetivo e vínculo familiar se fundem e se confundem, deixando emergir a essência das relações familiares!

 

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[1] PhD em Psicologia Forense pela Universidade Fernando Pessoa (Portugal). Mediadora de Conflitos pela CLIP. Advogada. Psicanalista Clínica. Docente e Supervisora no Curso de Formação de Mediadores de Conflitos da CLIP. Especialista em Direito de Família pela PUC/RS. MBA em Direito Civil e Processo Civil pela FGV. Presidente da Sociedade Brasileira de Psicologia Jurídica e da Sociedade Sul-Brasileira de Psicanálise. Vice-Presidente da Associação Brasileira Criança Feliz.  Diretora do IBDFAM/RS. Coordenadora do Núcleo de Mediação em contextos de Alienação Parental da CLIP. Sócia fundadora da AMARGS Associação de Mediadores, Árbitros e Conciliadores do Rio Grande do Sul. Membro do Centro de Investigação em Estudos da Criança, na Universidade do Minho/Portugal.  E-mail: fernanda.molinari@outlook.com

[2] LIBERATTI, Wilson Donizeti. Adolescente e ato infracional: Medida sócio-educativa é pena? São Paulo: Juarez de Oliveira, 2003. p. 45.

[3] A expressão “paradigma”, utilizada ao longo do trabalho, refere-se à mudança de tratamento dispensado à criança, hoje, constitucionalmente, reconhecida como sujeito de direitos, merecedora de proteção integral.

[4] SCHREIBER, Elisabeth. Os direitos fundamentais da criança na violência intrafamiliar. Porto Alegre: Ricardo Lenz, 2001. p. 81.

[5] AZAMBUJA, Maria Regina Fay de. Violência sexual intrafamiliar: É possível proteger a criança? Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004. p. 52.

[6] Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Cível nº 70019490846. Oitava Câmara Cível. Relator desembargador Claudir Fidelis Faccenda. Julgado em 17/05/2007. Disponível em: <http:// www.tjrs.jus.br> Acesso em: 20 jul. 2018.

[7] Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Cível nº 70005828959. Sétima Câmara Cível. Relator desembargadora Maria Berenice Dias. Julgado em 21 de maio de 2003. Disponível em: <http:// www.tjrs.jus.br> Acesso em: 20 jul. 2018.

[8] Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Agravo de Instrumento nº 70019171164. Sétima Câmara Cível. Relator desembargadora Maria Berenice Dias. Julgado em 03 de abril de 2007. Disponível em: <http:// www.tjrs.jus.br> Acesso em: 20 jul. 2018.

[9] RAMOS, Patrícia Pimentel de Oliveira Chambers. O poder familiar e a guarda compartilhada sob o enfoque dos novos paradigmas do Direito de Família. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2005. p. 18-9.

[10] Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Cível nº 70022182372. Oitava Câmara Cível. Relator Desembargador Alzir Felippe Schmitz. Julgado em 12/06/08. Disponível em: <http:// www.tjrs.jus.br> Acesso em: 20 jul. 2018.

 

 

 

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A avoenga e a bisavoenga no ordenamento jurídico português

A avoenga e a bisavoenga no ordenamento jurídico português

 

Percorridas as normas relevantes do ordenamento jurídico português, verifica-se que o mesmo consagra apenas o direito ao estabelecimento da maternidade e da paternidade, respetivamente, nos artigos 1814.º e 1869.º do Código Civil, nada se encontrando regulado quanto ao estabelecimento da avoenga e da bisavoenga.

Corresponderá tal a uma lacuna ou a uma proibição legal de estabelecimento da avoenga e da bisavoenga?

As proibições legais têm que resultar expressamente da lei ou, não estando expressamente previstas, terão que decorrer, de forma inequívoca, da interpretação da lei.

Ora, do regime jurídico do estabelecimento da filiação, não decorre qualquer proibição relativamente ao pedido tendente à fixação da avoenga ou da bisavoenga, por recurso a uma ação judicial com vista a estabelecer tal.

Mais, o estabelecimento da ascendência familiar de uma pessoa com o conhecimento detalhado da sua árvore genealógica traduz-se numa interesse legítimo a que terá que corresponder um direito de personalidade, direito esse diretamente ligado ao conhecimento da historicidade pessoal de cada individuo, o qual se encontra consagrado na Constituição da República Portuguesa e que não pode ficar limitado à possibilidade de estabelecimento da maternidade e da paternidade, na medida em que o direito à identidade pessoal engloba o direito à historicidade pessoal, o qual inclui necessariamente o conhecimento da identidade dos progenitores, o que nos remete para o direito ao estabelecimento da avoenga e da bisavoenga.

Assim, a inexistência de uma previsão legal concreta quanto ao estabelecimento da avoenga e da bisavoenga não poderá resultar de uma proibição legal a tal estabelecimento, mas antes de uma lacuna da lei que tem que ser integrada, nos termos do artigo 10.º do Código Civil, o que impõe o recurso ao regime jurídico do estabelecimento da filiação materna e paterna, na medida em que estando em causa o conhecimento da sua ascendência, os interesses do filho, do neto ou do bisneto são necessariamente idênticos, pelo que se preenche a lacuna com recurso à analogia com o supra referido regime.

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O direito ao estabelecimento da bisavoenga foi recentemente tratado no acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto em junho de 2017, onde o que estava em causa era o direito de um bisneto a ver judicialmente declarado que determinada pessoa, já falecida, era seu bisavô, num contexto em que não se encontrava estabelecida a filiação paterna da sua avó, não estando também, consequentemente, estabelecida a avoenga materna da mãe do autor da ação.

Para a resolução da questão jurídica em causa – direito ao estabelecimento da bisavoenga – o Tribunal da Relação do Porto não encontrou obstáculo no facto de, por exemplo, já se encontrar caduco o direito ao estabelecimento da filiação paterna da avó do autor, na medida em que em causa não estava o direito da avó do autor da ação a instaurar a ação de investigação de paternidade mas sim o direito do autor a ver judicialmente reconhecida a sua ascendência, no caso, a sua bisavoenga, por se estar perante pessoas diferentes e, consequentemente, com direitos diferentes, pelo que não poderá a caducidade do direito da avó do autor determinar a caducidade do direito deste a ver estabelecida a sua bisavoenga.

Este direito de personalidade corresponde a um direito que nasce na esfera jurídica de cada sujeito não estando dependente de direitos pré-existentes na esfera jurídica de outrem não podendo, por isso, ser afetados na sua existência pelo comportamento de terceiros podendo, por isso, ser exercido autonomamente pelo seu titular, sendo certo que o exercício destes direitos de personalidade vai ter reflexos na esfera jurídica dos terceiros, seus ascendentes. Com efeito, o estabelecimento da bisavoenga do autor da ação implica, necessariamente, o estabelecimento da filiação paterna da sua avó e avoenga da sua mãe.

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O Tribunal da Relação considerou a doutrina que sobre esta questão jurídica se tem vindo a pronunciar a propósito da caducidade do direito de investigar a maternidade e a paternidade tendo transcrito, por exemplo, o entendimento de Jorge Duarte Pinheiro constante da obra “O Direito de Família Contemporâneo”, nos seguintes termos: «… ao paralisar totalmente o direito de investigar, por causa de uma atuação censurável do investigante, não contempla a posição de terceiros que possam estar legitimamente interessados no estabelecimento da filiação entre o investigante e o pretenso pai (v.g., dos filhos do investigante: o direito à identidade ou historicidade pessoal não se reduz ao conhecimento e reconhecimento do parentesco no 1.º grau da linha reta).»

Este autor entende que a possibilidade de instaurar uma ação de investigação de paternidade fora dos prazos de caducidade previstos no artigo 1817.º do Código Civil, deverá existir sempre que esteja em causa o “exercício do direito à identidade pessoal e do direito de constituir família”, limitando-se apenas a caducidade prevista neste artigo à obtenção de efeitos sucessórios.

Este entendimento traduz-se, em termos práticos, no afastamento da possibilidade de produção de efeitos patrimoniais resultantes do exercício do direito ao estabelecimento da avoenga e da bisavoenga.

Ou seja, os direitos patrimoniais decorrentes de tal estabelecimento não podem operar na medida em que radicam na esfera jurídica daquele que poderia ser herdeiro, pelo que tendo-se extinguido, por exemplo, pelo não exercício, o direito ao estabelecimento da sua filiação e consequente qualidade de herdeiro, não poderá tal qualidade de herdeiro, mais tarde, ser reconhecida por via indireta, através do direito de representação, a quem pretende ver reconhecida a sua avoenga ou bisavoenga.

No caso dos autos, o reconhecimento da bisavoenga do autor da ação não lhe confere a qualidade de herdeiro, por via do direito de representação da sua falecida avó materna, na medida em que, na esfera jurídica desta, por ter caducado o direito ao estabelecimento da sua filiação paterna, não existiam direitos sucessórios quanto ao bisavô do autor.

De quanto supra exposto resulta que o reconhecimento do direito ao estabelecimento da avoenga ou da bisavoenga tem que conviver com a perda do direito patrimonial na esfera jurídica do ascendente relativamente ao qual terá que se fixar a filiação.

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Concluímos com o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, supra citado, nos seguintes termos:

«Sendo omissa no registo civil a paternidade da avó materna do Autor e tendo já caducado o direito desta e dos seus descentes instaurarem ação de investigação de paternidade – artigo 1817.º do Código Civil -, a ordem jurídica não impede que o Autor, seu neto, peça em tribunal declaração judicial de que ele (neto) é bisneto da pessoa que identifica como pai da sua avó materna.

O reconhecimento da existência do direito de um neto ou bisneto a obter a declaração de que certa pessoa é seu avô ou bisavô, não implica o renascimento de direitos patrimoniais que os seus ascendentes tenham perdido por ter decorrido o prazo estabelecido no n.º 1 do artigo 1817.º do Código Civil, dentro do qual podiam ter instaurado a ação de investigação de maternidade/paternidade».

 

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