A situação atual e os seus reflexos no Direito da Família

A situação atual e os seus reflexos no Direito da Família

Ninguém nega que a situação de confinamento em que nos encontramos tem reflexos profundos em todos os campos da nossa vida, nomeadamente, no quadro do núcleo familiar.

As pessoas e as famílias vivem tempos de incerteza, de angústia, de dificuldades financeiras e o isolamento forçado que tem que ser cumprido passa fatura, do ponto de vista psicológico.

Todos estamos mais irritados, mais cansados, mais angustiados, mais temerosos.

Não são fáceis os desafios que somos chamados a superar.

Hoje, os pais estão em teletrabalho e têm os filhos em casa, a ter aulas à distância, tendo uma sobrecarga emocional grande e que, em cada dia, por repetição, se torna desgastante.

O lar que, antes era um ponto de recolhimento familiar, tornou-se um local onde conflui família, trabalho e aulas à distância e esta convivência forçada, nos termos abruptos em que se instalou, levou a que núcleos familiares estáveis não aguentem a pressão instalada.

Nós, advogados de Família, temo-nos vindo a aperceber que vai aumentando o número de pessoas que nos consultam, para se esclarecerem sobre o divórcio e todas as questões conexas, como seja a utilização do lar conjugal, as pensões de alimentos, a regulação das responsabilidades parentais, as partilhas, etc.

Também temos vindo a ser confrontados com pedidos de redução de pensões de alimentos, em vista da degradação da situação profissional dos progenitores e, também, com ações executivas resultantes de incumprimentos do regime de regulação das responsabilidades parentais.

Sem dúvida que a crise pandémica tem tido efeitos na família e, por isso, os problemas surgem, nomeadamente, cai um silêncio ensurdecedor sobre as vítimas de violência doméstica que, fruto do confinamento, têm que conviver diariamente com o agressor.

E, se pensarmos nas restrições que existem nas viagens internacionais, com restrição de movimentos transfronteiriços, percebemos os reflexos que tal tem em famílias que haviam apostado por uma nova vida no estrangeiro e que, fruto desta situação pandémica, tiveram que adiar esta nova fase nas suas vidas, com tudo o que isso implica, nomeadamente, ao nível económico e, também por isso, o desgaste relacional que estas situações acabam por produzir.

Em termos internacionais, não podemos esquecer as decisões unilaterais que um progenitor toma em relação aos filhos de mudar de país e, assim, se inicia um processo difícil e traumatizante para as crianças que, de repente, se vêm sem a presença de um dos pais, sem saberem porquê e, esta realidade, também nos chega e nos leva a ter que tratar de processos de rapto internacional.

Ou seja, a situação de pandemia criou uma convulsão no seio da família e, consequentemente, os advogados são chamados, cada vez mais a intervir, para ajudar a resolver os problemas jurídicos que existem e, desta forma, tentar que a paz retorne.

Porque a situação de confinamento tem repercussões ao nível do funcionamento dos tribunais, nós, advogados, somos chamados a procurar, por via consensual, a resolução dos diferendos existentes, a bem da família que, apesar de desunida, continuará pela vida a ter laços.

Trata-se de um esforço negocial que nos leva a procurar formação, nomeadamente, ao nível da mediação, como ferramenta de ajuda para melhor e mais ajudar quem nos procura, tentando que o encerramento dos tribunais não tenha um impacto tão grande e obste a que se chegue a uma solução final.

É evidente que a situação de encerramento também não ajuda os processos que correm em tribunal e que, neste momento, estão suspensos, porque não são processos urgentes e, por isso, não correm, não avançam, com todos os prejuízos que tal causa.

Sabemos que os tribunais fazem um esforço meritório para resolver, da melhor maneira possível, os processos que ficam atrasados e que se acumulam mas a verdade é que a realidade quotidiana de uma família, que se está a degradar, não pode esperar pelo tempo necessário à recuperação do trabalho que está atrasado.

Assim, temos vindo a, cada vez mais, procurar solucionar por consenso, procurando que as partes se envolvam cada vez mais e procurando, através do diálogo, conseguir que o que não era negociável possa ser equacionado, que o que era zanga se transforme em lucidez e vontade de seguir em frente, com os assuntos jurídicos resolvidos por consenso.

Temos sentido cada vez mais esta necessidade, por tudo quanto supra exposto e, também, porque a realização das diligências por meios telemáticos, por muito boa vontade que exista, não é o mesmo que as diligências presenciais, especialmente nos processos que envolvem menores.

Assim, também por esta razão maior, temos vindo a desenvolver cada vez mais as nossas competências no quadro da negociação, da mediação, do crescimento pessoal, que nos ajuda a ser melhores advogadas.

Este tempo de confinamento, para nós, tem sido um tempo intenso de formação profissional e de procura de meios alternativos para se encontrar uma solução consensual.

Um advogado de Família tem que ser uma pessoa próxima dos seus constituintes, pronta a ouvir e a ajudar, pronta a resolver e pronta a consensualizar.

Este é um caminho que seguimos, com formações, nomeadamente, nos Estados Unidos da América e onde percebemos que é possível resolver os assuntos jurídicos de família sem conflito construindo criativamente, com todos os envolvidos, uma solução final global digna e válida que mantenha o respeito para o futuro.

Vamos continuar a aprender e a falar sobre as vantagens de resolver os dissensos por consensos alargados, porque somos conscientes que o Direito da Família tem uma transcendência real na sociedade e nas relações futuras e queremos estar do lado da solução construtiva, sempre que possível.

Acreditamos que haverá mais saúde mental se os assuntos de Direito da Família, sempre que exista perfil das partes para isso, forem resolvidos entre as pessoas, falando e dialogando construtivamente e, para isso, os advogados de Família têm que aportar essa positividade ao tratamento do assunto e esse é o futuro que estamos a construir.

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Da Mediação Familiar e da Justiça para uma parentalidade tranquila

Da Mediação Familiar e da Justiça para uma parentalidade tranquila

 

Simão e Joana são pais de Francisco de seis anos de idade. No correr dos dias atribulados, Simão e Joana não se querem mais na mesma casa, na mesma mesa, no mesmo leito.

Separam-se e ameaçam-se reciprocamente de não mais verem o filho.

Simão deu entrada, no tribunal, de uma acção de regulação do exercício das responsabilidades parentais.

Algum tempo depois são chamados a uma Conferência de Pais onde ambos manifestaram a vontade inabalável de ficarem com Francisco na sua residência. O juiz fixa um regime provisório em que a criança permanece junto do pai e convive com a mãe em datas definidas. É solicitada a intervenção da Audição Técnica Especializada.

Convocada nova conferência de pais, tudo permaneceu na mesma, com Simão e Joana ainda mais zangados, de olhares quase fulminantes. Conhecem já a posição processual de cada um, conhecem o campo de batalha, só não conhecem todas as armas.

São elaborados os relatórios sociais com vista à marcação de julgamento e quase um ano e meio depois do início da acção judicial, chegamos ao dia de produzir prova sobre qual dos dois pais proporciona um quotidiano mais favorável à satisfação das necessidades do Francisco.

Ah…..por falar em Francisco, por onde tem andado ele neste longuíssimo entretanto? Sem dúvida, a circular entre pai e mãe zangados, cada vez mais zangados com o que tudo isso deixa transparecer para uma criança que, agora, já fez sete anos.

Decorreu o julgamento, extenso como se previa. Requerimentos e mais requerimentos, alegações que notoriamente indiciavam a manutenção da residência de Francisco com o pai.

No fim-de-semana seguinte, como de costume o pai faz 100 kms para levar o filho à mãe. A mãe não comparece no local de sempre.

Aguardam.

Nada.

Regressam.

O pai envia uma sms e a resposta chega: “Fica com ele. É teu, agora é todo teu.”

E de novo o Francisco, do alto dos seus sete anos, um menino grande que tem de se portar bem, como tantas vezes ouve, o que sentirá ele?

Teria de ser assim? Terá de ser assim tantas vezes? Somos capazes de ouvir em coro uníssono “não, nunca devia ser”, seguido da conformação “mas não temos alternativa”.

Temos sim, temos outras atitudes e outros caminhos possíveis. Vim aqui para vos deixar a dica do que há muito defendo como um outro caminho a trilhar para alcançar a paz social, enquanto fim último da justiça. Um caminho que permite poupar energias emocionais, poupar tempo e preservar afectos.

A Mediação é hoje um meio de resolução de conflitos, previsto e regulamentado na lei portuguesa. A pertença a uma união europeia assim o recomendou e assim o impôs. Confrontados com a existência de um conflito familiar, temos todos a possibilidade de escolher a mediação para através dela alcançarmos a solução mais adequada e mais justa no caso concreto.

Perante uma questão controvertida, dispomos de duas vias, o que é apanágio de sociedades ditas desenvolvidas. Entregamos o assunto ao tribunal para decidir de acordo com a convicção que vier a formar, ou pomos mãos à obra e construímos nós próprios a solução à medida da nossa realidade familiar. Nesse percurso devemos contar com a ajuda de um profissional devidamente qualificado, escolhendo um mediador do sistema público, ou um mediador privado, mas em qualquer dos casos inscrito nas listagens que se encontram disponíveis no site da Direcção Geral da Politica de Justiça, já que estes respondem a requisitos de formação reconhecida pelo próprio Ministério da Justiça.

O processo de mediação familiar desenvolve-se, então, num espaço profissional e acolhedor, onde todos os intervenientes são tratados de igual forma, onde têm igual oportunidade de falar das suas emoções, dos seus interesses e das suas necessidades e onde o mediador não formula juízos de valor, simplesmente legitima as partes enquanto pessoas que vivenciam dificuldades para as quais estão interessadas em encontrar uma solução exequível. Uma solução que não dê lugar a sucessivos incumprimentos e porque os próprios são os obreiros da sua resposta, sentem-se muito mais predispostos ao cumprimento do que numa qualquer solução que lhes seja imposta.

Cabe aqui referir que a mediação não é panaceia para todos os males. Ao longo dos mais de vinte anos que dedico à prática, ao estudo e ao ensino do tema sou com frequência questionada sobre tal, e a resposta inevitável é a de que nem todos cabemos nos mesmos fatos, nem todos respondemos de igual forma à mesma medicação. Porque haveriam os conflitos de caber todos na mesma forma de resolução e aí obter respostas eficazes? É com a diversidade de caminhos e de abordagens disponibilizadas ao cidadão, que se enriquece uma sociedade que aspira alcançar um elevado índice de paz social, mas um facto é certo, quanto mais precoce for o recurso à mediação maior a probabilidade de se conseguir trabalhar a comunicação das pessoas desavindas e como consequência alcançar um acordo satisfatório para os seus destinatários. Antes de conhecerem o campo de batalha deveriam conhecer a mesa da negociação assistida.

Uma última referência, que se julga da maior pertinência para o tema em reflexão, é a da ligação da mediação a outras actividades profissionais com intervenção nestas matérias. Falamos de magistrados, advogados e psicólogos, chamados à colação em direito da família. É urgente a aceitação, o respeito e a interligação entre todos. Cada um tem um papel diferente, mas complementar no apoio às famílias.

Para que todos os Franciscos saiam do centro do conflito dos pais e permaneçam no centro da sua cooperação, na nobre tarefa da parentalidade.

Anabela Quintanilha

Mestre em Direito com especialização em Justiça Alternativa, advogada, mediadora familiar e formadora

 

 

 

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