Maior acompanhado - a audição do beneficiário do acompanhamento

Maior acompanhado - a audição do beneficiário do acompanhamento

Conforme resulta do disposto no n.º 2 do artigo 897.º do Código de Processo Civil, nos processos relativos ao maior acompanhado (regime que substituiu os institutos da interdição e da inabilitação), o juiz deve proceder sempre à audição, pessoal e direta, do beneficiário do acompanhamento.

Da redação desta norma resulta, em termos literais, que tal audição é sempre obrigatória.

Mas poderá tal audição ser dispensada, impondo-se a mesma apenas quando a diligência se afigure útil, podendo-se flexibilizar a literalidade da norma com o princípio da adequação formal?

Sobre esta questão já se pronunciaram, entre outras entidades, a Ordem dos Advogados que, no parecer emitido em maio de 2018 sobre a, então, proposta de lei relativa ao regime jurídico do maior acompanhado, enfatizou que a audição do beneficiário da medida de acompanhamento é de caráter obrigatório.

Com efeito, dilucida-se do próprio regime a razão de ser da obrigatoriedade da audição, mais concretamente, encontramos a resposta quanto às razões que determinam tal obrigatoriedade no corpo do artigo 898.º do Código Civil que expressa que esta audição, pessoal e direta, visa averiguar a situação concreta do beneficiário da medida de acompanhamento, permitindo também um ajuizamento (casuístico) das medidas de acompanhamento que se mostrem adequadas e necessárias.

Mais, conforme resulta da parte final do n.º 3 do artigo 897.º, o juiz, se tal for o caso, deslocar-se-á ao local onde o beneficiário da medida de acompanhamento se encontra, permitindo-lhe assim ter um quadro real e, em tempo real, da situação deste.

Trata-se, pois, de uma ponderação do legislador dirigida à concretização de uma finalidade que é a de o juiz estar em condições de decretar uma medida de acompanhamento que sirva, de facto, as necessidades do seu beneficiário evitando-se, desta forma, as interposições indiretas ou de pouca lisura de familiares ou pessoas próximas do beneficiário, com vista a influenciar o tribunal no sentido do decretamento de uma medida de acompanhamento que, afinal, não convém ao seu beneficiário mas que poderia convir a familiares, nomeadamente, no quadro patrimonial facilitando, por exemplo, o acesso ao património do beneficiário.

Esta audição obrigatória assume, pois, um caráter garantístico que bem se justifica e para o qual o legislador esteve desperto, indo ao ponto de se consagrar que, nessa mesma audição, o juiz pode determinar que, parte da audição do beneficiário, aconteça sem a presença de outras pessoas (n.º 3 do artigo 898.º do Código Civil).

Sendo esta audição obrigatória, resulta que a omissão da mesma, conduzirá a uma nulidade processual, com as consequências daí resultantes.

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O estatuto do maior acompanhado: as inovações legislativas

O estatuto do maior acompanhado: as inovações legislativas 

O estatuto do maior acompanhado: as inovações legislativas

Em 10 de fevereiro de 2019, entrou em vigor o regime jurídico do maior acompanhado, o qual veio substituir os antigos regimes da interdição e da inabilitação, os quais se mostravam desadequados à realidade atual, seja em face da considerável elevação da esperança de vida das pessoas, seja em face, por exemplo, do acréscimo da existência de patologias limitativas e de diagnósticos e prognósticos médicos mais avançados. Claro que não se poderá também esquecer que existe uma quebra da natalidade e, consequentemente, um envelhecimento da população. Mais, os tempos atuais apontam para uma menor agregação do núcleo familiar, com a consequente exposição das situações de maior fragilidade das pessoas.

Tudo isto levou a que o legislador, seguindo as preocupações internacionais, nomeadamente as vertidas na Convenção de Nova Iorque sobre os direitos das pessoas com deficiência, adotada pelas Nações Unidas em 30 de março de 2007 e aprovada pela Assembleia da República em 7 de maio de 2009 que, no seu artigo 1.º estabelece como objetivo da mesma, a promoção, proteção e garantia do «pleno e igual gozo de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais, de todas as pessoas com deficiência», bem como a promoção do respeito pela sua dignidade inerente, tenha tido necessidade de alterar e atualizar a forma de tratamento legal das situações de incapacidade que carecem de proteção.

Os anteriores regimes, agora revogados, da interdição e da inabilitação, por serem muito rígidos, eram desadequados à prossecução do objetivo de inclusão e adequação das medidas de proteção às necessidades específicas, por exemplo, dos idosos e das pessoas portadoras de deficiência.

Agora, com o novo regime, o legislador deu primazia à autonomia da pessoa, optando por um modelo de acompanhamento, em vez do anterior modelo de substituição da pessoa carecida de proteção, ou seja, o regime do maior acompanhado limita-se à determinação das medidas estritamente necessárias para assegurar o bem-estar, a recuperação e o pleno exercício das capacidades do acompanhado respeitando, sempre que possível, a sua vontade e a sua capacidade de autodeterminação.

Uma inovação relevante prende-se com a possibilidade de se desdobrar as várias necessidades do acompanhado, podendo haver mais do que um acompanhante, permitindo-se assim, por exemplo, que haja um acompanhante para questões pessoais e um acompanhante para questões patrimoniais, o que resulta num benefício global para o maior acompanhado na medida em que, por exemplo, em questões patrimoniais, poderá ter um acompanhante que, embora pessoalmente mais distanciado de si, possui as necessárias competências técnicas para um acompanhamento mais eficaz neste campo.

Importa, também, salientar que a nova lei não exige a habitualidade, a permanência e a durabilidade da situação que determina o acompanhamento, pelo que, com o novo regime, ficam acauteladas situações (que não podem ser resolvidas através do recurso aos deveres gerais de cooperação e assistência previstos na lei) em que uma pessoa se encontra temporariamente incapacitada para, na prática, exercer os seus direitos e cumprir os seus deveres, mas que está perfeitamente capaz de orientar a forma como quer que os mesmos sejam exercidos e/ou cumpridos.

Abona, ainda, a nova lei o alargamento, em face dos anteriores regimes da interdição e inabilitação, das razões de saúde que podem determinar a necessidade de acompanhamento, ou seja, podem existir patologias de ordem física que determinem a necessidade de acompanhamento, eliminando-se a ideia de que apenas a anomalia psíquica determinava esta necessidade.

Tomando em conta que, nos dias de hoje, é residual a necessidade de acompanhamento de pessoas portadoras de cegueira ou de surdez-mudez, pois sendo indiscutível que tal se traduz numa patologia de ordem física, é também indiscutível que tal não se traduz, necessariamente, numa situação que limite ou que interfira na capacidade de exercício de direitos ou de cumprimento de deveres, regista-se aqui uma inovação na medida em que é fundamental, de acordo com o novo quadro legal, que a deficiência em causa limite, de facto, as capacidades cognitivas e, consequentemente, as capacidades volitivas da pessoa.

As inovações legislativas consagradas levam a concluir que o novo modelo de proteção às pessoas necessitadas de acompanhamento tentam ir ao encontro das especificas e concretas necessidades de cada pessoa, deixando de existir um quadro fixo do que pode ser decretado, passando a existir a possibilidade de “misturar” vários regimes protetivos que, em conjunto, sejam aqueles que melhor se adequam à proteção do bem-estar e recuperação do acompanhado.

Por fim, importa sumarizar o quadro legislativo, em termos práticos: poderão beneficiar da aplicação da figura do maior acompanhado, as pessoas com mais de 18 anos que, seja por motivos de saúde, de deficiência ou em resultado do seu comportamento, estejam impossibilitadas de exercer, de forma plena, pessoal e consciente, os seus direitos ou que, de igual modo, não se mostrem capazes de cumprir os seus deveres

Conforme referido, o acompanhamento deverá limitar-se ao necessário para cada caso concreto sendo que, independentemente do que haja sido pedido, o Tribunal pode, nos termos do artigo 145º do Código Civil e, sempre em função do caso concreto, cometer ao acompanhante algum ou alguns dos regimes seguintes:

«a) Exercício das responsabilidades parentais ou dos meios de as suprir, conforme as circunstâncias;

  1. b) Representação geral ou representação especial com indicação expressa, neste caso, das categorias de atos para que seja necessária;
  2. c) Administração total ou parcial de bens;
  3. d) Autorização prévia para a prática de determinados atos ou categorias de atos;
  4. e) Intervenções de outro tipo, devidamente explicitadas

Assim, na sentença a ser proferida, a mesma deverá fixar o regime relativo ao exercício de direitos pessoais e celebração de negócios da vida corrente, pois, no silêncio da sentença, o acompanhado poderá livremente, por exemplo, casar, procriar, perfilhar, adotar, testar, viajar, etc.

A sentença que determinar o acompanhamento deverá ser revista, pelo menos, de 5 em 5 anos, se outro prazo não constar da mesma. Tal não impede que a sentença possa ser revista a todo o tempo, caso se modifiquem as circunstâncias que justificaram a aplicação da medida de acompanhamento.

Concluímos dizendo que o atual regime do acompanhamento permite adequar as restrições do maior a acompanhar às suas efetivas necessidades mantendo intocados seus direitos e deveres que não carecem de acompanhamento, o que é uma inegável vantagem em face do anterior regime do qual resultava que, independentemente das nuances da situação concreta, o incapaz não poderia, por si, livremente, exercer os seus direitos ou cumprir os seus deveres enquanto a situação que determinava a necessidade se mantivesse sendo obrigatoriamente substituído por um terceiro que, em seu nome e no seu interesse, agia.

 

 

 

 

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