Extensão do exercício das responsabilidades parentais

Extensão do exercício das responsabilidades parentais

 

A possibilidade de estender o exercício das responsabilidades parentais a terceiros que não os progenitores, encontra-se prevista nos artigos 1903.º, 1904.º e 1904º-A do Código Civil, sendo que os dois primeiros foram reformulados com a entrada em vigor da Lei 137/2015 de 7 de setembro, a qual introduziu também o artigo 1904º-A.

A ordem pela qual, em caso de impedimento de um dos progenitores da criança, decretado pelo Tribunal, poderão terceiros ser chamados, em caso de impedimento do progenitor não previamente impedido, a exercer as responsabilidades parentais de uma criança, está prevista no artigo 1903º do Código Civil figurando, em primeiro lugar, o cônjuge ou a pessoa que viva com qualquer um dos pais da criança e, apenas em segundo lugar, alguém da família de qualquer um dos pais da criança.

Desta nova redação resulta que se pretendeu dar uma importância ao cônjuge ou pessoa com quem o progenitor vive que, anteriormente não tinha, sendo que esta nova importância está diretamente relacionada com o facto de através do convívio se estabelecerem laços com a criança que poderão colocar o cônjuge ou a pessoa com quem o progenitor vive, em melhores condições de exercer as responsabilidades parentais de uma criança que, por exemplo, uns avós que não terão uma relação de dia-a-dia com a criança.

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Já se estivermos perante uma situação de morte de um dos progenitores, em que, por impedimento do progenitor sobrevivo, a quem, nos termos do nº 1 do artigo 1904º do Código Civil, caberia o exercido das responsabilidades parentais, este progenitor não possa exercer as mesmas, o nº 2 do artigo 1904º do Código Civil, mantém a ordem de preferência estabelecida no artigo 1903º, ou seja, em primeiro lugar o cônjuge ou pessoa que viva com qualquer um dos pais e, apenas em segundo lugar, alguém da família de qualquer um dos pais. Nestas situações, contudo, deverá ainda ter-se em consideração a eventual designação de tutor, efetuada em testamento, pelo progenitor falecido, a qual deverá, dentro do possível, ser respeitada.

Já para situações em que, a filiação da criança, apenas se encontra estabelecida quanto a um dos progenitores, como por exemplo nos casos de adoções singulares ou - mais raros – em que não foi possível estabelecer uma relação de paternidade, aplica-se o artigo 1904º-A do Código Civil cujo número 1, dispõe que:

«Quando a filiação se encontre estabelecida apenas quanto a um dos pais, as responsabilidades parentais podem ser também atribuídas, por decisão judicial, ao cônjuge ou unido de facto deste, exercendo-as, neste caso, em conjunto com o progenitor

O conteúdo dos mencionados artigos traduz também, a evolução que, o conceito de família tem vindo a sofrer aos longo dos anos, passando a valorizar-se, tanto social como legalmente, o afeto resultante das relações estabelecidas entre a criança e os cônjuges e/ou companheiros do progenitor.

Deixando assim a família de ser entendida apenas como o conjunto de pessoas que estão ligadas entre si por laços biológicos, para passar a incluir-se, no conceito de família, também as pessoas que entre si estabelecem laços afetivos relevantes, resultantes de relações de amparo psicológico, financeiro, emocional, etc, nas quais se incluem as relações com as crianças.

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A nova redação dada pela Lei 137/2015, de 7 de setembro, aos artigos 1903º, 1904.º e o conteúdo do novo artigo 1904º-A do Código Civil, remete-nos para o conceito de paternidade sócio-afetiva, na medida em que, em causa, estão situações que, na sua base têm o afeto estabelecido entre uma criança e alguém que, com a mesma não tem qualquer relação biológica mas que, ao nível do exercício da parentalidade de facto age como se tal relação existisse, comportando-se como Pai, ou como Mãe da criança.

Concretamente, quanto ao artigo 1904ºA do Código Civil, veio permitir-se que, em determinadas circunstâncias – e, sempre que apenas exista o estabelecimento de filiação quanto a um progenitor -, seja criado um vínculo que não sendo de filiação é-lhe equiparável em termos de exercício de responsabilidades parentais conjuntamente com o progenitor com filiação estabelecida, sendo o estabelecimento deste vinculo decorrente de uma prévia relação de afeto estabelecida com a criança.

Este vínculo decorrente do afeto, após decisão judicial que o decrete, passa a ser vigente na ordem jurídica sendo equiparado ao vínculo decorrente de uma relação biológica, da qual resultam os mesmos direitos e deveres.

A decisão judicial que dá corpo à relação de afeto entre a criança e o terceiro que passará a ser titular do exercício das responsabilidades parentais terá que, como qualquer decisão relativa a uma criança proferida por um Tribunal, ser sempre norteada pelo superior interesse da criança, a qual, nos termos da lei, terá que se ouvida, devendo o tribunal, sempre que possível, estar suportado, sempre que possível, pela opinião de pedopsiquiatras, psicólogos e assistentes sociais, em face da delicadeza e complexidade da decisão que é chamado a tomar.

Com efeito, o impacto que o estabelecimento de uma filiação baseada no afeto, tem na vida da criança em relação à qual tal situação se verifica, impõe um exercício probatório consistente, nomeadamente, quanto ao nível de relação afetiva desenvolvida entre a criança e a madrasta ou padrasto o que implica, por exemplo, uma averiguação da real capacidade deste, enquanto futuro titular das responsabilidades parentais da criança em respeitar e promover a manutenção da relação desta com a família biológica do progenitor em relação a quem se encontra estabelecida a filiação, na medida em que a regra é a de que a manutenção de tais relações salvaguardará o superior interesse da criança.

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O campo de aplicação destes normativos é muito sensível e se a verdade é que se pode verificar o cuidado de adaptar a legislação vigente à evolução da família do ponto de vista social, também não é menos verdade que aplicar, em termos práticos, os conceitos de família legal e de família afetiva, nos termos dos normativos em causa, corresponde a um exercício do Direito que se exige de suma prudência tomando em conta que antes de tudo e, acima de tudo, importa respeitar os direitos da criança.

As alterações legislativas operadas ainda são muito recentes, pelo que não permitem a ponderação dos efeitos que uma decisão judicial proferida, por exemplo, nos termos do artigo 1904-ºA n.º 1 do Código Civil terá na vida da criança em causa e no círculo global das relações afetivas desta, seja com a sua família biológica, seja com a sua família afetiva.

Caberá, por isso, aos tribunais escrever a história judiciária do sucesso das finalidades que estes artigos tiveram em vista salvaguardar devendo o legislador estar e ser atento ao curso dos processos e aos desfechos judiciais, já prolongados no tempo para que, sempre, se mantenha a salvaguarda do superior interesse da criança.

 

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A avoenga e a bisavoenga no ordenamento jurídico português

A avoenga e a bisavoenga no ordenamento jurídico português

 

Percorridas as normas relevantes do ordenamento jurídico português, verifica-se que o mesmo consagra apenas o direito ao estabelecimento da maternidade e da paternidade, respetivamente, nos artigos 1814.º e 1869.º do Código Civil, nada se encontrando regulado quanto ao estabelecimento da avoenga e da bisavoenga.

Corresponderá tal a uma lacuna ou a uma proibição legal de estabelecimento da avoenga e da bisavoenga?

As proibições legais têm que resultar expressamente da lei ou, não estando expressamente previstas, terão que decorrer, de forma inequívoca, da interpretação da lei.

Ora, do regime jurídico do estabelecimento da filiação, não decorre qualquer proibição relativamente ao pedido tendente à fixação da avoenga ou da bisavoenga, por recurso a uma ação judicial com vista a estabelecer tal.

Mais, o estabelecimento da ascendência familiar de uma pessoa com o conhecimento detalhado da sua árvore genealógica traduz-se numa interesse legítimo a que terá que corresponder um direito de personalidade, direito esse diretamente ligado ao conhecimento da historicidade pessoal de cada individuo, o qual se encontra consagrado na Constituição da República Portuguesa e que não pode ficar limitado à possibilidade de estabelecimento da maternidade e da paternidade, na medida em que o direito à identidade pessoal engloba o direito à historicidade pessoal, o qual inclui necessariamente o conhecimento da identidade dos progenitores, o que nos remete para o direito ao estabelecimento da avoenga e da bisavoenga.

Assim, a inexistência de uma previsão legal concreta quanto ao estabelecimento da avoenga e da bisavoenga não poderá resultar de uma proibição legal a tal estabelecimento, mas antes de uma lacuna da lei que tem que ser integrada, nos termos do artigo 10.º do Código Civil, o que impõe o recurso ao regime jurídico do estabelecimento da filiação materna e paterna, na medida em que estando em causa o conhecimento da sua ascendência, os interesses do filho, do neto ou do bisneto são necessariamente idênticos, pelo que se preenche a lacuna com recurso à analogia com o supra referido regime.

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O direito ao estabelecimento da bisavoenga foi recentemente tratado no acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto em junho de 2017, onde o que estava em causa era o direito de um bisneto a ver judicialmente declarado que determinada pessoa, já falecida, era seu bisavô, num contexto em que não se encontrava estabelecida a filiação paterna da sua avó, não estando também, consequentemente, estabelecida a avoenga materna da mãe do autor da ação.

Para a resolução da questão jurídica em causa – direito ao estabelecimento da bisavoenga – o Tribunal da Relação do Porto não encontrou obstáculo no facto de, por exemplo, já se encontrar caduco o direito ao estabelecimento da filiação paterna da avó do autor, na medida em que em causa não estava o direito da avó do autor da ação a instaurar a ação de investigação de paternidade mas sim o direito do autor a ver judicialmente reconhecida a sua ascendência, no caso, a sua bisavoenga, por se estar perante pessoas diferentes e, consequentemente, com direitos diferentes, pelo que não poderá a caducidade do direito da avó do autor determinar a caducidade do direito deste a ver estabelecida a sua bisavoenga.

Este direito de personalidade corresponde a um direito que nasce na esfera jurídica de cada sujeito não estando dependente de direitos pré-existentes na esfera jurídica de outrem não podendo, por isso, ser afetados na sua existência pelo comportamento de terceiros podendo, por isso, ser exercido autonomamente pelo seu titular, sendo certo que o exercício destes direitos de personalidade vai ter reflexos na esfera jurídica dos terceiros, seus ascendentes. Com efeito, o estabelecimento da bisavoenga do autor da ação implica, necessariamente, o estabelecimento da filiação paterna da sua avó e avoenga da sua mãe.

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O Tribunal da Relação considerou a doutrina que sobre esta questão jurídica se tem vindo a pronunciar a propósito da caducidade do direito de investigar a maternidade e a paternidade tendo transcrito, por exemplo, o entendimento de Jorge Duarte Pinheiro constante da obra “O Direito de Família Contemporâneo”, nos seguintes termos: «… ao paralisar totalmente o direito de investigar, por causa de uma atuação censurável do investigante, não contempla a posição de terceiros que possam estar legitimamente interessados no estabelecimento da filiação entre o investigante e o pretenso pai (v.g., dos filhos do investigante: o direito à identidade ou historicidade pessoal não se reduz ao conhecimento e reconhecimento do parentesco no 1.º grau da linha reta).»

Este autor entende que a possibilidade de instaurar uma ação de investigação de paternidade fora dos prazos de caducidade previstos no artigo 1817.º do Código Civil, deverá existir sempre que esteja em causa o “exercício do direito à identidade pessoal e do direito de constituir família”, limitando-se apenas a caducidade prevista neste artigo à obtenção de efeitos sucessórios.

Este entendimento traduz-se, em termos práticos, no afastamento da possibilidade de produção de efeitos patrimoniais resultantes do exercício do direito ao estabelecimento da avoenga e da bisavoenga.

Ou seja, os direitos patrimoniais decorrentes de tal estabelecimento não podem operar na medida em que radicam na esfera jurídica daquele que poderia ser herdeiro, pelo que tendo-se extinguido, por exemplo, pelo não exercício, o direito ao estabelecimento da sua filiação e consequente qualidade de herdeiro, não poderá tal qualidade de herdeiro, mais tarde, ser reconhecida por via indireta, através do direito de representação, a quem pretende ver reconhecida a sua avoenga ou bisavoenga.

No caso dos autos, o reconhecimento da bisavoenga do autor da ação não lhe confere a qualidade de herdeiro, por via do direito de representação da sua falecida avó materna, na medida em que, na esfera jurídica desta, por ter caducado o direito ao estabelecimento da sua filiação paterna, não existiam direitos sucessórios quanto ao bisavô do autor.

De quanto supra exposto resulta que o reconhecimento do direito ao estabelecimento da avoenga ou da bisavoenga tem que conviver com a perda do direito patrimonial na esfera jurídica do ascendente relativamente ao qual terá que se fixar a filiação.

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Concluímos com o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, supra citado, nos seguintes termos:

«Sendo omissa no registo civil a paternidade da avó materna do Autor e tendo já caducado o direito desta e dos seus descentes instaurarem ação de investigação de paternidade – artigo 1817.º do Código Civil -, a ordem jurídica não impede que o Autor, seu neto, peça em tribunal declaração judicial de que ele (neto) é bisneto da pessoa que identifica como pai da sua avó materna.

O reconhecimento da existência do direito de um neto ou bisneto a obter a declaração de que certa pessoa é seu avô ou bisavô, não implica o renascimento de direitos patrimoniais que os seus ascendentes tenham perdido por ter decorrido o prazo estabelecido no n.º 1 do artigo 1817.º do Código Civil, dentro do qual podiam ter instaurado a ação de investigação de maternidade/paternidade».

 

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