As relações afetivas e a exceção da irrazoabilidade da prestação de alimentos a filho maior: o artigo 1905º, nº 2 do Código Civil

As relações afetivas e a exceção da irrazoabilidade da prestação de alimentos a filho maior: o artigo 1905º, nº 2 do Código Civil

Dispõe o artigo 1905º, nº 2 do Código Civil que:

«2 - Para efeitos do disposto no artigo 1880.º, entende-se que se mantém para depois da maioridade, e até que o filho complete 25 anos de idade, a pensão fixada em seu benefício durante a menoridade, salvo se o respetivo processo de educação ou formação profissional estiver concluído antes daquela data, se tiver sido livremente interrompido ou ainda se, em qualquer caso, o obrigado à prestação de alimentos fizer prova da irrazoabilidade da sua exigência.»

No quadro da irrazoabilidade prevista neste normativo, será de considerar como irrazoável a obrigação de um progenitor prestar alimentos a filho maior quando o relacionamento afetivo entre ambos é escasso e pautado por uma relação conflituosa?

Podem o afrouxamento dos laços afetivos e as mágoas familiares serem determinantes para acionamento do quadro de irrazoabilidade prevista no artigo 1905.º n.º 2 do Código Civil?

Chamados a refletir sobre este tema, desde logo, nos surge como possível pensar que um progenitor que não tem contacto regular e proveitoso com o filho não tem uma vontade particular de contribuir para o seu sustento, após a sua maioridade.

A verdade é que mesmo as obrigações legais têm que ser envolvidas nos circunstancialismos de vida próprios de cada caso e não pode deixar de se tomar em conta, para efeitos de fixação do quantum de prestação de alimentos a filho maior, a existência de um relacionamento afetivo distante e pouco compensador.

Assim, caso venha a ser proposta um ação com vista a obter alimentos para filho maior e vindo o progenitor alegar que, não mantendo uma relação afetiva saudável com o filho, não é razoável que tenha que ser obrigado a prestar-lhe alimentos, deverá o tribunal, na decisão que vier a tomar, aferir um conjunto de circunstâncias como seja a razão porque essa relação se deteriorou, quem a causou, qual a culpa efetiva de ambos para a situação existente, a possibilidade de recuperação dessa relação no futuro e, acima de tudo, considerar que a negação de prestação de alimentos poderá vir a comprometer, em definitivo, o reatamento do relacionamento afetivo entre o filho e o progenitor.

No entanto, é nosso entendimento que o tribunal não deverá ser alheio à qualidade e profundidade do relacionamento afetivo em causa e não nos choca que, perante uma relação afetiva deteriorada ou muito fragilizada, o tribunal tome tal em consideração na sentença que vier a proferir, em sede de fixação do quantum da prestação de alimentos, diminuindo o mesmo por via do efetivo afastamento emocional do filho em relação ao progenitor obrigado a alimentos.

As relações familiares e as suas vicissitudes são delicadas por si, quanto mais, quando são discutidas e valoradas por um tribunal e quando em causa está uma matéria que é amplamente delicada como é o caso dos alimentos, mesmo a filhos maiores, pelo que fazer repercutir na decisão judicial a tomar tal circunstancialismo é deveras difícil, até porque se impõe uma cautela acrescida na tomada de decisões neste âmbito, pois pode sempre vir a ter o efeito perverso de os progenitores obrigados a alimentos verem na previsão normativa um escape ao cumprimento da sua obrigação, quando tal não é, de todo, o fim pretendido pelo legislador.

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Alimentos após os 18 anos do filho

Alimentos após os 18 anos do filho

Desde 1 de outubro de 2015, com a entrada em vigor da Lei n.º 122/2015, de 1 de setembro, que a obrigação de pagamento de pensão de alimentos a filhos se mantém após os 18 anos e até que estes completem a sua formação profissional, sendo agora o limite de idade os 25 anos.

Com efeito, a referida Lei n.º 122/2015, de 1 de setembro, aditou um número 2 ao artigo 1905.º do Código Civil, cuja redação é a seguinte:

Para efeitos do disposto no artigo 1880.º, entende-se que se mantém para depois da maioridade, e até que o filho complete 25 anos de idade, a pensão fixada em seu benefício durante a menoridade, salvo se o respetivo processo de educação ou formação profissional estiver concluído antes daquela data, se tiver sido livremente interrompido ou ainda se, em qualquer caso, o obrigado à prestação de alimentos fizer prova da irrazoabilidade da sua exigência.”.

O aditamento deste n.º 2 ao artigo 1905.º do Código Civil teve em conta a necessidade de adaptação à realidade atual, na medida em que, nos dias de hoje, se mostra necessária uma maior formação académica para que se possa obter colocação no mercado de trabalho, o que implica que se prolongue no tempo o período durante o qual os filhos se vêm, por regra, na dependência económica dos pais, apresentando-se como desajustado à realidade o anterior regime legal, em que a pensão de alimentos cessava aos 18 anos de idade.

Acresce ainda que a necessidade de ser o filho, entretanto maior, mas apenas com 18 anos, a intentar uma ação judicial contra o progenitor obrigado a alimentos, por forma a que ficasse judicialmente consagrada a obrigação deste continuar a pagar alimentos, representava um grande constrangimento, quando não um verdadeiro impedimento à efetivação do reconhecimento judicial da obrigação de pagamento de pensão de alimentos após os 18 anos.

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Com o aditamento do n.º 2 do artigo 1905.º do Código Civil, que acima transcrevemos, fica dispensada a necessidade desta ação, mantendo-se a obrigação de prestação de alimentos, fixada na menoridade, até aos 25 anos.

Esta alteração de regime, para além da inovação já mencionada, tem ainda reflexos processuais em matéria de ónus de prova, ou seja, anteriormente, cabia ao filho maior, que intentava a ação judicial contra o progenitor alegar e provar que continuava ainda a sua formação profissional, necessitando, por isso, de alimentos.

Atualmente, o filho maior fica desobrigado da propositura da ação e do ónus de prova, sendo agora o progenitor obrigado a alimentos que terá que intentar uma ação, alegando e provando, que não se encontram preenchidos os pressupostos para a manutenção da obrigação de alimentos.

Assim, o progenitor de filho maior de 18 anos, que não pretenda continuar a pagar pensão de alimentos, deverá alegar e provar que:

- o processo de educação ou formação profissional está concluído ou que,

- o processo de educação ou formação profissional foi, pelo filho, livremente interrompido ou que,

- independentemente da conclusão, ou não, do processo de formação profissional do filho, a exigência da continuação do pagamento da pensão de alimentos é irrazoável.

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A Lei n.º 122/2015, de 1 de setembro previu ainda, que o progenitor que assume, a título principal, o pagamento das despesas de filhos maiores de 18 anos, que se encontram ainda em processo de formação profissional, não sendo, por isso, autónomos no que ao seu sustento respeita, pode exigir, ao outro progenitor, a contribuição para o pagamento das despesas de sustento e educação daqueles.

Em conclusão, se anteriormente à Lei n.º 122/2015, de 1 de setembro, após os 18 anos do filho, a única forma de este manter a pensão de alimentos, seria através de uma ação judicial por si intentada contra o progenitor obrigado a alimentos, atualmente resulta da lei essa obrigação, ou seja, relativamente a todos aqueles que atingiam a maioridade, após 1 de outubro de 2015, continuará a ser devida pensão de alimentos, até que atinjam 25 anos ou completem ou interrompam o seu processo de formação profissional.

Para aqueles que perfizeram 18 anos antes de 1 de outubro de 2015, que continuam a sua formação profissional e não atingiram ainda os 25 anos de idade e o progenitor obrigado a alimentos durante a menoridade deixou de pagar pensão de alimentos, após o filho ter feito 18 anos, abrem-se dois caminhos:

- ou o progenitor que assume, a título principal, o pagamento das despesas do filho exige ao outro a contribuição para essas mesmas despesas, através de uma providência tutelar cível, a correr por apenso ao processo de regulação das responsabilidades parentais que tenha existido (ou que será distribuída autonomamente, se não tiver havido processo de regulação das responsabilidade parentais) ou,

- o filho, agora maior de 18 anos, intenta uma ação executiva especial por prestação de alimentos, sendo o título executivo o acordo homologado ou a sentença que fixou a pensão de alimentos na menoridade.