Família, Crise ou Esperança

Família, Crise ou Esperança

  1. Quando se fala de família, a primeira coisa a ter em conta é o como ela se define. A família, no seu modelo tradicional e jurídico, é constituída pela união de um homem e de uma mulher que, no amor recíproco, garantem a estabilidade necessária à geração dos filhos e a educação integral, até à autonomia de cada um deles. O par humano, o casal, com os seus filhos, constitui o fundamento de toda e qualquer família, família essa que, depois, se vai abrindo às gerações futuras.O mesmo Papa, na Exortação Apostólica, Christifideles Laici diz que a família é um espaço social onde a vida nasce, cresce e se desenvolve até à plenitude da felicidade de todos os seus membros. Então, o grande objectivo da família é a felicidade de todos.
  2. Há no entanto, duas definições de família que vale a pena conhecer. O Papa S. João Paulo II, na Exortação Apostólica, Familiaris Consortio, diz que a família é uma comunhão de pessoas ao serviço da vida para o desenvolvimento da humanidade. Esta definição tem três dinamismos: o da comunhão entre o homem e a mulher e os seus filhos, o do serviço à vida que se transmite e se educa, e o próprio desenvolvimento da humanidade que, com a família, cresce continuamente.
  3. No mundo contemporâneo apareceram muitos modelos de família, alguns deles, porém, conduzindo à destruição da própria estrutura familiar. A família patriarcal mantém a tradição inalterável. A família nuclear assegurou os elementos fundamentais da relação homem e mulher com a complementaridade dos seus filhos. Os outros modelos agora em voga comprometem a família, como referência fundamental no projecto de vida. É o caso da família uniparental, às vezes imprescindível, como acontece em situações de viuvez ou de mães solteiras. Sucede o mesmo com a família pluriparental, e famílias muitas vezes reconstruídas, mas incapazes de suportar as normais tensões do encontro de desconhecidos. Já não se fala de famílias entre pessoas do mesmo género, ou de pessoas sem família. Perante este universo negativo torna-se urgente reflectir sobre a família e tentar encontrar a referência modelo que respeita os valores fundamentais e que abre a porta à felicidade. São poucas as famílias referência na sociedade contemporânea.
  4. A família vive num défice de relações, uma crise centrada na negação das suas características fundamentais: a liberdade, a fecundidade e a felicidade. Há muitas famílias em que alguns dos seus membros perderam completamente a sua dignidade, pela perda da liberdade a que têm direito. Daqui, por exemplo, a violência doméstica. A fecundidade é hoje limitadíssima, fica-se muitas vezes num filho único ou no “casalinho”. É sabido que Portugal tem o índice de natalidade mais baixo de toda a Europa. No que se refere à felicidade, a falta de amor é frequente, com o divórcio, a separação, o contrair de outras relações. É esta rotura de unidade que compromete definitivamente a família. O processo educativo dos filhos também deixa muitas vezes a desejar. Os pais têm muito trabalho profissional, as casas estão vazias, os mais velhos foram colocados em residências meramente assistenciais. É esta crise de família, com todos estes contornos, que preocupa o Papa Francisco e o levou a convocar dois sínodos sobre a família. O documento conclusivo dos sínodos, a Exortação Apostólica, Amoris Laetitia ajuda a repensar a família em todos os seus aspectos. É tempo de renovarem-se as estruturas familiares, a ponto de estas se tornarem fonte de alegria no amor, razão de felicidade no sorriso das crianças, coragem e serenidade no tempo do sofrimento e referência em todas as situações da vida.
  5. Notam-se actualmente esforços positivos para levar a família ao lugar que sempre ocupou na vida das pessoas. Não pode esquecer-se a importância de ter uma mãe e um pai a quem se recorre sempre nas horas boas e nas mais difíceis. Reafirma-se a ternura de ver a continuação da vida no olhar de uma criança. É de sublinhar o carinho dos avós com missão específica de apoiar os pais na educação dos filhos. Voltar a dar à família esta missão é indiscutivelmente razão de esperança.É com alegria que se repara que há hoje uma melhor preparação para a constituição das novas famílias. Sobretudo as igrejas, católica e outras igrejas cristãs, fazem um esforço muito grande no acompanhamento dos jovens a partir dos primeiros namoros. Quando os jovens começam a viver um amor comprometido multiplicam-se cursos, sessões de estudo e tempos de oração, para que de uma maravilhosa relação afectiva possa nascer uma família cristã. A preparação para o casamento já se não preocupa exclusivamente com as características da festa. O grande acontecimento, o sacramento do Matrimónio, celebra-se na igreja com enorme exigência. Depois, estão a mudar os critérios da fecundidade. Há muitos casais novos com três e mais filhos o que é revelador da sua responsabilidade social. No tempo das normais crises, psicólogos e sacerdotes, ajudam a vencer as normais dificuldades do amor. Finalmente o processo educativo desenvolve-se de uma maneira responsável em muitos casos até à autonomia completa dos jovens que constroem a sua família. Podemos dizer que é um tempo de esperança. Assim sendo, longe de dizer mal das famílias, cada cidadão tem que contribuir à sua maneira para dar à família o lugar que lhe compete na construção de uma sociedade justa e fraterna.

Maio de 2017

Padre Vitor Feytor Pinto

Pároco da Igreja do Campo Grande

TODA A CRIANÇA QUER VIVER EM FAMÍLIA – os colos da lei

TODA A CRIANÇA QUER VIVER EM FAMÍLIA – os colos da lei

Paulo Guerra Juiz Desembargador

1.Todos sabemos que toda a criança precisa de um colo seguro a que se vincule e de uma parentalidade positiva, viva e militante, que alie doses de ternura, firmeza e bom trato.

Na promoção de direitos e na protecção da criança em perigo deve ser dada prevalência às medidas que a integram numa família - ou seja, na lei já não se fala «na sua família», mas apenas em «família», seja ela qual for, desde que enriquecedora e nutritiva do seu corpo e do seu espírito.

No fundo, o que se quer é dar o primado à vivência em família em detrimento da colocação de uma criança em acolhimento residencial.

O princípio da prevalência da família terá que ser entendido não no sentido da afirmação da prevalência da família biológica a todo o custo, mas sim como o assinalar do direito sagrado da criança à família, seja ela a natural (se for possível, devendo, neste campo, o Estado ser capaz de acompanhar as famílias biológicas, ajudando-as a superar o perigo em que vivem as suas crianças), seja a adoptiva, reconhecendo que é na família que a criança tem as ideais condições de crescimento e desenvolvimento e é aquela o centro primordial de desenvolvimento dos afectos.

2. Mas uma criança pode viajar para o colo de outras pessoas sem ser pela adopção – existem outros caminhos, menos radicais, que podem até coexistir com alguma parte do exercício das responsabilidades parentais ainda nas mãos da progenitura biológica.

E esses caminhos são trilhados pela legislação portuguesa – podemos estar a falar de limitações do exercício das responsabilidades parentais, de tutelas, de apadrinhamentos civis ou de medidas de promoção e protecção.

3. O acolhimento familiar de crianças está previsto como uma das medidas protectivas aplicáveis pelas Comissões de Protecção e pelos Tribunais aquando da constatação de que uma criança está em perigo.

E sabemos que este é um momento charneira neste país – a lei quer que as crianças até aos 6 anos vivam em famílias de acolhimento se tiverem de ser separadas de seus pais, de forma provisória.

Esta medida do acolhimento familiar apresenta imensas vantagens e benefícios em relação ao acolhimento residencial, como por exemplo, o permitir à criança/jovem a vivência numa família estruturada e equilibrada, em oposição ao acolhimento residencial onde, inevitavelmente, as relações individualizadas ficam seriamente comprometidas e onde não existe um modelo familiar que a criança/jovem possa vivenciar e modelar-se; mas sim um modelo institucional, com enorme rotatividade de cuidadores, rotinas e actividades (quase) sempre de carácter grupal e onde o espaço íntimo – pessoal e relacional – é bastante difícil de ser promovido.

Contudo, este último não deve ser diabolizado – vai, infelizmente, continuar a ser necessário para algumas situações, devendo ser apoiado a elevar a sua acção e capacidade de actuação cada vez mais especializada e orientada para objectivos terapêuticos, com equipas mais preparadas e apoio à supervisão e formação, alteração dos rácios criança/cuidador, tal se conseguindo também com a reformulação dos apoios e dos projectos de intervenção.

Já temos leis e portarias que regulamentam a lei, venham agora as manifestações de vontade dos cidadãos anónimos que densifiquem e multipliquem as bolsas de famílias de acolhimento – neste momento, com números muito baixos a rondar os 2,7% - que possam receber em suas casas as nossas crianças em perigo, fazendo delas a sombra dos seus dias e não apenas um lugar a mais nas suas mesas.

Há que louvar o esforço recente, neste particular, da SCML e do ISS.

Aguardamos melhores números.

4. Não nos esqueçamos de uma outra providência tutelar cível que pode albergar uma criança ao colo e à sombra da lei.

Falo do Apadrinhamento Civil, regulado, em termos substantivos e processuais, pela Lei n.º 103/2009, de 11 de Setembro (diploma já revisto pela Lei n.º 141/2015, de 8/9).

A lei em causa está regulamentada pelo DL n.º 121/2010, de 27/10, alterado pela Lei n.º 2/2016, de 29/2.

É um instituto para a vida, não cessando aos 18, 21 ou 25 anos, tal como uma medida de promoção e protecção, e é mais ampla que a tutela e menos ampla que a adopção, criando uma relação para-familiar apenas baseada no afecto e em qualquer remuneração.

A ideia é manter os pais que são minimamente capazes na vida dos seus filhos: só que essas crianças precisam de mais do que têm, carecendo de mais afecto e segurança. Não é um «em vez de» mas um «a mais».

E a criança, em vez de estar entregue a uma casa de acolhimento, pode ter uma família - os padrinhos – que fica com a parte maior do exercício das responsabilidades parentais. E os pais continuam a ser os pais, ainda com a titularidade dessas responsabilidades, mantendo um núcleo de direitos.

E também pode ser uma solução para prevenir a residencialização de crianças em casas de acolhimento, levando a que haja gente idónea que as receba no seu lar, embora não como «filhos legais», e que lhes proporcione um continuado e mais perpétuo acolhimento familiar que, já sabemos, é tão gratificante para o desenvolvimento de qualquer ser humano.

A providência tutelar cível em causa aí está – e desde há dez anos - no menu das respostas ao perigo em que pode viver uma criança, e quer ser bem aplicada.

Continuo a acreditar que o Apadrinhamento Civil veio para ficar – é mais um instrumento jurídico que atribui a confiança de crianças a terceiros, com vínculo afectivo e legal.

Mais um. De muitos.

Pode não ter até agora acolhido muitas crianças.

Contudo, existe e a ele pode ser lançada mão sempre que a situação do concreto João ou da concreta Maria assim o exigir.

Aguardemos também melhores números e estatísticas no futuro.

E passem palavra pois não duvido que nunca foi feito qualquer esforço estatal real para publicitar este instituto pensado e construído no «meu» saudoso Observatório Permanente da Adopção de Coimbra.

5. Vivemos o mês passado um tempo especialmente pensado para invocar a problemática dos maus tratos à infância.

A condição da Criança – assumindo-se numa cultura própria precisamente pelo facto de ser diferente em idade e desenvolvimento/maturidade - vive muito acima das ideias político-partidária da nossa polis. É um imperativo categórico que se impõe à nossa Civilização como parte integrante dela.

Assumamos de vez que:

           6. Vamos continuar em clima de tolerância zero – pensar e agir futuramente como se estivéssemos sempre em estado de emergência, porque proteger crianças em perigo é, de facto, uma tarefa de emergência e como tal deve ser encarada (fazer menos piscinas e menos estradas e dedicar mais recursos financeiros para este desiderato).

           Estando atentos todos os dias, todos os meses e todos os anos, agiremos com a noção clara e indesmentível de que as crianças não se importam com o quanto tu sabes até saberem o quanto tu te importas (com elas).

           A sociedade saberá erguer-se e permanecer solidária - temos todos de estar permanentemente acordados pois essa é a nossa luz, aquela que ilumina os casarios e vigia as crianças no seu sono.

O sistema tem a sua porção de Poder na mão, mesmo trabalhando com consensos e consentimentos bem expressos (o caso das CPCJ).

Mas não tenhamos ilusões – o Poder só é necessário para fazer o Mal.

Para fazer tudo o resto, muitas vezes, basta o AMOR (um outro nome para o afecto, um valor jurídico constitucional em Portugal).

Porque acolher uma criança em nossa casa, seja qual for a capa legal que usemos, é um passo de gigante para a nossa elevação civilizacional, ao som dos mecanismos dos afectos, aqueles que, como nos ensinou António Alçada Baptista, irão moldar o nosso devir e cimentar as âncoras de segurança de qualquer Criança.

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A situação atual e os seus reflexos no Direito da Família

A situação atual e os seus reflexos no Direito da Família

Ninguém nega que a situação de confinamento em que nos encontramos tem reflexos profundos em todos os campos da nossa vida, nomeadamente, no quadro do núcleo familiar.

As pessoas e as famílias vivem tempos de incerteza, de angústia, de dificuldades financeiras e o isolamento forçado que tem que ser cumprido passa fatura, do ponto de vista psicológico.

Todos estamos mais irritados, mais cansados, mais angustiados, mais temerosos.

Não são fáceis os desafios que somos chamados a superar.

Hoje, os pais estão em teletrabalho e têm os filhos em casa, a ter aulas à distância, tendo uma sobrecarga emocional grande e que, em cada dia, por repetição, se torna desgastante.

O lar que, antes era um ponto de recolhimento familiar, tornou-se um local onde conflui família, trabalho e aulas à distância e esta convivência forçada, nos termos abruptos em que se instalou, levou a que núcleos familiares estáveis não aguentem a pressão instalada.

Nós, advogados de Família, temo-nos vindo a aperceber que vai aumentando o número de pessoas que nos consultam, para se esclarecerem sobre o divórcio e todas as questões conexas, como seja a utilização do lar conjugal, as pensões de alimentos, a regulação das responsabilidades parentais, as partilhas, etc.

Também temos vindo a ser confrontados com pedidos de redução de pensões de alimentos, em vista da degradação da situação profissional dos progenitores e, também, com ações executivas resultantes de incumprimentos do regime de regulação das responsabilidades parentais.

Sem dúvida que a crise pandémica tem tido efeitos na família e, por isso, os problemas surgem, nomeadamente, cai um silêncio ensurdecedor sobre as vítimas de violência doméstica que, fruto do confinamento, têm que conviver diariamente com o agressor.

E, se pensarmos nas restrições que existem nas viagens internacionais, com restrição de movimentos transfronteiriços, percebemos os reflexos que tal tem em famílias que haviam apostado por uma nova vida no estrangeiro e que, fruto desta situação pandémica, tiveram que adiar esta nova fase nas suas vidas, com tudo o que isso implica, nomeadamente, ao nível económico e, também por isso, o desgaste relacional que estas situações acabam por produzir.

Em termos internacionais, não podemos esquecer as decisões unilaterais que um progenitor toma em relação aos filhos de mudar de país e, assim, se inicia um processo difícil e traumatizante para as crianças que, de repente, se vêm sem a presença de um dos pais, sem saberem porquê e, esta realidade, também nos chega e nos leva a ter que tratar de processos de rapto internacional.

Ou seja, a situação de pandemia criou uma convulsão no seio da família e, consequentemente, os advogados são chamados, cada vez mais a intervir, para ajudar a resolver os problemas jurídicos que existem e, desta forma, tentar que a paz retorne.

Porque a situação de confinamento tem repercussões ao nível do funcionamento dos tribunais, nós, advogados, somos chamados a procurar, por via consensual, a resolução dos diferendos existentes, a bem da família que, apesar de desunida, continuará pela vida a ter laços.

Trata-se de um esforço negocial que nos leva a procurar formação, nomeadamente, ao nível da mediação, como ferramenta de ajuda para melhor e mais ajudar quem nos procura, tentando que o encerramento dos tribunais não tenha um impacto tão grande e obste a que se chegue a uma solução final.

É evidente que a situação de encerramento também não ajuda os processos que correm em tribunal e que, neste momento, estão suspensos, porque não são processos urgentes e, por isso, não correm, não avançam, com todos os prejuízos que tal causa.

Sabemos que os tribunais fazem um esforço meritório para resolver, da melhor maneira possível, os processos que ficam atrasados e que se acumulam mas a verdade é que a realidade quotidiana de uma família, que se está a degradar, não pode esperar pelo tempo necessário à recuperação do trabalho que está atrasado.

Assim, temos vindo a, cada vez mais, procurar solucionar por consenso, procurando que as partes se envolvam cada vez mais e procurando, através do diálogo, conseguir que o que não era negociável possa ser equacionado, que o que era zanga se transforme em lucidez e vontade de seguir em frente, com os assuntos jurídicos resolvidos por consenso.

Temos sentido cada vez mais esta necessidade, por tudo quanto supra exposto e, também, porque a realização das diligências por meios telemáticos, por muito boa vontade que exista, não é o mesmo que as diligências presenciais, especialmente nos processos que envolvem menores.

Assim, também por esta razão maior, temos vindo a desenvolver cada vez mais as nossas competências no quadro da negociação, da mediação, do crescimento pessoal, que nos ajuda a ser melhores advogadas.

Este tempo de confinamento, para nós, tem sido um tempo intenso de formação profissional e de procura de meios alternativos para se encontrar uma solução consensual.

Um advogado de Família tem que ser uma pessoa próxima dos seus constituintes, pronta a ouvir e a ajudar, pronta a resolver e pronta a consensualizar.

Este é um caminho que seguimos, com formações, nomeadamente, nos Estados Unidos da América e onde percebemos que é possível resolver os assuntos jurídicos de família sem conflito construindo criativamente, com todos os envolvidos, uma solução final global digna e válida que mantenha o respeito para o futuro.

Vamos continuar a aprender e a falar sobre as vantagens de resolver os dissensos por consensos alargados, porque somos conscientes que o Direito da Família tem uma transcendência real na sociedade e nas relações futuras e queremos estar do lado da solução construtiva, sempre que possível.

Acreditamos que haverá mais saúde mental se os assuntos de Direito da Família, sempre que exista perfil das partes para isso, forem resolvidos entre as pessoas, falando e dialogando construtivamente e, para isso, os advogados de Família têm que aportar essa positividade ao tratamento do assunto e esse é o futuro que estamos a construir.

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A Importância de ter Avós

A Importância de ter Avós

Dou graças a Deus por ainda ter conhecido os meus quatro avós e por ter privado com os mesmos momentos dos quais guardo óptimas memórias.

Embora fosse pequeno quando partiu, sete anos para ser exacto, lembro-me vivamente do meu avô João. A sua boa disposição e paciência para crianças eram características que lhe faziam uma pessoa excepcional. Médico de profissão e vocação recordo-me bem de brincar com os seus materiais de trabalho e fingir que lhe dava consultas. Divertíamo-nos muito.

A minha avó Flor transmitiu-me uma boa disposição sem igual que ainda hoje se faz sentir apesar dos seus 90 anos de idade e ensinou-me o valor de uma boa anedota acompanhada com uma boa gargalhada. Se tenho bom humor sei perfeitamente de quem o herdei.

O meu avô Luís, que também já partiu há relativamente pouco tempo, marcou-me muito pela sua cultura geral e ensinou-me a apreciar os pequenos prazeres da vida.

A minha avó, Petita, transmitiu-me os valores da Fé, da coragem e da piedade. Foi ela quem me apresentou à Igreja e por conseguinte aos códigos morais que procuro seguir.

Cada um desempenhou o seu papel de uma maneira ou de outra, e eu não poderia estar mais contente pela maneira como o desempenharam.

 Comecei com uma nota mais pessoal para evidenciar que os avós são construtores da nossa identidade. Não entrei em medicina como ambos os meus avôs, nem sei se sou tão engraçado como a minha avó Flor, ou então pio como a avó Petita, mas quero pensar que herdei as qualidades de cada um.

O papel dos avós é este mesmo. Através da sabedoria capitalizada por muitos anos de experiência que sejam transmissores dos valores e das lições que forma o carácter dos seus netos. Pois, quando com a idade a força nos falha, que a sabedoria nos valha.

Desde criança que me ensinaram que os avós são pais a dobrar. A dada altura compreendemos a verdade deste ensinamento quando experienciamos o seu carinho a dobrar. Por ventura não são tão exigentes como os pais, mas dão certamente o dobro dos mimos.

O papel educativo dos pais deve estar sempre correlacionado com um certo nível de exigência. O que não é mau e muitas vezes é necessário na formação de carácter, mesmo que custe a ambas as partes. Porém os avós já passaram por isso e nessa medida parecem querer ser mais brandos com os seus netos. Dessa maneira são importantes educadores para o humanismo.

Considerando a família como a célula central da sociedade, é de extrema importância sabermos escutar quem habita esta Terra há mais tempo. Apesar dos choques geracionais e da conflitualidade de valores é de extrema importância que saibamos cuidar da memória daqueles que cuidaram de nós e para além de cuidar da memória cuidarmos deles.

Num tempo em que atribuímos cada vez mais à vida humana uma visão utilitarista, mais preocupada com o que se produz do que o que se ensina, é relevante prestarmos atenção às necessidades dos avós. Estarmos na linha da frente do cuidado e acompanhá-los, não deixá-los ao abandono e à sorte. Bons avós nunca fariam isso a um neto em necessidade, logo a melhor maneira de lhes agradecer pela sabedoria transmitida em cuidando em vida e honrando a memória.

Um papel importantíssimo dos avós que eu não posso deixar de mencionar, trata-se da transmissão dos valores da tradição familiar. Ritos e histórias são os elos de ligação de povos, de nações, de comunidades e sobretudo de famílias.

Sempre fui interessado nas histórias de família. Não falo apenas dos feitos históricos e dos pergaminhos de antepassados distantes, falo das histórias de festas, episódios cómicos, episódios trágicos, que os avós puderam testemunhar e que por conseguinte são fonte histórica por excelência.

É nos possível olhar para os documentos e aprendermos sobre a história da família, mas para compreender a família é necessário falarmos com os nossos pais, tios e avós. Apesar das diferenças que temos dos nossos pais, umas mais profundas que outras, somos frutos da educação e da genética que nos atribuem.

Ao compreendermos os nossos pais podemos compreender-nos melhor. E a melhor maneira de compreender os nossos pais é compreendendo melhor os nossos avós e dessa maneira compreendemos melhor a família como um todo.

Ao compreender melhor a família como um todo atribuímos às tradições e aos ritos um significado mais profundo, desejando conservar os jantares de Domingo, os Natais e as Páscoas em família.

Muitos avós no Mundo, devido aos acontecimentos recentes, ficaram privados de estarem próximos da sua descendência. Apesar de todo o flagelo que isto nos causou, apenas podemos esperar que o desejo de reunião e da retoma dos ritos tenha ficado fortalecido, porque muitas vezes só sentimos falta do que não temos.

E há-de chegar o dia em que ficarei sem avós, e sentirei a falta de todos, como já sinto do Avô João e do Avô Luís. Mas seria uma tolice minha acreditar que não os posso consultar.

Os ensinamentos e as memórias ficam e no coração dos netos hão-de habitar um lugar especial, vivendo em nós para sempre.

Salvador Sommer Sacadura

Estudante, 21 anos

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A importância da presença da família na vida dos idosos

A importância da presença da família na vida dos idosos

A propósito do assunto do envelhecimento, bastante falado nos dias de hoje e da situação que vivemos actualmente, relacionada com o novo corona vírus e a forma como nos apanhou a todos desprevenidos, cheios de preocupação em relação a determinados aspectos da nossa vida e da vida dos nossos entes queridos, falo um pouco da experiência que tenho num campo particularmente especial e que toca a todas as pessoas de uma forma ou de outra: Os idosos institucionalizados.

As instituições de apoio a idosos como centros de dia ou lares, constituem um suporte formal na prestação de serviços à pessoa de idade maior, garantindo cuidados indispensáveis a uma vida digna mas muitas vezes não substituem os cuidados informais prestados pela família. O acompanhamento, o amor, o carinho, etc. Não pelo facto de não investirem cada vez mais neste âmbito, porque o fazem, mas pelo facto de a nossa família… ser a nossa família! E de ter um peso e uma influência extremamente importante neste assunto do envelhecimento.

À medida que envelhecemos temos tendência a apresentar capacidades regenerativas decrescentes que nos levam a uma maior vulnerabilidade e predisposição ao declínio funcional, com elas ocorrem também mudanças físicas e emocionais que comprometem a nossa qualidade de vida.

O envelhecimento é um processo biológico normal mas existe uma tendência a rejeitá-lo pois está ainda muito associado à doença, incapacidade e tristeza. Cada vez temos mais pessoas idosas que nesta etapa da vida precisam do apoio dos seus familiares assim como o apoio da sociedade para garantir a qualidade de vida na terceira idade.

Um dos principais problemas associados ao envelhecimento de que todos temos conhecimento, é o isolamento social e o sentimento de solidão. É uma fase da vida em que a pessoa idosa precisa de se sentir valorizada, viver com dignidade e com o carinho da família. As necessidades afectivas nesta fase não são diferentes daquelas que temos noutras fases da vida, como a realização, a alegria, o amor o sentimento de pertença à sociedade.

Estes sentimentos provenientes da relação com os outros fortalecem a pessoa para enfrentar as dificuldades e combater stress, ansiedade, e os desafios diários com que se depara permitindo assim uma melhor qualidade de vida e o equilíbrio psicológico, tão importante para a não desestruturação da personalidade.

As relações familiares assumem um papel importante neste processo de envelhecimento. Durante a vida conseguimos muitas vezes mascarar a ausência da família com o trabalho, os amigos, as férias, os afazeres domésticos, etc. mas acredito que na terceira idade a família assume uma importância impossível de encobrir.

Tem um peso fundamental e necessário mesmo que não nos apercebamos disto. Nesta fase da vida não são as poupanças que temos, os bens que adquirimos ou a casa que conseguimos construir que importam, mas sim o apoio e o amor que temos daqueles que nos são próximos, que nos querem bem e que não nos deixam ficar desamparados ou viver na solidão.

As famílias, na conjuntura actual, não têm muitas vezes condições para cuidar dos seus familiares idosos em situação de incapacidade física e/ou psicológica pois, muitas vezes, estes exigem um acompanhamento permanente, de 24 horas por dia. Algumas pessoas sentem-se impotentes e frustradas por não conseguirem assistir os seus pais, avós, irmãos, como gostariam e chegam a ter algum preconceito em relação à institucionalização. É preciso desmistificar o conceito de “Lar”.

Os Lares são muitas vezes a opção ideal que dá este apoio quer ao utente quer aos seus cuidadores habituais. Na minha opinião a institucionalização deve ser dos últimos recursos a serem tomados, no entanto, não se deve culpabilizar a família por fazê-lo, como se de um abandono se tratasse. Deve ser valorizada a permanência da pessoa idosa em casa, junto da família mas sabemos que em muitos casos é bastante difícil.

Por outro lado, é fácil haver um afastamento quando a pessoa é de facto institucionalizada e é aqui que falhamos! É fácil envolvermo-nos nas nossas rotinas atarefadas que se dividem entre o trabalho, os filhos, as actividades extra-curriculares, os trabalhos domésticos, o trânsito que nos rouba tempo e por aí fora e não nos lembrar-mos, às vezes, que do outro lado temos o nosso pai, a nossa mãe ou avó, à espera de uma visita, de um telefonema com apenas um beijinho para receber.

Provavelmente estiveram todo o dia a pensar em nós, a desejar que nos corresse bem o dia e que não chegássemos ao final cansados e sem energia.

Mais fácil é ainda afastarmo-nos, mesmo que involuntariamente, quando percebemos que as capacidades intelectuais do nosso familiar estão diminuídas ao ponto de não lembrar o nosso nome ou não nos reconhecer e pensarmos que “se hoje não for lá” ou “se hoje não telefonar” nem vai perceber… Mas vai!

Embora não saiba o meu nome, embora já não se lembre quem sou, sentirá sempre o amor que tenho para lhe dar, assim como sentirá a falta dele. O apoio familiar na forma de amor, afecto e cuidado faz a pessoa idosa acreditar que é amada e estimada e esta atitude pode causar efeitos positivos na sua saúde. É muito importante que tenhamos esta noção sempre presente.

Estamos actualmente a viver uma situação diferente em que somos obrigados a ficar fisicamente afastados dos nossos familiares institucionalizados, não por uma questão de distância, falta de tempo ou vontade mas por uma questão de protecção da sua saúde à partida mais fragilizada.

E muitas vezes não procuramos saber até que ponto esta situação é entendida por eles e os deixa com a certeza de que não estão a ser abandonados mas sim que os contactos apenas podem ser feitos à distância de um telefonema ou de uma parede de acrílico para sua segurança.

Esta é uma fase em que temos de ter mais presente ainda a nossa importância enquanto família e tentar perceber de que forma toda esta situação é entendida por eles.

É preciso percebermos o que os faz sentir, o que pensam sobre o assunto, é preciso comunicar de forma clara para que também as suas preocupações sejam controladas, pois vivem num ambiente “fechado” em que muitas vezes não têm a noção real daquilo que se passa fora destas portas.

O acompanhamento e a comunicação têm agora extrema importância para a pessoa idosa. Pelo contrário o afastamento nesta fase e o sentimento de preocupação que recai sobre estes idosos pode levá-los a uma tristeza profunda e promover a ansiedade, os sentimentos depressivos, que por sua vez levarão à falta de ânimo, de apetite e terão obviamente reflexos nocivos na sua saúde física e mental.

Lembremo-nos que nem sempre teremos energia e juventude, que mais tarde todos precisaremos de ajuda, compreensão e o apoio dos nossos filhos, irmãos ou sobrinhos.

Não sendo o amor um imposto que possamos cobrar, trabalhamos para que cada vez mais a sociedade se consciencialize de todos estes aspectos e que cada um possa e procure assumir uma responsabilidade enquanto familiar, de cuidar e acompanhar quem cuidou de si um dia e que vê agora os papéis invertidos dependendo dos seus descendentes.

Lúcia Pestana

Técnica Superior de Animação Sociocultural, há 8 anos, num Lar de 3ª Idade em Lisboa.

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Contributo do Dr. António José Fialho, Juiz de Direito do Tribunal de Família e Menores do Barreiro

Contributo do Dr. António José Fialho, Juiz de Direito do Tribunal de Família e Menores do Barreiro

É previsível que o estado de emergência decretado se vá prolongar por mais quinze dias e que as medidas de contingência e de isolamento social se prolonguem ainda por mais algum tempo.

Os tribunais estão em regime de emergência desde o passado dia 12 de Março, estando a realização do serviço restringida aos actos processuais urgentes e em que esteja em causa o exercício de direitos fundamentais.

Ao mesmo tempo, foram sendo desenvolvidas ferramentas no sentido de melhorar o teletrabalho, quer por parte dos magistrados que já dispunham dessa possibilidade pelo uso da ferramenta VPN, bem como pelos advogados, estando em fase de alargamento para os funcionários judiciais.

A palavra de ordem é diminuir a concentração de pessoas por sabermos que é um risco acrescido de contágio relativamente a uma doença que nos atinge a todos mas, principalmente, vai atingir a nossa forma de trabalhar, de estar e de viver.

A reflexão que quero deixar aqui é principalmente dirigida a todos aqueles que exercem a sua actividade profissional na jurisdição da família e das crianças, ou melhor dizendo, um desafio para que a nossa vida profissional não fique parada, à espera de melhores dias que certamente virão mas cujo horizonte temporal ainda não é possível definir.

Em primeiro lugar, estando todos os serviços de atendimento encerrados e procurando evitar-se o contacto social, não será possível um esforço adicional entre todos e, principalmente entre os advogados, no sentido de promoverem a realização de acordos em processos que irão estar muito tempo à espera de uma solução, assumindo os tribunais o compromisso de dar prioridade a esses processos para que a situação jurídica dessas crianças seja resolvida sem esperarmos pelo fim da pandemia ?

Em segundo lugar, numa fase mais estável da organização dos meios, não será possível a realização de actos e diligências processuais com recurso a meios de comunicação à distância que nos garantam a segurança mas, ao mesmo tempo, permitam a realização desse acto processual para que o processo avance e os advogados possam ir exercendo o seu múnus de representação jurídica?

Em terceiro e último lugar, não será possível que, nos casos em que esteja em causa a realização de uma audiência de julgamento e a lei processual o permita, sejam utilizados os mecanismos de comunicação à distância ou, preferencialmente, os depoimentos escritos (como está a suceder nas acções cíveis ou de família na Alemanha), eventualmente com a apresentação de alegações escritas e posterior prolacção da decisão final?

É um desafio para todos nós (juízes, magistrados do Ministério Público, advogados e funcionários judiciais) mas não é nada que não esteja a ser ponderado noutros países, muitos deles com menos condições técnicas daquelas que temos em Portugal, procurando obviar ou reduzir os efeitos perversos de uma paragem dos processos durante um tempo que nenhum de nós consegue ainda prever.

Pensem nisso … e se quiserem partilhar esta minha ideia com quem tem o poder de decisão, deixo aqui expressamente a minha autorização para o efeito.

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