Contributo do Dr. António José Fialho, Juiz de Direito do Tribunal de Família e Menores do Barreiro

Contributo do Dr. António José Fialho, Juiz de Direito do Tribunal de Família e Menores do Barreiro

É previsível que o estado de emergência decretado se vá prolongar por mais quinze dias e que as medidas de contingência e de isolamento social se prolonguem ainda por mais algum tempo.

Os tribunais estão em regime de emergência desde o passado dia 12 de Março, estando a realização do serviço restringida aos actos processuais urgentes e em que esteja em causa o exercício de direitos fundamentais.

Ao mesmo tempo, foram sendo desenvolvidas ferramentas no sentido de melhorar o teletrabalho, quer por parte dos magistrados que já dispunham dessa possibilidade pelo uso da ferramenta VPN, bem como pelos advogados, estando em fase de alargamento para os funcionários judiciais.

A palavra de ordem é diminuir a concentração de pessoas por sabermos que é um risco acrescido de contágio relativamente a uma doença que nos atinge a todos mas, principalmente, vai atingir a nossa forma de trabalhar, de estar e de viver.

A reflexão que quero deixar aqui é principalmente dirigida a todos aqueles que exercem a sua actividade profissional na jurisdição da família e das crianças, ou melhor dizendo, um desafio para que a nossa vida profissional não fique parada, à espera de melhores dias que certamente virão mas cujo horizonte temporal ainda não é possível definir.

Em primeiro lugar, estando todos os serviços de atendimento encerrados e procurando evitar-se o contacto social, não será possível um esforço adicional entre todos e, principalmente entre os advogados, no sentido de promoverem a realização de acordos em processos que irão estar muito tempo à espera de uma solução, assumindo os tribunais o compromisso de dar prioridade a esses processos para que a situação jurídica dessas crianças seja resolvida sem esperarmos pelo fim da pandemia ?

Em segundo lugar, numa fase mais estável da organização dos meios, não será possível a realização de actos e diligências processuais com recurso a meios de comunicação à distância que nos garantam a segurança mas, ao mesmo tempo, permitam a realização desse acto processual para que o processo avance e os advogados possam ir exercendo o seu múnus de representação jurídica?

Em terceiro e último lugar, não será possível que, nos casos em que esteja em causa a realização de uma audiência de julgamento e a lei processual o permita, sejam utilizados os mecanismos de comunicação à distância ou, preferencialmente, os depoimentos escritos (como está a suceder nas acções cíveis ou de família na Alemanha), eventualmente com a apresentação de alegações escritas e posterior prolacção da decisão final?

É um desafio para todos nós (juízes, magistrados do Ministério Público, advogados e funcionários judiciais) mas não é nada que não esteja a ser ponderado noutros países, muitos deles com menos condições técnicas daquelas que temos em Portugal, procurando obviar ou reduzir os efeitos perversos de uma paragem dos processos durante um tempo que nenhum de nós consegue ainda prever.

Pensem nisso … e se quiserem partilhar esta minha ideia com quem tem o poder de decisão, deixo aqui expressamente a minha autorização para o efeito.

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A regulação das responsabilidades parentais e o estado de emergência

A regulação das responsabilidades parentais e o estado de emergência

No passado dia 18 de março de 2020, foi decretado o estado de emergência no nosso País, através do Decreto do Presidente da República n.º 14-A/2020, de 18 de Março.

O Decreto do Conselho de Ministros n.º 2-A/2020, de 20 de Março, que entra em vigor às 00:00 do dia 22 de Março de 2020, procede à sua execução, em todo o território nacional, estabelecendo um conjunto de determinações que cumpre acatar.

Existe uma restrição clara do direito de circulação das pessoas, sendo que ficaram acauteladas as deslocações para efeitos de cumprimento da partilha de responsabilidades parentais, nos termos que se encontrem fixados nos acordos ou nas decisões que regulem o exercício das responsabilidades parentais relativas aos menores.

Ou seja, os pais podem deslocar-se com os menores para os entregarem ao outro progenitor, não havendo restrição de circulação em relação a tal, exatamente porque é imperioso o convívio entre os menores e os pais, devendo este convívio ser preservado o mais possível.

Deste modo, não é justificado o incumprimento do regime de responsabilidades parentais que tenha sido acordado entre os progenitores ou, na falta de acordo, que tenha sido fixado pelo tribunal, com base na existência de uma restrição geral de circulação durante o período de vigência do estado de emergência no nosso país.

Resolvida que ficou esta questão que, nos últimos dias, tantos diferendos tem suscitado entre os progenitores, importa ainda esclarecer que, na situação que se vive, que é de saúde pública, a decisão sobre a entrega do menor ao outro progenitor nunca poderia ser decidida apenas por um dos pais.

Esta decisão, no quadro em que vivemos, pelas implicações que a deslocação do menor pode ter na sua saúde e, também, na saúde dos seus familiares seniores não pode deixar de constituir uma questão de particular importância na vida do menor, equivalendo tal a dizer que a decisão de não entrega do menor ao outro progenitor terá sempre que ser tomada por consenso entre os dois progenitores, pois ambos são chamados a decidir, não podendo apenas um deles decidir.

A decisão de apenas um dos progenitores seria suficiente se esta questão de entrega ou não entrega do menor pudesse ser configurada como um ato da vida corrente do menor, o que não é o caso.

Assim, não é aceitável, porque não é conforme à lei, o envio de uma comunicação por parte de um progenitor ao outro, informando-o que não entregará o menor, para que este se mantenha recolhido em casa.

Conforme referido, tal tem que ser decidido por ambos os progenitores, pois de outro modo, a imposição de um progenitor ao outro, da suspensão do regime de convívios constituirá um incumprimento do regime de regulação das responsabilidades parentais que esteja em vigor.

Com efeito, os pais que têm o dever de zelar pela saúde dos filhos, têm que tomar uma decisão conjunta, de forma ponderada e colocando os interesses do menor antes dos seus próprios interesses (e guerras).

Mais do que nunca, os pais devem estar unidos na salvaguarda da saúde dos filhos e, na decisão a tomar, devem ponderar todas as circunstâncias que envolvem esta deslocação, nomeadamente, a localização geográfica da casa do outro progenitor e a situação que, nessa concreta zona se vive em termos de propagação do vírus, o número de pessoas que habitam nessa casa, se estas pessoas estão a trabalhar em regime de teletrabalho ou se, pelo contrário, têm deslocações profissionais porque as suas funções não permitem a implementação do regime de teletrabalho, a convivência com os avós, etc.

Em síntese:

- o estado de emergência não suspende o regime de convívios do menor com os progenitores nos termos que constarem do regime de regulação das responsabilidades parentais relativas a esse menor, estando legitimadas as deslocações necessárias para assegurar o seu cumprimento;

- a decisão sobre a não entrega do menor ao outro progenitor tem que ser tomada por ambos os progenitores, por esta questão constituir uma questão de particular importância na vida dos filhos.

- decisões unilaterais sobre esta matéria, consubstanciadas na não entrega dos menores ao outro progenitor, constituem um incumprimento do regime de regulação das responsabilidades parentais.

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