O processo de inventário subsequente à dissolução da sociedade conjugal

O PROCESSO DE INVENTÁRIO SUBSEQUENTE À DISSOLUÇÃO DA SOCIEDADE CONJUGAL

E quando chega ao fim?

 

O processo de inventário para partilha de bens, decretada que esteja a separação judicial de pessoas e bens ou o divórcio ou declarado nulo ao anulado o casamento, é tramitado, desde 2 de Setembro de 2013, nos Cartórios Notariais.

De facto, com a publicação da Lei n.º 23/2013, de 5 de Março (RJPI), concretizou-se a pretensão legislativa anunciada desde a Lei 29/2009 de 29 de Junho, de conferir aos processos de inventário uma tramitação primordialmente não judicial, vindo tal Lei a ser regulamentada pela Portaria nº 278/2013, de 26 de Agosto, posteriormente alterada pela Portaria nº 46/2015, de 23 de Fevereiro.

            Assim, o inventário para separação de meações, destinado a partilhar os bens comuns do casal, nomeadamente em caso de divórcio, à luz daquela Lei, passou a ser tramitado no Cartório Notarial sediado no município do lugar da casa de morada de família (nos termos do artigo 3º, nº 6, do RJPI; na falta desta, o cartório notarial competente é aquele que vem referido nos termos da alínea a) do número 5 do artigo 3º e, assim, o Cartório da situação dos bens a partilhar).

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Dispõe o artigo 1688.º do Código Civil que «As relações pessoais e patrimoniais entre os cônjuges cessam pela dissolução, declaração de nulidade ou anulação do casamento, sem prejuízo das disposições deste Código relativas a alimentos; havendo separação judicial de pessoas e bens, é aplicável o disposto no artigo 1795.º-A.».

Ora, havendo que proceder à partilha do património comum do casal e liquidação do passivo da sociedade conjugal, por cessarem aquelas relações patrimoniais entre os cônjuges, o processo adequado é o previsto nos artigos 79º e 80º do RJPI.

Este processo de inventário segue a tramitação prevista para o processo comum de inventário, nos termos do artigo 79º, nº 3, 1ª parte, com as especificidades decorrentes do fim a que se destina, da natureza do património a partilhar, bem como as aludidas nos mencionados artigos 79º e 80º e, assim, designadamente, com a possibilidade de o Notário, em qualquer estado da causa, poder remeter o processo para mediação, relativamente à partilha de bens garantidos por hipoteca, salvo quando alguma das partes expressamente se opuser a tal remessa.

Este processo tem uma tramitação nos Cartórios Notarias e, chegada a fase de ser proferida sentença homologatória da partilha, o mesmo é remetido para o Tribunal da Comarca do Cartório Notarial onde o processo foi apresentado, sendo aí distribuído (artigos 66º, nº 1, 3º, nº 7, 83º do RJPI e artigo 212º §7 do CPC aprovado pela Lei 41/2013, de 26 de Junho).

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O Tribunal de 1ª instância da Comarca do Cartório Notarial intervirá no processo de inventário, para além do momento em que deva proferir decisão homologatória da partilha (artigo 66º do RJPI), também para conhecer dos recursos que venham a ser interpostos da decisão do Notário (Cfr., designadamente, artigos 16º, nº 4, 57º, nº 4).

Intervenção diversa desta, que nada tem que ver com a intervenção na sequência da distribuição acima referida, é o conhecimento, pelos tribunais de 1ª instância das acções que lhes vierem a caber, sempre que, ao abrigo dos artigos 16º,nºs 1 , 17º, nº 2, 36º, nº 1 e 57º, nº3, seja caso de remessa dos interessados para os meios judiciais comuns.

Assim, a competência para a tramitação a cargo dos Notários, não abrange todos os actos a praticar no âmbito do processo de inventário, por um lado e, por outro, assiste às partes o direito de acção judicial para as questões que, atenta a sua natureza ou complexidade da matéria de facto e de direito devam ser decididas nos meios comuns.

No primeiro caso, a intervenção judicial cabe ao Tribunal da Comarca do Cartório Notarial (artigo 3º, nº 7, do NRJPI). No segundo caso, a tramitação destas acções judiciais caberá aos Tribunais competentes de acordo com as regras gerais sobre a competência do artigo 59º e segs do CPC.

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Este novo regime legal trouxe alterações significativas, designadamente, no paradigma de intervenção do Juiz, com repercussão nos papéis atribuídos aos demais intervenientes processuais, como é o caso do Ministério Publico, cuja intervenção foi mitigada.

Para a sua análise, importa que não percamos de vista a génese deste regime e os pressupostos que lhe estão subjacentes.

Efectivamente, esta tramitação a «duas mãos», efectuada à luz de uma Lei em muitas matérias omissa e que convoca, assim, a aplicação do Código de Processo Civil (82º RJPI), importa, para além das dificuldades naturais da articulação entre os dois regimes, a dificuldade acrescida de interpretar o regime supletivo à luz de um novo paradigma da intervenção do Juiz.

Uma nota importa que se deixa a este propósito: a necessidade de não se perder de vista que a opção legislativa pela referida dualidade de intervenientes, pelo formato a atribuir ao processamento do inventário, designadamente, no que toca à intervenção do tribunal e à articulação entre a função notarial e a função jurisdicional, foi sendo sedimentada à luz da necessidade de expurgar qualquer anátema de inconstitucionalidade do diploma.

E esta questão coloca-se a propósito daquela que é a intervenção principal do Juiz no processo de inventário, constituída pela decisão homologatória da partilha.

Subjaz à decisão da partilha o despacho determinativo da forma da partilha, o mapa da partilha e as operações de sorteio, destinando-se a sentença a homologar tais operações.

Poderá ocorrer a não homologação, pelo Juiz, da partilha, para o que mencionará fundamentadamente os motivos determinantes da não confirmação dos actos anteriormente praticados, desencadeando, em sede notarial, a realização de novos actos de partilha ou a prática de actos que, por omitidos, impedem aquela homologação (previsão que não se mostra presente no RJPI e que encontrávamos enunciada na Lei 29/2009, de 29 de Junho: «A decisão de não homologação deve ser fundamentada e propor a forma da realização da nova partilha pelo conservador ou notário.», artigo 60º, nº 2, da Lei 29/2009, de 29 de Junho).

De facto, impende sobre o Juiz o dever de verificar a legalidade da partilha, do ponto de vista substantivo (cumprimento das disposições legais substantivas) e processual (nulidades e excepções de conhecimento oficioso), o que foi expressamente reconhecido no Parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias da Assembleia da República de 12.12.2012, sobre a Proposta de Lei nº 105/XII, que antecedeu a Lei 23/2013, de 5 de Março, nos seguintes termos: «(…) algumas normas da Proposta suscitaram dúvidas quanto à sua constitucionalidade (…). O que está em causa é a alegada violação do princípio constitucional da reserva jurisdicional (…), não só porque pode entender-se que o juiz perde o controlo geral do processo, que passa para o notário, mas também porque este último passa a realizar verdadeiros julgamentos e facto e de direito, apreciando a prova documental e testemunhal apresentada, exercendo, nessa medida, verdadeiros poderes jurisdicionais, que a Constituição reserva exclusivamente aos tribunais. (…) essas indicadas dúvidas ou desconformidade podem suavizar-se ou ultrapassar-se com o poder de homologação da partilha que o art 66°. da Proposta confere ao juiz. Com o despacho que, a final, tem de proferir, o juiz deve verificar a legalidade de todos os atos praticados, validando-os e confirmando-os ou não e conferindo-lhes depois força de sentença. (…) Com a presente proposta, qualquer questão litigiosa ou indevidamente decidida pelo notário, acabará sempre e em última instância (por maioria de razão se as partes assim o desejarem com uma impugnação ou com um recurso) por ser apreciada e escrutinada por um juiz.»

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A atribuição aos Cartórios Notariais da competência para efectuar o processamento dos actos e termos do processo de inventário é, inequivocamente, a tónica dominante deste novo regime (artigo 3º).

O Notário, órgão próprio da função notarial, exerce as suas funções em nome próprio e sob sua responsabilidade, com respeito pelos princípios da legalidade, autonomia, imparcialidade, exclusividade e livre escolha, cabendo-lhe praticar alguns dos actos que, na previsão do Código de Processo Civil, eram antes do RJPI praticados pelo Juiz.

Nesta medida, pela ordem porque deverão ser praticados num processado típico, cabe ao Notário: a nomeação do cabeça de casal (artigo 22.º), excepção feita aos casos em que se verifique a previsão do artigo 2083º do Código Civil; Tomar as declarações de cabeça de casal (artigo 24.º); Receber a relação de bens (artigo 25.º); Determinar a realização das citações (artigos 28.º e 29.º); Receber as oposição e impugnações ao inventário e reclamações contra a relação de bens ( artigos 30.º a 32.º), as respostas do cabeça de casal sobre as reclamações (artigo 35.º); Decidir as reclamações ou determinar que é caso de remessa para os meios judiciais comuns (artigos 35.º e 36.º); Resolver as questões suscitadas que possam influir na partilha e determinados os bens a partilhar; Designar data para a realização de conferência preparatória da conferência de interessados (artigo 47.º); Sendo caso, determinar a avaliação dos bens (artigo 33.º); Conhecer dos pedidos de adjudicação de bens (artigo 34.º); Presidir à conferência preparatória (artigos 47.º e 48.º); Designar data e presidir à conferência de interessados; Proferir despacho determinativo do modo como deve ser organizada a partilha (artigo 57º, nº 2 ); Proceder à organização do mapa da partilha (artigo 59º); Decidir as reclamações contra o mapa da partilha (artigo 63º); Presidir ao sorteio de lotes, sendo caso de a tal proceder (artigo 64º); Proceder à emenda da partilha, havendo acordo de todos os interessados ou proceder à rectificação de erros materiais que a mesma contenha (artigo 70º); Proceder à partilha adicional (artigos 74º e 75º) e à partilha em casos especiais (Inventário em consequência de justificação de ausência – artigos. 77.º e 78.º - e Inventário em consequência de separação, divórcio, declaração de nulidade ou anulação de casamento – artigo 79.º).

Pode ocorrer, por determinação do Notário, a remessa para os meios comuns, a requerimento dos interessados ou oficiosamente.

No que a tal remessa diz respeito, importa atentar no que estabelece, desde logo, o artigo 16.º, nos termos do qual o Notário, oficiosamente ou a requerimento de qualquer interessado, pode entender que existem questões insusceptíveis de serem decididas no processo de inventário, caso em que poderá remeter as partes para os meios comuns.

Assim, o Notário determina a suspensão da tramitação do processo sempre que, na pendência do inventário, se suscitem questões que, atenta a sua natureza ou a complexidade da matéria de facto e de direito, não devam ser decididas no processo de inventário, remetendo as partes para os meios judiciais comuns até que ocorra decisão definitiva, para o que identifica as questões controvertidas, justificando fundamentadamente a sua complexidade (artigo 16º, nº 1).

Para tanto, o Notário deverá fundamentar tal remessa, elencando os fundamentos porque as questões não devam se decididas no processo de inventário, concluindo pelo convite à interposição da acção para resolução da questão em apreço.

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Sobre a remessa para os meios comuns estatui, também, o artigo 17º, nº 2.

Nos termos estabelecidos neste preceito, poderá o Notário determinar a remessa dos interessados para os meios judiciais comuns, quando a complexidade da matéria de facto subjacente à questão a dirimir torne inconveniente a decisão incidental no inventário, por implicar a redução das garantias das partes.

Caberá ao Notário, também aqui, efectuar um juízo de conveniência sobre a resolução da questão e a eventual redução das garantias das partes.

A estas duas normas acresce uma outra que, igualmente, prevê tal remessa.

Assim, tendo sido deduzida reclamação contra a relação de bens e sendo insuficientes as provas para as decidir, estatui o artigo 36º nos seguintes termos: quando a complexidade da matéria de facto ou de direito tornar inconveniente, nos termos do n.º 2 do artigo 17.º, a decisão incidental das reclamações, o notário abstém-se de decidir e remete os interessados para os meios judiciais comuns (nº1). Nesta circunstância, não são incluídos no inventário os bens cuja falta se acusou e permanecem relacionados aqueles cuja exclusão se requereu ( nº2).

Cabe aqui a possibilidade de o Notário, com base numa apreciação sumária das provas produzidas, deferir provisoriamente as reclamações (à semelhança da admissibilidade de resolução provisória prevista no artigo 17º, nº 2), com ressalva do direito às acções competentes (artigo 36º, nº 3).

Estamos aqui, novamente, perante a necessária realização de um juízo de conveniência.

Concluindo-se pela inconveniência da decisão incidental, por implicar redução das garantias das partes, decidirá o Notário que a resolução da questão deverá ser feita em acção autónoma, que acautele estas garantias, em consequência do que remete os interessados para os meios comuns. Também aqui a decisão do Notário deverá ser fundamentada, explicitando-se o motivo porque a decisão incidental poria em causa as garantias das partes.

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Por fim, encontramos a previsão da remessa para os meios comuns no artigo 57º, nº 3, que não prescinde, igualmente, da formulação de um juízo de conveniência e da necessária fundamentação da decisão de remessa para os meios comuns.

O momento adequado para a remessa para os meios comuns que encontra previsão neste preceito ocorre depois de realizadas as conferências – preparatória e de interessados-, e quando o processo se encontra na fase da partilha.

Cabendo ao notário proferir despacho determinativo do modo como deve ser organizada a partilha, cabe-lhe igualmente resolver todas as questões que ainda o não tenham sido e que seja necessário decidir para a organização do mapa da partilha.

A remessa para os meios judiciais comuns, que deverá ser devidamente fundamentada, constitui uma excepção à regra de que cabe aos Notários praticar os actos e termos do processo de inventário (artigo 3º, nº 1) e justifica-se apenas em circunstâncias excepcionais em que a resolução das questões a decidir careçam de uma indagação que se não compadeça com a natureza incidental da tramitação em inventário.

Estas acções deverão ser interpostas nos Tribunais competentes à luz das regras de repartição de competência do Código de Processo Civil, acções estas com total autonomia do processo de inventário.

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Detemo-nos, de seguida, nas duas conferências que poderão ocorrer no processo de inventário: a conferência preparatória e, não terminando o processo nesta conferência, nos termos permitidos pelo artigo 48º, nº 6, a conferência de interessados.

A conferência preparatória da conferência de interessados, com previsão nos artigos 47.º e 48º, é designada logo que resolvidas as questões suscitadas que sejam susceptíveis de influir na partilha e determinados que foram os bens a partilhar.

Destina-se esta conferência à deliberação sobre as verbas que devem compor, no todo ou em parte, o quinhão de cada um deles e os valores por que devem ser adjudicados; à indicação das verbas ou lotes e respectivos valores, para que, no todo ou em parte, sejam objecto de sorteio; ao acordo sobre a venda total ou parcial dos bens.

Esta conferência é, ainda, o momento próprio para os interessados deliberarem sobre a aprovação do passivo.

À semelhança do que já acontecia no regime do Código de Processo Civil, o inventário pode findar na conferência (artigo 48º, nº 6, do RJPI).

Neste caso, se o inventário findar por acordo na conferência preparatória, deverão os autos ser remetidos para tramitação judicial, por forma a que seja proferida sentença homologatória da partilha; Poderá equacionar-se, todavia que, havendo acordo, procedam as partes a um acordo de partilha que prescinda da intervenção judicial.

A conferência de interessados, prevista no artigo 49º, destina-se à adjudicação dos bens e tem lugar nos 20 dias posteriores ao dia da conferência preparatória, devendo a sua data ser designada pelo Notário.

A adjudicação dos bens em processo de inventário faz-se por acordo (afectando-se determinados bens a integrar o quinhão de cada um dos herdeiros) por sorteio (sendo os quinhões preenchidos pelos bens que venham a caber em sorte a cada um dos herdeiros) ou em resultado da venda dos bens, adjudicação esta que é o objecto da regulação do artigo 49º.

A adjudicação a que se refere o artigo 49º é efectuada mediante propostas em carta fechada, devendo o Notário, pessoalmente, proceder à respectiva abertura, salvo nos casos em que aquela forma de alienação não seja admissível, sendo que o valor a propor não pode ser inferior a 85% do valor base dos bens.

Se não forem apresentadas propostas em carta fechada, ter-se-á que proceder à venda mediante negociação particular, a realizar pelo Notário, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no Código de Processo Civil quanto à venda executiva por negociação particular, na mesma medida em que se aplicara à venda por abertura de propostas em carta fechada as regras da venda executiva (artigos 50º, nº 2 e 51º, in fine).

Encerrada a conferência de interessados, eis-nos chegados ao momento da efectivação da partilha, que culminará com decisão homologatória da partilha (artigo 66º), momento em que os autos são remetidos para tramitação judicial.

Para além de proferir sentença homologatória da partilha, incumbe ao Juiz a prática dos seguintes actos no processo de inventário: a) Com previsão na Lei 23/2013, de 5 de Março: Homologação do acordo dos interessados que põe fim ao processo na conferência preparatória (48º, nº 7 e 66º, nº 1 RJPI); Decisão homologatória da partilha (66º, nº 1 RJPI); Decisão do recurso interposto da decisão do notário que indeferir o pedido de remessa das partes para os meios comuns (artigo 16º, nº 4 RJPI); Decisão do recurso interposto do despacho determinativo da forma da partilha (57º, nº 4 RJPI); Decisão, a final, sempre que as questões revistam especial complexidade, do pagamento de um valor superior de taxa de justiça, dentro dos limites estabelecidos na Tabela do RCP ( 83º, nº 1, RJPI); b) Com previsão na Portaria 46/2015, de 23 de Fevereiro (que Regulamenta o processamento dos actos e os termos do processo de inventário no âmbito do Regime Jurídico do Processo de Inventário aprovado pela Lei n.º 23/2013, de 5 de Março): Decisão sobre os valores dos honorários previstos para os processos de inventário de especial complexidade, bem como para os incidentes de especial complexidade (18º, nº 4 e 5, da Portaria 46/2015, de 23 de Fevereiro); Decisão da reclamação da nota final de honorários e despesas (24º da Portaria 46/2015, de 23 de Fevereiro); c) Com previsão no Código Civil: Designar cabeça de casal quando todas as pessoas referidas no artigo 2080º do Código Civil se escusarem ou forem removidas (2083º do Código Civil); d) Com previsão no Código de Processo Civil: Apreciação da legitimidade da escusa com fundamento em sigilo profissional e incidente de dispensa do dever de sigilo, nos termos do artigo 135.º, do Código de Processo Penal, junto do Tribunal da Relação respectivo, que dela deva conhecer (417º, nº 3, c) e nº 4 do CPC e artigo 135.º, do Código de Processo Penal); Decisão dos recursos interpostos das decisões dos Notário, nos casos em que cabe recurso de apelação (76º, nº 2, 1ª parte, RJPI e 644º CPC).

A sentença homologatória de partilha, uma vez transitada em julgado, põe, em regra, termo ao processo de inventário.

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Após o trânsito em julgado da sentença homologatória da partilha, o Cartório Notarial, que retoma a tramitação do processo, emite a nota final de honorários e despesas e, após o pagamento da 3.ª prestação de honorários e de eventuais despesas em falta, procede ao encerramento do processo de inventário, competindo-lhe emitir a respectiva certidão (artigo 25º da Portaria citada).

Aqui chegados, tendo-se efectuado referência aos novos paradigmas da intervenção a cargo do Notário e do Juiz, importa referir que os advogados e solicitadores mantêm a intervenção que as normas do Código de Processo Civil já prescreviam pelo que, quanto a estes intervenientes, a intervenção mantém-se inalterada.

De facto, nos termos estatuídos pelo artigo 13º, é obrigatória a constituição de advogado no inventário se forem suscitadas ou discutidas questões de direito, bem como em caso de recurso de decisões proferidas no processo de inventário.

Assim, sempre que se interponha recurso ou se suscitem questões de direito, é obrigatória a intervenção de advogado.

Os advogados-estagiários, os solicitadores e as partes podem fazer requerimentos onde não se suscitem questões de direito – artigo 32.º, n.º 2 do CPC, aplicável por força do disposto no artigo 82.º do RJPI.

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Concluindo se dirá que à beira de se completarem 4 anos sobre a entrada em vigor da Lei nº 23/2013 de 5 de Março, a prática dos Cartórios Notariais, a prática junto destes de actos pelos demais intervenientes processuais, como os advogados, os solicitadores e a intervenção do Juiz são e serão determinantes na efectivação da mudança preconizada por esta Lei.

Só pelos reflexos da aplicação deste novo regime se poderá aferir da bondade da opção legislativa, ditada pela necessidade de descongestionamento dos tribunais e pela necessidade de atribuir celeridade a um processo particularmente moroso.

Se a evolução legislativa no sentido de que os conflitos familiares saiam da esfera do judiciário - e bem sabemos que o processo de inventário se encontra, na maioria das vezes, eivado de conflitos familiares de intensidade acentuada -, não está isenta da criticas, aqui chegados, aprovada que está a Lei, importa que procuremos olhar para este novo regime recentrando a discussão e colocando-a ao serviço do cidadão.

 

«Embora ninguém possa voltar atrás e fazer um novo começo, qualquer um pode começar agora e fazer um novo fim.»

 

                                                                                 Lisboa, 10 de Março de 2017

Carla Câmara

 

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Residência Alternada: da lenda urbana à realidade social

Residência Alternada: da lenda urbana à realidade social

 

Nas últimas duas décadas tem-se assistido a mudanças nas relações conjugais e parentais de forma significativa. Desde o 25 de abril de 1975 que observamos a existência de uma pressão para alterações legislativas sobre o poder político-legislativo em função das mudanças sociais. De facto, as mudanças sociais têm-se traduzido igualmente em mudanças no seio da família, em particular na conjugalidade e na parentalidade. Os papéis de género na família passaram a ser questionados (Wall & Amâncio, 2007), os filhos assumiram um outro lugar na família, com outras funções (Cunha, 2007), e os direitos e liberdades individuais afirmadas pelos movimentos sociais pós-revolução traduziram-se na afirmação dos valores da igualdade, de processos de individualização, de diversidade e de privatização da conjugalidade (Aboim, 2008). É nesta linha de transformações históricas e sociais que chegamos aos dias de hoje com novas realidades sociais, onde a diversidade familiar e o papel da afetividade na parentalidade assumem especial relevância. A opção pela residência alternada para crianças com progenitores em situação de dissociação conjugal tem assim assumindo, de forma crescente, um papel maior. Apesar de existirem desde os anos 80 estudos sociológicos em outros países com este objeto, a verdade é que, em Portugal, só com as alterações legislativas dos anos 90 e o próprio desenvolvimento da Sociologia da Família nesse período, foi possível observar esses novos rearranjos na família da criança. Os primeiros dados aparecem-nos em 2001, onde apontavam para 0,6% em 2001 (segundo o Ministério da Justiça) e terminam a sua recolha em 2006, com valores de 3% (Marinho, 2011) dos casos em tribunal com guarda conjunta[1]. Passados 10 anos após a publicação destes dados e tendo em conta que uma parte dos regimes de convívio das crianças no pós-divórcio/separação com os seus progenitores não refletem a formalidade jurídica (não aparecendo sequer nas estatísticas), somos levados a crer que devemos hoje ter percentagens de crianças em residência alternada muito superiores ao que comumente é percecionado. Aquilo que era visto nos anos 90 como uma lenda urbana, nos dias de hoje assume-se cada vez mais como uma opção viável e uma realidade social com uma dimensão inegável. Aliás, vários Estados dos E.U.A., como Washington e Arizona apresentam percentagens de residência alternada acima de 30%. Em países europeus como a Bélgica, Dinamarca, Holanda, Suécia e França pelo menos 20% das crianças vivem em modelo de residência alternada (Nielsen, 2015).

 

No entanto, se a realidade social no âmbito das conjugalidades e das diferentes parentalidades tem evoluído, temos assistido a uma maior resistência por parte de outras instituições à aceitação dessa evolução, resultado de uma perceção cristalizada dos papéis de género na família. Falamos do sistema judicial e do próprio poder político-legislativo.

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Antes de avançarmos, convém definir conceitos, visto que frequentemente existe alguma confusão dos mesmos, quando lidamos com esta temática. Assim, quando falamos em residência alternada, estamos a referir-nos a um modelo particular de coparentalidade onde existe o exercício conjunto das responsabilidades parentais (na linguagem anglo-saxónica, joint legal custody) e um regime de convívio da criança com ambos os progenitores com tempos equilibrados, não inferior a 35% (Nielsen, 2014), ao ponto de existirem duas residências. Nos ordenamentos jurídicos onde ainda usam o conceito de guarda, estaríamos perante uma guarda conjunta legal, com uma guarda física partilhada[2]. É nesta diversidade de interpretações nacionais quanto a estes conceitos que surgem confusões quanto, por exemplo, à guarda partilhada e guarda alternada, confusões essas, que muita das vezes são usadas como bloqueio por parte do poder judicial à aceitação desta nova realidade familiar. A discussão atualmente tida no Brasil sobre o conceito de guarda compartilhada demonstra claramente essa confusão (IBDFAM, 2013), agarrando-se ao conservadorismo da doutrina, que demonstra mais o imobilismo caraterístico de vários sistemas judiciais na área da família, do que uma adesão às novas realidades sociais, em particular, quanto às diferentes dinâmicas na construção da parentalidade no pós-divórcio. Ainda que recentemente existam tentativas de esclarecimento do conceito de domicílio[3] em situações da guarda compartilhada na Lei Federal 13.058 (Silva F. S., 2017), a verdade é que a confusão de conceitos, querendo associar a alternância entre residências à alternância da guarda, tem contribuído para um avanço lento das instituições na criação de novas perceções sobre a realidade social. Estas e outras tentativas de esclarecimento têm por base um olhar sobre as práticas parentais pós-divórcio, onde encontrarmos, em particular, uma diversidade nas de coparentalidade que vão desde a conjunta, à igualitária, passando pela paralela (Marinho, 2011). Se o regime regra na regulação do exercício das responsabilidades parentais é o exercício conjunto quanto aos atos de particular importância, ou seja, questões como mudança de residência da criança, mudança de escola que implique a mudança de residência, questões de âmbito religioso, de mudança de escola publica para privada (e vice-versa), entre outras (Rodrigues, 2011), facilmente compreendemos que na prática, mesmo quando estamos perante parentalidades paralelas, com forte autonomia dos ex-cônjuges e fraca coordenação (Leandro, 2008), não se coloca de todo a questão da guarda alternada. Naturalmente, a esmagadora maioria das decisões do quotidiano são tomadas pelo progenitor com quem a criança se encontra naquele momento, mesmo que a comunicação seja reduzida e/ou formal entre eles, como é típico nas parentalidades paralelas de residência única, mas igualmente em situações de residência alternada. Assim sendo, não se entende que se associe a questão dos tempos de convívio e da residência a uma alternância de decisões, pois estaremos sempre na presença das mesmas quanto aos atos de vida corrente. O cumprimento das orientações educativas mais relevantes torna-se sem sentido em situações de residência alternada (e mesmo em residência única), pois, como já foi referido, em função da diversidade de parentalidades, a criança acaba sempre por ter várias orientações educativas, sem que isso levante qualquer problema ao seu desenvolvimento. Aliás, a inclusão deste conceito surge mais como reação às criticas do estabelecimento do regime regra do exercício conjunto, do que de uma necessidade centrada no desenvolvimento da criança. Se olharmos ainda para exercício de atos de particular importância, dificilmente são executáveis sem o consentimento do outro progenitor, até porque envolve geralmente terceiros, seja a escola, uma igreja, um hospital, uma organização desportiva[4].

Resumindo, quando falamos em residência alternada referimo-nos ao exercício conjunto das responsabilidades parentais, com a produção de um quotidiano familiar e social com a criança (Marinho, 2011), onde se incluem a partilha dos tempos, cuidados, orientações educativas e a existência de duas residências[5].

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Isto leva-nos às interpretações doutrinais que têm sido feitas sobre este modelo. Num contexto de resistência ao conceito por parte de alguns magistrados e face à necessidade de as ultrapassar, Helena Bolieiro e António José Fialho[6] (CEJ, 2012), numa formação no Centro de Estudos Judiciais, em 2012, avançam com os seguintes critérios normativos para o estabelecimento do regime de residência alternada:

- O superior interesse da criança

- O acordo dos progenitores

- A disponibilidade manifestada por cada um deles para promover relações habituais do filho com o outro

- A possibilidade de a criança manter uma relação de grande proximidade com ambos os progenitores

- Os acordos que os pais estabeleçam e que permitam amplas oportunidades de contacto e de partilha de responsabilidades entre eles

 

Ao mesmo tempo, apontam para critérios orientadores:

- O superior interesse da criança

- A capacidade de diálogo, entendimento e cooperação por parte dos progenitores

- Um modelo educativo comum ou consenso quanto às suas linhas fundamentais

- A proximidade geográfica

- A opinião e a idade da criança

- A ligação afetiva com ambos os progenitores

- A disponibilidade dos pais para manterem o contacto direto com a criança durante o período de residência que a cada um cabe

- As condições habitacionais e económicas de cada um deles (equivalentes ou suficientes)

Nesta interpretação doutrinal e que acabou por refletir-se em alguma jurisprudência portuguesa, o regime de residência alternada está sujeito a pré-requisitos, que a instituição judicial considera como fundamentais[7] para a criança, decorrente da interpretação do texto da Lei. Assim, este foi o caminho encontrado por alguns magistrados. com responsabilidades de formação para avançarem com a disseminação do conceito, mas sem que tal significasse a aplicação rígida, nas suas práticas, desses mesmos critérios. No entanto, não deixa de ser relevante para a análise, que esta interpretação, que se destinava aos aplicadores do Direito, parte das representações e práticas judiciais de alguns operadores do Direito, onde é assumido o enviesamento das mesmas, colocando o sistema judicial em tensão com realidade social. Deve, no entanto, influir para estas perceções e práticas judiciais, não só as construções e representações sociais estereotipadas dos atores da área do Direito sobre a ideia de família, de relações conjugais e parentais, mas também a evidência empírica e científica, além da orientação normativa já referida. Na medida em que a norma jurídica deixa larga amplitude à decisão casuística quanto ao regime adequado a cada criança em situações de divórcio/separação dos seus progenitores e supondo que a mesma que pretende estabilizar as relações sociais, torna-se necessário fazer chegar aos diferentes atores do Direito a diversidade e dinâmicas das relações familiares em Portugal, ajudando a alterar as perceções e práticas judiciais no sentido da coparentalidade. A relação jurídica familiar enquanto conceito fulcral do Direito de Família (Pinheiro, 2010) não é apenas permeável à realidade social, mas igualmente à ideologia dominante em cada época histórica. “No campo do Direito da Família e das Crianças, a neutralidade legislativa é impossível. A lei reflete sempre ideologias, conceções de vida[8]. O conceito de coparentalidade surge nos 70 e começa a afirmar-se como construto científico nos anos 80, na procura de um campo comum centrado nas necessidades das crianças e resultado do aumento significativo dos divórcios nos E.U.A.. Assim, o próprio conceito de coparentalidade, onde a residência alternada se insere, apesar de refletir novas dinâmicas familiares, não deixa igualmente de pertencer a um sistema de ideias que se vai impondo no sistema judicial. Se o ponto de partida, em face das referidas evidências, deverá ser a residência alternada, não podemos afirmar que tal modelo se aplique a todas as crianças e à sua família.

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Mas porque devemos então considerar a residência alternada como o ponto de partida?

A evidência cientifica dos últimos 30 anos aponta para que sim. No entanto, não devemos cair no erro de entender que este modelo é adequado a todas as crianças e famílias. O que se deve ter em consideração para o superior interesse da criança, é que a distribuição do tempo deve assegurar o envolvimento de ambos os progenitores nas rotinas diárias da criança (e.g., rituais de adormecimento, transições para a escola, atividades de lazer) (Lamb, Sternberg, & Thompson, 1997). Esta consideração deve ter em conta as necessidades de desenvolvimento, o temperamento e as circunstâncias individuais de cada criança, bem como as características únicas de cada família. O que nos leva a referir um instrumento muito útil, os planos parentais, que em Portugal não tem nenhuma tradição, mas é amplamente usado nos países anglo-saxónicos, pois permitem uma adaptação das diferentes formas de convívio às necessidades de desenvolvimento da criança e da sua família, ao longo do tempo. Na Europa, outros países, como a Suécia, já se socorrem deste instrumento, pelo que em Portugal deverá ser objeto de mais interesse.

Mas voltemos à questão dos aspetos positivos e menos positivos da residência alternada. Muitas das resistências a este modelo advêm de um quadro cultural e historicamente determinado, onde se empurra as mulheres para a função exclusiva de cuidadoras, geralmente primárias, ao mesmo tempo que se exige que as mesmas compitam com os homens no espaço público, em igualdade de circunstâncias. E enfrenta, em Portugal, como em outros países, o mito da maternidade[9], onde se estabelece a presunção natural que as crianças com menos de três anos não podem estar afastadas das suas mães. Ora, a ciência mais uma vez vem desmentir esta tese, que é mais ideológica e cultural. Richard Washark, Professor de Psiquiatria Clínica na Universidade de Texas, nos EUA, publicou um relatório subscrito por 110 especialistas reconhecidos nesta área, concluindo que as crianças de idades mais novas (bebés com menos de 4 anos) precisam de pernoitas com ambos os progenitores numa situação de separação (Warshak, 2014). Num comunicado do próprio Warshak este afirma:

Warshak, citando pesquisas aceites dos últimos 45 anos, opõem-se à ideia de que as crianças abaixo dos 4 anos (ou dos 6), precisam de passar o seu tempo exclusivamente com um progenitor e que não conseguem aceitar estar longe desse progenitor, mesmo recebendo afeto e carinho do outro progenitor. Proibições ou avisos contra as crianças e bebés a passarem a noite ao cuidado do seu pai são inconsistentes com o nosso atual conhecimento do desenvolvimento da criança“[10] .

Diz-nos ainda:

“Os bebés e crianças precisam de progenitores que respondam consistentemente, afetivamente e sensitivamente às suas necessidades. Não necessitam, e a maioria não tem, um progenitor a full-time de presença constante. Muitas mães casadas e que são hospedeiras de bordo, doutoras e enfermeiras, trabalham em turnos noturnos que lhes mantêm longe das suas crianças e bebés durante a noite. Tal como estas mães casadas, as mães solteiras não precisam de se preocupar em deixar os seus filhos aos cuidados dos seus pais ou avós durante o dia ou noite.

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As mais promissoras investigações sobre a residência alternada vêem-nos, curiosamente, de um país Europeu, a Suécia. O Centre for CHESS - Health Equity Studies, tem publicado vários artigos dentro da linha de investigação sobre a temática da residência alternada e com dados muito relevantes. De uma forma geral, estes estudos têm demonstrado que as crianças que não convivem habitualmente com um dos progenitores têm mais problemas psicossomáticos que as crianças que vivem em famílias nucleares. No entanto, as crianças em residência alternada, em análise longitudinal, apresentam melhor saúde psicossomática que crianças que apenas convivem com um dos progenitores.

As crianças em residência alternada em comparação com as crianças em residência única (Bergström, Fransson, & Hjern, Barn med växelvis boende, 2015) :

 

Em outra investigação, onde foram medidos o bem-estar subjetivo das crianças, a qualidade familiar e a relação com os pares (para uma amostra de 164.580 crianças entre os 12 e 15 anos) (Bergström, et al., 2013), os resultados demonstraram que as crianças em famílias nucleares apresentavam resultados elevados, resultados médios em residência alternada e resultados baixos em residência única.

Num outro estudo (Bergström, Fransson, Hjern, Köhler, & Wallby, 2014) com uma amostra de 1.297 crianças entre os 4 e 18 anos, 10% em situação de residência alternada (dados de 2011), foram observados nas crianças em famílias nucleares baixos problemas emocionais e de comportamento, bem como baixos problemas entre pares. As crianças em situação de residência alternada apresentavam resultados médios e em residência única, elevados, para os critérios referidos. Também foram observados os progenitores e as conclusões foram no mesmo sentido, com maior satisfação com a saúde, a situação social e económica em famílias com crianças em situação de residência alternada do que em residência única. Nos indicadores quanto a sintomas psicossomáticos e doenças das crianças, em crianças entre os 12 e 15 anos, mais uma vez as residências únicas apresentam piores resultados (Bergström, et al., 2015). Num artigo muito recentemente publicado por este centro, com uma amostra de 5.000 crianças entre os 10 aos 18 anos, foram encontradas as mesmas relações quanto ao modelo de residência quando avaliadas as condições económicas e materiais, as relações sociais entre progenitores e entre pares, saúde e comportamentos de saúde, condições de trabalho e segurança na escola e na comunidade e ainda atividades culturais e de lazer (Fransson, Låftman, Östberg, Hjern, & Bergström, 2017).

Mais surpreendente é um estudo que aponta que as crianças em residência alternada apresentam menores níveis de stress do que as crianças em residência única (Turunen, 2015), contrariando perceções que muitos profissionais da área da infância e juventude têm sobre esta matéria. Não será assim de estranhar que vários estudos demonstram uma elevada taxa de satisfação daqueles que viveram em residência alternada (acima dos 90%) e um número igualmente elevado de estudantes que afirma que seria do seu melhor interesse ter convivido mais com o seu pai (Nielsen, 2011).

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Poderíamos continuar a enunciar centenas de estudos científicos, revistos pelos pares e com credibilidade académica, que atestam a necessidade incontornável de se considerar a residência alternada em Portugal como uma das melhores hipóteses para as crianças cujos progenitores se separaram ou divorciaram. No entanto, seria demasiado exaustivo e nesta pequena amostra do estado da arte sobre esta matéria, ficou evidente que as críticas que são apresentadas em Portugal têm pouco fundamento ou são deliberadamente enviesadas com o objetivo de cumprir uma agenda ideológica, em contra corrente com a realidade social objetiva.

 

Em conclusão, tendo em conta o exposto, que a literatura internacional demonstra que o divórcio em si não trás, per si, consequências negativas para as crianças. As experiências negativas de divórcio é que colocam a criança em situação de vulnerabilidade. O mesmo será dizer que qualquer regime de residência será necessariamente negativo se prevalecer a longo prazo as situações de conflito parental. Fica claro, assim, que o caminho da residência única como modelo de proteção da criança é um modelo falhado e aqueles/as que insistem nele estão a condenar as crianças a uma maior violência do que daquela que dizem que as querem proteger. Se a residência alternada não protege totalmente as crianças das situações de conflito parental ou violência familiar, a verdade é que se apresenta, como se expôs, como o melhor ponto de partida para atenuar essa realidade. Mas também não será correto afirmar que toda esta evidência científica deva ser usada para fundamentar este modelo para situações onde estamos perante progenitores negligentes, não responsivos, abusivos ou progenitores que deliberadamente não tiveram qualquer convivência com a criança antes da separação (retirando daqui as situações de alienação parental ou falta de convivência por motivos profissionais e outros). Assim, não podemos ter posições extremadas, idealizando as relações familiares pós-divórcio, como se elas, na realidade, não sejam pautadas por ausência de amizade entre os progenitores, com algum conflito e mesmo falta de cooperação entre os progenitores. Esta é a realidade mais comum e em função dela devemos olhar para as melhores práticas parentais e apontar o caminho da coparentalidade.

Ficou igualmente evidente que as pernoitas de bebés em situação de residência alternada não apresentam resultados negativos para estes e são fundamentais para o estabelecimento de vinculações seguras com ambos os progenitores. Naturalmente, o modelo de residência alternada para crianças pequenas tem que ser adaptado em função do seu desenvolvimento, Ou seja, quando mais pequenas as crianças são, menos tempo de separação devem ter de cada um dos progenitores, devendo o tempo de convívio ir sendo alargado à medida que vão crescendo.

Em face desta conclusão, é necessário ouvirmos mais, não só as crianças, mas a família da criança, perceber as suas dinâmicas presentes e futuras. Contribuir, na medida do possível, para rearranjos familiares que melhor beneficiem a criança. Porque a realidade social está aí para demonstrar tudo isto que aqui falamos…

 

Ricardo Simões

Março 2017

Presidente da Direção da Associação Portuguesa para a Igualdade Parental e Direito dos Filhos

 

 

Referências

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Bergström, M., Fransson, E., Modin, B., Berlin, M., Gustafsson, P., & Hjern, A. (2015). Fifty moves a year: is there an association between joint physical custody and psychosomatic problems in children? J Epidemiol Community. Obtido de http://jech.bmj.com/content/jech/early/2015/04/09/jech-2014-205058.full.pdf

Bergström, M., Modin, B., Fransson, E., Rajmil, L., Berli, M., Gustafsson, P., & Hjern, A. (2013). Living in two homes-a Swedish national survey of wellbeing in 12 and 15 year olds with joint physical custody. BMC Public Health. Obtido de http://bmcpublichealth.biomedcentral.com/articles/10.1186/1471-2458-13-868

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Warshak, R. A. (fevereiro de 2014). Social science and parenting plans for young children: A consensus report. Psychology, Public Policy, and Law, 20, pp. 46-67.

 

 

[1] À altura os conceitos de Poder Paternal e de guarda estavam no ordenamento jurídico, sendo retirados (ainda que não totalmente) do mesmo após as alterações de 2008 na área do Direito de Família e das Crianças.

[2] Note-se que o conceito de guarda está associado a uma das situações jurídicas do Poder Paternal.

[3] Que difere de residência, quer no Brasil, quer em Portugal. O domicilio é o local onde a pessoa física possui habitualmente o seu local principal de residência ou exerce a sua atividade profissional, nos quais, exerce os seus direitos e obrigações. Assim, nada impede que possamos ter duas residências, pois habitualmente podemos residir alternadamente em duas habitações. A questão do domicílio torna-se assim como algo secundário, mas, no entanto, mantém-se em alguns países como justificação jurisprudencial e doutrinal para rejeitar a residência alternada. No entanto, Joaquim Manuel Silva esclarece-nos quanto à questão da residência(s) da criança e a sua admissibilidade legal, jurisprudencial e doutrinal (Silva J. M., 2016), pelo que não nos vamos deter mais com esta questão.

[4] Com isto não se pode ignorar os incumprimentos quanto à consulta e decisão conjunta de atos de particular importância, mas que, no entanto, aconteceriam sempre em qualquer regime de residência e convívios.

[5] E correspondente “circulação de práticas parentais e bens da criança” (Marinho, 2011).

[6] Juízes de Direito

[7] No seu “superior interesse

[8] Pinheiro, J. D. (2013). Ideologias e ilusões no regime jurídico do divórcio e das responsabilidades parentais. Em A. J. Fialho, Guia Prático do Divórcio e Responsabilidades Parentais. Lisboa: Centro de Estudos Judiciários. Obtido de http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/GuiaDivorcioRespParent/anexos/anexo26.pdf

[9] Sobre esta ideia vide Badinter, E. (1985). Um amor conquistado: o mito do amor materno. Rio de Janeiro, Nova Fronteira.

[10] Warshak, R. (2014). Press-Release: Experts Agree: Infants and Toddlers Need Overnight Care from Both Parents After their Separation, Dallas.

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Podem os avós, guardiões de facto, pedir a regulação das responsabilidades parentais dos netos?

Podem os avós, guardiões de facto, pedir a regulação das responsabilidades parentais dos netos?

 

De acordo com o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, em 6 de dezembro de 2016, assiste legitimidade aos avós, para requererem a regulação das responsabilidades parentais relativamente aos netos quando, em termos práticos, estes estão a seu cargo.

De acordo com o n.º 1, do artigo 17º, do Regime Geral do Processo Tutelar Cível (adiante designado RGPTC), a iniciativa processual no âmbito das providências tutelares cíveis (nas quais se inclui a regulação das responsabilidades parentais), cabe ao «Ministério Público, à criança com idade superior a 12 anos, aos ascendentes, aos irmãos e ao representante legal da criança.»

Na interpretação feita no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de que, aos avós, deve ser reconhecida legitimidade para a iniciativa processual, nos termos do artigo 17º, nº 1, do RGPTC relevou, entre outros, o facto de os processos tutelares cíveis se regerem pelos princípios orientadores de intervenção que constam na Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo, na qual se reconhece a importância dos guardiões de facto.

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Com efeito, as pessoas que se apresentam como uma referência afetiva dos menores, como sejam os seus avós, têm intervenção considerável nos processos de promoção e proteção razão porque quando, na vida real, exercem as responsabilidades parentais desses menores, enquanto seus guardiões de facto, não poderá deixar de se lhes garantir a possibilidade de requererem a regulação das responsabilidades parentais.

A importância reconhecida aos avós tem, também, expressão na possibilidade de participação destes na conferência de pais que, por exemplo, tem lugar no processo de regulação das responsabilidades parentais, conforme resulta do n.º 2, do artigo 35º do RGPTC que se transcreve: «2 – O juiz pode também determinar que estejam presentes os avós ou outros familiares e pessoas de especial referência afetiva para a criança

É também relevante a previsão do nº 1, do artigo 58º, do RGPTC, quando expressa que: «… qualquer familiar da criança ou pessoa a cuja guarda esteja confiada, ainda que de facto, podem requerer as providencias previstas no nº 2 do artigo 1920º do Código Civil, ou outras que se mostrem necessárias, quando a má administração de qualquer dos pais ponha em risco o património do filho e não seja caso de inibição do exercício das responsabilidades parentais

Ou seja, nos termos deste artigo 58º, nº 1, os guardiões de facto dos menores, têm legitimidade para intervirem processualmente quanto a questões patrimoniais destes, razão porque, no acórdão supra referido, se enfatiza que: «por maioria de razão, aos mesmos há-de assistir o direito de iniciativa processual para requererem a regulação das suas responsabilidades parentais

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Na interpretação do artigo 17º, nº 1, do RGPTC haverá, também, que tomar em conta a previsão do artigo 43º, nº 3, do mesmo diploma que, no que respeita à regulação do exercício das responsabilidades parentais de filhos de cônjuges separados de facto, de progenitores não unidos pelo matrimónio e de crianças apadrinhadas civilmente, quando os padrinhos cessem a vida em comum, contempla os referidos guardiões de facto.

De tudo, resulta que, na interpretação do artigo 17º do RGPTC, deverá ter-se presente a relevância legal conferida aos avós, nomeadamente, na previsão do referido artigo 43º, nº 3, do mesmo diploma que contempla os guardiões de facto, nomeadamente, os avós, razão porque, no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, se entendeu que uma avó é parte legitima para requerer a regulação das responsabilidades parentais das suas netas, que estavam ao seu cuidado e cujos pais nunca foram casados, nem nunca fizeram vida em comum.

Em síntese, poderão requerer a regulação das responsabilidades parentais de menores, os seus guardiões de facto, quer sejam os avós - como no caso do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 6 de dezembro de 2016 – quer sejam outras pessoas como, por exemplo, madrastas e padrastos sendo que, o que é relevante é a existência de uma guarda de facto por parte de quem requer a regulação das responsabilidades parentais em relação aos menores existindo, por isso, uma relação afetiva relevante.

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OS NOVOS RUMOS DO DIREITO DA FAMÍLIA E DAS CRIANÇAS E JOVENS

OS  NOVOS  RUMOS  DO  DIREITO  DA  FAMÍLIA  E  DAS  CRIANÇAS  E  JOVENS

                                                                     Para onde vais, rio que eu canto?

 

Paulo Guerra, Juiz Desembargador e Director-Adjunto do CEJ

1. Hoje em dia, nestes tempos de ilhas naufragadas, de solidões no meio do caos, as nossas crianças encontram novos rostos no espelho da casa de banho, um bafo quente de irmãos e irmãs vivendo em casarios diferentes das delas, com meio apelido igual ao delas, com um sinal particular na pálpebra direita igual ao delas — é o novo quadro familiar dos «meus, dos teus e dos nossos» a dar cartas neste mundo, cada vez mais diversificado e menos ortodoxo.

De facto, o mundo complica-se e sofistica-se à velocidade da luz, as crianças deixaram de acreditar nas Fadas Sininhos e na eterna Terra do Nunca, já comungando doses maciças de morangos açucarados, de Flores mais ou menos belas e da pressa meteórica dos seus pais, entregues a edifícios de aço e nervos de tijolo e argamassa, capazes de lhes ocupar todo o tempo dos seus dias e das suas noites.

Mas o nosso conselho é que sorriam, por favor, porque, dizem, chegámos à era moderna.

Falar em modernidade, é também falar na Família, esse reduto sacrossanto dos afectos, primeiro impostos, depois sentidos, e da realização, desenvolvimento e consolidação da personalidade de qualquer ser humano.

Aqui chegados, há que dizer que se assiste ultimamente à desestruturação do modelo tradicional da Família, outrora assente num modelo social ordenado em que cada um sabia o seu lugar, ou como exemplarmente dizia Carneiro Pacheco, em que «havia um lugar para cada um e cada um no seu lugar», correspondendo a uma família-linhagem «mais sentida do que racionalmente avaliada».

Modernamente, evoluímos para uma família cada vez mais conjugal ou nuclear, fundada num casamento livremente consentido e secularizado, orientada para fins de completa realização individual e de crescente independência na igualdade e na confusão dos papéis dos seus actores principais.

Daí que se fale hoje em dia na perenidade ou instabilidade da instituição familiar, objecto, nas últimas décadas, de debates, controvérsias e inquietações.

Para tudo isto contribuem diversos factores, a saber:

—   a quebra da fecundidade,

—   o envelhecimento da população,

—   a subida dos índices do divórcio,

—   a crescente vulgarização das uniões de facto,

—   a maior visibilidade e aceitação social dos casais homossexuais e das famílias reconstruídas,

—   a participação de mulheres casadas e de mães no mercado de trabalho,

—   a maior responsabilização e importância dada à figura do pai na pós-ruptura de uma união conjugal ou não,

—   a crescente influência avoenga — tendo hoje os avós inegável legitimidade activa para, em tribunal, e ao abrigo do artigo 1887.º-A do CC, virem requerer a marcação de um espaço de convívio com seus netos, mesmo contra a vontade dos progenitores destes — na educação das nossas crianças, enredados que estão os seus pais na luta titânica do quotidiano, sem tempo para assistir aos tempos de vida daqueles,

—   o incremento do fenómeno da toxicodependência como factor de alheamento parental, fonte inelutável de negligências e de diminuição de qualidade de vida das crianças que, desta forma, se vêem desligadas dos laços da sua progenitura, a braços com a graálica busca de outros heróis e de outras heroínas, e entregues a familiares próximos ou afastados, ou mesmo a instituições de assistência social onde, quer queiramos quer não, continuam em risco…

A regra do jogo é ser feliz, aqui e agora, sem concessões demasiadas ao colectivo, ao bem comum — Edgar Morin disserta mesmo no sentido de considerar que, nesta época pós-moderna, perdura um valor principal e intangível que consiste no direito cada vez mais proclamado do indivíduo se realizar à parte, de ser livre, num narcisismo de windsurf, própria de uma época do deslizar, em que a res publica já não tem qualquer elo sólido, qualquer ponto de ancoragem emocional estável.

2. Ora, o momento histórico é este, os dados culturais estão lançados no xadrez de uma comunidade que apresenta matizes multicolores, novos peões e novos reis e rainhas, em exercícios de poder e dominação, cada vez mais subtis e subentendidos.

Estes são muitos dos autênticos desafios postos à Família pelo mundo exterior sem o qual ela não vive e que, não raras vezes, acaba por influenciar a própria forma de a viver e de a encarar.

Não existe, na nossa opinião, uma crise da Família, mas antes várias formas de a viver.

A família, hoje, longe de corresponder «a uma função reprodutiva da espécie, à finalidade da educação das crianças ou apenas, ainda, à garantia de uma relação duradoura entre sexos diferentes, é multidimensional, plurilocal, multigeracional, transgressora das imposições do género, extremamente exigente do ponto de vista afectivo, e os laços que gera ou pode gerar estão longe de se poderem reduzir a uma determinação fixa ou conjunto de determinações».

Assim sendo, o que se torna relevante quando hodiernamente se fala em família é a principal e decisiva questão da determinação dos novos deveres familiares, tanto no plano privado como no público.

E aí estamos com Edmundo Balsemão — «Mas o problema mais decisivo a respeito da família, tanto no que respeita às políticas públicas como no que se refere à capacidade avaliativa do homem comum, consistirá sempre em saber como conjugar a individualidade, a autenticidade e o reconhecimento com a criação de instituições que possamos todos considerar valiosas. Afinal, este não é outro senão o problema filosófico clássico da relação entre a Liberdade e o Bem» (1)

3. De facto, mudam-se os tempos e mudam-se as vontades...

Ora, o nosso sistema legislativo também tende a acompanhar este fluxo de mudança.

Vejamos três exemplos desta mudança de mentalidades, própria de uma entrada num novo milénio, capaz de nos demonstrar como a comunidade e o seu pulsar acabaram por influenciar o labor do legislador português, no reino da Família, das Crianças e Jovens, entendendo que após a ruptura ainda pode haver lugar à família, já que o objectivo de qualquer casal em disputa emocional é obter um divórcio ou uma separação «decentes».

 

3.1. DIVÓRCIO

O artigo 1775.º, n.º 1, do CC, na redacção do Decreto-Lei n.º 496/77, de 25-11, previa que o divórcio por mútuo consentimento só podia ser requerido quando os cônjuges fossem casados há mais de três anos.

Em 1998, pela Lei n.º 47/98, de 10-8, e posteriormente pelo Decreto-Lei n.º 272/2001, de 13-10, o legislador veio estabelecer que tal divórcio consensual — o tal que embora com ela, não necessita que a sua causa seja revelada, agora de forma quase exclusiva, na Conservatória do Registo Civil — pode ser requerido pelos cônjuges a todo o tempo.

A exigência legal de um período mínimo de duração do casamento para a formação consciente e madura da decisão de dissolução do casamento deixou de contar nos propósitos do legislador.

Inscrevendo-se numa linha geral de revisão do sistema de valores, o sistema jurídico vem, por esta via, facilitar o divórcio por mútuo consentimento que, de acordo com as novas tendências sociológicas, como as estatísticas oficiais nos comprovam, tem vindo consistentemente a aumentar, desta forma se facilitando o procedimento legal de ruptura dos novos casamentos.

O casamento entendido como um contrato — como a nossa lei o define — parece corresponder às exigências das sociedades contemporâneas, marcadas por uma progressiva laicização, por uma acentuada mobilidade geográfica das pessoas, por um individualismo infrene, por uma maior liberalização dos costumes, pelo acesso generalizados dos dois sexos a graus cada vez mais elevados de escolaridade, pela entrada da mulher no mercado de trabalho, por um estatuto jurídico e sociológico de igualdade entre os sexos, pela procura dos dois sexos de uma carreira profissional, do sucesso e da felicidade.

Durante muito tempo, o homem encarregava-se de ganhar o pão de cada dia e à mulher cabia-lhe pôr a manteiga no pão, na sugestiva frase de Beck — eram dois numa só carne, mas a carne era do homem.

A partir dos anos setenta, o casamento passa a constituir cada vez mais um acto de escolha individual, com base em vínculos afectivos, tal conduzindo naturalmente a uma maior instabilidade matrimonial, instabilidade que se torna irremediável quando se constata que o desejo e a felicidade são impossíveis de alcançar com a pessoa com quem se casou.

Portanto, e de forma algo paradoxal, o casamento baseado no amor, torna esta forma de associação mais volátil, estando cada vez mais o divórcio implícito na própria ideia de casamento.

Neste particular, o legislador, pressionado pelas estatísticas da divorcialidade, cedeu tudo o que tinha a ceder (muito embora já haja quem opine que só falta a consagração do divórcio por «multibanco»).

Havendo acordo dos cônjuges, e terminada a experiência, o casamento pode ser rompido a todo o tempo, evitando uma espera artificial de 3 anos ou o recurso abusivo à figura do divórcio litigioso, usado de forma ficta e ocultando consensos então inconfessáveis.

A Lei n.º 61/2008, de 31/10, tal veio consolidar, afastando até a culpa da equação (2).

No fundo, com a alteração legislativa, o sistema jurídico, que não tem de ter credos, veio afinal reconhecer às pessoas direito ao desencantamento que não tem de ter prazo de validade.

No fundo, podemos dizer que o divórcio é a prova viva de que as pessoas querem ser felizes e acreditam na Família, procurando-a em outras esquinas, em outros rostos.

O divórcio que parecia, à primeira vista, o fechar de um livro, transforma-se apenas num voltar de página, que contando novas etapas de uma história, mantém os personagens do enredo inicial, para além de outras que possam ir aparecendo.

Os filhos constituem, em muitas situações, a «armadilha» com que não se esperava, depois do divórcio. Armadilha no sentido de obrigarem à manutenção de uma relação que não se deseja mais manter — nessa altura sim, os filhos representam a relação que se quer esquecer, mas não se consegue porque eles são a sua própria extensão.

Não será, seguramente, fácil para aqueles adultos que estão verdadeiramente zangados um com o outro, controlar os seus estados emocionais e racionalmente tratarem das questões dos filhos como se após a regulação do exercício das responsabilidades parentais, de repente, passassem a ser duas novas pessoas, pessoas diferentes, sem história comum, sem nada que as dessintonize do objectivo primordial que é «velar pela segurança e saúde dos filhos, prover ao seu sustento, dirigir a sua educação, representá-los e administrar os seus bens», mesmo quando suportados pela melhor mediação do Mundo!

Que não se chegue ao ponto da sociedade norte-americana, por exemplo, que, na palavra de David Popenoe, vive esta situação bizarra: Algumas crianças americanas vão para cama à noite a pensar se o seu pai ou a sua mãe ainda estará lá no dia seguinte; algumas interrogam-se sobre o que lhes terá acontecido. E outras sonham com quem será o seu pai.

3.2. EXERCÍCIO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS

Em Portugal, este instituto sofreu uma evolução desde o direito romano, no qual, inicialmente, revestia a natureza de uma patria potestas que se exercia quer sobre os filhos, quer sobre a mulher (que estava também sob a manus do pater familias), quer sobre todos os que constituíam o agregado familiar, sendo, assim, um poder absoluto e perpétuo do homem pai e marido.

O Código de Seabra de 1867 estabelecia, no seu artigo 137.º, que competia aos pais reger as pessoas dos filhos menores, protegê-los e administrar os seus bens, determinando ainda que o complexo destes direitos constituía o poder paternal.

Por seu turno, o artigo 140.º estatuía que os pais deviam dar aos filhos os necessários alimentos e ocupação conveniente, conforme as suas posses e estado.

A lei estipulava então um regime de exercício manifestamente desigual, dando-se especial prevalência à autoridade paterna.

Com efeito, segundo o artigo 138.º do referido Código, as mães participavam do poder paternal e deviam ser ouvidas em tudo o que dizia respeito aos interesses dos filhos, mas era ao pai que especialmente competia, durante o matrimónio, como chefe da família, dirigir, representar e defender seus filhos menores, tanto em juízo, como fora dele. Só no caso de ausência ou de outro impedimento do pai é que a mãe faria as suas vezes (artigo 139.º).

O Código Civil de 1966, na sua versão original, consagrou orientação semelhante à acolhida pelo diploma de 1867, pese embora tivesse introduzido modificações ao nível da inserção sistemática do instituto, passando a configurá-lo como um dos efeitos da filiação, integrado, portanto, no Livro da Família.

A natureza e conteúdo do poder paternal vinham definidos no artigo 1879.º: compete a ambos os pais a guarda e a regência dos filhos menores não emancipados com o fim de os defender, educar e alimentar; pertencendo também aos pais representar os filhos, ainda que nascituros, e administrar os seus bens.

Mais uma vez, a repartição dos poderes de exercício do poder paternal assentava no modelo patriarcal, competindo especialmente ao pai, como chefe da família, a grande parte desses poderes e recaindo sobre a mãe poderes meramente consultivos e de substituição das funções parentais do marido, na impossibilidade de este as exercer.

A Reforma do Código Civil, levada a efeito pelo Decreto-Lei n.º 496/77, de 15-11, institucionalizou a faceta funcional do chamado «poder paternal», tendo passado de poder (direito) a função (dever) e de poder exclusivo do pai a autoridade conjunta do pai e da mãe.

Na parte que agora nos importa, ou seja, no que tange ao sistema que a lei institui para o exercício das responsabilidades parentais em caso de dissociação familiar (divórcio, separação judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação do casamento e separação de facto), há que assinalar dois diplomas que vieram alterar alguns artigos do Código Civil, basilares nesta matéria

Falamos da Lei n.º 84/95, de 31-8, que permitiu a opção dos pais pelo exercício em comum do poder paternal (não confundível com a guarda conjunta), e da Lei n.º 59/99, de 30-6, que deu nova redacção ao artigo 1906.º, colocando como regime-regra o exercício conjunto do poder paternal e como regime subsidiário o exercício unilateral ou singular.

Finalmente, refira-se que foi entretanto publicada a Lei n.º 61/2008, de 31-10, que vem rever o regime jurídico do divórcio, procedendo também a alterações no regime do exercício das hoje responsabilidades parentais.

Na exposição de motivos do projecto que esteve na origem do diploma, lê-se:

«O projecto que se apresenta propõe o desaparecimento da designação “poder paternal” substituindo-a de forma sistemática pelo conceito de “responsabilidades parentais”. Na mudança de designação está obviamente implícita uma mudança conceptual que se considera relevante. Ao substituir uma designação por outra muda-se o centro da atenção: ele passa a estar não naquele que detém o “poder” — o adulto, neste caso — mas naqueles cujos direitos se querem salvaguardar, ou seja, as crianças.

Esta mudança pareceu essencial por vários motivos.

Em primeiro lugar, a designação anterior supõe um modelo implícito que aponta para o sentido de posse, manifestamente desadequado num tempo em que se reconhece cada vez mais a criança como sujeito de direitos.

É certo que em direito de família o poder paternal sempre foi considerado um poder/dever, mas esta é uma especificação técnica que desaparece no uso quotidiano, permitindo-se assim que na linguagem comum se façam entendimentos e conotações antigas e desajustadas.

Em segundo lugar, é vital que seja do ponto de vista das crianças e dos seus interesses, e portanto a partir da responsabilidade dos adultos, que se definam as consequências do divórcio.

Também assim se evidencia a separação entre relação conjugal e relação parental, assumindo-se que o fim da primeira não pode ser pretexto para a ruptura da segunda.

Por outras palavras, o divórcio dos pais não é o divórcio dos filhos e estes devem ser poupados a litígios que ferem os seus interesses, nomeadamente, se forem impedidos de manter as relações afectivas e as lealdades tanto com as suas mães como com os seus pais.

Vale a pena sublinhar, por último, que a designação agora proposta acompanha as legislações da maioria dos países europeus que já há muito a consagram.

Acresce ainda que neste projecto se introduz um novo artigo prevendo punição para o incumprimento do exercício das responsabilidades parentais que passa a ser considerado crime de desobediência.

Novamente assim se pretende sublinhar que o Estado deve, através dos vários meios ao seu alcance, assegurar a defesa dos direitos das crianças, parte habitualmente silenciosa neste tipo de diferendos entre adultos, sempre que estes não cumpram o que ficar estipulado.

A imposição do exercício conjunto das responsabilidades parentais para as decisões de grande relevância da vida dos filhos decorre ainda do respeito pelo princípio do interesse da criança.

 Também aqui se acompanha a experiência da jurisprudência e a legislação vigente em países que, por se terem há mais tempo confrontado com o aumento do divórcio, mudaram o regime de exercício das responsabilidades parentais da guarda única para a guarda conjunta.

 Isso aconteceu por terem sido verificados os efeitos perversos da guarda única, nomeadamente pela tendência de maior afastamento dos pais homens do exercício das suas responsabilidades parentais e correlativa fragilização do relacionamento afectivo com os seus filhos.»

De facto, o diploma estabelece uma nova redacção do artigo 1906.º do CC, passando a dispor da forma seguinte:

«1. As responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida do filho são exercidas em comum por ambos os progenitores, nos termos que vigoravam na constância do matrimónio, salvo nos casos de urgência manifesta, em que qualquer dos progenitores pode agir sozinho, devendo prestar informações ao outro logo que possível.

2. Quando o exercício em comum das responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida do filho for julgado contrário aos interesses deste, deve o tribunal, através de decisão fundamentada, determinar que essas responsabilidades sejam exercidas por um dos progenitores.

3. O exercício das responsabilidades parentais relativas aos actos da vida corrente do filho cabem ao progenitor com quem ele reside habitualmente, ou ao progenitor com quem ele se encontra temporariamente; porém, este último, ao exercer as suas responsabilidades, não deve contrariar as orientações educativas mais relevantes, tal como elas são definidas pelo progenitor com quem o filho reside habitualmente.

4. O progenitor a quem cabe o exercício das responsabilidades parentais relativas aos actos da vida corrente pode exercê-las por si ou delegar o seu exercício.

5. O tribunal determinará a residência do filho e os direitos de visita de acordo com o interesse deste, tendo em atenção todas as circunstâncias relevantes, designadamente o eventual acordo dos pais e a disponibilidade manifestada por cada um deles para promover relações habituais do filho com o outro.

6. Ao progenitor que não exerça, no todo ou em parte, as responsabilidades parentais assiste o direito de ser informado sobre o modo do seu exercício, designadamente sobre a educação e as condições de vida do filho.

7. O tribunal decidirá sempre de harmonia com o interesse do menor, incluindo o de manter uma relação de grande proximidade com os dois progenitores, promovendo e aceitando acordos ou tomando decisões que favoreçam amplas oportunidades de contacto com ambos e de partilha de responsabilidades entre eles.».

 

O interesse de cada criança cujos pais deixam de conviver como companheiros de vida é:

  1. Manter ambos os Pais ao leme da sua vida.
  2. . Manter o património familiar de ambas as famílias, isto é, manter o contacto estreito com a sua família alargada, por quem a criança tenha afecto.
  3. Manter uma vida o mais parecida possível com aquela que ela tinha anteriormente, isto é, com o mínimo de mudança.

Há que ponderar assim a possibilidade da residência alternada que pode ser consensualizada pelos pais ou imposta pelo tribunal (legitimado pela letra do artigo 1906º, n.º 7 do CC).

Entendemos que tal regime pode ser o ajustado em situações cada vez menos excepcionais, a saber:

*

Edward Kruk, em «Arguments for an Equal Parental Responsibility Presumption in Contested Child Custody», publicado no The American Journal of Family Therapy, Volume 40, Issue 1, 2012, pp. 33-55, opina que existem 16 argumentos que sustentam a presunção de igualdade das responsabilidades parentais, assim se legitimando a imposição judiciária da residência alternada:

  1. Preserva a relação da criança com ambos os pais;
  2. Preserva a relação dos pais com a criança;
  3. Diminui o conflito parental e previne a violência na família;
  4. Respeita as preferências da criança e a opinião da mesma acerca das suas necessidades e superior interesse;
  5. Respeita as preferências dos pais e a opinião dos mesmos acerca das necessidades e superior interesse da criança;
  6. Reflecte o esquema de cuidados parentais praticado antes do divórcio;
  7. Potencia a qualidade da relação progenitor-criança;
  8. Reduz a atenção parental centrada na «matematização do tempo» e diminui a litigância;
  9. Incentiva a negociação e a mediação interparental e o desenvolvimento de acordos do exercício das responsabilidades parentais;
  10. Proporciona guidelines claras e consistentes para a tomada de decisão judicial;
  11. Reduz o risco e a incidência da «alienação parental»;
  12. Permite a execução dos regimes de exercício das responsabilidades parentais, pela maior probabilidade de cumprimento voluntário pelos pais;
  13. Considera os imperativos de justiça social relativos à protecção dos direitos da criança;
  14. Considera os imperativos de justiça social relativos à autoridade parental, à autonomia, igualdade, direitos e responsabilidades;
  15. O modelo “interesse superior da criança/guarda e exercício unilateral” não tem suporte empírico;
  16. A presunção legal de igualdade na guarda e exercício das responsabilidades parentais tem suporte empírico.

Esta é uma aposta cada vez mais jogada pelos pais, em prol do bem-estar do filho (mas há que ter a coragem de rejeitar este modelo quando ele não satisfaz os superiores interesses do filho menor).

 

3.3. OS ACOLHIMENTOS NA LEI DE PROTECÇÃO DE CRIANÇAS E JOVENS EM PERIGO

A Lei em causa – aprovada pela Lei n.º 147/99 de 1/9 - teve uma profunda alteração em 2015 (Lei n.º 142/2015, de 8 de Setembro).

Uma das medidas aplicadas a uma situação de criança em perigo é a do Acolhimento familiar.

O novo artigo reza assim:

Artigo 46.º

Definição e pressupostos

  1. O acolhimento familiar consiste na atribuição da confiança da criança ou do jovem a uma pessoa singular ou a uma família, habilitadas para o efeito, proporcionando a sua integração em meio familiar e a prestação de cuidados adequados às suas necessidades e bem-estar e a educação necessária ao seu desenvolvimento integral.
  2. Para efeitos do disposto no número anterior, considera-se que constituem uma família duas pessoas casadas entre si ou que vivam uma com a outra há mais de dois anos em união de facto ou parentes que vivam em comunhão de mesa e habitação.
  3. O acolhimento familiar tem lugar quando seja previsível a posterior integração da criança ou jovem numa família ou, não sendo possível, para a preparação da criança ou jovem para a autonomia de vida.
  4. Privilegia-se a aplicação da medida de acolhimento familiar sobre a de acolhimento residencial, em especial relativamente a crianças até aos seis anos de idade, salvo:

a) Quando a consideração da excecional e específica situação da criança ou jovem carecidos de proteção imponha a aplicação da medida de acolhimento residencial;

b) Quando se constate impossibilidade de facto.

5 - A aplicação da medida de acolhimento residencial nos casos previstos nas alíneas a) e b) do número anterior é devidamente fundamentada.

Esta uma das grandes novidades do regime de 2015 - até aos 6 anos da criança, prefere-se esta medida à do acolhimento residencial, devendo justificar-se sempre que a esta se recorre nesta faixa etária.

É o reconhecimento de que a criança se desenvolve melhor nos primeiros anos de vida em ambiente familiar e não institucional ou residencial.

Deixa de se pensar o acolhimento familiar como uma medida que deva ser necessariamente uma ante-câmara do regresso à família de origem.

E esta é uma grande conquista na luta contra a institucionalização de crianças de tenra idade em Portugal.

Haja mecenas, haja bolsas destas famílias…

 

4. De futuro, no Direito da Família, muito pode ser problematizado, ideias-força tidas por adquiridas podem deixar de ser consensuais(3).

 

4.1. Hoje em dia, qualquer que seja o sistema jurídico, a validade e eficácia do casamento dependem, normalmente, da intervenção legitimadora de instituições que tomem a seu cargo a formalização do mesmo — e de futuro, não será posta em causa esta necessidade de legitimação externa?

4.2. A igualdade dos cônjuges, hoje pedra de toque de qualquer sistema civilizado, pode levar ao aumento explosivo do número de mulheres divorciadas vivendo em famílias monoparentais com os filhos pequenos, naturalmente mais pobres (a chamada feminização da pobreza), em países onde cada vez mais existem sistemas incapazes de cobrar, de força coerciva, os alimentos devidos e não pagos.

4.3. A tendência será a de restringir a imposição de deveres conjugais ao mero dever de decidir em conjunto os actos da vida conjugal comum, levando o pluralismo e a privatização da família conjugal até um extremo quase inconcebível — as leis evitarão pormenorizar os deveres conjugais, refugiando-se na adopção de cláusulas gerais que os cônjuges — que querem ser os seus próprios legisladores — hão-de concretizar segundo o seu projecto individualizado.

Veja-se o exemplo paradigmático do caso alemão em que os próprios tribunais já discutiram se era compatível com a comunhão de vida a existência de uma segunda mulher em casa e a circunstância de duas pessoas casadas poderem viver em casas distintas.

A Lei n.º 61/2008, de 31-10, acabou com o conceito de culpa na dissolução do casamento, criando a nova figura do divórcio sem consentimento de um dos cônjuges (tal como já o fizeram países como a França, a Espanha, Suécia, Noruega e Alemanha) — agora com as motivações da separação de facto, violência doméstica e a violação genérica dos direitos fundamentais —, argumentando-se que deve prevalecer uma concepção da conjugalidade assente nos afectos e não nos deveres e que o divórcio-sanção só se torna uma fonte de agravamento de conflitos anteriores para os ex-cônjuges e filhos (4).

4.4. A tendência para a modificação das relações patrimoniais entre cônjuges, permitindo, cada vez mais, a confusão permanente dos patrimónios resultante de depósitos mistos, de aplicações e reaplicações, de transferências de propriedade entre cônjuges.

4.5. A facilitação dos divórcios e sua desformalização (o caso português que enviou para canais administrativos quase tudo o que concerne ao divórcio consensual.

4.6. A possível supressão da heterossexualidade como requisito do casamento (5) e a concessão de efeitos jurídicos plenos à união de facto homossexual, abandonada a finalidade da procriação como objectivo essencial do casamento — assistir-se-á, assim, à multiplicação de instrumentos jurídicos dirigidos à tutela da comunhão de vida entre duas pessoas do mesmo sexo, criando-se uns ou cimentando-se a implementação de outros, vistos como verdadeiros sucedâneos do casamento (6).

Entretanto, entrou em vigor em Portugal a Lei n.º 9/2010, de 31 de Maio, que veio permitir o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo.

4.7. O incremento exponencial da monoparentalidade e das suas possíveis variações, assente que a biparentalidade tradicional não é sinónimo de exclusiva fonte de felicidade para os filhos — e o caminho pode ser este:

—   a aceitação mais fácil das adopções singulares mesmo quando as plurais forem viáveis;

—   a permissão de mulheres sós recorrerem à inseminação com esperma de dador; e

—   a viabilização de adopções por casais homossexuais [veja-se o exemplo recente de um tribunal canadiano que decidiu a favor de um casal de lésbicas, reconhecendo o direito de uma criança chamar «mãe» a duas mulheres — à mãe biológica e à mulher que com ela vive maritalmente (7)].

4.8. As novas questões éticas e jurídicas associadas aos casos de procriação medicamente assistida (conjunto de técnicas destinadas à formação de um embrião humano sem intervenção do acto sexual), de recurso aos processos heterólogos (procriação com gâmetas de terceiros), de «maternidade de substituição» (entendida como o fenómeno da gestação por terceira pessoa) e de procriação assistida post mortem (8).

4.9. A possibilidade de se estabelecerem laços legais entre a criança e certos amigos mais próximos, padrastos ou madrastas (em caso de ruptura com a mãe ou o pai).

4.10. A tendência para se abandonar o chamado «panjurismo iluminista» que impunha a regulação de todos os aspectos da vida familiar, havendo agora a possibilidade de se adoptar um direito da família fragmentário, que apenas regule aspectos essenciais ou aqueles que forem considerados de interesse público e que sobrarão de uma privatização crescente da vida familiar (combate à existência generalizada no Direito da Família de normas imperativas, porque inderrogáveis por vontade das partes e à consideração deste ramo do direito como o terreno de eleição da reserva da ordem pública).

4.11. A criação de uma figura jurídica intermédia que esteja entre a adopção plena e o regresso da criança aos pais biológicos — aquela continua a manter o contacto com os pais biológicos, sendo limitados os direitos dos pais adoptivos (figura aparentada com a adopção restrita, tão caída em desuso e agora até eliminada do nosso quadro legislativo); será aquilo a que poderá chamar uma forma mais suave de adopção (não tão radical), que poderia contribuir para o decréscimo do número de crianças institucionalizadas (9), cogitando-se a construção de uma nova providência tutelar cível que fique situada entre a tutela e a adopção restrita (chame-se-lhe «apadrinhamento civil» (10) ou «acolhimento prolongado»).

4.12. A tendência para a assimilação da parentalidade sócio-afectiva à parentalidade biológica — pairará a ideia de que não basta a concepção e o registo para se inferir uma boa progenitura, exigindo-se que as melhores práticas estejam comprovadamente aliadas, no melhor interesse da criança, o tal «certificado de origem» que, tantas vezes, redunda em histórias de maltrato infantil e de vergonha parental (11).

4.13. No que concerne à parentalidade, abandonar-se-á de vez a expressão «Poder Paternal» para falar em «Responsabilidades Parentais» e a tendência quase generalizada de atribuição prioritária do exercício dessas RP às mães.

E aqui deixem-nos falar da importância do Pai-homem, peça essencial no crescimento harmonioso dos filhos, nem mais nem menos do que a Mãe.

É inegável que depois de obedecer à lei da natureza, um homem é chamado a ser sensato, gentil, paciente, amoroso, juiz, árbitro, pediatra, educador infantil, perito financeiro, consertador de brinquedos, fonte de toda a sabedoria, artista.

Enfim, a ser Pai.

Aos vinte anos vestiu o fato da paternidade, enchumaçou os ombros, cresceu em altura, ficou com a voz mais grave para se adequar ao papel.

Um dos maiores desafios feitos à Família, hoje em dia, é o repensar dos papéis dos dois progenitores e o relançar da figura do pai, assente que ternura e afectos são assuntos que não lhe são estranhos.

4.14. Finalmente, a ideia mais importante de todas — será o século da Criança, tida e lida como a peça mais importante, porque mais indefesa e vulnerável, deste xadrez que se optou por jogar entre peças brancas, pretas, cinzentas, rosas e azuis, seja qual for a cor da pele da nossa família e do nosso afecto…

Falamos da Criança (12) e já não do menor, epíteto que esperamos ser abolido de vez, mesmo dos próprios textos legais.

4.15. Uma nota final quanto aos desafios futuros em Portugal – quais serão os novos caminhos dos Tribunais de Família e das Crianças?

 

Daí que possa aconselhar a todos os Juízes e Magistrados do Ministério Público laborando nesta Área:

5. Italo Calvino define as seis categorias essenciais que irão marcar as nossas comunidades neste milénio que se delineia: a leveza, a rapidez, a exactidão, a visibilidade, a multiplicidade e a consistência(13).

O Direito e os sistemas jurídicos tenderão a acompanhar as mentalidades, tentando diagnosticar as verdadeiras pulsões de mudança, distingui-las das tendências de moda sem capacidade para provocar alterações legislativas.

E aí, nas verdadeiras novidades, saberá identificar o alfabeto de uma ordem, de um fundo de Mundo constatado, vivido, sentido e, afinal, carente de letra de lei.

Está o Direito da Família e das Crianças aberto a novas realizadas familiares, a novas formas de viver o casamento ou a união de facto, em novos rumos para os casais e para as relações paterno-filiais, em abertura a supostas e possíveis utopias e a um, hoje tão convocado, Direito Humanitário.

6. «No seu regresso à cidade, Buda encontrou-se com um transeunte que, impressionado pela luz e energia que aquele irradiava, o questionou:

“- Você é um Deus? – Não, respondeu Buda . - Você é um santo? - Não, respondeu Buda novamente.

Então, você é um príncipe? - Não, - respondeu Buda sem parar de andar. – Só estou acordado”».

Temos todos de estar permanentemente acordados pois essa é a sua luz, aquela que ilumina os casarios e vigia as crianças portuguesas ou aqui residentes no seu sono.

O sistema tem a sua porção de Poder na mão, mesmo trabalhando com consensos e consentimentos bem expressos.

Mas não tenhamos ilusões – o Poder só é necessário para fazer o Mal.

E não esqueçam o principal - para fazer todo o resto, muitas vezes, basta o AMOR!

E como aprendi com os nossos irmãos brasileiros:

«As pessoas não se interessam com o quanto tu sabes, até saberem o quanto tu te importas…»

 

Pátio do Limoeiro, 19 de Fevereiro de 2016

 

NOTAS:

(1) Cf. Balsemão, Edmundo, «Família», in Marques, António, coord., Dicionário de Filosofia Moral e Política, disponível na Internet em <http://www.ifl.pt/main/Portals/0/dic/familia.pdf> [Consult. 10 Dez. 2008].  Cf. ainda o sítio da associação Family Diversity Projects em <http://www.familydiv.org> [Consult. 10 Dez. 2008].

(2) Alegam-se culpas mas elas não podem ser declaradas pelo tribunal.

(3) Cf. Oliveira, Guilherme de, «Transformações do Direito da Família», in Comemorações dos 35 anos do Código Civil e dos 25 anos da Reforma de 1977, Vol. I, Direito da Família e das Sucessões, Coimbra, Coimbra Editora, 2004, pp. 763-779 e Guerra, Paulo e Bolieiro, Helena, «A criança e a família – uma questão de direito(s)» – Coimbra Editora, 2ª edição, 2014.

(4) Este diploma foi já aqui mencionado.

(5) Há algum tempo, os dois projectos de lei apresentados pelo Bloco de Esquerda e pelo partido «Os Verdes», sobre o casamento entre pessoas do mesmo sexo, foram chumbados com os votos contra da maioria PS, PSD e CDS-PP.  Durante o debate que antecedeu a votação, o deputado socialista Jorge Strecht assegurou a vontade do PS de consagrar os casamentos entre pessoas do mesmo sexo, mas não se comprometeu com datas, depois de desafiado a esclarecer se o fará na próxima legislatura. Acabou por vir à luz a permissão legal de casamento entre pessoas do mesmo sexo.

(6) Para além do exemplo português da Lei n.º 7/2001, de 11-5, refiram-se:

— o instituto da «pareja estable» ou «union de hecho» de algumas comunidades autónomas espanholas;

— o instituto da «cohabitation légale» da Bélgica;

— o instituto da «Lebensgemeinschaft» da Áustria;

— o instituto da «Lebenspartnerschaft» do Luxemburgo;

— o instituto do «pacte civil de solidarité» de França;

— o instituto das chamadas «parcerias registadas» — «registered partnerships» — dos países nórdicos (Finlândia, Suécia) e da Holanda.

(7) Também, recentemente, uma sentença do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem voltou a colocar esta questão nos meios de comunicação social — uma mulher francesa, lésbica e vivendo em união de facto com outra, quis adoptar uma criança, tendo sido recusada esta pretensão nomeadamente porque ela não proporcionaria àquela criança uma família com uma «imagem parental de referência».  O caso chegou a Estrasburgo que, em Janeiro de 2008, sentenciou no sentido de condenar o Estado francês a pagar uma indemnização de 10 mil euros à queixosa — no fundo, entenderam que, se a lei permite a adopção por uma pessoa singular como admite, não faz sentido questionar a ausência de uma figura masculina, assim concluindo que a candidata foi discriminada pela sua orientação sexual.

Diga-se ainda que os defensores da não admissibilidade de adopção conjunta por casais homossexuais alegam que num sistema de adopção há sempre alguém a quem cabe escolher os adoptantes.

As perguntas que estes colocam são estas: Que critérios se utilizariam na hora de escolher tais pais adoptivos? Com que base é que se poderia dizer que uma criança ficaria com uma família deste tipo (homossexual) e aquela outra com outra família (heterossexual) daquele tipo?  Para esta tese, manter a lei como está não significa discriminar ninguém, significando antes não discriminar as crianças.

Neste momento em que se escreve, já temos lei que permite a adopção de crianças por parte de casais homossexuais (Lei n.º 2/2016, de 29/2).

(8) Ao longo dos anos, os cientistas têm conseguido ultrapassar situações de esterilidade conjugal (note-se que ninguém tem direito a um filho, mas apenas a legítima expectativa ou o desejo de ter um filho) até então considerados insolúveis, passando a separar-se a dimensão afectiva da componente biológica do acto procriativo, como forma (também) de resolver, em Portugal, a sua grave situação demográfica.

A PMA compreende o conjunto de técnicas destinadas à formação de um embrião humano sem a existência de um acto sexual (cópula), sendo usual fazer-se a distinção entre processos de procriação sexuada (onde há a intervenção de dois componentes — um de cada — de pessoas de sexo diferente) e não sexuada (onde há a intervenção apenas de um componente, quer masculino, quer feminino, destacando-se neles a clonagem).

(9) Sottomayor, Clara («Quem são os «verdadeiros» pais?  Adopção plena de menor e oposição dos pais biológicos», in Direito e Justiça, Vol. XVI, Tomo I, pp. 234-241) fala numa «adopção aberta» que seria uma óptima alternativa à colocação de crianças em instituições pois permitiria a estas crianças gozarem de um cuidado personalizado e do afecto próprio de uma família, não perdendo o contacto com a família biológica, «nos casos em que tivessem uma memória positiva desta», tendo os pais naturais a possibilidade de obter informações sobre os seus filhos.  A questão que se coloca é se em Portugal existem adultos que queiram adoptar nestas condições, ou seja, que aceitem esta partilha da vida de uma criança em vez de a «terem» em exclusivo para si.  A este respeito, cf. ainda Gersão Eliana, «Adopção — mudar o quê?»…, pp. 844-848.

(10)          Foi esta a proposta do Observatório Permanente da Adopção, hoje já com letra de lei - o apadrinhamento civil consiste na integração de uma criança ou jovem num ambiente familiar, confiando-os a uma pessoa singular ou uma família que exerçam os poderes e deveres próprios dos pais e com eles estabeleçam vínculos afectivos que permitam o seu bem-estar e desenvolvimento; os seus propósitos são o de despromover a desinstitucionalização e o de evitar a institucionalização de crianças e jovens. Para tanto, procura-se um mecanismo que substitua as figuras que normalmente exercem as responsabilidades parentais — os pais — e que, por alguma razão, não estão em condições de as exercer. O apadrinhamento civil quer, sobretudo, promover a desinstitucionalização de crianças, através da constituição de uma relação para-familiar tendencialmente permanente, destinada às crianças e jovens que não são encaminhados para a adopção ou não são adoptados (apesar de poderem ter sido declarados em estado de adoptabilidade). A aguardar sedimentação e cimentação!

(11)          Acabando-se de vez com essa inexistente — na letra da lei — distinção entre «pais biológicos» e «pais afectivos», hoje em dia tão veiculada pelos media.

(12)          Duvidamos da necessidade de colocar em texto de lei uma maior densificação da noção de «interesse superior da criança», tal como parece pretende alguma doutrina e grupos de pressão, como forma de resposta face a alguns casos mediáticos envolvendo crianças.

(13) Calvino, Italo, Seis propostas para o próximo milénio, trad. Ivo Barroso, São Paulo, Companhia das Letras, 1990.

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