Famílias

Famílias

A minha família foi sempre um bocadinho diferente da dos meus amigos: o meu pai trabalhou sempre fora, e eu e a minha mãe acabámos por passa a maior parte do tempo na companhia uma da outra. Era assim, para ‘se conseguir mais alguma coisa nesta vida’. Desde sempre também me lembro da forma de comunicarmos: o meu pai tinha dias certos para telefonar, de uma cabine telefónica, alimentada com cartões pré-pagos. Na altura eu não percebia que aquela era uma limitação imensa porque ouvi-lo era sempre uma alegria. Ele ligava para o fixo, ficávamos ali uns minutos a conversar mas era com a minha mãe que gastava a maior parte dos créditos, naturalmente. Depois, quando chegava a casa, dava-me os cartões para colecionar, para me entreter a olhar para todo aquele design, tão longe da nossa realidade. A maior parte estava em alemão, eu não sei se ainda os tenho… sinceramente não sei se ainda estão na escrevaninha, no quarto que será sempre meu, em casa dos meus pais. Hoje é muito diferente: comunicamos via Messenger, por escrito ou via telefone, por acaso acho que nunca fizemos uma vídeo chamada, nunca calhou, mas podemos, está lá à nossa disposição.

Essa tecnologia está também ao dispor de António, de 40 anos. Há 5 anos nasceu o seu amor maior: Maria é a luz dos seus olhos, o oxigénio dos seus pulmões, o combustível que o sustenta e que o faz continuar, todos os dias. Ela é ‘A’ razão. Agora, a gestão da vida da Maria apenas é possível graças à maturidade que António e a mãe da sua filha encontraram na separação mas que não existia enquanto ambos formavam um casal. É tanta que não há horas e os dias são divididos, um depois do outro. É tão grande o respeito que, em fins de semana fora, fazem vídeo conferências, enviam vídeos e fotografias só para matar aquela saudade que apareceu logo no minuto seguinte a se terem separado.

Cada vez que Joana vai passar dias com o pai, o coração de Marta fica muito apertado. Apesar de ter apenas 9 anos, a filha já tem telemóvel e podem comunicar. Marta não evita, nada substitui a presença, mesmo que por umas horas. O trabalho, que preenche tanto a sua vida e os filhos de Paulo, com quem iniciou recentemente uma relação, nunca chegarão para acalmar a ansiedade. Mas pode ouvi-la, pode sentir a sua vida, saber se está bem.

Todas estas histórias são reais, são histórias que absorvi ao longo da minha vida. Há mais, muitas mais, mais tocantes, talvez. Mas estas provam que é possível ser feliz, que ninguém peca por tentar. E mostram que hoje há cada vez mais formas de encurtar distâncias, de atalhar saudades, de sentir o sorriso e o bater do coração. Triste de quem não erra, não arrisca ser feliz. Pelo menos… uma vez na vida.

Estes são apenas alguns dos novos conceitos de família na sociedade atual. Alguns modelos diferentes mas que nunca esquecem o mais essencial, o mais fundamental, aquilo que tudo pode e tudo consegue: o amor. Mesmo que em formato (mais) tecnológico.

 

Patrícia Matos

Jornalista

www.deveserdemim.com

 

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A data de produção de efeitos do divórcio nas relações patrimoniais entre os cônjuges

A data de produção de efeitos do divórcio nas relações patrimoniais entre os cônjuges

Nos processos de divórcio e, de acordo com o artigo 1789.º n.º 1 do Código Civil, não obstante os efeitos do divórcio se produzirem a partir do trânsito em julgado da sentença que decrete a dissolução do casamento, a verdade é que, quanto às relações patrimoniais entre os cônjuges, os efeitos do divórcio retroagem à data da proposição da ação e já não a partir da data do trânsito em julgado da referida sentença.

Assim, para efeitos de cessação das relações patrimoniais entre os cônjuges decisiva é a data em que dá entrada, em juízo, a ação de divórcio.

Mais, se antes do divórcio, os cônjuges tiverem deixado de ter uma comunhão de vida, ocorrendo uma separação de facto e, desde que a mesma fique provada no processo de divórcio, qualquer um dos cônjuges pode pedir que os efeitos do divórcio retroajam, não à data da propositura da ação de divórcio, mas antes à data em que se tenha iniciado a separação de facto, ficando tal fixado na sentença que vier a decretar a dissolução do casamento por divórcio.

No que respeita à separação de facto, importa atentar na norma do artigo 1782.º do Código Civil, que define a mesma, nos seguintes termos:

«1. Entende-se que há separação de facto … quando não existe comunhão de vida entre os cônjuges e há da parte de ambos, ou de um deles, o propósito de não a restabelecer

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Importa salientar que, para efeitos de fixação da data da separação de facto, a data que releva é a do início da separação de facto e não a data em que a separação de facto se tenha consolidado.

E, de acordo com a jurisprudência e com a doutrina, a separação de facto inicia-se «logo que demonstrados factos que consubstanciem a luz da normalidade das relações entre duas pessoas, que se verifica uma rutura na comunhão de vida entre os cônjuges.» (cfr, por todos, acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, em 27 de abril de 2017).

Aporta-se, pois, um elemento objetivo para fixação da data em que se iniciou a separação de facto que é o da inexistência de vida em comum entre os cônjuges e é este elemento objetivo o relevante para efeitos de fixação, na sentença que decretar o divórcio, da data em que a mesma se iniciou e, consequentemente, da data à qual retroagem os efeitos do divórcio no que respeita às relações patrimoniais entre os cônjuges.

Este elemento objetivo – início da inexistência de vida em comum entre o casal - assume efetiva relevância, não sendo abalado por episódios esporádicos ou ocasionais, como seja, por exemplo, o caso de, após iniciada a separação de facto, os ainda cônjuges pernoitarem juntos uma ou duas noites pois, apesar deste episódio ocasional, a verdade é que tal não corresponde a uma nova tentativa de restabelecimento da vida de casados, mantendo-se a inexistência de vida em comum entre o casal.

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A fixação da data em que se produzem os efeitos do divórcio nas relações patrimoniais entre os cônjuges, nos termos supra expostos, assume relevância, nomeadamente, em casos em que, não obstante se manter o casamento, a verdade é que já existe uma situação de separação de facto e um dos cônjuges contrai dívidas que possam vir a responsabilizar o outro cônjuge.

Neste caso, ficando fixada a data em que se iniciou a separação de facto e, sendo o requerido na ação de divórcio, que os efeitos do divórcio retroajam à data do início da separação de facto, as dívidas que, durante o período da separação de facto tenham sido contraídas por um dos cônjuges e que poderiam vir a responsabilizar o outro, deixam de poder ser exigidas a este.

 

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O direito da criança à nomeação de advogado

O direito da criança à nomeação de advogado

Dispõe o artigo 18.º n.º 2 do Regime Geral do Processo Tutelar Cível que:

«É obrigatória a nomeação de advogado à criança quando os seus interesses e os dos seus pais, representante legal ou de quem tenha a guarda de facto, sejam conflituantes, e ainda quando a criança com maturidade adequada o solicitar ao tribunal

Sobre este direito pronunciou-se o Tribunal da Relação de Lisboa, no acórdão datado de 13 de julho de 2017, o qual analisamos.

Em causa estava um regime de regulação das responsabilidades parentais, o qual acabou por ser obtido por acordo entre os progenitores e que foi homologado pelo Tribunal no decurso do presente ano de 2017, por se ter considerado que o mesmo acautelava devidamente os interesses da criança (nascida em 2003).

Sucede que a criança, por discordar do acordo alcançado, apresentou um requerimento nos autos, no qual expressou que os seus interesses eram conflituantes com os dos seus pais, solicitando que lhe fosse nomeado advogado, na medida em que pretendia interpor recurso da sentença que homologou a regulação das responsabilidades parentais em causa.

O Tribunal de primeira instância entendeu que o pedido de nomeação de advogado, constituiria um ato inútil na medida em que a criança o havia apresentado após a homologação do acordo de regulação das responsabilidades parentais estando, por isso, a decisão transitada em julgado. Mais, considerou o Tribunal que a criança não tinha, também, legitimidade para interpor recurso, pelo que indeferiu o requerimento.

O Ministério Público recorreu, pugnado pelo direito da criança a pedir a nomeação de advogado para efeitos de interposição de recurso.

No acórdão em análise, o Tribunal da Relação de Lisboa considerou que esta criança (que tinha idade superior a 12 anos, à data dos factos), tinha direito à nomeação de advogado.

Com efeito, entendeu o Tribunal da Relação que, nos termos do disposto no artigo 18.º n.º 2 do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, o Tribunal de primeira instância estava obrigado a nomear advogado à criança, não lhe sendo «lícito sujeitar o deferimento da nomeação em causa da pertinência da ratio invocada – pelo menor – para a solicitada nomeação», sendo ao advogado nomeado que compete aconselhar e aferir qual o meio adequado para a defesa dos interesses do seu constituinte, no caso, a criança.

Ou seja, se no seu requerimento, o menor havia assente o pedido de nomeação de advogado no facto de existir uma situação de interesses conflituantes – os interesses dos pais e os interesses do menor – o Tribunal teria que ter procedido, sem mais, à nomeação de advogado à criança, independentemente de, à data, a sentença ainda admitir, ou não, recurso, na medida em que a nomeação de advogado à criança deve «ser perspetivado para todo o processo» e não apenas «dirigido tão só para a prática de um único e isolado acto processual.»

Este entendimento sufragado pelo Tribunal da Relação de Lisboa, no referido acórdão assentou, do ponto de vista legal, na norma do artigo 18.º n.º 2 do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, bem como na previsão do artigo 103.º n.ºs 2 e 3 da Lei n.º 147/99, de 1 de setembro (Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo) e na própria Lei n.º 103/2009, de 11 de setembro (Lei do Apadrinhamento Civil), normas estas que contemplam a obrigatoriedade de nomeação de patrono à criança ou jovem quando exista uma situação em que os seus interesses e os dos pais, representante legal ou quem tenha a sua guarda de facto sejam conflituantes e, ainda, quando aquele o solicitar, desde que tenha maturidade para tal.

Por fim, não queremos deixar de salientar que este direito das crianças à nomeação de advogado é um corolário do seu direito de audição, sendo importante que os tribunais e todos os intervenientes judiciais saibam atuar, efetivamente, na salvaguarda dos interesses das crianças, para que os seus direitos sejam ferramentas legais consequentes e consentâneas com os seus interesses que é o que se visa, sempre e a todo o tempo, salvaguardar.

 

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Onde deve ser pedida a alteração da decisão de atribuição da utilização da casa de morada de família?

Onde deve ser pedida a alteração da decisão de atribuição da utilização da casa de morada de família?

 

Nos termos do artigo 990º, nº 4 do Código de Processo Civil, ainda que estejam findos os autos de divórcio, deve correr por apenso aos mesmos, o pedido de alteração da decisão de atribuição da utilização da casa de morada de família, na medida em que se está perante uma competência por conexão, o que significa que a competência de um tribunal pode ser alargada por via de um vínculo estabelecido em função das partes ou do objeto da causa.

Desta competência por conexão resulta que, a alteração da decisão de atribuição da utilização da casa de morada de família, não está incluída nas competências atribuídas às Conservatórias do Registo Civil, no Decreto-Lei 272/2001 de 13 de outubro.

Mais, não se deve entender que, nos casos em que estejam findos os autos de divórcio, a previsão do nº 4, do artigo 990º do Código de Processo Civil, colide com a previsão do artigo 5º, nº 1, alínea b) e nº 2 do mencionado Decreto-Lei 272/2001.

Ou seja, se o processo de divórcio tiver corrido na Conservatória do Registo Civil e, assim, aí tenha sido homologado o acordo relativo à atribuição da utilização da casa de morada de família, a alteração deste acordo, também por consenso, pode ser pedida perante a Conservatória do Registo Civil, nos termos do Decreto-Lei 272/2001.

Diferentemente, se não existir acordo quanto à alteração, este pedido já não será da competência da Conservatória do Registo Civil, mas sim dos Tribunais de Familia e Menores, fundando-se esta competência no nº 4, do artigo 990º do Código de Processo Civil, tomando em conta que com o Decreto-Lei 272/2001 a competência das Conservatórias do Registo Civil se cinge aos procedimentos tendentes à formação do acordo das partes.

Por fim, caso o divórcio tenha sido judicialmente decretado, a alteração da decisão relativa à atribuição da utilização da casa de morada de família, terá que correr por apenso aos autos de divórcio, ainda que já estejam findos, mesmo que exista consenso quanto à alteração a pedir.

Este é, nomeadamente, o entendimento sufragado no acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, em 7 de fevereiro de 2017, disponível para consulta em http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/75fd999c412cfa90802580df0052714a?OpenDocument

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Pensão de alimentos a ex-cônjuge

Pensão de alimentos a ex-cônjuge:

A Lei n.º 61/2008, de 31 de outubro, veio alterar o regime jurídico do divórcio alterando, também, o regime da obrigação de alimentos entre ex-cônjuges.

A regra geral, em matéria de alimentos entre ex-cônjuges, depois do divórcio ou da separação judicial de pessoas e bens, é a que se encontra enunciada no n.º 1 do artigo 2016.º do Código Civil:

«1 – Cada cônjuge deve prover à sua subsistência, depois do divórcio

Desta regra geral, resulta que a obrigação de alimentos tem um caráter excecional e temporário, na medida em que a mesma tem como finalidade auxiliar o ex-cônjuge carecido de alimentos na satisfação das suas necessidades básicas, dando-lhe um mínimo de condições que lhe permita, nos primeiros tempos após o divórcio, reorganizar a sua vida, sendo esta obrigação devida pelo período de tempo necessário para o alimentando se adaptar à sua nova vida apoiando-se, assim, a transição para a sua independência económica.

Deste modo, o critério para atribuição de alimentos é o da necessidade do ex-cônjuge deles carecido.

Assim sendo, a obrigação de alimentos entre ex-cônjuges não perdurará para sempre, na medida em que o beneficiário dos alimentos tem obrigação de providenciar ao seu sustento, esforçando-se para tal.

O dever de prestação de alimentos, após o divórcio ou após a separação judicial de pessoas e bens assume, pois, um caráter subsidiário e assenta no dever assistencial que perdura para além do casamento, dever este limitado nos termos supra referidos.

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No que respeita à determinação do montante de alimentos, importa ter em conta quanto previsto no artigo 2016.º-A do Código Civil, o qual enuncia várias circunstâncias a que se deve atender para efeitos de fixação da obrigação de alimentos, como sejam o tempo de duração do casamento, a colaboração que o ex-cônjuge carecido de alimentos prestou à economia do casal, o seu estado de saúde, a sua idade, as suas qualificações profissionais e possibilidades de emprego, a sua capacidade económica em vista de rendimentos que possa ter, a reorganização da sua vida familiar, etc.

Refira-se, ainda que, existindo uma obrigação de alimentos a filhos do cônjuge onerado com a obrigação de alimentos, esta prevalece sobre a obrigação de prestação de alimentos a favor do ex-cônjuge.

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Questão diferente é a de, após o divórcio, o cônjuge que mais contribuiu para os encargos da vida familiar, ter direito a exigir do outro uma compensação resultante do facto de ter renunciado, de forma excessiva, à satisfação dos seus próprios interesses em benefício da vida em comum, designadamente, deixando para trás a sua carreira profissional e, daí lhe advindo prejuízos patrimoniais relevantes.

Tal prestação compensatória pode ser pedida ao outro ex-cônjuge no momento da partilha dos bens do casal, salvo se entre ambos vigorar o regime de separação de bens, conforme resulta do artigo 1676.º do Código Civil.

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As alterações do regime jurídico em matéria de alimentos entre ex-cônjuges resultaram da opção legislativa de permitir a livre dissolução do casamento, liberdade esta que tinha também que se refletir no plano patrimonial do divórcio, levando à consagração do atual regime relativo à obrigação de alimentos entre ex-cônjuges a qual, conforme supra explicitado, foi fortemente reduzida a limites mínimos, pautando-se pelo critério da necessidade estrita do cônjuge carecido de alimentos.

Falsas memórias e sugestionabilidade infantil nos contextos de alienação parental

Falsas memórias e sugestionabilidade infantil nos contextos de alienação parental 

Fernanda Molinari[1]

Modesto Mendes[2]

 

Introdução

Pela perspectiva psicodinâmica, a Alienação Parental é caracterizada por um conjunto sintomático, pelo qual o progenitor alienador modifica a consciência do seu filho, através de estratégias de atuação, algumas de natureza inconsciente, com o objetivo de impedir, obstaculizar ou destruir seus vínculos com o outro progenitor (Freitas, 2014).

Na esteira desses entendimentos, a Alienação Parental consiste em programar uma criança para odiar, sem motivo, um de seus genitores até que a própria criança ingresse na trajetória de desconstrução desse genitor (Molinari & Trindade, 2014).

Todo este processo, inevitavelmente, provoca um desequilibrio emocional na criança, afetando o seu desenvolvimento. A criança vê nascer em si, contra a sua vontade, assente em motivos falsos, um sentimento de revolta, um ódio perante o progenitor, com todas as consequências comportamentais e perturbação interior que tal estado implica, constituindo um fator de perigo ou, pelo menos, de perturbação do equilíbrio emocional da criança (Sá; Silva, 2011).

 Alienação Parental: considerações sobre a sua psicodinâmica

A Alienação Parental, enquanto fenômeno social, psicológico e jurídico, tem sido uma constatação frequente no âmbito do direito de família. Esse ramo da prática forense, aliás, é aquele em que fenômenos relacionados à Psicologia Forense adquirem grande evidência, sendo que a Alienação Parental, até há poucos anos desconhecida, encontra-se hoje teoricamente identificada (Dias, 2010; Feitor, 2012; Freitas, 2014; Gardner, 1985; Podevyn, 2001; Madaleno & Madaleno, 2013; Trindade, 2014; Sá & Silva, 2011; Souza, 2014) e com seus efeitos jurídicos, no Brasil, regulados.

Logo após a separação, quando ainda o nível de conflitualidade é intenso, é comum surgirem problemas e preocupações com as primeiras visitas dos filhos ao outro progenitor, pois fantasias, medos e angústias ocupam o imaginário dos pais e dos próprios filhos, ainda não acostumados com as diferenças impostas pela nova organização da família (Trindade, 2014).

A ruptura conjugal afeta de diferente forma cada um dos elementos da família, obrigando à redefinição dos papéis (Machado & Sani, 2014). O divórcio não significa a extinção da família, mas antes uma reorganização e reestruturação de novas dinâmicas familiares, com diferentes graus de complexidade, e adaptação para cada um dos seus membros (Rosmaninho, 2010). Neste novo contexto relacional, o divórcio deverá ser entendido como um processo que ocorre no ciclo vital da família, alterando a sua estrutura, mas que não é o fim da família, apenas a transforma (Cano, Gabarra, Moré, & Crepaldi, 2009).

O conceito de Alienação Parental foi formulado pelo psiquiatra infantil forense Richard A. Gardner, professor de psiquiatria clínica no Departamento de Psiquiatria Infantil na Universidade de Columbia, nos Estados Unidos, a partir do seu trabalho como perito particular. Gardner (1985; 1991; 1998), durante a sua atuação profissional, verificou um grande número de pais – sobretudo mães – que tentavam excluir o outro genitor da vida dos filhos, implantando ódio ou intensificando ressentimentos existentes nos filhos com relação ao genitor não guardião (Barbosa & Castro, 2013).

O reflexo dessas ações nos filhos foi denominada por Gardner (1985; 1991) de Síndrome de Alienação Parental, a qual conceituou como “o transtorno pelo qual um progenitor transforma a consciência dos seus filhos, mediante várias estratégias, com objetivo de impedir, ocultar e destruir os vínculos existentes com o outro progenitor, que surge principalmente no contexto da disputa da guarda e custódia das crianças, através de uma campanha de difamação contra um dos pais, sem justificação”.

Baker e Darnell (2006), fazendo alusão ao conceito de Gardner (1985), referem que a primeira manifestação do fenômeno da Alienação Parental consiste na campanha de denegrir a imagem que a criança tem do outro progenitor, campanha essa sem justificação, a qual é acompanhada do processo de lavagem cerebral e doutrinamento da mente da criança.

Trata-se de abuso emocional de consequências graves sobre os filhos. Esse abuso traduz o lado sombrio da separação dos pais. O filho é manipulado para odiar o outro genitor, o que está em oposição ao seu desenvolvimento psicológico saudável (Fiorelli & Mangini, 2012; Ribeiro, 2007a; Venosa, 2012).

Victor Reis (2009), nos seus estudos sobre crianças e jovens em risco, refere que devido à criança ser dependente e indefesa, é o elemento no seio da família com maior vulnerabilidade, tornando-se assim um alvo fácil para todo o tipo de violência. A violência consiste, acima de tudo, num abuso de poder, quer seja físico, material ou emocional.

A propósito, o que está em causa não é a ausência de vinculação afetiva que o progenitor alienador mantém com o filho, mas a forma perversa como exerce a parentalidade, sendo que a criança é submetida há uma série de provas de lealdade, em que para não desiludir o progenitor com quem vive, é quase que obrigada a confirmar sua pretensão (Ribeiro, 2007b; Sá & Silva, 2011).

Com o intuito de definir o que é Alienação Parental, mediante a fixação e parâmetros para a sua caracterização, a par de estabelecer medidas a inibir sua prática, foi aprovada, em 26 de agosto de 2010, a Lei Brasileira nº 12.318, que dispõe sobre a alienação parental determinando, no artigo 2º, aquilo que juridicamente a conceitua.

Pela perspectiva legal brasileira, considera-se ato de alienação parental a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este.

É importante ressaltar que a Alienação Parental não se configura apenas e tão somente com a prática de uma única conduta de forma isolada, mas sim de um padrão de condutas que se estenda ao longo do tempo com o objetivo de enfraquecer ou extinguir os laços parentais entre genitor e filho (Blanco 2008; Dias, 2013).

Falsas memórias e Sugestionabilidade na especificidade da Alienação Parental

Nos contextos em que esteja presente o fenômeno da Alienação Parental, o filho é convencido da existência de determinados fatos e levado a repetir o que lhe é informado como tendo realmente acontecido, sendo induzido a afastar-se de quem o ama. Nem sempre consegue discernir que está sendo manipulado e acaba acreditando naquilo que lhe foi dito de forma insistente e reiterada. Com o tempo, nem o alienador distingue mais a diferença entre verdade e mentira. A sua verdade passa a ser verdade para o filho, que vive com falsas personagens de uma falsa existência, implantando-se, assim, falsas memórias (Dias, 2010; Trindade, 2014).

A questão assume particular importância quando a falsa memória é utilizada para fundamentar uma imputação de abuso sexual através de profissionais pouco familiarizados com a problemática da falsa memória. Em se tratando de crianças, a questão se torna ainda mais delicada, porque envolve aspectos como a sugestionabilidade e a satisfação consciente ou inconsciente do desejo do adulto que possui a tarefa de ouvir a criança, além de preconceitos e/ou da adoção de uma ótica setorial sobre esse complexo problema (Trindade, 2014).

Estudos relacionados com a sugestionabilidade infantil apontaram que a maior incidência para ocorrência de falsas denúncias de abuso sexual envolviam crianças com a faixa etária entre os 03 e 07 anos de idade, levando-se em consideração não possuírem desenvolvimento cognitivo suficiente para compreender a situação, sendo mais vulneráveis a manipulações e implantações de falsas memórias (Amendola, 2009; Brandt, 2009; Guazelli, 2010).

Amendola (2009, p. 138) realizou pesquisa com 10 pais acusados de abusarem sexualmente de seus filhos, relacionando seus achados aos estudos anteriormente realizados por Wallerstein e Kelly (1998), com relação à faixa etária das crianças supostamente abusadas:

Digno de nota é a associação entre o número de filhos por pai acusado e o número de filhos que efetivamente foram considerados vítimas de abuso. Em nossa amostra de pais, todos foram acusados de abusar sexualmente de uma única criança, não obstante a maioria ter dois ou mais filhos. A observação dos dados nos mostrou que apenas três pais tiveram mais de um filho com a mãe denunciante e que, nesses casos, a criança mais nova era o foco da suspeita de violência paterna, independentemente do sexo. Portanto, nos demais sete casos em que o pai tivera um único filho com a mãe denunciante, a acusação fica restrita a esta criança.

As crianças consideradas vítimas de abuso sexual encontravam-se na faixa de três a seis anos na ocasião da denúncia, sendo sete do sexo feminino e três do sexo masculino, o que nos remete aos estudos de Wallerstein e Kelly (1998) que abordam a possibilidade de haver uma relação entre a idade da criança e sua capacidade para ser sugestionada e formar um alinhamento com o genitor guardião, ou seja, quanto mais jovem for a criança, maior a chance de formar alianças intensas com a mãe-guardiã.

Para elucidar a sugestionabilidade infantil, Dias (2013), de acordo com os estudos de Piaget (1994), refere que a criança de tenra idade acredita que a ordem emanada de um adulto é “justa” e, portanto, deve ser obedecida. A partir de seis anos a criança embora reconheça uma ordem “injusta”, compreende que ainda assim deverá cumpri-la. E somente a partir de nove anos a criança compreende que pode desobedecer uma ordem quando a perceber injusta. Transpondo este contexto para a Síndrome de Alienação Parental, vê-se que o processo de formação do dever moral resta comprometido.

Silva (2011) refere que quando se iniciam os processos de Síndrome de Alienação Parental, e seu subsídio simbólico, as falsas acusações de abuso sexual, todo esse processo de estruturação da autonomia moral fica flagrantemente comprometido: se a indução do alienador a formular as falsas acusações ocorrer em tenra idade da criança, a criança tornará seu relato verossímil (para adquirir credibilidade), mas não terá a noção de que isto trará consequências prejudiciais à pessoa que está sendo acusada - pai/mãe alienado (a) –, e este processo perdurará por mais tempo: a criança considerará que somente as regras impostas pelo adulto alienador serão as “justas”, e perderá a noção de que autoridade e justiça são elementos independentes.

Tendo como referencia a Psicologia Forense e do Testemunho, outro aspecto importante a ser considerado centra-se no discurso da criança envolvida em uma falsa acusação. O relato é pautado em fatos que nunca ocorreram, padecendo de espontaneidade, muitas vezes denotando de imediato estar influenciado (Dias, 2013). Frequentemente, a criança repete frases presentes no discurso do progenitor alienador. Dobke (2001, p. 42) enfatiza que:

No relato, a criança abusada apresentará linguagem compatível com seu desenvolvimento e compatível também com uma visão infantil dos fatos. A linguagem utilizada pela criança será a sua linguagem. O uso de linguagem não compatível com a sua idade sugere influência de pessoa adulta. A visão sobre o abuso também estará em harmonia com a idade da vítima.

Nesta perspectiva, o genitor alienador não é capaz de individualizar, de reconhecer em seus filhos seres humanos separados de si, sendo incapaz de ver e tratar a situação de outro ângulo que não o seu (Calçada, 2008). A criança, neste contexto, é palco de projeções dos sentimentos do progenitor alienador, passando a viver, pensar em sentir de forma condicionada. (Dolto, 2005; Freitas, 2014). A criança resulta incapaz de habilidades identificatórias genuínas, pois é fruto de um discurso que remete sempre ao falso, eis que pautado na mentira, criando uma realidade que não é sua, e memórias de situações que nunca viveu (Molinari & Trindade, 2014).

 

Considerações Finais

A memória ajuda a definir quem somos. Na verdade, nada é mais essencial para a identidade de uma pessoa que o conjunto de experiências armazenadas em sua mente. A facilidade com que ela acessa esse arquivo é vital para que possa interpretar o que está à sua volta e tomar decisões. Com efeito, o que se reconstitui é aquilo que é passível de ser dito, falado e evocado: não os fatos, mas a memória dos fatos (Trindade, 2014).

Manter memórias intactas e depois poder invocá-las constitui um ato complexo, pois depende da condição do sujeito no tempo e no modo do registro mnêmico, no tempo e no modo do seu arquivamento, no tempo e no modo da sua evocação (Trindade, 2014). Essas operações não ocorrem em sequência, são processos interdependentes, que se influenciam reciprocamente. Lembranças do passado não reconstroem literalmente os eventos; elas constroem memórias influenciadas por expectativas e crenças da pessoa, com influência, inclusive, de informação do presente (Calçada, 2014).

Portanto, a memória é uma variável dependente das funções da subjetividade e da atividade psíquica do indivíduo. Dessa maneira, a memória pode ser um sentimento (um afeto agradável ou desagradável), um cheiro (sensopercepção), uma palavra (linguagem), um lugar (orientação), uma ideia (pensamento) ou comportamento (Trindade, 2014).

Cumpre, assim, face à pluralidade de elementos que compõem a matéria, a adoção de máxima cautela quando as falsas memórias surgirem no espectro de um fator de risco, a Síndrome de Alienação Parental, pois não é raro que a notícia de abuso sexual contra a criança seja a acusação máxima do alienador contra o cônjuge alienado (Molinari & Trindade, 2014).

Inegável que a psicologia, nesse campo, tem muito a dizer ao direito. Não apenas porque dividem o mesmo objeto, mas, principalmente, porque direito e psicologia necessitam estabelecer um diálogo permanente para que os frutos da justiça possam ser plenamente alcançados.

Por fim, reafirmamos a necessidade de um olhar multidisciplinar, não apenas para uma compreensão da conflitualidade que envolve adultos num processo de divórcio, mas, principalmente, para entender a criança, cuja proteção deve ser integral.

 

 

https://www.youtube.com/watch?v=7yKQL99vorY

 

Referências

 

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[1] PhD em Psicologia Forense pela Universidade Fernando Pessoa (Portugal). Mediadora de Conflitos pela CLIP. Advogada. Psicanalista Clínica. Docente e Supervisora no Curso de Formação de Mediadores de Conflitos da CLIP. Especialista em Direito de Família pela PUC/RS. MBA em Direito Civil e Processo Civil pela FGV. Presidente da Sociedade Brasileira de Psicologia Jurídica. Vice-Presidente da Associação Brasileira Criança Feliz.  Diretora do IBDFAM/RS. Coordenadora do Núcleo de Mediação em contextos de Alienação Parental, da CLIP. Sócia fundadora da AMARGS Associação de Mediadores, Árbitros e Conciliadores do Rio Grande do Sul. Membro do Centro de Investigação em Estudos da Criança, na Universidade do Minho/Portugal.  E-mail: fernanda.molinari@outlook.com

[2] Graduado em Administração e Gestão de Empresas pela Universidade Católica Portuguesa. Pós Graduado em Gerenciamento de Projetos com ênfase em Tecnologia de Informação, pela PUC/RS. Empresário na área de informática para negócios. Especializado em Psicologia Forense, pela Sociedade Brasileira de Psicologia Jurídica. Diretor de Relações Institucionais da ABCF. Docente no Curso de Formação de Mediadores da CLIP. Autor do livro "História de Amor entre um Advogado e uma Juíza" e de artigos sobre Alienação Parental e Mediação de Conflitos. E-mail: modestomendes@hotmail.com

 

Doações entre marido e mulher

Doações entre marido e mulher

Um tema que não é muito falado, mas que, nem por isso, deixa de ter relevância, é o das doações efetuadas entre cônjuges.

Em que termos podem ser feitas, quais as suas restrições, qual a validade destas doações, são algumas das perguntas que se colocam e que importa esclarecer.

Desde logo, o primeiro aspeto a considerar, prende-se com o regime de bens do casamento pois, sempre que o regime da separação de bens resulte, não de uma escolha de ambos, mas de uma imposição legal - nos casos em que não foi precedido do processo preliminar de casamento ou nos casos em que, um dos nubentes tenha, à data do casamento, 60 anos - as doações, que sejam feitas entre marido e mulher, são nulas nos termos do artigo 1762º do Código Civil.

Importa, também, salientar que são proibidas as doações de bens comuns, resultando esta proibição do princípio da imutabilidade do regime de bens, com o qual se pretende proteger o património comum do casal, proteção esta que pode assumir relevância em matéria de salvaguarda dos direitos de credores de ambos os cônjuges.

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Sendo possível a doação entre cônjuges, uma das especificidades a ter em conta é a de que o doador pode, a todo o tempo, revogar a doação, sendo este direito irrenunciável, o que se explica pelo facto de se pretender evitar que, através de ascendente físico, intelectual ou moral, de um dos cônjuges sobre o outro, o cônjuge beneficiário da doação, possa extorquir - ao outro - bens conseguindo, por esta via, modificar o regime de bens em que casou.

Para acautelar este perigo de extorsão nas doações entre casados, a lei consagrou a livre revogação destas, sem necessidade de o cônjuge revogante ter que invocar qualquer justificação para tal, permitindo assim que, caso a doação tenha sido fruto da pressão do outro cônjuge, o doador possa destruir a doação feita, sem que o outro tenha que ter conhecimento de tal revogação e sem que se possa opor à mesma.

Este direito de livre revogação, encontra-se previsto apenas para as doações efetuadas entre casados, não separados judicialmente de pessoas e bens.

Com efeito, a separação judicial de pessoas e bens, apesar de não dissolver o vínculo conjugal, extingue o dever de coabitação entre os cônjuges e, quanto aos bens, a separação produz os mesmos efeitos que se produziriam com a dissolução do casamento.

Assim, numa situação de separação judicial de pessoas e bens, já não se verificam os riscos de extorsão que levaram à consagração legal da livre revogabilidade das doações entre casados, razão porque o direito de livre revogação se encontra previsto apenas para as doações entre casados, não separados de pessoas e bens.

Por completude quanto ao regime da livre revogabilidade previsto na lei, refira-se que, os herdeiros do cônjuge doador não podem revogar a doação que este haja feito.

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Outro aspeto a considerar é o de que as doações de um cônjuge ao outro, não se comunicam, seja qual for o regime de bens, o que equivale a dizer que, ainda que o regime seja o da comunhão geral de bens, o bem doado, por exemplo, pela mulher ao marido, será sempre considerado bem próprio deste.

Já quanto ao regime da caducidade das doações entre casados, a lei prevê, no artigo 1766º do Código Civil, três situações em que esta caducidade opera automaticamente:

- quando o cônjuge beneficiário da doação morra antes do doador, exceto se este confirmar a doação nos três meses seguintes à morte daquele;

- quando o casamento seja declarado nulo ou anulado;

- quando seja decretado o divórcio ou a separação judicial de pessoas e bens.

Tomando em conta a redação da alínea c) do nº 1, do artigo 1766º do Código Civil, que refere que a doação entre casados caduca em caso de divórcio ou separação judicial de pessoas e bens «por culpa do donatário, se este for considerado único ou principal culpado» e, tomando em conta que, com a Lei nº 61/2008, de 31 de outubro de 2008 deixou de existir o divórcio litigioso fundado na culpa de um dos cônjuges, colocou-se a questão de saber se, não podendo o divórcio ocorrer por culpa do cônjuge beneficiário da doação - não podendo este vir a ser considerado cônjuge único ou principal culpado pelo divórcio -, a causa de caducidade prevista na alínea c) do nº 1, do artigo 1766º do Código Civil devia, ou não, operar em caso de divórcio.

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A resposta a esta questão encontra-se na previsão do artigo 1791º, nº1 do Código Civil, na redação que lhe foi dada pela referida Lei nº 61/2008 que, a seguir se transcreve:

«1 – Cada cônjuge perde todos os benefícios recebidos ou que haja de receber do outro cônjuge ou de terceiro, em vista do casamento ou em consideração do estado de casado, quer a estipulação seja anterior quer posterior à celebração do casamento.».

Ou seja, por efeito do divórcio, os cônjuges perdem todos os benefícios, não carecendo o cônjuge de ser declarado, como era antes da entrada em vigor da Lei nº 61/2008, único e principal culpado. Um dos benefícios é o da doação que tenha sido feita entre casados.

Tomando em conta que, crê-se, por lapso, não foi alterada a redação da parte final da alínea c) do nº 1 do artigo 1766º do Código Civil, - que deveria ter sido adequada à nova redação do artigo 1791º do mesmo Código, que eliminou a referência ao cônjuge declarado único ou principal culpado -, deve ser considerado que esta se encontra tacitamente revogada na parte em que faz depender a caducidade da doação da exigência de o divórcio ter ocorrido por culpa do beneficiário da mesma sendo este considerado cônjuge único ou principal culpado.

Deste modo, a interpretação que deve ser feita da alínea c) do nº 1 do artigo 1766º do Código Civil é a de que, a doação entre casados, caduca sempre por efeito do divórcio. Neste sentido, encontramos o parecer nº 44/CC/2014, do Instituto dos Registos e do Notariado, datado de 18 de agosto de 2014. Também no sentido de que se deve fazer uma interpretação revogatória ou ab-rogante da alínea c) do nº 1, do artigo 1766º do Código Civil refere-se, a título de exemplo, o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 21 de fevereiro de 2017.

Conforme resulta do referido parecer, operando a caducidade por efeito do divórcio, terá que ser feito um novo registo de aquisição, pelo doador, invocando como causa a caducidade da doação, por forma a extinguir o direito na esfera jurídica do beneficiário da doação.

Caducando a doação, o doador pode determinar que esta reverta para os filhos do casamento, conforme previsão do artigo 1791º, nº 2 do Código Civil, com o que se pretende proteger os interesses dos filhos do casamento, fazendo-se reverter a doação a favor destes.

Seguindo de perto o aludido parecer nº 44/CC/2014 neste segmento, resulta que: «o registo a fazer, na sequência da caducidade da doação, deverá ser de aquisição a favor dos filhos do casamento, tendo por base a declaração de vontade do doador destinada a operar em face do divórcio, do efeito patrimonial extintivo em tabela e da existência de filhos comuns do dissolvido casal

As questões que acabámos de referir, apesar de não esgotarem o tema das doações entre casados, são as que, em termos gerais, se apresentam como mais relevantes e que, por isso, cumpre assinalar.

O processo de inventário subsequente à dissolução da sociedade conjugal

O PROCESSO DE INVENTÁRIO SUBSEQUENTE À DISSOLUÇÃO DA SOCIEDADE CONJUGAL

E quando chega ao fim?

 

O processo de inventário para partilha de bens, decretada que esteja a separação judicial de pessoas e bens ou o divórcio ou declarado nulo ao anulado o casamento, é tramitado, desde 2 de Setembro de 2013, nos Cartórios Notariais.

De facto, com a publicação da Lei n.º 23/2013, de 5 de Março (RJPI), concretizou-se a pretensão legislativa anunciada desde a Lei 29/2009 de 29 de Junho, de conferir aos processos de inventário uma tramitação primordialmente não judicial, vindo tal Lei a ser regulamentada pela Portaria nº 278/2013, de 26 de Agosto, posteriormente alterada pela Portaria nº 46/2015, de 23 de Fevereiro.

            Assim, o inventário para separação de meações, destinado a partilhar os bens comuns do casal, nomeadamente em caso de divórcio, à luz daquela Lei, passou a ser tramitado no Cartório Notarial sediado no município do lugar da casa de morada de família (nos termos do artigo 3º, nº 6, do RJPI; na falta desta, o cartório notarial competente é aquele que vem referido nos termos da alínea a) do número 5 do artigo 3º e, assim, o Cartório da situação dos bens a partilhar).

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Dispõe o artigo 1688.º do Código Civil que «As relações pessoais e patrimoniais entre os cônjuges cessam pela dissolução, declaração de nulidade ou anulação do casamento, sem prejuízo das disposições deste Código relativas a alimentos; havendo separação judicial de pessoas e bens, é aplicável o disposto no artigo 1795.º-A.».

Ora, havendo que proceder à partilha do património comum do casal e liquidação do passivo da sociedade conjugal, por cessarem aquelas relações patrimoniais entre os cônjuges, o processo adequado é o previsto nos artigos 79º e 80º do RJPI.

Este processo de inventário segue a tramitação prevista para o processo comum de inventário, nos termos do artigo 79º, nº 3, 1ª parte, com as especificidades decorrentes do fim a que se destina, da natureza do património a partilhar, bem como as aludidas nos mencionados artigos 79º e 80º e, assim, designadamente, com a possibilidade de o Notário, em qualquer estado da causa, poder remeter o processo para mediação, relativamente à partilha de bens garantidos por hipoteca, salvo quando alguma das partes expressamente se opuser a tal remessa.

Este processo tem uma tramitação nos Cartórios Notarias e, chegada a fase de ser proferida sentença homologatória da partilha, o mesmo é remetido para o Tribunal da Comarca do Cartório Notarial onde o processo foi apresentado, sendo aí distribuído (artigos 66º, nº 1, 3º, nº 7, 83º do RJPI e artigo 212º §7 do CPC aprovado pela Lei 41/2013, de 26 de Junho).

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O Tribunal de 1ª instância da Comarca do Cartório Notarial intervirá no processo de inventário, para além do momento em que deva proferir decisão homologatória da partilha (artigo 66º do RJPI), também para conhecer dos recursos que venham a ser interpostos da decisão do Notário (Cfr., designadamente, artigos 16º, nº 4, 57º, nº 4).

Intervenção diversa desta, que nada tem que ver com a intervenção na sequência da distribuição acima referida, é o conhecimento, pelos tribunais de 1ª instância das acções que lhes vierem a caber, sempre que, ao abrigo dos artigos 16º,nºs 1 , 17º, nº 2, 36º, nº 1 e 57º, nº3, seja caso de remessa dos interessados para os meios judiciais comuns.

Assim, a competência para a tramitação a cargo dos Notários, não abrange todos os actos a praticar no âmbito do processo de inventário, por um lado e, por outro, assiste às partes o direito de acção judicial para as questões que, atenta a sua natureza ou complexidade da matéria de facto e de direito devam ser decididas nos meios comuns.

No primeiro caso, a intervenção judicial cabe ao Tribunal da Comarca do Cartório Notarial (artigo 3º, nº 7, do NRJPI). No segundo caso, a tramitação destas acções judiciais caberá aos Tribunais competentes de acordo com as regras gerais sobre a competência do artigo 59º e segs do CPC.

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Este novo regime legal trouxe alterações significativas, designadamente, no paradigma de intervenção do Juiz, com repercussão nos papéis atribuídos aos demais intervenientes processuais, como é o caso do Ministério Publico, cuja intervenção foi mitigada.

Para a sua análise, importa que não percamos de vista a génese deste regime e os pressupostos que lhe estão subjacentes.

Efectivamente, esta tramitação a «duas mãos», efectuada à luz de uma Lei em muitas matérias omissa e que convoca, assim, a aplicação do Código de Processo Civil (82º RJPI), importa, para além das dificuldades naturais da articulação entre os dois regimes, a dificuldade acrescida de interpretar o regime supletivo à luz de um novo paradigma da intervenção do Juiz.

Uma nota importa que se deixa a este propósito: a necessidade de não se perder de vista que a opção legislativa pela referida dualidade de intervenientes, pelo formato a atribuir ao processamento do inventário, designadamente, no que toca à intervenção do tribunal e à articulação entre a função notarial e a função jurisdicional, foi sendo sedimentada à luz da necessidade de expurgar qualquer anátema de inconstitucionalidade do diploma.

E esta questão coloca-se a propósito daquela que é a intervenção principal do Juiz no processo de inventário, constituída pela decisão homologatória da partilha.

Subjaz à decisão da partilha o despacho determinativo da forma da partilha, o mapa da partilha e as operações de sorteio, destinando-se a sentença a homologar tais operações.

Poderá ocorrer a não homologação, pelo Juiz, da partilha, para o que mencionará fundamentadamente os motivos determinantes da não confirmação dos actos anteriormente praticados, desencadeando, em sede notarial, a realização de novos actos de partilha ou a prática de actos que, por omitidos, impedem aquela homologação (previsão que não se mostra presente no RJPI e que encontrávamos enunciada na Lei 29/2009, de 29 de Junho: «A decisão de não homologação deve ser fundamentada e propor a forma da realização da nova partilha pelo conservador ou notário.», artigo 60º, nº 2, da Lei 29/2009, de 29 de Junho).

De facto, impende sobre o Juiz o dever de verificar a legalidade da partilha, do ponto de vista substantivo (cumprimento das disposições legais substantivas) e processual (nulidades e excepções de conhecimento oficioso), o que foi expressamente reconhecido no Parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias da Assembleia da República de 12.12.2012, sobre a Proposta de Lei nº 105/XII, que antecedeu a Lei 23/2013, de 5 de Março, nos seguintes termos: «(…) algumas normas da Proposta suscitaram dúvidas quanto à sua constitucionalidade (…). O que está em causa é a alegada violação do princípio constitucional da reserva jurisdicional (…), não só porque pode entender-se que o juiz perde o controlo geral do processo, que passa para o notário, mas também porque este último passa a realizar verdadeiros julgamentos e facto e de direito, apreciando a prova documental e testemunhal apresentada, exercendo, nessa medida, verdadeiros poderes jurisdicionais, que a Constituição reserva exclusivamente aos tribunais. (…) essas indicadas dúvidas ou desconformidade podem suavizar-se ou ultrapassar-se com o poder de homologação da partilha que o art 66°. da Proposta confere ao juiz. Com o despacho que, a final, tem de proferir, o juiz deve verificar a legalidade de todos os atos praticados, validando-os e confirmando-os ou não e conferindo-lhes depois força de sentença. (…) Com a presente proposta, qualquer questão litigiosa ou indevidamente decidida pelo notário, acabará sempre e em última instância (por maioria de razão se as partes assim o desejarem com uma impugnação ou com um recurso) por ser apreciada e escrutinada por um juiz.»

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A atribuição aos Cartórios Notariais da competência para efectuar o processamento dos actos e termos do processo de inventário é, inequivocamente, a tónica dominante deste novo regime (artigo 3º).

O Notário, órgão próprio da função notarial, exerce as suas funções em nome próprio e sob sua responsabilidade, com respeito pelos princípios da legalidade, autonomia, imparcialidade, exclusividade e livre escolha, cabendo-lhe praticar alguns dos actos que, na previsão do Código de Processo Civil, eram antes do RJPI praticados pelo Juiz.

Nesta medida, pela ordem porque deverão ser praticados num processado típico, cabe ao Notário: a nomeação do cabeça de casal (artigo 22.º), excepção feita aos casos em que se verifique a previsão do artigo 2083º do Código Civil; Tomar as declarações de cabeça de casal (artigo 24.º); Receber a relação de bens (artigo 25.º); Determinar a realização das citações (artigos 28.º e 29.º); Receber as oposição e impugnações ao inventário e reclamações contra a relação de bens ( artigos 30.º a 32.º), as respostas do cabeça de casal sobre as reclamações (artigo 35.º); Decidir as reclamações ou determinar que é caso de remessa para os meios judiciais comuns (artigos 35.º e 36.º); Resolver as questões suscitadas que possam influir na partilha e determinados os bens a partilhar; Designar data para a realização de conferência preparatória da conferência de interessados (artigo 47.º); Sendo caso, determinar a avaliação dos bens (artigo 33.º); Conhecer dos pedidos de adjudicação de bens (artigo 34.º); Presidir à conferência preparatória (artigos 47.º e 48.º); Designar data e presidir à conferência de interessados; Proferir despacho determinativo do modo como deve ser organizada a partilha (artigo 57º, nº 2 ); Proceder à organização do mapa da partilha (artigo 59º); Decidir as reclamações contra o mapa da partilha (artigo 63º); Presidir ao sorteio de lotes, sendo caso de a tal proceder (artigo 64º); Proceder à emenda da partilha, havendo acordo de todos os interessados ou proceder à rectificação de erros materiais que a mesma contenha (artigo 70º); Proceder à partilha adicional (artigos 74º e 75º) e à partilha em casos especiais (Inventário em consequência de justificação de ausência – artigos. 77.º e 78.º - e Inventário em consequência de separação, divórcio, declaração de nulidade ou anulação de casamento – artigo 79.º).

Pode ocorrer, por determinação do Notário, a remessa para os meios comuns, a requerimento dos interessados ou oficiosamente.

No que a tal remessa diz respeito, importa atentar no que estabelece, desde logo, o artigo 16.º, nos termos do qual o Notário, oficiosamente ou a requerimento de qualquer interessado, pode entender que existem questões insusceptíveis de serem decididas no processo de inventário, caso em que poderá remeter as partes para os meios comuns.

Assim, o Notário determina a suspensão da tramitação do processo sempre que, na pendência do inventário, se suscitem questões que, atenta a sua natureza ou a complexidade da matéria de facto e de direito, não devam ser decididas no processo de inventário, remetendo as partes para os meios judiciais comuns até que ocorra decisão definitiva, para o que identifica as questões controvertidas, justificando fundamentadamente a sua complexidade (artigo 16º, nº 1).

Para tanto, o Notário deverá fundamentar tal remessa, elencando os fundamentos porque as questões não devam se decididas no processo de inventário, concluindo pelo convite à interposição da acção para resolução da questão em apreço.

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Sobre a remessa para os meios comuns estatui, também, o artigo 17º, nº 2.

Nos termos estabelecidos neste preceito, poderá o Notário determinar a remessa dos interessados para os meios judiciais comuns, quando a complexidade da matéria de facto subjacente à questão a dirimir torne inconveniente a decisão incidental no inventário, por implicar a redução das garantias das partes.

Caberá ao Notário, também aqui, efectuar um juízo de conveniência sobre a resolução da questão e a eventual redução das garantias das partes.

A estas duas normas acresce uma outra que, igualmente, prevê tal remessa.

Assim, tendo sido deduzida reclamação contra a relação de bens e sendo insuficientes as provas para as decidir, estatui o artigo 36º nos seguintes termos: quando a complexidade da matéria de facto ou de direito tornar inconveniente, nos termos do n.º 2 do artigo 17.º, a decisão incidental das reclamações, o notário abstém-se de decidir e remete os interessados para os meios judiciais comuns (nº1). Nesta circunstância, não são incluídos no inventário os bens cuja falta se acusou e permanecem relacionados aqueles cuja exclusão se requereu ( nº2).

Cabe aqui a possibilidade de o Notário, com base numa apreciação sumária das provas produzidas, deferir provisoriamente as reclamações (à semelhança da admissibilidade de resolução provisória prevista no artigo 17º, nº 2), com ressalva do direito às acções competentes (artigo 36º, nº 3).

Estamos aqui, novamente, perante a necessária realização de um juízo de conveniência.

Concluindo-se pela inconveniência da decisão incidental, por implicar redução das garantias das partes, decidirá o Notário que a resolução da questão deverá ser feita em acção autónoma, que acautele estas garantias, em consequência do que remete os interessados para os meios comuns. Também aqui a decisão do Notário deverá ser fundamentada, explicitando-se o motivo porque a decisão incidental poria em causa as garantias das partes.

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Por fim, encontramos a previsão da remessa para os meios comuns no artigo 57º, nº 3, que não prescinde, igualmente, da formulação de um juízo de conveniência e da necessária fundamentação da decisão de remessa para os meios comuns.

O momento adequado para a remessa para os meios comuns que encontra previsão neste preceito ocorre depois de realizadas as conferências – preparatória e de interessados-, e quando o processo se encontra na fase da partilha.

Cabendo ao notário proferir despacho determinativo do modo como deve ser organizada a partilha, cabe-lhe igualmente resolver todas as questões que ainda o não tenham sido e que seja necessário decidir para a organização do mapa da partilha.

A remessa para os meios judiciais comuns, que deverá ser devidamente fundamentada, constitui uma excepção à regra de que cabe aos Notários praticar os actos e termos do processo de inventário (artigo 3º, nº 1) e justifica-se apenas em circunstâncias excepcionais em que a resolução das questões a decidir careçam de uma indagação que se não compadeça com a natureza incidental da tramitação em inventário.

Estas acções deverão ser interpostas nos Tribunais competentes à luz das regras de repartição de competência do Código de Processo Civil, acções estas com total autonomia do processo de inventário.

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Detemo-nos, de seguida, nas duas conferências que poderão ocorrer no processo de inventário: a conferência preparatória e, não terminando o processo nesta conferência, nos termos permitidos pelo artigo 48º, nº 6, a conferência de interessados.

A conferência preparatória da conferência de interessados, com previsão nos artigos 47.º e 48º, é designada logo que resolvidas as questões suscitadas que sejam susceptíveis de influir na partilha e determinados que foram os bens a partilhar.

Destina-se esta conferência à deliberação sobre as verbas que devem compor, no todo ou em parte, o quinhão de cada um deles e os valores por que devem ser adjudicados; à indicação das verbas ou lotes e respectivos valores, para que, no todo ou em parte, sejam objecto de sorteio; ao acordo sobre a venda total ou parcial dos bens.

Esta conferência é, ainda, o momento próprio para os interessados deliberarem sobre a aprovação do passivo.

À semelhança do que já acontecia no regime do Código de Processo Civil, o inventário pode findar na conferência (artigo 48º, nº 6, do RJPI).

Neste caso, se o inventário findar por acordo na conferência preparatória, deverão os autos ser remetidos para tramitação judicial, por forma a que seja proferida sentença homologatória da partilha; Poderá equacionar-se, todavia que, havendo acordo, procedam as partes a um acordo de partilha que prescinda da intervenção judicial.

A conferência de interessados, prevista no artigo 49º, destina-se à adjudicação dos bens e tem lugar nos 20 dias posteriores ao dia da conferência preparatória, devendo a sua data ser designada pelo Notário.

A adjudicação dos bens em processo de inventário faz-se por acordo (afectando-se determinados bens a integrar o quinhão de cada um dos herdeiros) por sorteio (sendo os quinhões preenchidos pelos bens que venham a caber em sorte a cada um dos herdeiros) ou em resultado da venda dos bens, adjudicação esta que é o objecto da regulação do artigo 49º.

A adjudicação a que se refere o artigo 49º é efectuada mediante propostas em carta fechada, devendo o Notário, pessoalmente, proceder à respectiva abertura, salvo nos casos em que aquela forma de alienação não seja admissível, sendo que o valor a propor não pode ser inferior a 85% do valor base dos bens.

Se não forem apresentadas propostas em carta fechada, ter-se-á que proceder à venda mediante negociação particular, a realizar pelo Notário, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no Código de Processo Civil quanto à venda executiva por negociação particular, na mesma medida em que se aplicara à venda por abertura de propostas em carta fechada as regras da venda executiva (artigos 50º, nº 2 e 51º, in fine).

Encerrada a conferência de interessados, eis-nos chegados ao momento da efectivação da partilha, que culminará com decisão homologatória da partilha (artigo 66º), momento em que os autos são remetidos para tramitação judicial.

Para além de proferir sentença homologatória da partilha, incumbe ao Juiz a prática dos seguintes actos no processo de inventário: a) Com previsão na Lei 23/2013, de 5 de Março: Homologação do acordo dos interessados que põe fim ao processo na conferência preparatória (48º, nº 7 e 66º, nº 1 RJPI); Decisão homologatória da partilha (66º, nº 1 RJPI); Decisão do recurso interposto da decisão do notário que indeferir o pedido de remessa das partes para os meios comuns (artigo 16º, nº 4 RJPI); Decisão do recurso interposto do despacho determinativo da forma da partilha (57º, nº 4 RJPI); Decisão, a final, sempre que as questões revistam especial complexidade, do pagamento de um valor superior de taxa de justiça, dentro dos limites estabelecidos na Tabela do RCP ( 83º, nº 1, RJPI); b) Com previsão na Portaria 46/2015, de 23 de Fevereiro (que Regulamenta o processamento dos actos e os termos do processo de inventário no âmbito do Regime Jurídico do Processo de Inventário aprovado pela Lei n.º 23/2013, de 5 de Março): Decisão sobre os valores dos honorários previstos para os processos de inventário de especial complexidade, bem como para os incidentes de especial complexidade (18º, nº 4 e 5, da Portaria 46/2015, de 23 de Fevereiro); Decisão da reclamação da nota final de honorários e despesas (24º da Portaria 46/2015, de 23 de Fevereiro); c) Com previsão no Código Civil: Designar cabeça de casal quando todas as pessoas referidas no artigo 2080º do Código Civil se escusarem ou forem removidas (2083º do Código Civil); d) Com previsão no Código de Processo Civil: Apreciação da legitimidade da escusa com fundamento em sigilo profissional e incidente de dispensa do dever de sigilo, nos termos do artigo 135.º, do Código de Processo Penal, junto do Tribunal da Relação respectivo, que dela deva conhecer (417º, nº 3, c) e nº 4 do CPC e artigo 135.º, do Código de Processo Penal); Decisão dos recursos interpostos das decisões dos Notário, nos casos em que cabe recurso de apelação (76º, nº 2, 1ª parte, RJPI e 644º CPC).

A sentença homologatória de partilha, uma vez transitada em julgado, põe, em regra, termo ao processo de inventário.

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Após o trânsito em julgado da sentença homologatória da partilha, o Cartório Notarial, que retoma a tramitação do processo, emite a nota final de honorários e despesas e, após o pagamento da 3.ª prestação de honorários e de eventuais despesas em falta, procede ao encerramento do processo de inventário, competindo-lhe emitir a respectiva certidão (artigo 25º da Portaria citada).

Aqui chegados, tendo-se efectuado referência aos novos paradigmas da intervenção a cargo do Notário e do Juiz, importa referir que os advogados e solicitadores mantêm a intervenção que as normas do Código de Processo Civil já prescreviam pelo que, quanto a estes intervenientes, a intervenção mantém-se inalterada.

De facto, nos termos estatuídos pelo artigo 13º, é obrigatória a constituição de advogado no inventário se forem suscitadas ou discutidas questões de direito, bem como em caso de recurso de decisões proferidas no processo de inventário.

Assim, sempre que se interponha recurso ou se suscitem questões de direito, é obrigatória a intervenção de advogado.

Os advogados-estagiários, os solicitadores e as partes podem fazer requerimentos onde não se suscitem questões de direito – artigo 32.º, n.º 2 do CPC, aplicável por força do disposto no artigo 82.º do RJPI.

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Concluindo se dirá que à beira de se completarem 4 anos sobre a entrada em vigor da Lei nº 23/2013 de 5 de Março, a prática dos Cartórios Notariais, a prática junto destes de actos pelos demais intervenientes processuais, como os advogados, os solicitadores e a intervenção do Juiz são e serão determinantes na efectivação da mudança preconizada por esta Lei.

Só pelos reflexos da aplicação deste novo regime se poderá aferir da bondade da opção legislativa, ditada pela necessidade de descongestionamento dos tribunais e pela necessidade de atribuir celeridade a um processo particularmente moroso.

Se a evolução legislativa no sentido de que os conflitos familiares saiam da esfera do judiciário - e bem sabemos que o processo de inventário se encontra, na maioria das vezes, eivado de conflitos familiares de intensidade acentuada -, não está isenta da criticas, aqui chegados, aprovada que está a Lei, importa que procuremos olhar para este novo regime recentrando a discussão e colocando-a ao serviço do cidadão.

 

«Embora ninguém possa voltar atrás e fazer um novo começo, qualquer um pode começar agora e fazer um novo fim.»

 

                                                                                 Lisboa, 10 de Março de 2017

Carla Câmara

 

Residência Alternada: da lenda urbana à realidade social

Residência Alternada: da lenda urbana à realidade social

 

Nas últimas duas décadas tem-se assistido a mudanças nas relações conjugais e parentais de forma significativa. Desde o 25 de abril de 1975 que observamos a existência de uma pressão para alterações legislativas sobre o poder político-legislativo em função das mudanças sociais. De facto, as mudanças sociais têm-se traduzido igualmente em mudanças no seio da família, em particular na conjugalidade e na parentalidade. Os papéis de género na família passaram a ser questionados (Wall & Amâncio, 2007), os filhos assumiram um outro lugar na família, com outras funções (Cunha, 2007), e os direitos e liberdades individuais afirmadas pelos movimentos sociais pós-revolução traduziram-se na afirmação dos valores da igualdade, de processos de individualização, de diversidade e de privatização da conjugalidade (Aboim, 2008). É nesta linha de transformações históricas e sociais que chegamos aos dias de hoje com novas realidades sociais, onde a diversidade familiar e o papel da afetividade na parentalidade assumem especial relevância. A opção pela residência alternada para crianças com progenitores em situação de dissociação conjugal tem assim assumindo, de forma crescente, um papel maior. Apesar de existirem desde os anos 80 estudos sociológicos em outros países com este objeto, a verdade é que, em Portugal, só com as alterações legislativas dos anos 90 e o próprio desenvolvimento da Sociologia da Família nesse período, foi possível observar esses novos rearranjos na família da criança. Os primeiros dados aparecem-nos em 2001, onde apontavam para 0,6% em 2001 (segundo o Ministério da Justiça) e terminam a sua recolha em 2006, com valores de 3% (Marinho, 2011) dos casos em tribunal com guarda conjunta[1]. Passados 10 anos após a publicação destes dados e tendo em conta que uma parte dos regimes de convívio das crianças no pós-divórcio/separação com os seus progenitores não refletem a formalidade jurídica (não aparecendo sequer nas estatísticas), somos levados a crer que devemos hoje ter percentagens de crianças em residência alternada muito superiores ao que comumente é percecionado. Aquilo que era visto nos anos 90 como uma lenda urbana, nos dias de hoje assume-se cada vez mais como uma opção viável e uma realidade social com uma dimensão inegável. Aliás, vários Estados dos E.U.A., como Washington e Arizona apresentam percentagens de residência alternada acima de 30%. Em países europeus como a Bélgica, Dinamarca, Holanda, Suécia e França pelo menos 20% das crianças vivem em modelo de residência alternada (Nielsen, 2015).

 

No entanto, se a realidade social no âmbito das conjugalidades e das diferentes parentalidades tem evoluído, temos assistido a uma maior resistência por parte de outras instituições à aceitação dessa evolução, resultado de uma perceção cristalizada dos papéis de género na família. Falamos do sistema judicial e do próprio poder político-legislativo.

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Antes de avançarmos, convém definir conceitos, visto que frequentemente existe alguma confusão dos mesmos, quando lidamos com esta temática. Assim, quando falamos em residência alternada, estamos a referir-nos a um modelo particular de coparentalidade onde existe o exercício conjunto das responsabilidades parentais (na linguagem anglo-saxónica, joint legal custody) e um regime de convívio da criança com ambos os progenitores com tempos equilibrados, não inferior a 35% (Nielsen, 2014), ao ponto de existirem duas residências. Nos ordenamentos jurídicos onde ainda usam o conceito de guarda, estaríamos perante uma guarda conjunta legal, com uma guarda física partilhada[2]. É nesta diversidade de interpretações nacionais quanto a estes conceitos que surgem confusões quanto, por exemplo, à guarda partilhada e guarda alternada, confusões essas, que muita das vezes são usadas como bloqueio por parte do poder judicial à aceitação desta nova realidade familiar. A discussão atualmente tida no Brasil sobre o conceito de guarda compartilhada demonstra claramente essa confusão (IBDFAM, 2013), agarrando-se ao conservadorismo da doutrina, que demonstra mais o imobilismo caraterístico de vários sistemas judiciais na área da família, do que uma adesão às novas realidades sociais, em particular, quanto às diferentes dinâmicas na construção da parentalidade no pós-divórcio. Ainda que recentemente existam tentativas de esclarecimento do conceito de domicílio[3] em situações da guarda compartilhada na Lei Federal 13.058 (Silva F. S., 2017), a verdade é que a confusão de conceitos, querendo associar a alternância entre residências à alternância da guarda, tem contribuído para um avanço lento das instituições na criação de novas perceções sobre a realidade social. Estas e outras tentativas de esclarecimento têm por base um olhar sobre as práticas parentais pós-divórcio, onde encontrarmos, em particular, uma diversidade nas de coparentalidade que vão desde a conjunta, à igualitária, passando pela paralela (Marinho, 2011). Se o regime regra na regulação do exercício das responsabilidades parentais é o exercício conjunto quanto aos atos de particular importância, ou seja, questões como mudança de residência da criança, mudança de escola que implique a mudança de residência, questões de âmbito religioso, de mudança de escola publica para privada (e vice-versa), entre outras (Rodrigues, 2011), facilmente compreendemos que na prática, mesmo quando estamos perante parentalidades paralelas, com forte autonomia dos ex-cônjuges e fraca coordenação (Leandro, 2008), não se coloca de todo a questão da guarda alternada. Naturalmente, a esmagadora maioria das decisões do quotidiano são tomadas pelo progenitor com quem a criança se encontra naquele momento, mesmo que a comunicação seja reduzida e/ou formal entre eles, como é típico nas parentalidades paralelas de residência única, mas igualmente em situações de residência alternada. Assim sendo, não se entende que se associe a questão dos tempos de convívio e da residência a uma alternância de decisões, pois estaremos sempre na presença das mesmas quanto aos atos de vida corrente. O cumprimento das orientações educativas mais relevantes torna-se sem sentido em situações de residência alternada (e mesmo em residência única), pois, como já foi referido, em função da diversidade de parentalidades, a criança acaba sempre por ter várias orientações educativas, sem que isso levante qualquer problema ao seu desenvolvimento. Aliás, a inclusão deste conceito surge mais como reação às criticas do estabelecimento do regime regra do exercício conjunto, do que de uma necessidade centrada no desenvolvimento da criança. Se olharmos ainda para exercício de atos de particular importância, dificilmente são executáveis sem o consentimento do outro progenitor, até porque envolve geralmente terceiros, seja a escola, uma igreja, um hospital, uma organização desportiva[4].

Resumindo, quando falamos em residência alternada referimo-nos ao exercício conjunto das responsabilidades parentais, com a produção de um quotidiano familiar e social com a criança (Marinho, 2011), onde se incluem a partilha dos tempos, cuidados, orientações educativas e a existência de duas residências[5].

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Isto leva-nos às interpretações doutrinais que têm sido feitas sobre este modelo. Num contexto de resistência ao conceito por parte de alguns magistrados e face à necessidade de as ultrapassar, Helena Bolieiro e António José Fialho[6] (CEJ, 2012), numa formação no Centro de Estudos Judiciais, em 2012, avançam com os seguintes critérios normativos para o estabelecimento do regime de residência alternada:

- O superior interesse da criança

- O acordo dos progenitores

- A disponibilidade manifestada por cada um deles para promover relações habituais do filho com o outro

- A possibilidade de a criança manter uma relação de grande proximidade com ambos os progenitores

- Os acordos que os pais estabeleçam e que permitam amplas oportunidades de contacto e de partilha de responsabilidades entre eles

 

Ao mesmo tempo, apontam para critérios orientadores:

- O superior interesse da criança

- A capacidade de diálogo, entendimento e cooperação por parte dos progenitores

- Um modelo educativo comum ou consenso quanto às suas linhas fundamentais

- A proximidade geográfica

- A opinião e a idade da criança

- A ligação afetiva com ambos os progenitores

- A disponibilidade dos pais para manterem o contacto direto com a criança durante o período de residência que a cada um cabe

- As condições habitacionais e económicas de cada um deles (equivalentes ou suficientes)

Nesta interpretação doutrinal e que acabou por refletir-se em alguma jurisprudência portuguesa, o regime de residência alternada está sujeito a pré-requisitos, que a instituição judicial considera como fundamentais[7] para a criança, decorrente da interpretação do texto da Lei. Assim, este foi o caminho encontrado por alguns magistrados. com responsabilidades de formação para avançarem com a disseminação do conceito, mas sem que tal significasse a aplicação rígida, nas suas práticas, desses mesmos critérios. No entanto, não deixa de ser relevante para a análise, que esta interpretação, que se destinava aos aplicadores do Direito, parte das representações e práticas judiciais de alguns operadores do Direito, onde é assumido o enviesamento das mesmas, colocando o sistema judicial em tensão com realidade social. Deve, no entanto, influir para estas perceções e práticas judiciais, não só as construções e representações sociais estereotipadas dos atores da área do Direito sobre a ideia de família, de relações conjugais e parentais, mas também a evidência empírica e científica, além da orientação normativa já referida. Na medida em que a norma jurídica deixa larga amplitude à decisão casuística quanto ao regime adequado a cada criança em situações de divórcio/separação dos seus progenitores e supondo que a mesma que pretende estabilizar as relações sociais, torna-se necessário fazer chegar aos diferentes atores do Direito a diversidade e dinâmicas das relações familiares em Portugal, ajudando a alterar as perceções e práticas judiciais no sentido da coparentalidade. A relação jurídica familiar enquanto conceito fulcral do Direito de Família (Pinheiro, 2010) não é apenas permeável à realidade social, mas igualmente à ideologia dominante em cada época histórica. “No campo do Direito da Família e das Crianças, a neutralidade legislativa é impossível. A lei reflete sempre ideologias, conceções de vida[8]. O conceito de coparentalidade surge nos 70 e começa a afirmar-se como construto científico nos anos 80, na procura de um campo comum centrado nas necessidades das crianças e resultado do aumento significativo dos divórcios nos E.U.A.. Assim, o próprio conceito de coparentalidade, onde a residência alternada se insere, apesar de refletir novas dinâmicas familiares, não deixa igualmente de pertencer a um sistema de ideias que se vai impondo no sistema judicial. Se o ponto de partida, em face das referidas evidências, deverá ser a residência alternada, não podemos afirmar que tal modelo se aplique a todas as crianças e à sua família.

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Mas porque devemos então considerar a residência alternada como o ponto de partida?

A evidência cientifica dos últimos 30 anos aponta para que sim. No entanto, não devemos cair no erro de entender que este modelo é adequado a todas as crianças e famílias. O que se deve ter em consideração para o superior interesse da criança, é que a distribuição do tempo deve assegurar o envolvimento de ambos os progenitores nas rotinas diárias da criança (e.g., rituais de adormecimento, transições para a escola, atividades de lazer) (Lamb, Sternberg, & Thompson, 1997). Esta consideração deve ter em conta as necessidades de desenvolvimento, o temperamento e as circunstâncias individuais de cada criança, bem como as características únicas de cada família. O que nos leva a referir um instrumento muito útil, os planos parentais, que em Portugal não tem nenhuma tradição, mas é amplamente usado nos países anglo-saxónicos, pois permitem uma adaptação das diferentes formas de convívio às necessidades de desenvolvimento da criança e da sua família, ao longo do tempo. Na Europa, outros países, como a Suécia, já se socorrem deste instrumento, pelo que em Portugal deverá ser objeto de mais interesse.

Mas voltemos à questão dos aspetos positivos e menos positivos da residência alternada. Muitas das resistências a este modelo advêm de um quadro cultural e historicamente determinado, onde se empurra as mulheres para a função exclusiva de cuidadoras, geralmente primárias, ao mesmo tempo que se exige que as mesmas compitam com os homens no espaço público, em igualdade de circunstâncias. E enfrenta, em Portugal, como em outros países, o mito da maternidade[9], onde se estabelece a presunção natural que as crianças com menos de três anos não podem estar afastadas das suas mães. Ora, a ciência mais uma vez vem desmentir esta tese, que é mais ideológica e cultural. Richard Washark, Professor de Psiquiatria Clínica na Universidade de Texas, nos EUA, publicou um relatório subscrito por 110 especialistas reconhecidos nesta área, concluindo que as crianças de idades mais novas (bebés com menos de 4 anos) precisam de pernoitas com ambos os progenitores numa situação de separação (Warshak, 2014). Num comunicado do próprio Warshak este afirma:

Warshak, citando pesquisas aceites dos últimos 45 anos, opõem-se à ideia de que as crianças abaixo dos 4 anos (ou dos 6), precisam de passar o seu tempo exclusivamente com um progenitor e que não conseguem aceitar estar longe desse progenitor, mesmo recebendo afeto e carinho do outro progenitor. Proibições ou avisos contra as crianças e bebés a passarem a noite ao cuidado do seu pai são inconsistentes com o nosso atual conhecimento do desenvolvimento da criança“[10] .

Diz-nos ainda:

“Os bebés e crianças precisam de progenitores que respondam consistentemente, afetivamente e sensitivamente às suas necessidades. Não necessitam, e a maioria não tem, um progenitor a full-time de presença constante. Muitas mães casadas e que são hospedeiras de bordo, doutoras e enfermeiras, trabalham em turnos noturnos que lhes mantêm longe das suas crianças e bebés durante a noite. Tal como estas mães casadas, as mães solteiras não precisam de se preocupar em deixar os seus filhos aos cuidados dos seus pais ou avós durante o dia ou noite.

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As mais promissoras investigações sobre a residência alternada vêem-nos, curiosamente, de um país Europeu, a Suécia. O Centre for CHESS - Health Equity Studies, tem publicado vários artigos dentro da linha de investigação sobre a temática da residência alternada e com dados muito relevantes. De uma forma geral, estes estudos têm demonstrado que as crianças que não convivem habitualmente com um dos progenitores têm mais problemas psicossomáticos que as crianças que vivem em famílias nucleares. No entanto, as crianças em residência alternada, em análise longitudinal, apresentam melhor saúde psicossomática que crianças que apenas convivem com um dos progenitores.

As crianças em residência alternada em comparação com as crianças em residência única (Bergström, Fransson, & Hjern, Barn med växelvis boende, 2015) :

 

Em outra investigação, onde foram medidos o bem-estar subjetivo das crianças, a qualidade familiar e a relação com os pares (para uma amostra de 164.580 crianças entre os 12 e 15 anos) (Bergström, et al., 2013), os resultados demonstraram que as crianças em famílias nucleares apresentavam resultados elevados, resultados médios em residência alternada e resultados baixos em residência única.

Num outro estudo (Bergström, Fransson, Hjern, Köhler, & Wallby, 2014) com uma amostra de 1.297 crianças entre os 4 e 18 anos, 10% em situação de residência alternada (dados de 2011), foram observados nas crianças em famílias nucleares baixos problemas emocionais e de comportamento, bem como baixos problemas entre pares. As crianças em situação de residência alternada apresentavam resultados médios e em residência única, elevados, para os critérios referidos. Também foram observados os progenitores e as conclusões foram no mesmo sentido, com maior satisfação com a saúde, a situação social e económica em famílias com crianças em situação de residência alternada do que em residência única. Nos indicadores quanto a sintomas psicossomáticos e doenças das crianças, em crianças entre os 12 e 15 anos, mais uma vez as residências únicas apresentam piores resultados (Bergström, et al., 2015). Num artigo muito recentemente publicado por este centro, com uma amostra de 5.000 crianças entre os 10 aos 18 anos, foram encontradas as mesmas relações quanto ao modelo de residência quando avaliadas as condições económicas e materiais, as relações sociais entre progenitores e entre pares, saúde e comportamentos de saúde, condições de trabalho e segurança na escola e na comunidade e ainda atividades culturais e de lazer (Fransson, Låftman, Östberg, Hjern, & Bergström, 2017).

Mais surpreendente é um estudo que aponta que as crianças em residência alternada apresentam menores níveis de stress do que as crianças em residência única (Turunen, 2015), contrariando perceções que muitos profissionais da área da infância e juventude têm sobre esta matéria. Não será assim de estranhar que vários estudos demonstram uma elevada taxa de satisfação daqueles que viveram em residência alternada (acima dos 90%) e um número igualmente elevado de estudantes que afirma que seria do seu melhor interesse ter convivido mais com o seu pai (Nielsen, 2011).

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Poderíamos continuar a enunciar centenas de estudos científicos, revistos pelos pares e com credibilidade académica, que atestam a necessidade incontornável de se considerar a residência alternada em Portugal como uma das melhores hipóteses para as crianças cujos progenitores se separaram ou divorciaram. No entanto, seria demasiado exaustivo e nesta pequena amostra do estado da arte sobre esta matéria, ficou evidente que as críticas que são apresentadas em Portugal têm pouco fundamento ou são deliberadamente enviesadas com o objetivo de cumprir uma agenda ideológica, em contra corrente com a realidade social objetiva.

 

Em conclusão, tendo em conta o exposto, que a literatura internacional demonstra que o divórcio em si não trás, per si, consequências negativas para as crianças. As experiências negativas de divórcio é que colocam a criança em situação de vulnerabilidade. O mesmo será dizer que qualquer regime de residência será necessariamente negativo se prevalecer a longo prazo as situações de conflito parental. Fica claro, assim, que o caminho da residência única como modelo de proteção da criança é um modelo falhado e aqueles/as que insistem nele estão a condenar as crianças a uma maior violência do que daquela que dizem que as querem proteger. Se a residência alternada não protege totalmente as crianças das situações de conflito parental ou violência familiar, a verdade é que se apresenta, como se expôs, como o melhor ponto de partida para atenuar essa realidade. Mas também não será correto afirmar que toda esta evidência científica deva ser usada para fundamentar este modelo para situações onde estamos perante progenitores negligentes, não responsivos, abusivos ou progenitores que deliberadamente não tiveram qualquer convivência com a criança antes da separação (retirando daqui as situações de alienação parental ou falta de convivência por motivos profissionais e outros). Assim, não podemos ter posições extremadas, idealizando as relações familiares pós-divórcio, como se elas, na realidade, não sejam pautadas por ausência de amizade entre os progenitores, com algum conflito e mesmo falta de cooperação entre os progenitores. Esta é a realidade mais comum e em função dela devemos olhar para as melhores práticas parentais e apontar o caminho da coparentalidade.

Ficou igualmente evidente que as pernoitas de bebés em situação de residência alternada não apresentam resultados negativos para estes e são fundamentais para o estabelecimento de vinculações seguras com ambos os progenitores. Naturalmente, o modelo de residência alternada para crianças pequenas tem que ser adaptado em função do seu desenvolvimento, Ou seja, quando mais pequenas as crianças são, menos tempo de separação devem ter de cada um dos progenitores, devendo o tempo de convívio ir sendo alargado à medida que vão crescendo.

Em face desta conclusão, é necessário ouvirmos mais, não só as crianças, mas a família da criança, perceber as suas dinâmicas presentes e futuras. Contribuir, na medida do possível, para rearranjos familiares que melhor beneficiem a criança. Porque a realidade social está aí para demonstrar tudo isto que aqui falamos…

 

Ricardo Simões

Março 2017

Presidente da Direção da Associação Portuguesa para a Igualdade Parental e Direito dos Filhos

 

 

Referências

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Warshak, R. A. (fevereiro de 2014). Social science and parenting plans for young children: A consensus report. Psychology, Public Policy, and Law, 20, pp. 46-67.

 

 

[1] À altura os conceitos de Poder Paternal e de guarda estavam no ordenamento jurídico, sendo retirados (ainda que não totalmente) do mesmo após as alterações de 2008 na área do Direito de Família e das Crianças.

[2] Note-se que o conceito de guarda está associado a uma das situações jurídicas do Poder Paternal.

[3] Que difere de residência, quer no Brasil, quer em Portugal. O domicilio é o local onde a pessoa física possui habitualmente o seu local principal de residência ou exerce a sua atividade profissional, nos quais, exerce os seus direitos e obrigações. Assim, nada impede que possamos ter duas residências, pois habitualmente podemos residir alternadamente em duas habitações. A questão do domicílio torna-se assim como algo secundário, mas, no entanto, mantém-se em alguns países como justificação jurisprudencial e doutrinal para rejeitar a residência alternada. No entanto, Joaquim Manuel Silva esclarece-nos quanto à questão da residência(s) da criança e a sua admissibilidade legal, jurisprudencial e doutrinal (Silva J. M., 2016), pelo que não nos vamos deter mais com esta questão.

[4] Com isto não se pode ignorar os incumprimentos quanto à consulta e decisão conjunta de atos de particular importância, mas que, no entanto, aconteceriam sempre em qualquer regime de residência e convívios.

[5] E correspondente “circulação de práticas parentais e bens da criança” (Marinho, 2011).

[6] Juízes de Direito

[7] No seu “superior interesse

[8] Pinheiro, J. D. (2013). Ideologias e ilusões no regime jurídico do divórcio e das responsabilidades parentais. Em A. J. Fialho, Guia Prático do Divórcio e Responsabilidades Parentais. Lisboa: Centro de Estudos Judiciários. Obtido de http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/GuiaDivorcioRespParent/anexos/anexo26.pdf

[9] Sobre esta ideia vide Badinter, E. (1985). Um amor conquistado: o mito do amor materno. Rio de Janeiro, Nova Fronteira.

[10] Warshak, R. (2014). Press-Release: Experts Agree: Infants and Toddlers Need Overnight Care from Both Parents After their Separation, Dallas.