A formação dos profissionais na audição das crianças

A formação dos profissionais na audição das crianças:

Porque a audição das crianças é um assunto de suma importância, voltamos a este tema, hoje, na perspetiva da formação dos profissionais, formação essa direcionada para a referida audição.

Também neste segmento importa atentar nas Diretrizes para uma justiça amiga das crianças, adoptadas pelo Comité de Ministros do Conselho da Europa sobre a Justiça adaptada às crianças.

Concretamente, no que respeita à formação que os profissionais envolvidos deverão ter, assumem particular relevância, as Diretrizes 14 e 15.

Na Diretriz 14, refere-se que:

«14. Todos os profissionais que trabalhem com e para crianças devem receber a formação multidisciplinar necessária sobre os direitos e as necessidades das crianças de diferentes grupos etários, bem como sobre os processos que melhor se lhes adequam

A Directriz 15 recomenda que:

«15. Os profissionais que tenham contacto direto com crianças devem também receber formação sobre as formas de comunicar com crianças de todas as idades e fases de desenvolvimento, bem como com crianças em situação de particular vulnerabilidade»

No que respeita à formação multidisciplinar, é inegável que os profissionais da Justiça precisam de trabalhar, em equipa, com outros profissionais que lhes aportem tecnicidades específicas por forma a que, por exemplo, quando estão a ouvir uma criança, consigam depurar o que é dito, destacando o que é essencial do acessório, por forma a concentrar, com precisão, o que, de facto, a criança pretende, quer ou o que a faz sofrer e angustia.

É muito difícil, por exemplo, um juiz ouvir uma criança sem estar devidamente assessorado para o efeito, por um técnico que saiba traduzir o que a criança disse. Concretamente, por muito esforço que o juiz faça no sentido de perceber e contextualizar a audição da criança, em casos complexos, em que a criança se sente envolvida numa guerra entre as suas principais figuras de referência (os seus Pais), tal tarefa só terá a ganhar se for devidamente acompanhada por um psicólogo que esteja integrado no processo, conhecendo-o e conhecendo o menor.

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Essencial, também, é a formação que os profissionais deveriam receber sobre a forma como devem comunicar com a criança.

Perguntas sugestivas, perguntas cuja resposta é apenas um sim ou um não, perguntas que obrigam a criança a fazer uma escolha entre pai e mãe, são formas desadequadas de ouvir uma criança e que devem ser banidas.

No entanto, não basta banir este tipo de perguntas. Importa que os profissionais envolvidos adquiram conhecimento e maleabilidade mental para lidar com as crianças, impondo-se como necessária a frequência de formações, com outros profissionais, que os ajudem a lidar e a trabalhar com a criança.

As recomendações constantes das diretrizes 14 e 15 são válidas e deveriam ser encaradas como uma urgência de cada ordem jurídica.

Importa salientar que ouvir uma criança implica conhecer o seu desenvolvimento cognitivo e emocional, saber interpretar o seu choro, o seu silêncio, o que diz, o que não diz, etc.

Tal só com uma formação específica e direcionada é que poderá ser alcançado, por forma a se garantir uma audição livre e verdadeira da vontade da criança.

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Em matéria de formação, não podemos deixar de mencionar o relatório levado a cabo pela Agência dos Direitos Fundamentais da União Europeia, datado de 2015, denominado “Justiça adaptada às crianças: perspetivas e experiências dos profissionais

Neste relatório, é salientado o facto de as práticas de audição dependerem das competências profissionais de cada pessoa que está encarregue dessa função e, claro, variam de tribunal para tribunal e, mesmo, de região para região.

Conforme resulta deste relatório, existem regras e orientações que são utilizadas no Reino Unido e na Finlândia, que, por exemplo, permitem reduzir o número de audições e permitem melhorar a comunicação com a criança.

Ainda no quadro da justiça adaptada às crianças, encontramos várias Diretrizes que falam do direito que as crianças têm a estar representadas por advogado.

Destacamos, aqui, a Diretriz 37, a qual refere que:

«As crianças devem ter o direito a estar individualmente representadas por um advogado nos processos em que haja, ou possa haver, um conflito de interesses entre a criança e os pais ou outras partes envolvidas

Conforme decorre da Diretriz 39, os advogados em causa devem ter formação e conhecimentos sobre os direitos da criança e matérias conexas e receber formação contínua e aprofundada, o que, nos remete, aqui, novamente, para quanto já supra falado, sobre o problema real da falta de formação.

Ainda em matéria de representação, a Diretriz 42 refere que:

«Nos casos em que haja conflito de interesses entre os pais e as crianças, a autoridade competente deve nomear um tutor ad litem ou outro representante independente para defender os pontos de vista e os interesses da criança

Em Portugal, ainda não encontramos consagrada, na lei e na prática, esta realidade, não estando as crianças representadas, em juízo, por advogado.

Não podemos, aqui, deixar de mencionar o facto de um advogado nomeado para representar uma criança, nos termos constantes das Diretrizes supra, não poder ser um advogado qualquer, mas sim uma pessoa que esteja habilitada para o efeito, pelo que, o nosso entendimento é que esse advogado deveria estar credenciado pela Ordem dos Advogados para o efeito, devendo para tanto, ter a devida formação que o habilitasse a estar em juízo, em representação de uma criança, com tudo o que isso implique.

Não basta consagrar, sendo essencial e indispensável que estes direitos das crianças sejam salvaguardados, o que só se alcançará, se a realidade do tribunal for, efetivamente adaptada às crianças, em todas as suas vertentes.

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Conforme resulta do relatório da Agência dos Direitos Fundamentais da União Europeia, supra mencionado, a prática integrada no Reino Unido é bem diferente: em Inglaterra e no País de Gales, qualquer criança que tenha intervenção num processo cível, terá o apoio de um tutor que acompanhará o processo, em seu nome. Será este tutor, quem comparecerá em Tribunal, expressando os desejos e os sentimentos da criança em juízo.

Este tutor é, também, a pessoa responsável por explicar o processo à criança, mantendo-a ao corrente do mesmo e transmitindo-lhe, também, o seu desfecho, o que está de acordo com a recomendação da Diretriz 75.

O relatório identifica esta realidade como uma prática promissora.

Já na Finlândia, quando existe um conflito de interesses que impede os pais de um menor de serem os seus tutores num processo, é nomeado um tutor para representar a criança em tribunal.

Também, de acordo, com o relatório da Agência dos Direitos Fundamentais da União Europeia, esta realidade constitui uma prática promissora.

Em face destes dois exemplos e, olhando para a realidade de alguns Estados-Membros, não podemos deixar de concluir que os direitos da criança, neste segmento, estão ainda muito longe de se encontrarem salvaguardados, sendo necessária a adoção de medidas, em vários setores, que permitam assegurar que a justiça seja, de facto, adaptada às crianças.

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A defesa de uma maior intervenção das crianças nos processos que lhes respeitam, nomeadamente, através do seu direito de audição e do direito a serem representadas por advogado, não equivale à defesa da desejabilidade de que as crianças sejam trazidas para os processos judiciais.

O envolvimento de crianças em processos judiciais deve, tanto quanto possível, ser evitado, razão porque enfatizamos aqui que, no âmbito da Justiça adaptada às Crianças, as Diretrizes 24 a 26, recomendam que, antes do início do processo judicial, devem ser incentivadas as alternativas ao mesmo, como por exemplo, o recurso à mediação, a desjudicialização e a resolução alternativa de litígios, sempre que o recurso a estes meios permitam defender o interesse da criança, não devendo servir como obstáculos ao acesso da criança à Justiça.

Estas alternativas, consagradas na Diretriz 24, devem assegurar um nível de garantias jurídicas equivalente ao que a criança teria num processo judicial, conforme resulta da Diretriz 26.

Para que a criança possa participar, quer na decisão de escolha do recurso aos meios alternativos em substituição do recurso ao processo judicial, quer na escolha do concreto meio a utilizar, deverá ser dado cumprimento à Diretriz 25, a qual prevê que:

«25. As crianças devem ser exaustivamente informadas e consultadas acerca da possibilidade de recorrerem a um processo judicial ou a alternativas extrajudiciais. Esta informação deve também explicar as consequências possíveis de cada opção. Deve ser dada a possibilidade de, com base na informação adequada, jurídica e não só, escolher entre recorrer a um processo judicial ou a um mecanismo de resolução alternativa de litígios, sempre que este esteja disponível. As crianças devem poder beneficiar de aconselhamento jurídico e de outros tipos de assistência na determinação da pertinência e da oportunidade das alternativas propostas. No momento dessa decisão, devem ser tidos em conta os pontos de vista da criança

A colaboração entre advogados e mediadores é um vínculo a ser trabalhado, devendo estes funcionar em equipa multidisciplinar, apresentando-se o mediador como um terceiro imparcial e o advogado como um defensor da criança que garanta os seus direitos no curso da mediação.

 

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Apadrinhamento Civil

Apadrinhamento Civil

 

Rossana Martingo Cruz

Docente na Escola de Direito da Universidade do Minho

 

 

A Lei n.º 103/2009, de 11 de setembro, aprovou o Regime Jurídico do Apadrinhamento Civil (RJAC). O apadrinhamento civil constitui uma relação jurídica, tendencialmente duradoura, entre uma criança (ou jovem) e uma pessoa ou família que exerça os poderes e deveres próprios dos pais e promova uma relação afetiva gratificante e permita um desenvolvimento saudável num seio familiar.

A razão da terminologia selecionada para esta figura consta na exposição de motivos da Proposta de Lei n.º 253/X: «as expressões ‘apadrinhamento civil’, ‘padrinho’, ‘madrinha’ têm vantagem sobre outras quaisquer, na medida em que são conhecidas pela população com um sentido relativamente aproximado do que se pretende estabelecer na lei civil: o padrinho ou madrinha são substitutos dos pais no cuidado das crianças e dos jovens, sem pretenderem fazer-se passar por pais.»

O apadrinhamento terá de apresentar reais vantagens para a criança ou o jovem e, além disso, é necessário que não estejam reunidos os pressupostos da adoção (pois, se estiverem, o menor deve ser encaminhado para essa opção). Se a criança não puder ser encaminhada para a adoção e se o apadrinhamento for do seu interesse (manifestação do superior interesse da criança como princípio fundamental), podem ser apadrinhados quaisquer menores de dezoito anos que, entre outras situações, se encontrem acolhidos numa instituição ou numa situação de perigo (art. 5.º do RJAC).

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O apadrinhamento civil constitui-se por decisão judicial ou por compromisso de apadrinhamento civil homologado pelo tribunal (art. 13.º do RJAC). Não são permitidos apadrinhamentos civis simultâneos. Enquanto subsistir um vínculo de apadrinhamento, não pode constituir-se outro sobre o mesmo afilhado, a não ser que os padrinhos vivam em família (art. 6.º do RJAC).

Para que se possa constituir o apadrinhamento civil é necessário o consentimento de determinadas pessoas que estão enumeradas no n.º 1 do artigo 14.º do RJAC. Além do consentimento da criança ou jovem que seja maior de doze anos, será necessário o consentimento dos pais do afilhado, mesmo que sejam menores e não exerçam as responsabilidades parentais - só assim não será quando estes tenham sido inibidos das responsabilidades parentais por terem infringido, de forma culposa, os deveres para com os filhos (alínea c) do n.º 1 e n.º 3 do art. 14.º). Também o cônjuge do padrinho ou madrinha (ou unido de facto), o representante legal do menor e quem tiver a guardar de facto deste devem prestar consentimento. O consentimento pode ser dispensado nos termos do n.º 4 e n.º 2 daquele art. 14.º (designadamente se as pessoas que o deveriam prestar estiverem privadas do uso das suas faculdades mentais, se houver grave dificuldade em ouvi-las, se puserem em perigo a segurança, saúde, educação e desenvolvimento da criança ou jovem, etc.).

A iniciativa do apadrinhamento pode partir do Ministério Público, da comissão de proteção de crianças e jovens no âmbito dos processos que aí corram, do organismo competente da segurança social (ou instituição por ela habilitada), dos pais, guardião de facto ou representante legal do menor, do tribunal e ainda da própria criança maior de doze anos (artigo 10.º do RJAC).

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A designação dos padrinhos é feita nos termos do art. 11.º daquele diploma. Os padrinhos são designados de entre pessoas previamente habilitadas que constem numa lista regional da segurança social (n.º 1 daquele preceito). Quando o apadrinhamento partir da iniciativa dos pais, do representante ou guardião da criança ou ainda da própria criança ou jovem, estas pessoas podem designar a pessoa ou família da escolha para padrinhos (sem prejuízo desta designação só se tornar efetiva após a respetiva habilitação – n.º 2 do artigo 11.º). Caso a criança ou jovem se encontre acolhido numa instituição, esta pode designar os padrinhos nos termos do n.º 1 (n.º 4 daquele art. 11.º). A escolha dos padrinhos terá de respeitar sempre o princípio da audição obrigatória da criança ou jovem, bem como dos seus pais, representante ou guardião de facto (n.º 6 do artigo 11.º do RJAC). Podem ser padrinhos os maiores de vinte e cinco anos, desde que previamente habilitados para o efeito (artigo 4.º RJAC). Podem ser designados como padrinhos os familiares, a pessoa idónea ou a família de acolhimento a quem a criança possa já ter sido confiada ou o seu tutor (n.º 5 do artigo 11.º do RJAC).

O Decreto-lei n.º 121/2010, de 27 de outubro, procedeu à regulamentação do regime jurídico do apadrinhamento civil, concretizando os requisitos e os procedimentos necessários à habilitação da pessoa que pretende apadrinhar uma criança ou jovem. Tal como na adoção, a vontade de apadrinhar deve, em princípio, ser comunicada ao organismo de segurança social (n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 121/2010, de 27 de outubro).

Determinados elementos têm de constar, necessariamente, no compromisso de apadrinhamento civil. É o caso, nomeadamente, do regime de visitas dos pais ou outras pessoas, as eventuais limitações ao exercício das responsabilidades parentais, o montante de alimentos que possam eventualmente ser devidos pelos pais, além da identificação dos intervenientes, entre outros (artigo 16.º do RJAC). O não cumprimento do compromisso de apadrinhamento por parte dos pais pode levar a limitações nos seus direitos (n.º 2 do art. 8.º do RJAC). Também o não cumprimento, por parte dos padrinhos, pode levar à revogação do apadrinhamento (alínea b) do art. 25.º do RJAC).

O artigo 17.º indica quem deve subscrever esse compromisso: padrinhos; pessoas cujo consentimento é exigido; instituição onde o menor estava acolhido, se for esse o caso; a entidade encarregada de apoiar o apadrinhamento e o protutor quando seja o tutor a assumir o apadrinhamento.

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O apadrinhamento civil é um vínculo tendencialmente duradouro. Apesar de o artigo 24.º do RJAC consagrar o seu carácter permanente, o artigo 25.º consagra a possibilidade de revogação do vínculo mediante os requisitos aí elencados.

O objetivo do apadrinhamento civil será o de fomentar o bem-estar e desenvolvimento sadio da criança. Este instituto não visa a separação entre pais e os filhos, bem pelo contrário. Embora a criança viva com os padrinhos (e a estes caberá o exercício das responsabilidades parentais), as relações familiares (parentesco e afinidade) não se terminam. Em consequência, o artigo 8.º do RJAC prevê um conjunto de direitos dos pais (sem prejuízo de alguns destes direitos poderem sofrer limitações se o interesse do menor assim o exigir - n.º 2 do artigo 8.º do RJAC).

Almeja-se que os padrinhos mantenham uma relação mínima com os pais, de forma a assegurar a estabilidade e o crescimento integral da criança/jovem. Nos termos do disposto no artigo 9.º do RJAC, os pais e os padrinhos devem orientar a sua relação por um dever de mútuo respeito e de preservação da intimidade da vida privada e familiar, do bom nome e da reputação (n.º 1). Ademais, devem cooperar na criação das condições adequadas ao bem-estar e desenvolvimento do afilhado (n.º 2).

O propósito do apadrinhamento civil não se confunde com a adoção. A adoção tem efeitos marcadamente fortes e relevantes: há uma total integração do adotando enquanto filho do(s) adotante(s); existirá a extinção dos laços jurídicos com a sua família biológica, a perda dos seus apelidos de origem e esta conexão será irrevogável.

Já o apadrinhamento civil pressupõe uma coexistência entre o vínculo de apadrinhamento e o vínculo da filiação natural, mantêm-se o direito a alimentos e os efeitos sucessórios entre pais e filhos.

O apadrinhamento civil será uma solução para os jovens e crianças que, por diversos motivos, não podem seguir para a adoção mas que também não têm uma opção de vida viável junto da sua família natural.

 

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Apresentação do livro da Dra Rute Agulhas e da Dra Joana Alexandre - Audição da Criança - Guia de Boas Práticas

Apresentação do  livro da Dra Rute Agulhas e da Dra Joana Alexandre

Foi com muita satisfação que recebemos o convite da Dra Rute Agulhas e da Dra Joana Alexandre, para a apresentação do livro - "Audição da Criança - Guia de Boas Práticas".
Para além de agradecer o simpático convite, não queremos deixar de o partilhar, com quem visite o nosso blogue, para que, quem possa, esteja também presente.
A apresentação será no próximo dia 1 de junho, pelas 17.00, no Conselho Regional de Lisboa, da Ordem dos Advogados, na Rua dos Anjos, nº 79.
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A alienação parental ou o divórcio forçado dos filhos em relação aos pais

A alienação parental ou o divórcio forçado dos filhos em relação aos pais

No passado dia 25 de abril, assinalou-se o Dia Internacional de Consciencialização para a Alienação Parental realidade que, em Portugal, não tem regulamentação jurídica especifica.

A alienação parental foi definida por Richard Gardner como «o transtorno pelo qual um progenitor transforma a consciência dos seus filhos, mediante várias estratégias, com o objetivo de impedir, ocultar e destruir os vínculos existentes com o outro progenitor, que surge principalmente no contexto da disputa da guarda e custódia das crianças, através de uma campanha de difamação contra um dos pais sem justificação, resultando da combinação de um sistemático doutrinamento (lavagem ao cérebro) por parte de um dos progenitores, e das próprias contradições da criança, destinadas a denegrir o progenitor objeto dessa campanha.»

Independentemente das críticas associadas a esta definição, a verdade é que, em termos práticos, nas situações de alienação parental há duas vítimas diretas: a criança e o progenitor alienado, fomentando o progenitor alienante o afastamento progressivo da criança em relação àquele. Mais, existem casos em que ambos os progenitores são alienantes falando-se, nestas situações, em alienação parental cruzada.

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Tendo em consideração a gravidade das consequências resultantes da alienação parental, mais importante que punir os comportamentos do progenitor alienante é prevenir a instalação da situação e evitar o seu agravamento.

Prevenir a alienação parental é, por exemplo, consciencializar os pais dos efeitos nefastos e dos danos irreparáveis que a mesma provoca nos filhos.

Também o regime de residências alternadas que estabelece um convívio igualitário do filho com cada um dos progenitores, permite o exercício de uma parentalidade responsável, sendo uma forma eficaz de prevenção da alienação parental.

Prevenir implica estar atento, pois existem comportamentos-tipo, quer do progenitor alienante, quer da criança alienada, que são verdadeiros sinais de alerta.

São exemplos de comportamentos-tipo do progenitor alienante, por referência ao progenitor alienado, condutas como:

- verbalização de comentários depreciativos;

- criticas à competência profissional e à situação financeira;

- desvalorização da qualidade do convívio proporcionado à criança;

- criticas aos programas lúdicos com a criança;

- limitação do contacto da criança com o outro progenitor e com a sua família;

- organização de atividades coincidentes com os tempos de visita, para evitar que estas se concretizem;

- incumprimento do regime de visitas fixado;

- criação, na criança, de falsas memórias;

- falsas acusações de abusos sexuais e/ou maus tratos físicos ou psicológicos;

- rapto parental.

Já quanto à criança alienada, esta adota comportamentos-tipo como:

- participação voluntária na campanha de difamação do progenitor alienado;

- ausência de culpabilidade por denegrir a imagem do progenitor alienado;

- relato de factos, que não foram vivenciados, como correspondendo à realidade;

- animosidade em relação à família alargada do progenitor alienado, bem como aos amigos deste;

- sentimentos de ódio em relação ao progenitor alienado;

- defesa, incondicional e premeditada, do progenitor alienante;

- recusa sistemática em estar com o progenitor alienado sem apresentar justificação para o efeito;

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Um progenitor que vivencie situações como as acima identificadas, deve recorrer ao tribunal para pedir a alteração da regulação das responsabilidades parentais, por forma a que o filho deixe de estar na esfera invasiva do progenitor alienante para passar a residir, em segurança e com preservação da sua saúde mental, seja em regime de residência alternada, seja em regime de residência exclusiva consigo (caso a residência alternada não seja suficiente).

Em casos mais graves, deve o progenitor alienado pedir a inibição do exercício das responsabilidades parentais do progenitor alienante.

Porque a alienação parental é difícil de provar, para que o progenitor alienado possa defender o filho e, se possa também defender a si, deve requerer ao tribunal o deferimento de prova pericial, consubstanciada no acompanhamento à parentalidade, que permitirá demonstrar a sua verdadeira relação com a criança, a dinâmica da mesma, a sua forma de educar e estabelecer regras, o comportamento da criança, a existência de agressividade por parte desta, o porquê da mesma, etc.

O acompanhamento à parentalidade, que não carece da autorização do progenitor alienante consiste, como o próprio nome indica, num acompanhamento feito por um especialista que, ao longo de meses, acompanha o convívio da criança com o progenitor alienado, indo a casa deste quando a criança lá se encontra, presenciando o convívio entre ambos, acompanhando-os em atividades lúdicas, etc.

Este perito deporá em tribunal, nessa qualidade e de forma isenta.

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Em conclusão, os pais são os guardiões dos filhos, seja do ponto de vista moral, seja do ponto de vista legal, sendo seu dever velar, nomeadamente, pela segurança, saúde física e mental dos filhos, não violando o seu direito ao convívio familiar, razão porque um progenitor alienante não tem competências parentais.

Em situações de alienação parental, deve o progenitor alienado e, devem os tribunais, responder eficazmente, na medida em que todas as crianças têm direito a ter uma mãe e um pai com quem possam estar, de quem possam gostar e com quem possam partilhar a sua vida.

 

 

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Dia Internacional da Família

Dia Internacional da Família

 

O Dia Internacional da Família proclamado pela Assembleia-Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), celebra-se anualmente a 15 de maio. A comemoração desta data visa sensibilizar e promover a reflexão sobre questões relacionadas com a família, nomeadamente sobre as questões sociais, económicas e demográficas que as afetam.  Este ano o Dia Internacional da Família é dedicado ao tema: "Famílias, educação e bem-estar” – pretende-se destacar a importância do papel da Família e da Educação para a promoção do bem-estar dos seus membros, designadamente das nossas Crianças.

 

Neste Dia da Família é fundamental sublinhar que a grande aposta de futuro de qualquer sociedade que se quer responsável e participativa tem que ser na Família, onde mais do que pela palavra, mas sim pelo exemplo e vivência do dia-a-dia, se vivem os grandes valores da solidariedade, da partilha, do diálogo, da confiança, da compreensão, da responsabilidade, da honestidade e sentido do outro.

 

Na sociedade de hoje a nossa grande prioridade, toda a força do nosso entusiasmo e da nossa generosidade e toda a nossa disponibilidade tem que ser em relação à Família. A grande crise que hoje, se vive, é exatamente em termos dos valores na Família. É absolutamente urgente e deveria constituir a mais alta prioridade em relação à Criança é a definição e a efetivação de uma política global relativa à Criança.

 

Em relação a cada Família e a cada Comunidade é fundamental que se realize todo um trabalho de prevenção e de humanização do espaço em que vivemos.

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Para que a Família desempenhe uma função autenticamente preventiva em relação a problemas graves de âmbito social, precisa de organizar-se num ambiente estável, de grande disponibilidade entre si, de vivência dos grandes valores e de um clima de entreajuda. À agressividade do exterior terá que corresponder - em casa - a palavra amiga, o diálogo, o calor humano e a compreensão perante cada situação concreta. Mais do que todos os discursos moralistas é fundamental, no momento exato, um diálogo em clima de grande abertura. Mas o diálogo não pode acontecer, apenas no momento de crise. Tem que estar sempre presente na dinâmica de cada Família, envolver a criança, desde muito pequena - falar e deixar falar. Conversar sobre qualquer assunto e estar sempre atento às pequenas e grandes descobertas, às grandes e pequenas alegrias e desgostos do seu dia-a-dia.

 

E que cada um de nós não tenha dúvidas quando a pergunta é feita: Mãe, Pai, deste ao teu Filho, todos os dias o apoio, a compreensão e o carinho que ele precisava de ti? Fizeste da felicidade do teu filho a grande prioridade da tua vida, à frente do teu sucesso profissional ou de todos os teus projetos pessoais?

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É preciso sermos honestos connosco próprios e perguntarmo-nos: Que tempo dispensamos aos nossos filhos? Que assuntos debatemos com eles? Que tempo convivemos? Aproveitamos bem o tempo das refeições em comum, dos fins de semana, das férias? Porque não interessa tanto o tempo em que estamos juntos, mas a qualidade desse tempo. Não estar apenas com …, mas estar verdadeiramente em disponibilidade interior, num clima afetuoso de confiança.

 

Temos que necessariamente refletir sobre a sociedade em que vivemos, a Família em que as nossas Crianças e os nossos Jovens crescem, a Escola que lhes oferecemos e os valores que lhes transmitimos.

 

É cada vez mais urgente empenharmo-nos, todos pessoalmente e num trabalho coordenado com as diferentes instituições de cada comunidade – em criar condições sociais, ambientais e de lazer, que ajudem as nossas Crianças e Jovens a crescerem saudavelmente.

 

Mas estarão todos empenhados nisso?

Estamos a viver num tempo do ser ou do ter?

E que valores são transmitidos às nossas Crianças e aos nossos Jovens?

 

Damos como exemplo de vida a dignidade, a honestidade e uma fraternidade autenticamente vivida?

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Tanto a família como as restantes instituições que influenciam a educação das crianças e dos jovens podem atuar de modo disfuncional na medida em que deixando de ser a fonte de transmissão de valores não proporcionem às nossas Crianças instrumentos para viver em sociedade.

 

Qual é então o papel fundamental da família?

 

Encarando a família como elemento fundamental na formação do jovem e na sua progressiva caminhada para uma verdadeira autonomia, é primordial que esta assuma inteiramente as suas responsabilidades e não delegue nenhuma das suas funções em ninguém ou noutras instituições.

 

Mas é preciso sublinhar que também nós no IAC estamos profundamente empenhados nesse aspeto. A criança, mesmo antes de nascer, tem direito a ser amada, tem direito a ser desejada, tem direito à paz que lhe vem do amor. Como escreveu Maria Rosa Colaço, que tanto de belo e puro ofereceu às nossas Crianças, dizia ela:

 

Que os direitos da criança sejam mais que nas paredes e nos cartazes e nos poemas e nos relatórios, inscritos no coração dos Homens e cumpridos por todos os responsáveis.

 

Numa política de infância exige-se uma política integrada de proteção à Criança, ao Jovem e à Família. Porque uma política democrática de infância deve ser obra de toda a comunidade. É no apoio à família, não através de meras declarações de intenções, mas sim na sua autêntica dimensão, que se previnem situações de vulnerabilidade. A sociedade precisa de ser mais tolerante e tem de encontrar novas respostas para a Família e para a Criança. Respostas que reforcem a rede de contactos sociais que apoiem as Famílias. Na verdade, todos somos moral e socialmente responsáveis pelas nossas Crianças. Numa sociedade civil participativa, empenhada, viva e com alma, todos temos as nossas responsabilidades – família, escola, meios de informação e as diferentes instituições e organizações da comunidade, desde a segurança social, saúde, autarquias e as várias associações recreativas e culturais, para que todos juntos, possamos construir a civilização do afeto de que fala Agustina Bessa Luís.

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Com saber técnico e amor continuaremos a implementar a utopia de servir a Criança. E como dizia Matilde Rosa Araújo, no seu belíssimo poema sobre os Direitos da Criança:

… Este nascer e crescer e viver assim 

Chama-se dignidade. 

E em dignidade vamos 

Querer que a criança 

Nasça

Cresça

Viva …

A criança deverá receber

Amor,

O amor sereno de mãe e pai.

Ela vai poder

Rir,

Brincar,

Crescer,

Aprender a ser feliz…

 

Maio de 2017

Manuela Ramalho Eanes

Presidente Honorária

do Instituto de Apoio à Criança

 

 

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"Mas as crianças, Senhor, porque lhes Dás tanta dor, porque padecem assim?"

" Mas as crianças, Senhor, porque lhes Dás tanta dor, porque padecem assim? "

Recordei este lindíssimo poema de Augusto Gil quando pensei em escrever algumas palavras sobre um tema que me é muito querido: O COMPORTAMENTO ESCOLAR DAS CRIANÇAS FILHAS DE PAIS SEPARADOS.

Neste caso, a palavra escolar reporta-se ao ambiente da escola e não propriamente do aproveitamento escolar pois, irei falar de todas as idades incluindo das que ainda não frequentam a escola.

Falar de comportamento humano é sempre um perigo pois, como sabemos todos, varia de acordo com ambiente, com a maneira de ser de cada um, ….mas, vou só referir o comportamento das crianças dos quatro meses aos dez anos e cujos pais se separaram. Será que são felizes, mesmo assim? Será que refletem a separação? Ou pura e simplesmente a separação não afetou a sua vida?

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Pertenço a uma geração cujos princípios de vida se guiavam por conseguirmos ter uma Família para toda a vida. O conceito de Família era quase sagrado. Respeito pela Família, aprendia-se na escola (Salazar levou esse conceito ao limite quando " decretou" a trilogia " Deus, Pátria e Família" como guia da nossa vida coletiva). E essa maneira de pensar levava a que se " aguentasse " tudo em nome da Família. O contrato do casamento era fortalecido e sacralizado pelo complementar casamento religioso. Hoje, em contrapartida, esse contrato é posto em causa. As pessoas "juntam-se" e não querem contratos assinados (o que é um paradoxo pois, relativamente ao trabalho, todos desejam ardentemente um contrato efetivo…trabalho mais importante que a Família? Assim parece...) mas o verdadeiro pensamento era "estamos juntos pelos filhos ...". Hoje em dia isso é considerado pré histórico, apesar de a legislação contemplar que "tudo a bem da criança". E será que é isso que está a acontecer?

Há algum tempo aconteceu o seguinte diálogo à porta do Bambi, entre uma senhora que ia fazer trinta anos e o pai:

“Filha, o que queres que te ofereça nos teus anos?”

“Olha papá, o que eu queria tu não me podes dar.”

“Claro, se for uma casa ou carro…”

“Não, não...o que eu queria mesmo é que estivesses a viver com a minha mãe.”

Os pais da senhora separam-se quando ela tinha três anos de idade! Há vinte e sete anos!

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O que vejo no dia do colégio? Como se comportam as crianças cujos pais se separaram?

Aparentemente não se nota nada de diferente no seu comportamento, apesar de os pais, quando se separam terem sempre uma conversa connosco a chamar a atenção para o facto de se estarem a separar e por esse motivo pedirem um pouco mais de atenção com a criança pois, pode ter reações diferentes do que tem sido até esse momento. Isto é, os pais, por um lado afirmam que se separam por vários motivos e muitas vezes invocam que os filhos irão ficar melhor pois acabam-se as discussões. Mas, por outro, sabem que algo irá acontecer, que a vida das crianças se vai alterar. E ninguém é capaz de afirmar se será para melhor ou pior. O que sei é que as crianças quando choram, só chamam pelo pai ou pela mãe, por mais ninguém. E muito menos por coisas (isto porque há muitos pais que se desculpam por não terem mais tempo para os filhos porque têm de trabalhar muitas horas para darem uma vida melhor à família… mas, nenhuma criança chora porque quer ter um carro ou uma casa melhor… chora, porque quer ter a mãe e o pai mais tempo junto de si…). Então e como reagem as crianças à separação dos pais?

Quando são muito pequeninas não se dão conta em termos racionais do que se está a passar. Mas em termos afetivos já assim não acontece. Quando a separação acontece e um dos pais (normalmente o pai) começa a aparecer menos vezes, a criança, quando já fala, lá vai referenciando a figura paterna naqueles que aparecem. Ou em outros pais (quantas vezes levantam os bracinhos e dizem " pá, pá..." aos pais dos amigos…). Faz doer a alma…mas é a realidade… à medida que vão sendo mais velhinhos as reações, naturalmente são diferentes. Se o assunto é bem conduzido pelos pais, ou seja, se os pais reconhecem que é imperioso, que neste doloroso processo de separação dos filhos, o mais importante é que eles sofram o mínimo possível (o nada é falso) no ambiente do colégio isso reflete-se na sua conduta. No entanto, uma atitude é transversal a todas as crianças nesta situação: tornam-se mais introvertidas (parece que têm, eles, vergonha do que se está a passar em casa…) mais desatentas e até mais irritadiças. O comportamento com os colegas também se altera. Mais exigentes, dão a ideia que têm o mundo contra eles... no fundo, não percebem porque é que têm amigos cujos pais (mãe e pai) os vêm buscar à escola e eles só têm um deles que os vem buscar, levar para casa onde vão conviver com essa nova realidade que é, à mesa só contarem o que se passou na escola a um dos pais. Falta o outro. Essa é a palavra que pode definir a nova situação: FALTA!! E o que não está presente todos os dias, cada vez ficará mais ausente até que um dia, à pergunta "como correu a escola hoje?" a resposta começa a ser sempre a mesma " Bem". Aí a Falta já não tem remédio.

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Claro que o colégio deve ser informado do que se está a passar em casa, de modo a poder contribuir para amenizar essa nova situação. Enquanto educadores temos obrigação de apoiar as crianças (e os pais) a ultrapassar com os menores danos possíveis esta tormenta que se abateu sobre os seus corações e que eles nunca entenderão. Aos pais, só um apelo: quando pensaram gerar um filho, foi de certeza um ato de Amor. Não o transformem num ato de ódio. O sentimento entre os pais transmite-se à criança. Se amam os filhos, então não lhes falem de ódio ou com ódio seja de quem for. Digam-lhe palavras bonitas. Eles gostam e agradecem. E não se esqueçam que, para cada pai em particular, na sua relação com os filhos, a outra parte (mãe ou pai) é a melhor do mundo. Só assim podem e devem contribuir para que os vossos filhos sejam Felizes (dentro do possível).

Maio de 2017

Dorbalino Martins

Diretor do Externato O Bambi

 

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