A assistência a filhos menores e as faltas ao trabalho

A assistência a filhos menores e as faltas ao trabalho

Muitas vezes, principalmente quando se trata de progenitores separados que exercem, sozinhos, as responsabilidades parentais sobre os filhos, acontece que aqueles se vêm em situações complicadas de ter que prestar assistência aos filhos, durante o período de trabalho, chegando mesmo a encontrar-se na situação de ou tomarem conta dos filhos ou irem trabalhar.

A leitura restritiva do regime jurídico das faltas, através do disposto no artigo 49º do Código do Trabalho, por remissão do artigo 249º, nº 2, alínea e) do mesmo Código, conduz à conclusão de apenas é admissível a falta dos trabalhadores, para prestar assistência a filhos (tenham os mesmos mais ou menos de 12 anos), se estes estiverem doente ou tiverem sofrido acidente que imponha a assistência imprescindível e inadiável dos progenitores.

O legislador estabelece os 12 anos de idade como sendo a idade a partir da qual, as crianças possuem uma capacidade e uma consciência relativamente a si próprios e ao mundo que as rodeia que permite conferir-lhe uma maior autonomia (ressalvados os casos de doenças crónicas ou outras limitações com deficiências graves) e, em consequência, permitir a redução do número anual de dias para assistência a filhos prevista na lei. Com efeito, como resulta do citado artigo 49º do Código do Trabalho, a partir dos 12 anos dos filhos, os trabalhadores passam a dispor de 15 dias para assistência aos filhos quando, até aos 12 anos, dispõem de 30 dias, para o mesmo efeito.

Daqui resulta que, se um trabalhador, com um filho menor de 12 anos, que não sofra de qualquer deficiência, doença crónica ou não tenha sofrido qualquer acidente e que, por qualquer outra razão, tenha que prestar assistência ao referido filho (por exemplo, por este estar em período de férias o progenitor responsável não tem com quem o deixar) não existe nenhuma norma legal que, de forma direta, permita justificar a falta ao trabalho. Assim, o progenitor trabalhador terá que optar entre prestar assistência ao filho ou faltar injustificadamente com o consequente desconto na retribuição e contabilização da falta como injustificada.

Sobre esta questão, pronunciou-se o Tribunal da Relação de Lisboa, num acórdão proferido em 13 de julho de 2020, no qual foi entendido que, situações como a que referimos, se enquadram, no instituto da colisão de direitos.

A colisão de direitos consta do artigo 335º do Código Civil, que dispõe que: «1. Havendo colisão de direitos iguais ou da mesma espécie, devem os titulares ceder na medida do necessário para que todos produzam igualmente o seu efeito, sem maior detrimento para qualquer das partes.

2. Se os direitos forem desiguais ou de espécie diferente, prevalece o que deva considerar-se superior.»

No referido acórdão, a este propósito, pode ler-se que: «Pensamos que não nos encontramos face a direitos iguais ou da mesma espécie, pois temos para nós que os direitos parentais são qualitativamente desiguais, de espécie diferente e de valor superior aos derivados do contrato de trabalho para o empregador, designadamente, no que toca à exigência da realização por parte do trabalhador da sua prestação laboral [prestação principal e central do acordado vínculo de trabalho].

Logo, num conflito de direitos entre os derivados das responsabilidades parentais [tomar conta de filho menor de 8 anos que ficará sozinho em casa se o pai for trabalhar, por não ter conseguido arranjar ninguém que dele cuide durante a duração da prestação de trabalho, apesar dos esforços possíveis e de boa fé que desenvolveu para esse efeito] e os decorrentes do contrato de trabalho [execução de funções profissionais] e quando não seja possível arranjar uma solução que permita a sua legítima conciliação, tem de prevalecer o direito emergente das responsabilidades parentais sobre o direito do empregador em exigir a prestação das ditas funções profissionais pelo referido trabalhador, quando tal estiver válida e legitimamente estipulado

Daqui resulta, tal como referido também no supra identificado acórdão, que em situações em que um progenitor trabalhador, se vê na situação de ter que prestar assistência um filho que não se encontra nas circunstâncias que lhe permitam faltar justificadamente, para assistência a filho, poderá e deverá recorre-se ao artigo 249.º nº 2, alínea d), do Código do Trabalho que refere que:

«2 - São consideradas faltas justificadas: […] d) A motivada por impossibilidade de prestar trabalho devido a facto não imputável ao trabalhador, nomeadamente observância de prescrição médica no seguimento de recurso a técnica de procriação medicamente assistida, doença, acidente ou cumprimento de obrigação legal

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A realização de perícias às crianças e aos progenitores: o seu consentimento

A realização de perícias às crianças e aos progenitores: o seu consentimento

No decurso de processos judiciais e, concretamente, em processos de promoção e proteção de crianças, a instrução dos mesmos impõe, na maioria das vezes, que sejam realizadas perícias, quer às crianças, quer mesmo aos progenitores.

Basta, para o efeito, que o Tribunal ordene a realização das mesmas?

Para respondermos a esta questão, importa enquadrar as normas relevantes e, das mesmas, extrair as conclusões pertinentes.

Conforme resulta do artigo 87.º da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo, aos exames médicos a realizar às crianças, salvo em situações de emergência, é aplicável quanto previsto nos artigos 9.º e 10.º desta Lei.

No que respeita ao artigo 9.º, do mesmo resulta que a intervenção das comissões de proteção das crianças e jovens depende do consentimento expresso, prestado por escrito, pelos pais, representante legal ou pessoa que tenha a guarda de facto da criança.

Já o artigo 10.º desta Lei prevê que a intervenção das entidades mencionadas nos artigos 7.º e 8.º depende da não oposição da criança ou do jovem com idade igual ou superior a 12 anos. Mais, a oposição de criança com idade inferior a 12 anos é tomada em conta e tida como relevante, de acordo com a sua capacidade para compreender o sentido da intervenção.

Assim, da leitura destas disposições, resulta que, ressalvadas as situações de emergência conforme previstas no artigo 91.º da mesma Lei, não basta que o Tribunal ordene a realização de perícias, pois a realização de exames médicos a  uma criança depende do consentimento dos progenitores, de acordo com quanto previsto no artigo 9.º e a realização destes exames depende, também, da não oposição da criança ou do jovem com idade igual ou superior a 12 anos sendo que, quando a criança tem menos de 12 anos, a sua oposição é tomada em conta por referência à sua capacidade de compreender o sentido da intervenção.

E, como é que a criança manifesta a sua oposição ou a sua não oposição?

Tal manifestação tem execução através do direito de audição e participação da criança ou jovem, previsto no artigo 4.º alínea j) desta Lei podendo, em certos casos, vir a ser concretizada através do seu patrono ou podendo ser concretizada com a audição presencial da criança, a qual poderá exprimir a sua oposição à realização dos exames, de forma pessoal, junto dos técnicos da Segurança Social ou do Tribunal.


Do mesmo modo, a realização de perícias aos progenitores depende do seu consentimento para o efeito, pelo que uma vez manifestada a sua oposição, as perícias não poderão ser realizadas pois, caso contrário, estar-se-ia perante uma violação dos seus direitos de personalidade.

Em súmula, fora dos casos previstos no artigo 91.º desta Lei, a realização de perícias a crianças, ainda que as mesmas se apresentem como úteis e pertinentes, fica condicionada, desde logo, se os progenitores manifestarem oposição à realização das mesmas.

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Falar de emoções

Falar de emoções

Neste período em que a maioria de nós ainda se sente mais desconfiada que desconfinada, mantêm-se os desafios à família no reajuste de rotinas e nas dinâmicas dos relacionamentos. Para muitos, este reajuste parece quase impossível de alcançar, mantendo a tranquilidade e sanidade mentais necessárias para o bem-estar emocional e psicológico da família como um todo, e de cada um em particular. O teletrabalho, a lida da casa, as necessidades fisiológicas e emocionais das crianças tornam-se frequentemente demasiadas bolas no ar para gerir, não deixando espaço para atividades de lazer, momentos de tranquilidade e comportamentos de autocuidado. 

As escolas mantêm, na generalidade, algum contacto com as crianças, privilegiando naturalmente os conteúdos letivos. Contudo, sendo este um tempo de aproximação da família nuclear e em que as interações entre pais e filhos se intensificam, é possível que estejamos a viver um momento de excelência para reforçar outras competências para além das intelectuais, tão ou mais relevantes para o bom desenvolvimento das crianças, nomeadamente as competências socioemocionais.

Em muitos casos, é, aliás, visível o impacto emocional da pandemia no surgimento de sintomas de ansiedade, inquietação, medo, aumento da frequência de birras, pensamentos repetitivos ou mesmo alterações do sono e apetite. Tal como os adultos, as crianças também podem experienciar nestas circunstâncias emoções difíceis de gerir, sendo importante que os pais promovam um ambiente facilitador do diálogo acerca destes assuntos.

Perante a situação actual de incertezas e insegurança é natural que os pais se sintam ansiosos, inquietos e inseguros. Assim sendo, é de suma importância aceitar estas emoções, não procurando evitá-las, nem compensando os seus sintomas. Reconhecer estas emoções sem oferecer resistência é muitas vezes o primeiro passo para diminuir a intensidade com que as sentimos. É essencial ter consciência de que é natural que nos sintamos ansiosos por não saber como e em que circunstâncias voltaremos a ter a rotina que conhecíamos. Deste modo, devemos manter presente que é expectável que nos sintamos frustrados pelo facto de, em muitos dos dias, não conseguirmos cumprir as metas a que nos tínhamos proposto, por ser tão difícil ter tempo para a família, para o trabalho e para nós próprios. Aceitar o que sentimos e procurar estratégias para lidar com as emoções que nos são mais difíceis de gerir pode ser a melhor forma de encontrar um novo equilíbrio.

Nesta perspectiva, a realidade das crianças não é muito diferente… também elas se viram a braços com uma mudança repentina na sua vida social e escolar e também elas perderam as rotinas que tão importantes são para a sua regulação. Talvez ainda mais do que para os adultos, a actual conjuntura é especialmente enigmática para as crianças e, deste modo, passível de criar inseguranças e ansiedade. Posto isto, de que forma podem os pais ajudar as crianças a lidar com as emoções mais desafiantes que podem surgir em tempos de pandemia, investindo simultaneamente nas suas competências socioemocionais?

Em resumo, as ferramentas socioemocionais são um pilar fundamental para o bem-estar psicológico, emocional e social, permitindo que as crianças aprendam a conhecer e gerir as suas emoções, estabelecendo relações positivas e empáticas, tanto com os pares, como com os adultos que as rodeiam. Para as ajudarmos a desenvolver uma inteligência emocional saudável, resiliente e consistente temos, inevitavelmente, de falar de emoções. Quanto mais vasto for o vocabulário emocional fornecido às crianças, maior facilidade estas terão em identificar o que sentem e compreender por que razão o estão a sentir. Por sua vez, esta capacidade para identificar e reconhecer as próprias emoções, facilita a comunicação dos estados emocionais a terceiros, bem como a adopção de comportamentos mais adaptativos. Todo o comportamento é, aliás, forma de comunicação pelo que os momentos de descontrolo, inquietação, euforia ou de isolamento nos podem fornecer informações valiosas sobre a saúde mental e emocional das crianças. Com base nestes comportamentos, podemos ajudar as crianças a compreender o que sentem, salientando as sensações que as emoções lhes provocam no corpo, dando nome às experiências emocionais e fazendo a ponte entre “o que sentem” (emoção) e “o que fazem” (comportamento). Gradualmente estas informações são interiorizadas e as crianças começam a fazer este trabalho autonomamente, tendendo a manifestar cada vez menos comportamentos desafiantes, o que permite também aos pais darem respostas mais adequadas às necessidades dos filhos.

Em tempos de pandemia e de alterações tão bruscas das rotinas, será precioso o investimento neste tipo de competências, fundamentais para o bem-estar de cada um de nós e da sociedade em geral.

Discutir o tema das emoções será certamente uma experiência enriquecedora para todos e um momento de fortalecimento dos laços familiares.

Mariana Belmar da Costa

Neuropsicóloga – Centro de Apoio e Intervenção no Desenvolvimento Infantil

Mariana Achiame

Psicóloga Clínica - Associação Ester Janz

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O acolhimento familiar das crianças em perigo em Portugal - para onde vais, rio que eu canto?

O acolhimento familiar das crianças em perigo em Portugal

- para onde vais, rio que eu canto?

Paulo Guerra

Juiz Desembargador

  1. Todas as crianças precisam de colo.

De muito colo.

Mesmo contra a opinião de muitas avós que, do alto das suas experiências maternas e avoengas, vão opinando que colo a mais faz mal.

É da natureza humana a inevitabilidade da necessidade de vinculação segura.

A um outro.

A alguém que tem de ser capaz de amar e cuidar de uma criança como ela merece, de acordo com os cânones expostos nas Magnas Cartas da infância, todas iluminadas pelo espírito generoso e terno da Convenção dos Direitos da Criança, aprovada pela ONU em 1989 e logo ratificada pelo Estado Português no ano seguinte, fazendo, assim, e por isso, parte do cotejo de legislação que pode e deve ser directamente aplicada a todas as crianças portuguesas ou residentes em Portugal.

Na promoção de direitos e na protecção da criança deve ser dada prevalência às medidas que a integram numa família - ou seja, na actual alínea h) do artigo 4º da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo (LPCJP, doravante) já não se fala «na sua família», mas apenas em «família», seja ela qual for (dando-se aqui o primado de uma família em detrimento do acolhimento residencial).

O princípio da prevalência da família terá que ser entendido não no sentido da afirmação da prevalência da família biológica a todo o custo, mas sim como o assinalar do direito sagrado da criança à família, seja ela a natural (se for possível, devendo, neste campo, o Estado ser capaz de acompanhar as famílias biológicas, ajudando-as a superar o perigo em que vivem as suas crianças), seja a adoptiva, reconhecendo que é na família que a criança tem as ideais condições de crescimento e desenvolvimento e é aquela o centro primordial de desenvolvimento dos afectos.

De facto, nem sempre a biologia é sinónimo de vinculação. O sangue não é uma sina para a vida. E assim, por vezes, haverá que entregar uma criança ao laço adoptivo, completamente similar ao biológico, a partir do momento em que existe uma sentença judicial constitutiva da providência tutelar cível em causa – a adopção.

E quer numa quer noutra, os pais vão ter de ser adoptados pelo filho que lhes foi entregue pela placenta ou por vontade soberana de um juiz – e, como diz Laborinho Lúcio, que bom seria que todos os filhos fossem adoptados, até os biológicos!

Mas uma criança pode viajar para o colo de outras pessoas sem ser pela adopção – existem outros caminhos, menos radicais, que podem até coexistir com alguma parte do exercício das responsabilidades parentais ainda nas mãos da progenitura biológica.

E esses caminhos são trilhados pela legislação portuguesa – podemos estar a falar de limitações do exercício das responsabilidades parentais, de tutelas, de apadrinhamentos civis ou de medidas de promoção e protecção, estas à luz da LPCJP, datada de 1999 mas revista, em grande espectro, em 2015.

O acolhimento familiar de crianças está previsto como uma das medidas protectivas aplicáveis pelas Comissões de Protecção e pelos Tribunais aquando da constatação de que uma criança está em perigo, lido sob a égide do artigo 3º, n.º 2 dessa lei.

E sabemos que este é um momento charneira neste país – a lei quer que as crianças até aos 6 anos vivam em famílias de acolhimento se tiverem de ser separadas de seus pais, de forma provisória, assim o ditando o n.º 4 do artigo 46º da LPCJP.

2. Temos lei, temos norma, queremos acção!

Neste momento, na Irlanda, 65% das crianças retiradas às famílias estão em famílias de acolhimento, 25 a 27% em famílias alargadas, 8% a 10% em acolhimento residencial.

Há 15 anos estava como nós!

Em Portugal, há uns anos, os parentes deixaram de poder funcionar como família de acolhimento.

Os outros países do chamado mundo desenvolvido reconhecem a família alargada como uma maneira de providenciar cuidados a crianças que não podem estar com a família imediata.

Se Portugal quer subir à primeira liga tem de considerar formas de valorizar mais os laços familiares, de pensar em formas de apoiar familiares que estão dispostos a acolher crianças que não podem estar com a família mais próxima.

Paul McDonald foi só um entre 700 delegados de 45 países que se encontraram na conferência bienal da EUSARF, a Associação Científica Europeia para o Acolhimento Residencial e Familiar de Crianças e Jovens, cujo congresso bienal juntou no Porto, entre 2 e 5 de Outubro, centenas de investigadores/professores, técnicos e estudantes (estive lá!).

Indignou-se como nenhum outro com a quantidade de crianças que Portugal tem a crescer em lares de infância e juventude e escreveu um manifesto que foi apresentado no encerramento da Conferência no dia 5/10/2018, e que seguiu, penso, para o Governo e para o Presidente da República.

Serviu para algo?

Os dados relativos ao CASA 2017 foram conhecidos no passado dia 20/11, com um atraso considerável.

Onde está a regulamentação da medida de acolhimento residencial, em falta desde 1/1/2001?

E o que foi dito pela tutela de que o Acolhimento Familiar ficará congelado até haver forma de monitorizar a fiscalização destas famílias?

Perguntas para as quais não tenho resposta (como se estivesse a ser feita uma eficaz fiscalização do acolhimento residencial entre nós!).

Para mim, é dilacerante saber que existem 7553 crianças acolhidas em terreno residencial, existindo apenas 178 famílias de acolhimento.

Foi dito que o número de famílias de acolhimento só será aumentado quando existirem meios. Esqueceram-se, porém, de explicar que a inexistência desses mesmos meios resulta do não investimento neste processo (o mesmo se poderá dizer do Apadrinhamento Civil que existe desde 2009 mas que nunca viu um esforço estatal sério de explicação do instituto ao mundo).

Eu sei que uma Família não é uma VAGA, sendo antes um PERFIL – é certo que há que ser criterioso na escolha da melhor Família de Acolhimento para que nada falhe. Há muito trabalho pela frente, pois então!

Não vale é DESISTIR, como é aquilo que o Estado está a querer fazer…

Deve agir de imediato, começando paulatinamente pelos mais pequeninos, aqueles relativamente aos quais é pacífica a doutrina científica em considerar ser um crime de lesa-infância a sua residencialização, por muito boa que seja a Casa de Acolhimento.

Dar pequenos passos, regulamentar sabiamente a LPCJP neste jaez, aproveitar as mais-valias de experiência nortenhas de sucesso, olhar para as outras IPSS que estão prontas para avançar…

Não é preciso congelar a medida com a desculpa de que não há meios humanos para a monitorizar.

É necessário dar um passo civilizacional, entregando uma chance às crianças de não se verem condenadas à tristeza e de crescerem numa família que as motive, as estimule e as guarde.

Isto é pedir muito?

  1. Temos por assente que é FUNDAMENTAL para uma criança o direito de viver numa família como privilegiada forma de realização pessoal e de consolidação da sua autonomia crescente – a criança cada vez mais tem direito ao convívio com quem a ama verdadeiramente, merecendo vincular-se a adultos de referência afectiva para si, sejam progenitores, sejam outros seres que tenham um significado relevante na sua vida e que povoem os seus afectos e a sua margem de ternura, mesmo que não seja para sempre.

Existe uma clara evidência científica que expõe as graves desvantagens da institucionalização.

Muito embora as instituições para crianças em perigo tendam a fazer um esforço de melhoria do seu funcionamento (onde deve sempre existir um claro contexto emocional), não é menos verdade que continuam a ser instituições.

Como me ensinou o meu querido amigo, o psicólogo espanhol Jesus Palácios, «nós, os humanos, somos feitos de uma matéria que, na infância, necessita atenção individualizada, de compromisso pessoal, e da presença e disponibilidade de boas figuras de afecto».

Esta medida do acolhimento familiar apresenta imensas vantagens e benefícios em relação ao acolhimento residencial, como por exemplo, o permitir à criança/jovem a vivência numa família estruturada e equilibrada, em oposição ao acolhimento residencial onde, inevitavelmente, as relações individualizadas ficam seriamente comprometidas e onde não existe um modelo familiar que a criança/jovem possa vivenciar e modelar-se; mas sim um modelo institucional, com enorme rotatividade de cuidadores, rotinas e actividades (quase) sempre de carácter grupal e onde o espaço íntimo – pessoal e relacional – é bastante difícil de ser promovido.

Os Direitos Humanos e os Direitos das Crianças devem estar na base da eliminação do acolhimento de longo prazo para crianças, pelo menos numa 1ª fase, com idade inferior a 3 anos.

Os dados da evidência científica vêm corroborar a importância desta questão.

Devem ser adoptadas, com carácter de urgência, estratégias e sistemas para prevenir e responder à colocação residencial das crianças pequenas, entendidas como forma de violação institucional dos direitos humanos.

Quando se esgotou a resposta na família biológica, junto dos pais, e a situação de grave perigo se mantém para a criança, deverão ser protegidos os direitos da criança assegurando que poderá viver numa família de substituição.

Um estudo de 2014 da ONU sobre a Violência contra as Crianças claramente indica que deve ser favorecido o acolhimento familiar em todas as situações de retirada da família biológica, e que, no caso das crianças até aos 3 anos de idade, deverá ser a única opção.

Os benefícios de manter as crianças pequenas com famílias são incontestáveis no que diz respeito à sua saúde, desenvolvimento e felicidade, e que são a concretização do melhor interesse da criança – e nunca é demais lembrar que cada ano de institucionalização de uma criança equivale à perda de 4 meses de desenvolvimento.

Todos somos, no fundo, 3-1-1: essenciais ao nosso equilíbrio emocional são os primeiros três (3) meses do primeiro (1) de três (3) anos da nossa vida...

  1. Temos, pois, todos de estar permanentemente acordados pois é daí que vem a luz, aquela que ilumina os casarios e vigia as crianças portuguesas ou aqui residentes no seu sono.

O sistema tem a sua porção de Poder na mão, mesmo trabalhando com consensos e consentimentos bem expressos, como é o caso das CPCJ.

Mas não tenhamos ilusões – o Poder só é necessário para fazer o Mal.

E não esqueçamos o principal - para fazer todo o resto, muitas vezes, basta o AMOR (um outro nome para o afecto, um valor jurídico constitucional em Portugal)!

Porque um olhar activo e umas habilidosas mãos construtoras de desejáveis e mais do que necessárias famílias de acolhimento também podem – e são - actos de AMOR…

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O sal da terra - o colo da lei e da gente

O sal da terra – o colo da lei e da gente

 

Paulo Guerra, Juiz Desembargador

 

Uma criança, um dia, num processo em tribunal, ensinou-me que a esperança é aquele pedacinho de gente que nos diz que vai dar certo.

Somos todos feitos de verdade mas também de utopia.

A metade maior da nossa existência como trabalhadores da infância é aquela que nos dita que não podemos desistir da nossa missão, que não podemos deixar de acreditar que podemos, mesmo com tantos constrangimentos, com tantos obstáculos logísticos, prosseguir o nosso caminho, abrigando uma criança que seja e guardando no bolso todas as pedras da calçada para, a tempo, ainda construir pousadas da sexta felicidade para as nossas crianças em perigo.

Deixem-me que vos conte um segredo.

Nem sempre fui bem sucedido no tribunal na minha missão de defender dos adultos todas as crianças que me entregaram para cuidar.

Ninguém pode desejar tratar tudo, há imponderáveis, passos imprevisíveis que escapam às nossas melhores prognoses e às nossas assessorias técnicas…

Mas nunca desisti. Sempre enfrentei as tormentas, procurei os melhores portos de abrigo, indaguei as possíveis falhas do sistema, li, estudei muito, falei com muita gente pois nesta tarefa ninguém bate mãos com uma mão só. Uma lição que aprendi do meu saudoso Pai que me deixou há cerca de um ano e meio.

Por diversas razões, sobretudo ligadas a trabalhos jornalísticos que generalizam as possíveis e naturais falhas de um sistema que não é perfeito, sinto os comissários desmotivados, desalentados nos seus combates.

Porque eles são o sal da Terra, o verdadeiro pilar do sistema de protecção em Portugal.

A norte das entidades de 1ª linha que, por qualquer razão, não puderam ou não quiseram intervir no caso do João e da Marina, a sul dos tribunais que apenas devem intervir em situações de conflito aberto.

Fala-vos alguém que já fez o caminho de Santiago neste sistema, que já rumou a tantas CPCJ, formando, debatendo práticas, trilhando com as CPCJ o trajecto da saudável utopia da necessidade de excelência no tratamento a dar á nossa infância…

Percorri muitos caminhos de Portugal. Entre muitas, Baião, Tarouca, Coimbra, Penafiel, Leiria, Amadora, Cascais, Oeiras, Marinha Grande, Lousã, Arganil, Sintras, Vila Nova da Barquinha, Loures, sei lá quantas mais… E nunca ouvi o discurso da desistência.

As CPCJ não são «autarquia», não queirais, por favor, que elas façam parte das autarquias…

Não podem as CPCJ desfazer-se de 25 anos de existência frutífera, como entes com autonomia científica e funcional (apenas modelada ou monitorizada pela interlocução do MP e pelas directrizes da Comissão Nacional) – elas não são apenas a soma das partes que as compõem mas um corpo orgânico, organizacional, telúrico, próximo (e a justiça de proximidade é delas) que tem ainda tanto para dar às nossas famílias e crianças…

Nem tudo têm sido rosas. Há espinhos. Cortantes. Incompreensões. Insultos de quem ainda não percebeu que as CPCJ vieram para ficar e para sempre…

Urge formação contínua continuada, criativa, casuística. Urge vontade de mudar mentalidades, urge, enfim, soletrar o alfabeto da esperança, mesmo que ele nos diga que aquela família não consegue dar nada mais, em termos de positiva parentalidade, ao João e à Mariana que vos chamou em surdina, lançando um SOS sobre a cidade.

Porque as CPCJ são a voz das cidades, da boa vontade do bom homem e da boa mulher que deixa as suas próprias famílias e ruma, mesmo a horas pardas, ao mundo daquele menino violentado na sua dignidade de Criança, Cidadão do Mundo…

Às CPCJ:

Sobretudo, nunca esqueçam – depois das vítimas dos lares desfeitos (onde mesmo assim pode continuar a haver família), podeis ser chamados pelas vítimas dos lares intactos. Tantas vezes os nossos. Tantas vezes os vossos…

Porque, afinal, como Laborinho Lúcio me ensinou, as crianças deviam ser todas adoptadas, até as biológicas, porque vós sois a seiva da Terra Mãe que quer adoptar estas crianças em perigo, cuidando delas, pedinchando, pedinchando, eu sei, mas lutando, lutando, sempre pelo seu MELHOR interesse, aquele que se sobrepõe a todos os outros interesses que se possam envolver no processo da criança, até aos vossos…

*

Se vos estivessem a ouvir, o João e a Mariana, crianças capa de um processo de promoção e protecção a correr os seus termos numa CPCJ deste país, diriam o quê?

«Enquanto criança, não quero ser apenas mais um lugar à tua mesa de adulto.
Não quero só a ditadura dos horários, a infernal linguagem das ordens gratuitas e contraditórias, a parafernália dos currícula escolares que me tiram mesmo do sério…

Quero o abraço. A tempo e em tempo. O colo brando mas firme. Aconchegante e seguro. Marcado, querido, e marcante…

Soletro sílabas e orações fonéticas na escola. Sei que me farão falta. Mas para quê decorá-las se não decoram a minha vida de lareiras acesas, de caleidoscópios coloridos, de puzzles fazíveis e de olhares de ternura?

Quero o afago dos meios-dias, das noites estreladas, a sofreguidão do imenso amor que alguém tem de sentir por mim, pelo que sou, pelo que faço, pelo que anseio.

Ensinaram-me que uma família é um perfil e nunca uma vaga.

Quero a estimulação comprometida e personalizada levada a cabo, entre serpentinas e justas admoestações, por um cuidador, a quem quero chamar de mãe e de pai, de pai e de pai, de mãe e de mãe, mesmo que eu não tenha conhecido, deles e delas, as plácidas águas felizes da placenta.

Não tenho de ter pais perfeitos. Quem os tem? A perfeição é uma quimera. Mas pode ser um caminho desassossegado aquele que eu sigo por entre as veredas do quotidiano normalizado de quem, não sendo perfeito, é perfeitamente adequado na sua mortal normalidade.

Não quero ser mais um dado estatístico para ser apresentado nos Encontros Anuais, em Ourém, Ovar, Funchal ou na Figueira da Foz.

Não quero ser pasto para discursos políticos. Quero ficar no meu canto, com alguém que é, de facto, louco por mim. Isso basta-me…

Exijo uma FAMÍLIA.

Essa é a minha quimera.

E isto, senhores Comissários, trabalhadores da infância que entraram na minha vida, sem apelo nem agravo, é pedir muito?».

 

Doa a quem doer, fazei o que têm a fazer…

  

 

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Dia da Criança

Dia da Criança

O Dia da Criança em Portugal comemora-se no dia 1 de Junho.

Em 1950 a Federação Democrática Internacional das Mulheres propôs às Nações Unidas criar um dia dedicado às crianças de todo o mundo, com o objetivo de chamar a atenção para os problemas que estas enfrentavam.

Mais tarde, em Outubro de 1953 sobre proposta da União Internacional para a Proteção da Infância – Union Internationale pour la Protection de lènfance-l`UIPE, 40 países associaram-se pela primeira vez a esta comemoração.

No ano seguinte, em 1954, a Assembleia Geral das Nações Unidas adotou uma resolução instituindo oficialmente um Dia da Criança e confiou à UNICEF a responsabilidade de promover este dia.

Os Estados-Membros reconheceram que todas as crianças, independentemente da raça, cor, religião, origem social, país de origem, têm direito a afeto, amor e compreensão, alimentação adequada, cuidados médicos, educação gratuita, proteção contra todas as formas de exploração e a crescer num clima de paz e fraternidade.

Esta resolução convida os governantes a participar nas jornadas deste dia, na data mais conveniente para cada país.

Este dia deve ser uma ocasião para festejar alegremente as crianças, mas para cumprir o seu objetivo, deve também servir para sensibilizar a opinião pública sobre as suas necessidades e os seus direitos em todo o mundo.

O Dia da Criança é assim assinalado de Janeiro a Dezembro em mais de 150 países.

 

Janeiro                       Egipto, Emiratos Árabes Unidos, Tailândia…

Fevereiro        Birmânia

Março             França, Irão, Líbia, Tunísia…

Abril                Jordânia, México, Turquia…

Maio               Israel, Jamaica, Maldivas…

Junho             Angola, Bulgária, Dinamarca, Moçambique, Portugal…

Julho               Cuba, Libéria

Agosto                       Nepal, Uruguai, Venezuela…

Setembro       Alemanha, Costa Rica, Vietname...

Outubro         África do Sul, Áustria, Burundi, Sudão…

Novembro      Bahamas, Madagáscar, Uganda…

Dezembro      Benin, Congo, Zaire…

 

 

Oficialmente, o dia é assinalado pela Nações Unidas a 20 de novembro, data em que a ONU reconhece como o Dia Universal da Criança. Na mesma data (20 de novembro) no ano de 1989, foi adotada pela Assembleia-Geral da ONU a Convenção sobre os Direitos da Criança que Portugal ratificou em 21 de setembro de 1990.

A CDC é o primeiro documento do direito internacional legalmente vinculativo – e mais amplamente ratificado – que incorpora todo um conjunto de direitos: civis, políticos, económicos, sociais e culturais. A Convenção assenta em quatro pilares fundamentais que estão relacionados com todos os direitos das crianças: a não discriminação, o interesse superior da criança, a sobrevivência e desenvolvimento e a opinião da criança.

É com a aprovação da Convenção sobre os Direitos da Criança que se regista uma mudança no olhar sobre a criança. A criança deixa de ser vista como mero objeto de direitos, particularmente de proteção, para ser vista de uma forma mais completa. A Convenção faz uma clara afirmação da criança como sujeito direitos, enuncia direitos não só relativos à provisão como à proteção contra todas as formas de discriminação, abuso, exploração, injustiça ou conflito, mas também o direito à participação em todos os assuntos que lhe dizem respeito e à educação, cujos objetivos são definidos no artigo 29º como “promover o desenvolvimento da personalidade da criança, dos seus dons e aptidões mentais e físicos na medida das suas potencialidades (alínea a).”

A dimensão da participação é de grande importância pois confere às crianças um estatuto ativo, evidencia-as como agentes criativos que contribuem para a produção e transformação das sociedades.

A participação é um dos princípios orientadores da Convenção sobre os Direitos da Criança, que afirma que as crianças (todas as pessoas com menos de dezoito anos) têm direito a ser ouvidas quando os adultos tomam decisões que as afetam. A Convenção reconhece o papel que as crianças podem ter na tomada de decisões que são relevantes para elas, na partilha de opiniões e na participação enquanto cidadãos e agentes de mudança.

Participar na vida da comunidade ou da escola permite às crianças refletir sobre questões que as rodeiam, contribuir para a tomada de decisões sobre assuntos que as afetam e, simultaneamente, desenvolver capacidade de análise, diálogo e comunicação. Permite ainda desenvolver competências para intervirem na escola e na comunidade de uma forma consciente e responsável.

A Convenção sobre os Direitos da Criança promove a construção de novos discursos, novas políticas e novas práticas sobre e para a infância, procurando melhorar as condições de vida e bem-estar nas diversas dimensões da vida das crianças.

Esta nova visão encara a criança como detentora de direitos, capaz de expressar opiniões sobre o que a rodeia e lhe diz respeito: “A ideia da criança como sujeito em desenvolvimento, um projeto de futuro, foi substituída por uma visão da criança como sujeito ativo, um protagonista da vida social no presente”[1].

 

Beatriz Imperatori

Diretora Executiva do Comité Português para a Unicef

[1] Baraldi, Emidia, 2005, p. 16

 

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Celebrar o dia da criança

Celebrar o dia da criança

Há muitos séculos atrás, nas civilizações antigas, as crianças eram tratadas como objetos sem valor ou como um modo fácil de fazer dinheiro. Muitas meninas foram vendidas por serem um peso para a família. Em Inglaterra os rapazes a partir dos 7 anos eram vendidos aos irlandeses, como mão de obra. Era permitido o infanticídio declarado.

As mães não amamentavam os seus filhos, mas eram usadas para amamentar as crianças da nobreza. A mortalidade infantil atingia níveis absurdos até finais do século XIX.

Na Conferência Mundial para o Bem-estar da Criança que decorreu em Genebra, a 1 de junho de 1925, foram reconhecidos os graves problemas que as crianças enfrentavam. Por essa razão foi criado um programa de proteção à criança em que se reconhecia que, todas as crianças, independentemente da raça, cor, religião, origem social e país de origem têm direito a afeto, amor e compreensão, alimentação adequada, cuidados médicos, educação gratuita, proteção contra todas as formas de exploração e a crescer num clima de Paz e Fraternidade. O dia 1 de junho passou a ser mundialmente celebrado como o Dia da Criança, a partir de 1950 por iniciativa da das Nações Unidas. Porém, e após aprovação e publicação da Declaração Universal dos Direitos da Criança, a 20 de novembro de 1959, oficialmente é essa a data que se comemora.

Comemorar a(s) data(s) é certamente importante pois em muitos países mantêm-se os graves problemas que há séculos se assinalavam. Mas comemorar a data deve ser sobretudo uma cada vez maior tomada de consciência do que há ainda a fazer e de quão longe estamos de proteger as crianças. No século XX muito se fez, mas todas as iniciativas parecem ser ainda insuficientes. A organização, Save The Children tem lutado contra o trabalho e a exploração infantil. O Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), por sua vez, tem trabalhado a melhoria da alimentação e da escolarização das crianças, sobretudo nos países mais pobres. Apesar da luta destas e outras organizações internacionais continua a haver crianças a sofrer danos irreparáveis:

Como diz Mandela, “cada um de nós, enquanto cidadão, tem um papel a desempenhar na criação de um mundo melhor para as nossas crianças”. Por isso, celebrar o dia da Criança não pode ser apenas um dia de festa, o dia em que as crianças recebem mais um presente, as escolas festejam e o comércio enriquece um pouco mais.  Há que ter consciência do que nos rodeia e do sofrimento que vivem ainda alguns milhões de crianças.

Que pode fazer cada um de nós?

Cada um de nós, no nosso “pequeno mundo” pode e deve lutar pelos direitos das crianças.  Lutar significa “educar os nossos” para princípios básicos como o direito X da Declaração Universal: Direito a crescer dentro de um espírito de solidariedade, compreensão, amizade e justiça entre os povos.

Todos os direitos são importantes e inalienáveis, porém cumprir este 10º regulamento significa também que as nossas crianças não têm só direitos a protege-los. Crescer dentro de um espírito de solidariedade é também educarmos as crianças para a aceitação do outro, para a solidariedade com os que são diferentes (refugiados, crianças diferentes por problemas físicos ou mentais, crianças de diferentes comunidades). Educar as crianças para a justiça entre os povos é também educar para a igualdade de raça, credo ou origem social o que implica que nós próprios nos libertemos do nosso racismo e xenofobia.

Educar as nossas crianças para a justiça e solidariedade entre os povos é também criar cidadãos que vivam para a paz, justiça e compreensão que é certamente o que todos queremos do mundo.

Segundo Schopenhauer, “do mesmo modo que no início da primavera todas as folhas têm a mesma cor e quase a mesma forma, nós também, na nossa tenra infância, somos todos semelhantes e, portanto, perfeitamente harmonizados”. As crianças são todas iguais em qualquer parte do mundo. Todas gostam de pizza e desenhos animados apesar das diferentes culturas ou raças. Todas as crianças são criativas e têm facilidade em comunicar uns com os outros, saibam ou não saibam a mesma língua, provenham ou não do mesmo país como prova Maria de Montessori nos estudos que desenvolveu sobre educação e pedagogia. Proteger a criança é também não pactuar e denunciar maus tratos à nossa volta em vez de nos fecharmos a tudo o que nos rodeia. Proteger a criança é também educarmos as nossas crianças para o mundo atual.

 

O que é ser criança na contemporaneidade?

 Muitas vezes nos perguntamos que mundo deixaremos às nossas crianças. Devemos também perguntar: que crianças deixaremos ao mundo?

Papa Francisco

 

Educar uma criança é uma tarefa difícil e um grande desafio. Esse papel cabe aos pais, mas não devemos menosprezar o papel dos avós e do agregado familiar bem como o papel que representa a escola. A todos cabe ensinar os valores básicos e importantes para o crescimento da criança, certamente diferentes do que eram há uns anos atrás. Educar uma criança é ter atenção a valores como:

-  A autoestima como um meio de Auto preservação do ser humano. Desenvolver a autoestima na criança é ajudá-la a construir um futuro com capacidade de enfrentar situações adversas. A Auto preservação impede que as pessoas se envolvam em situações de perigo. Tudo isso é adquirido através de elogios e incentivos que levem a criança a enfrentar qualquer dificuldade e a crescer de forma saudável.

- Autocontrole ou a capacidade de controlar, racionalmente, as reações ligadas às emoções. Através do autocontrole a criança descobre os seus limites. Dizer simplesmente a uma criança que peça desculpa não tem qualquer valor. Tal como noutros aspetos a criança tem de entender o motivo porque o faz.

- Desapego - A criança desde cedo deve aprender que não pode ter tudo o que quer. Saber escolher, selecionar e libertar-se do sentimento de posse é uma das formas de ajudar a crescer uma criança saudável. Saber escolher é também aprender a perder.

- Respeitar os mais velhos é uma regra fundamental quando se fala em educação infantil e cada vez mais necessário no mundo atual.

A influência exterior é algo a ter em conta. No mundo atual a influência exterior marca fortemente o crescimento da criança e toda esta aprendizagem fica frequentemente fora do alcance dos educadores. Crianças e adultos são diferentes, ainda que compartilhem informações, produtos culturais e situações sociais comuns. O que os distingue são os valores anteriores que lhes foram transmitidos e o papel que cada um desempenha. A configuração que a infância passou a ter na Modernidade passa muitas vezes por tratar as crianças como adultos (sobrecarregando-os de atividades) ou por uma superproteção doentia (mantendo-os imóveis e agarrados às saias da mãe). A infância é algo que deve ser vivido na sua plenitude e que nos marcará para sempre. É um valor, é uma ideia, é um pilar na nossa vida e na nossa cultura. A infância existe e é o momento em que os adultos agem como aqueles que educam as crianças, aqueles que protegem a criança, do ponto de vista jurídico inclusive, e aqueles que vão permitir que as crianças se desenvolvam de forma saudável. É também aos adultos que cabe a função de fazer com que a criança cresça sem distinção de raça, religião ou nacionalidade; que tenha especial proteção no seu desenvolvimento físico, mental e social; que tenha direito a um nome, uma nacionalidade, alimentação, habitação e assistência médica adequadas; que tenha educação e cuidados especiais; que tenha amor e compreensão por parte dos pais e da sociedade e direito a educação gratuita e ao lazer infantil.  Os adultos não deverão ainda esquecer que a criança deve ser socorrida em primeiro lugar, em caso de catástrofes e ser protegida contra o abandono e a exploração no trabalho. A criança deve ser protegida contra as práticas que possam fomentar a discriminação racial, religiosa, ou de qualquer outra índole. Deve ser educada dentro de um espírito de compreensão, tolerância, amizade entre os povos, paz e fraternidade universais e com plena consciência de que deve consagrar as suas energias e aptidões ao serviço de seus semelhantes.

Temos certamente muito a fazer para que esta tarefa corra bem e nós, adultos, não podemos falhar. A concorrer com esta nossa tarefa temos o consumismo e os media. O consumo, como uma prática social é algo difícil de combater, mas um dos aspetos mais importantes para a criança na contemporaneidade. De repente, estamos diante de uma cultura em que a única possibilidade de convivência social está na esfera do consumo. É e tem de ser possível dar às novas gerações outros códigos de sociabilidade que não sejam apenas estes que estão marcados pelo consumo desenfreado e pela banalização das relações humanas.

 

Que crianças deixaremos ao mundo?

Depende de cada um de nós deixar no mundo crianças felizes, adultos que viveram como crianças, adultos que viram os seus direitos enquanto crianças serem respeitados. Só assim teremos contribuído para um mundo melhor, mais justo e mais feliz

 

Quando as crianças brincam
E eu as oiço brincar,
Qualquer coisa em minha alma
Começa a se alegrar

Fernando Pessoa

 

Luísa Lopes

Professora Aposentada

Colaboradora do Centro Pedro Arrupe, valência de acolhimento do Serviço Jesuíta aos Refugiados

 

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Convívios com terceiros de referência

Convívios com terceiros de referência

Dispõe o artigo 1887.º-A do Código Civil que:

«Os pais não podem injustificadamente privar os filhos do convívio com os irmãos e ascendentes

De acordo com a literalidade desta norma, encontram-se juridicamente protegidas as relações familiares das crianças com os avós e com os irmãos, criando-se um direito de convívio reciproco cujo fundamento é o parentesco, tutelando-se assim relações de família, habitualmente, caracterizadas pelo afeto.

A leitura da previsão do artigo 1887º-A do Código Civil suscita, no entanto, várias questões, sendo que nos centraremos apenas em três.

Assim:

- a primeira questão reporta-se-á à efetividade da tutela do direito ao convívio entre avós e netos (ou entre a criança e os irmãos) nos casos em que os avós (ou os irmãos) não se apresentam como pessoas com quem a criança tenha estabelecida uma relação de afetividade e proximidade.

- a segunda questão reporta-se-á à extensão da tutela do direito ao convívio, previsto no artigo 1887º-A do Código Civil, a pessoas que têm vínculo biológico e, uma relação afetiva estabelecida com a criança mas, cujo grau de parentesco, não se encontra previsto na letra daquele artigo.

- a terceira questão reporta-se-á à possibilidade e ou conveniência de estender a aplicabilidade do artigo 1887º-A do Código Civil, a terceiros, sem vínculo biológico com a criança, mas com quem esta tem uma relação de afetividade forte.

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Na ponderação da resposta a dar a estas questões, não se poderá nunca perder de vista que, em qualquer uma destas situações, em que o que se tem que acautelar é a salvaguarda do superior interesse da criança, estão também sempre presentes o direito fundamental ao desenvolvimento da personalidade da criança e o direito à sua historicidade pessoal, direitos estes que poderão, em alguns casos, entrar em colisão um com o outro, sendo absolutamente essencial, nos termos dos convénios internacionais e das normas relevantes do ordenamento jurídico português, garantir o direito de audição da criança para que esta, se dotada da necessária capacidade de discernimento e maturidade, possa exprimir livremente a sua opinião sobre o pretendido estabelecimento de convívios.

No que à primeira questão respeita, apresentam-se dois caminhos:

  1. a) ou se entende que, para que haja afetividade tem que haver convívio, pelo que, mesmo nas situações em que, no momento em que se decide, não há uma relação de proximidade, o direito ao convívio, determinado por vínculos biológicos, deve merecer a tutela do Direito, por forma a permitir, através do convívio, o nascimento da afetividade ou, em alguns casos, o ressurgimento da afetividade entretanto perdida;
  2. b) ou se entende que, quando não há afetividade pré-estabelecida, não existe lugar à tutela do direito ao convívio e, nesse caso, deverá ser entendido que este artigo 1887º-A do Código Civil deverá ser interpretado de forma mais restrita, ou seja, apenas deverá ser assegurada a tutela do direito ao convívio de quem tem relações de afeto já estabelecidas com a criança, pelo que, nestas situações, aos avós (ou os irmãos), que não tenham uma relação próxima com a criança, não deverá ser tutelado o direito ao convívio.

Sendo certo que, na escolha do caminho a seguir, terão sempre que ser tidas em conta todas as circunstâncias do caso concreto, de forma a permitir a salvaguarda do superior interesse da criança, parece-nos que o melhor caminho a seguir será o de garantir a proteção das relações de afeto estabelecidas pela criança, ainda que em detrimento dos vínculos biológicos, nomeadamente, não impondo a uma criança o convívio com avós ou com  os seus irmãos com quem não tem afetividade, por tal se poder traduzir numa imposição e numa violência psicológica que, de todo, acautelará a estabilidade emocional de uma criança que seja confrontada com tal por serem os direitos das crianças os primeiros que têm que ser acautelados.

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No que às segunda e terceira questões respeita, tanto a doutrina como a jurisprudência têm vindo a defender que, é também à luz deste artigo 1887º-A, que se deve entender que, para além dos pais e dos familiares biológicos aí mencionados, outras pessoas existem, com vínculo biológico determinante de uma relação de parentesco mais distante ou até sem qualquer vínculo biológico, com quem as crianças, ao longo da sua vida estabeleceram relações de forte afetividade, a quem deve, em nome do seu superior interesse, ser assegurado o direito de estabelecer um regime de convívios tutelado pelo Direito.

Acompanhamos, evidentemente, o entendimento da doutrina e da jurisprudência considerando, assim, que a melhor interpretação a dar à previsão do artigo 1887.º-A do Código Civil, é a de considerar que a sua previsão abrange a tutela do convívio das crianças com pessoas com quem aquelas mantêm laços afetivos não suportados em vínculos biológicos (como seja o caso das famílias de acolhimento ou de amigos muito próximos dos pais, com quem as crianças foram estabelecendo relações de proximidade) ou suportados em vínculos biológicos não tão diretos, como por exemplos os tios, os primos etc.

Deste modo, o Regulamento 2201/2003 do Conselho de 27 de novembro de 2003, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental, na parte relativa ao exercício do direito de visita deve também ser um instrumento legal ao dispor de avós, tios, primos e outros terceiros de referência da criança, para efeitos de efetivação do exercício do direito ao convívio, nas relações transfronteiriças.

Em conclusão:

- o direito ao convívio, nos termos acabados de referir - e que tem merecido a especial atenção da doutrina e da jurisprudência -, é a prova da relevância das relações afetivas no âmbito do Direito e da importância que essas relações de afeto têm na concretização do superior interesse da criança, sendo um dos pilares do seu desenvolvimento integral.

- o artigo 1887.º-A do Código Civil cria, pois, um grande desafio aos tribunais: o de compreender, para efeitos de decisão, a afetividade e os seus desdobramentos, de ordem emocional e, também, legal.

- os tribunais são, assim, chamados a valorizar os sentimentos, a valorizar a proximidade e o afeto, em situações onde os adultos conflituam, para poderem tomar uma decisão que, baseada na convivência afetiva, propicie a manutenção de uma identidade familiar de uma criança com um seu parente ou com um terceiro, podendo mesmo a tutela jurisdicional ser o traço corretor de disfuncionalidades várias na vida de uma criança resultantes dos conflitos familiares existentes entre os adultos que a rodeiam.

Numa palavra, a valorização do convívio nos termos do artigo 1887º-A do Código Civil está, pois, centrada no sentimento.

Esta valorização do afeto não se reduz ao campo de aplicação do artigo 1887.ºA, estando também patente na extensão do exercício das responsabilidades parentais da criança a pessoas com quem com esta estabeleceu laços afetivos, laços afetivos estes que, por vezes, acabam por ter prevalência sobre os laços meramente biológicos como, a seguir, melhor se analisará.

 

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A Cobrança Internacional de Alimentos - O Regulamento 4/2009, do Conselho, de 18 de dezembro de 2008, relativo à competência, à lei aplicável, ao reconhecimento e à execução das decisões e à cooperação em matéria de obrigações alimentares

A Cobrança Internacional de Alimentos - O Regulamento 4/2009, do Conselho, de 18 de dezembro de 2008, relativo à competência, à lei aplicável, ao reconhecimento e à execução das decisões e à cooperação em matéria de obrigações alimentares

 

Na sociedade atual, no seio do Direito da Família, fruto dos fluxos migratórios e da liberdade de circulação de pessoas, com o crescente aumento das uniões de facto, parcerias civis e casamentos internacionais ganham cada vez mais relevo as questões relacionadas com a cobrança internacional de alimentos, na medida em que se trata de uma situação que, potencialmente, afeta milhões.

A família dos tempos atuais tem conexões internacionais envolvendo, por exemplo, pessoas de diferentes nacionalidades ou com residências em locais distintos ou, tendo a própria família, no seu âmbito funcional, elementos internacionais vários.

Como exemplo desta nova realidade, na União Europeia, estima-se que o número de casais internacionais não é inferior a 16 milhões; por outro lado, ascendem a mais de 30 milhões, os cidadãos da União Europeia, que vivem em países terceiros.

Esta realidade traz consigo uma outra que se refere ao número significativo de separações e divórcios, bem como às inúmeras situações de pessoas que, após uma rutura, partem para um outro país, o que nos remete, entre outras questões, para o problema da cobrança internacional de alimentos, sendo inquestionável que o direito a alimentos está intimamente relacionado com o direito à vida e à dignidade humana, conforme plasma a Constituição da República Portuguesa e as diferentes convenções assinadas por Portugal nestas matérias.

É indubitável que cobrar alimentos, num quadro transfronteiriço, apresenta uma dificuldade acrescida sendo, por isso, indispensável que os Estados estejam envolvidos por um conjunto de normas que lhes permitam e lhes facilitem uma atuação conjunta, célere e eficaz, seja no plano jurisdicional, seja no plano administrativo.

Quando, por exemplo, um progenitor vive no estrangeiro e incumpre a sua obrigação de pagamento de pensão de alimentos ao filho, tem o outro progenitor, ao seu alcance, meios efetivos que, não obstante a distância geográfica, permitam efetivar a cobrança de alimentos, a nível internacional?

A resposta é positiva, graças ao conjunto de instrumentos internacionais relativos a esta matéria, nomeadamente, graças ao Regulamento 4/2009, do Conselho, de 18 de dezembro de 2008, relativo à competência, à lei aplicável, ao reconhecimento e à execução das decisões e à cooperação em matéria de obrigações alimentares.

Conforme resulta do artigo 1º deste Regulamento, as suas previsões aplicam-se a todas as obrigações alimentares resultantes de relações familiares, de parentesco, de casamento ou de afinidade garantindo-se, assim, com esta amplitude, uma igualdade de tratamento entre todos os credores de alimentos, devendo o conceito de obrigação alimentar, por não estar definido no Regulamento, ser interpretado de forma autónoma, o que implica que a definição vá sendo concretizada pela jurisprudência do Tribunal Europeu de Justiça.

Do conjunto de regras relativas à competência jurisdicional, constantes do Regulamento, ressalta a vontade de se restringir a possibilidade de aplicação de normas de Direito interno na determinação do tribunal competente, razão pela qual o Regulamento não remete, na determinação do tribunal internacionalmente competente, para as regras de direito nacional, tendo antes consagrado um corpo de regras comunitárias, a aplicar.

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Em vista das finalidades em causa, com as previsões sobre conflitos de jurisdição, resulta que a escolha de um tribunal, que não respeite as regras de competência jurisdicional constantes do Regulamento, conduzirá a uma situação de incompetência, a qual é declarada oficiosamente.

Com vista a garantir os direitos de defesa, o Regulamento consagra a suspensão do processo sempre que quem figurar como requerido nos autos, não tendo a sua residência habitual no Estado-membro onde foi instaurada a ação, não comparecer, entendendo-se, por não comparência, não apresentar contestação ou, não comparecer em qualquer diligência para que tenha sido convocado.

A suspensão da instância mantém-se até que seja feita prova, no processo, que o requerido foi devidamente citado ou notificado e que os prazos de que este dispunha se encontram já decorridos.

Por outro lado, em situações de litispendência, o tribunal em que foi proposta a ação, em segundo lugar, suspende, imediata e oficiosamente, a instância, situação que se manterá até que seja estabelecida a competência do tribunal onde a ação foi proposta em primeiro lugar, momento em que aquele tribunal se declarará incompetente, em favor deste.

Não existindo uma situação de litispendência, mas verificando-se uma conexão entre ações distintas, no sentido de que estas se encontram ligadas por um nexo tão estreito que haja interesse em que sejam instruídas e julgadas em simultâneo, para evitar soluções inconciliáveis entre si, a suspensão da ação submetida em segundo lugar será opcional.

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As regras de competência, constantes do Regulamento, não obstam à instauração de medidas provisórias e cautelares, as quais poderão ser instauradas em qualquer Estado-membro, sem observância das referidas regras.

No que respeita às regras de competência constantes do Regulamento, que permitem a determinação do tribunal competente no caso concreto, tomaremos em conta a regra geral, bem como as restantes especificidades previstas no Regulamento sobre esta matéria.

Nos termos do Regulamento, são internacionalmente competentes para decidir sobre matérias relacionadas com obrigações alimentares, resultantes de relações familiares, de parentesco, de casamento ou de afinidade, alternativamente, qualquer um dos seguintes tribunais:

  1. a) o tribunal que se situa no local onde a parte requerida tem residência habitual ou;
  2. b) o tribunal que se situa no local em que o credor tem residência habitual.

Para efeitos de preenchimento do conceito de residência habitual, embora o Regulamento não contenha qualquer previsão com a sua definição, encontramos, no considerando 32, uma referência a este conceito, ressalvando-se que a residência habitual não se pode identificar com a simples presença num Estado-membro o que, por si só, pressupõe que a conexão feita através deste elemento – o da residência habitual – respeita a uma situação de estabilidade, no âmbito de um conceito europeu, diferindo a noção de residência habitual da noção de domicílio, conceito este que não foi considerado como elemento de conexão, até pelas dificuldades que tal poderia trazer, em termos práticos.

Se o pedido relativo à obrigação alimentar for acessório de uma ação relativa ao estado das pessoas ou, se for acessório de uma ação que respeite a responsabilidade parental, a competência internacional pertencerá ao tribunal que tiver competência para apreciar as referidas ações, salvo se essa competência se basear unicamente na nacionalidade de uma das partes, caso em que a competência internacional continuará a ser ou, a da residência habitual do requerido ou, a da residência habitual do credor.

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No que respeita às regras especiais, previstas no Regulamento, temos a regra especial da eleição do foro, a qual se consubstancia na faculdade das partes poderem escolher, de comum acordo, o tribunal competente, em função de determinados elementos de conexão garantindo-se, assim, o respeito pelo princípio da autonomia das partes e, também, ampliando, desta forma, a segurança jurídica e a previsibilidade.

A grande restrição respeita às situações em que estejam em causa obrigações alimentares devidas a menores de 18 anos, caso em que a eleição do foro não é permitida, tendo esta restrição sido criada para efeitos de proteção da parte mais fraca, ou seja, os menores.

Assim e, conforme resulta do artigo 4.º do Regulamento, desde que o litígio não respeite a obrigações alimentares relativas a menores de 18 anos, as partes podem convencionar, por escrito, aqui se incluindo o recurso à via eletrónica (desde que permita um registo duradouro), que o tribunal internacionalmente competente para decidir litígios que já tenham surgido ou que, no futuro, possam vir a surgir será ou, o tribunal do Estado-membro no qual uma das partes tenha a sua residência habitual ou, o tribunal do Estado-membro de que uma das partes tenha a nacionalidade.

Esta atribuição de competência pode ser feita, de forma genérica, aos tribunais de um Estado-membro ou a um específico tribunal de um Estado-membro.

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Se o litígio respeitar a obrigações alimentares entre cônjuges ou ex-cônjuges poderá, ainda, ser atribuída competência ao tribunal que for competente para decidir sobre os litígios matrimoniais ou, ao do Estado-membro em que se situava aquela que foi, pelo menos durante um ano, a última residência habitual comum.

A competência conferida, nos termos supra, é exclusiva, salvo se as partes acordarem de forma diversa.

Se, por força do pacto de jurisdição, a competência for atribuída a um Estado parte da Convenção de Lugano II, de 2007, é aplicada esta Convenção, ressalvando-se sempre as situações de litígios relativas a alimentos devidos a menores de 18 anos que, conforme supra referido, estão subtraídas à faculdade de eleição, pelas partes, do foro competente.

A segunda regra especial, respeita à comparência do requerido e traduz-se em que poderá ser internacionalmente competente o tribunal de um Estado-membro, perante o qual o requerido compareça, desde que com essa comparência vise tomar posição no pleito sobre a pretensão do requerente, não se destinando apenas a invocar a incompetência de um tribunal apresentando-se, nesta situação, como irrelevantes, quer a nacionalidade, quer a residência habitual.

Já quanto às regras subsidiárias, resulta do Regulamento que os tribunais do Estado-membro da nacionalidade comum das partes ou, relativamente ao Reino Unido e Irlanda, os tribunais do domicílio comum das partes, serão sempre competentes, desde que não haja nenhum tribunal a que seja conferida competência, nem por via das regras gerais, nem por via das regras especiais da eleição do foro e da comparência do requerido.

Se, nem sequer o tribunal da nacionalidade comum das partes for competente restará, como último recurso, o mecanismo do forum necessitatis, nos termos do qual será competente o tribunal de um qualquer Estado que possua uma conexão suficiente com o litígio em causa.

O recurso a este mecanismo é sempre residual, apenas sendo possível fazê-lo, a título de exceção e de forma facultativa, quando não seja viável, de acordo com as restantes regras de atribuição de competência, obter um tribunal onde possa correr, com eficácia, o litígio visando-se, assim, prevenir casos de denegação de justiça resultantes de situações excecionais, que impossibilitem a obtenção de uma decisão no Estado competente, como seja, por exemplo, a existência de uma guerra civil ou uma catástrofe natural.

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Finalmente, o Regulamento prevê ainda outras regras relativas à competência, as quais importa explicitar.

Assim, tendo sido proferida uma decisão num Estado-membro ou num Estado parte contratante da Convenção da Haia de 2007 e, residindo o credor de alimentos nesse Estado e, enquanto este aí mantiver a sua residência habitual, essa decisão apenas poderá ser alterada, a pedido do devedor de alimentos (o mesmo acontecendo quanto à obtenção de uma nova decisão) se:

- tiver sido celebrado um pacto de jurisdição, atribuindo competência aos tribunais de outro Estado-membro;

- o credor de alimentos aceitar a competência dos tribunais de outro Estado-membro, de acordo com a regra especial da comparência do requerido;

- a autoridade competente do Estado de origem para exercer a competência relativa à alteração da decisão ou à prolação de nova decisão, não possa ou se recuse a fazê-lo;

- a decisão não poder ser reconhecida ou declarada executória, no Estado-membro no qual o devedor de alimentos pretende intentar a ação, para obter nova decisão ou para alterar a mesma.

Estas regras, que acabámos de enunciar, visam preservar os interesses dos credores de alimentos, bem como promover uma boa administração da justiça na União Europeia.

 

 

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As deslocações da criança ao estrangeiro com um dos pais e a desnecessidade de autorização do outro

As deslocações da criança ao estrangeiro com um dos pais e a desnecessidade de autorização do outro

 

Por hábito, quando uma criança se desloca ao estrangeiro, acompanhada apenas de um dos progenitores, aquele que se desloca com a criança, considera que tem que se fazer acompanhar de uma autorização escrita do outro.

Ora, tal não corresponde a uma exigência legal, conforme resulta do artigo 23º, do Decreto-lei n.º 83/2000 de 11 de maio, na redação introduzida pelo Decreto-lei nº 138/2006 de 26 de julho.

É a seguinte a previsão deste artigo 23º:

«1 - Os menores, quando não forem acompanhados por quem exerça o poder paternal, só podem sair do território nacional exibindo autorização para o efeito.

2 - A autorização a que se refere o número anterior deve constar de documento escrito, datado e com a assinatura de quem exerce o poder paternal legalmente certificada, conferindo ainda poderes de acompanhamento por parte de terceiros, devidamente identificados.

3 - A autorização pode ser utilizada um número ilimitado de vezes dentro do prazo de validade que o documento mencionar, a qual, no entanto, não poderá exceder o período de um ano civil.

4 - Se não for mencionado outro prazo, a autorização é válida por seis meses, contados da respetiva data.»

Da leitura do n.º 1 deste artigo resulta que, quando um pai, que exerça as responsabilidades parentais, pretenda viajar com a criança, não necessita de obter qualquer autorização do outro, para o efeito.

No entanto, e em termos práticos, esta autorização escrita acaba por ser necessária na medida em que as transportadoras aéreas têm, como regra, a exigência de tal autorização.

Assim sendo: «… se a transportadora aérea exige uma autorização da progenitora à margem da lei o apelante deve reagir na sede própria, que não é, seguramente, o Tribunal de Família e Menores.» (cfr, acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 11 de outubro de 2017, em www.dgsi.pt).

 

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