A retenção ilícita de uma criança e a regulação das responsabilidades parentais

Nos dias de hoje, é usual que pessoas de nacionalidades diferentes casem ou se unam de facto e tenham filhos, o que implica que, cada vez mais, surjam problemas relacionados com a residência das crianças, filhas de pais de nacionalidades diferentes.

Uma situação cada vez mais frequente é a de crianças que residiam com os pais num determinado país, no momento da separação daqueles, sejam levadas, por um progenitor, sem o consentimento do outro, para o país da nacionalidade daquele, porque este entende que nada mais o prende ao país que a família tinha escolhido como local de residência da família.

Nestas situações, podemos ter, uma situação processual, em que uma criança, ao ser levada sem o consentimento do outro progenitor para outro país, implique o acionamento da Convenção da Haia de 1980 ou, mesmo, o acionamento do Regulamento n.º 2201/2003, de 27 de novembro de 2003, acrescendo ainda que, o progenitor que ficou no país onde a família residia, interponha pedido de regulação das responsabilidades parentais relativas à criança.

Qual o tribunal internacionalmente competente para conhecer da regulação das responsabilidades parentais relativa a esta criança?

A regra é a de que o tribunal internacionalmente competente é o da residência habitual da criança à data em que o processo de regulação seja instaurado sendo que, na situação supra descrita, existirá uma criança com residência habitual num país (aquele onde vivia) e com um local de permanência (o país onde se encontra).

A competência para conhecer da regulação das responsabilidades parentais dessa criança cabe ao tribunal onde a criança tem a sua residência habitual, sendo que, a existência de um processo a pedir o regresso da criança ao país da sua residência poderá influir na fixação da competência internacional do tribunal que deverá regular as responsabilidades parentais.

Isto porque pode acontecer que o tribunal do Estado para onde a criança tenha sido deslocada ou esteja retida, venha a proferir uma decisão de não regresso da criança ao Estado da sua residência habitual e, nessa situação, o tribunal desse Estado passa a ser internacionalmente competente para conhecer da regulação das responsabilidades parentais.

Assim, numa situação destas, pode o tribunal onde foi pedida a regulação das responsabilidades parentais vir a suspender a instância, atento o facto de a decisão a proferir sobre o regresso ou não regresso da criança ter repercussão na fixação da competência internacional do tribunal que conhecerá da regulação das responsabilidades parentais.

 

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A Convenção da Haia sobre os aspetos civis do rapto internacional de crianças

De acordo com o artigo 3.º da Convenção, a deslocação ou a retenção de uma criança é considerada ilícita quando tenha sido efetivada em violação de um direito de custódia atribuído a uma pessoa, estando esse direito a ser exercido de forma efetiva, individualmente ou em conjunto, no momento da transferência ou da retenção ou devesse estar se tais acontecimentos não se tivessem verificado.

Este direito de custódia pode resultar de uma atribuição de pleno direito, de uma decisão judicial ou administrativa ou de um acordo vigente segundo o Direito do Estado da residência habitual da criança.

O artigo 5.º da Convenção indica o conteúdo do direito de custódia, no sentido de que este inclui o direito relativo aos cuidados devidos à criança, como pessoa e, particularmente, o direito de decidir sobre o lugar de residência desta.

Uma questão que se pode colocar é a de saber se a Convenção é aplicável num caso em que os pais ainda não tenham regulado o exercício das responsabilidades parentais relativas a uma criança e a criança tenha sido deslocada e/ou retida ilicitamente por um dos progenitores em outro País, que não o da sua residência habitual.

A resposta a esta pergunta pode encontrar-se logo no relatório explicativo relativo à referida Convenção, onde é salientado, a propósito do artigo 3.º, que uma das características deste instrumento internacional é a sua aplicabilidade à proteção dos direitos de custódia que sejam exercidos antes de qualquer decisão sobre a matéria. Efetivamente, existem muitos casos em que as crianças são deslocadas ou retidas ilicitamente antes que exista uma decisão sobre a custódia, pelo que se a Convenção não abrangesse também estas situações, um conjunto significativo de crianças estariam desprotegidas numa situação em que um dos progenitores a deslocasse e/ou retivesse ilicitamente, fazendo-se valer do facto de ainda não existir uma regulação das responsabilidades parentais para evitar a aplicação da Convenção.

 

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As medidas protetivas a favor das crianças

As medidas protetivas a favor das crianças

Como decorre de quanto previsto no artigo 3.º n.º 1 da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo, a intervenção para a promoção dos direitos e proteção da criança e do jovem impõe-se quando os seus progenitores, o representante legal ou quem tenha a sua guarda de facto coloquem em perigo, seja a sua segurança, a sua saúde, formação, educação ou desenvolvimento ou quando esse perigo resulte da ação ou da omissão de terceiros ou da própria criança ou do jovem a que aqueles não se oponham de forma adequada a removê-lo.
Com efeito, a intervenção para a promoção dos direitos e proteção das crianças e dos jovens visa a salvaguarda do seu superior interesse, nomeadamente, dando prioridade à continuidade das relações de afeto de qualidade destes, sem prejuízo da consideração que for devida a outros interesses legítimos no quadro da pluralidade de interesses presentes no caso concreto, pelo que os direitos das crianças e dos jovens prevalecem sobre os direitos dos progenitores.
Num processo de promoção e proteção em benefício de uma criança, o superior interesse desta deve ser avaliado e valorado concretamente, sendo que o tribunal deve procurar a melhor solução possível para aquela criança em face das suas circunstâncias concretas, tentando que exista o mínimo de desestabilização e descontinuidade na vida da criança a favor de quem é aplicada uma medida protetiva.
Mais, nestes processos de promoção e proteção e, conforme resulta do artigo 4.º alínea e) da referida LPCJP, a intervenção deve ser proporcional e atual, pelo deverá ser uma intervenção necessária e adequada à situação de perigo em que a criança ou o jovem se encontra no momento em que a decisão judicial é tomada, só podendo interferir na sua vida e na vida da sua família na medida em que tal for estritamente necessário à finalidade protetiva que se visa alcançar.
Acresce ainda que esta intervenção protetiva deve ser conduzida de modo a que os progenitores assumam os seus deveres para com o filho, respeitando-se o direito da criança à preservação das relações afetivas que tem e que, no seu mundo afetivo, se apresentam como estruturantes e de grande significado emocional, por forma a que o seu saudável desenvolvimento não fique comprometido com ruturas e cortes abruptos e injustificados do ponto de vista psicológico. Devem, como decorre, da alínea g) do mencionado artigo 4.º da LPCJP, prevalecer as medidas protetivas que garantam a continuidade de uma vinculação securizante para a criança.
Importa ter em conta que a situação de perigo em que uma criança esteja pode resultar do conflito parental exacerbado o qual se reflete na criança criando-lhe uma instabilidade emocional que a coloca numa situação de perigo e até que essa situação de perigo esteja ultrapassada a medida protetiva aplicada a favor dessa criança deve manter-se para defesa do seu superior interesse.
Sendo os processos de promoção e proteção, processos de jurisdição voluntária, resulta que o tribunal pode investigar, de forma livre, os factos, coligir provas, ordenar inquéritos e recolher as informações que repute convenientes não estando, no seu julgamento, sujeito a critérios de legalidade estrita, devendo antes adotar, perante o caso concreto, a solução que se lhe afigure como a mais conveniente e a mais oportuna.
Uma situação de risco pode, por exemplo, decorrer de um incumprimento reiterado do progenitor guardião em assegurar o regime de visitas da criança com o outro progenitor como pode decorrer de uma recusa persistente da própria criança em conviver com esse progenitor e de um postura inflexível por parte desse progenitor quanto ao cumprimento do regime de convívios e, numa situação destas, fará sentido que perante a situação de perigo em que a criança se encontra, se tenha que optar por uma reaproximação gradual entre a criança e o progenitor, suspendendo-se provisoriamente o regime de regulação das responsabilidades parentais que esteja em vigor.
Numa situação de recusa sistemática da criança em estar com o progenitor não guardião ou, até numa situação de recusa da criança em estar com um dos progenitores, ainda que o regime fixado tenha sido o da residência alternada, alegando a criança medo em conviver com esse progenitor e não conseguindo esse progenitor, de forma flexível, pacifica e mais transigente gerir a situação, antes optando por uma postura impositiva que cria na criança uma angústia elevada, crises de choro e adoção de marcados comportamentos de resistência, faz sentido que, no quadro de um processo de promoção e proteção, se trabalhe a reaproximação entre a criança e esse progenitor para que, no futuro, a relação entre ambos flua, a qual se mostra mais eficaz do que a adoção de uma medida impositiva como seja o cumprimento de entrega da criança mediante mandados, com todos os efeitos psicológicos nefastos que tal pode causar à criança.
Numa situação deste tipo, faz sentido que, quer a criança, quer os progenitores, beneficiem de acompanhamento psicológico, possibilitando-se uma maior compreensão da situação vivida e o trilhar de um caminho de estreitamento de laços afetivos entre a criança e o seu progenitor, sendo importante a consciencialização de ambos os progenitores de que o seu empenho e ajuda mútua são em benefício da criança.
Não deverá o progenitor cujo filho se recusa a estar consigo encarar tal como um enfraquecimento dos laços afetivos entre ambos, mas sim, aderir a um plano de reaproximação gradual e aceitando a suspensão parcial e temporária do regime de regulação das responsabilidades parentais, tudo fazer em prol do relacionamento futuro com o seu filho, devendo também ele, progenitor, salvaguardar o superior interesse do seu filho.

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TODA A CRIANÇA QUER VIVER EM FAMÍLIA – os colos da lei

TODA A CRIANÇA QUER VIVER EM FAMÍLIA – os colos da lei

Paulo Guerra Juiz Desembargador

1.Todos sabemos que toda a criança precisa de um colo seguro a que se vincule e de uma parentalidade positiva, viva e militante, que alie doses de ternura, firmeza e bom trato.

Na promoção de direitos e na protecção da criança em perigo deve ser dada prevalência às medidas que a integram numa família - ou seja, na lei já não se fala «na sua família», mas apenas em «família», seja ela qual for, desde que enriquecedora e nutritiva do seu corpo e do seu espírito.

No fundo, o que se quer é dar o primado à vivência em família em detrimento da colocação de uma criança em acolhimento residencial.

O princípio da prevalência da família terá que ser entendido não no sentido da afirmação da prevalência da família biológica a todo o custo, mas sim como o assinalar do direito sagrado da criança à família, seja ela a natural (se for possível, devendo, neste campo, o Estado ser capaz de acompanhar as famílias biológicas, ajudando-as a superar o perigo em que vivem as suas crianças), seja a adoptiva, reconhecendo que é na família que a criança tem as ideais condições de crescimento e desenvolvimento e é aquela o centro primordial de desenvolvimento dos afectos.

2. Mas uma criança pode viajar para o colo de outras pessoas sem ser pela adopção – existem outros caminhos, menos radicais, que podem até coexistir com alguma parte do exercício das responsabilidades parentais ainda nas mãos da progenitura biológica.

E esses caminhos são trilhados pela legislação portuguesa – podemos estar a falar de limitações do exercício das responsabilidades parentais, de tutelas, de apadrinhamentos civis ou de medidas de promoção e protecção.

3. O acolhimento familiar de crianças está previsto como uma das medidas protectivas aplicáveis pelas Comissões de Protecção e pelos Tribunais aquando da constatação de que uma criança está em perigo.

E sabemos que este é um momento charneira neste país – a lei quer que as crianças até aos 6 anos vivam em famílias de acolhimento se tiverem de ser separadas de seus pais, de forma provisória.

Esta medida do acolhimento familiar apresenta imensas vantagens e benefícios em relação ao acolhimento residencial, como por exemplo, o permitir à criança/jovem a vivência numa família estruturada e equilibrada, em oposição ao acolhimento residencial onde, inevitavelmente, as relações individualizadas ficam seriamente comprometidas e onde não existe um modelo familiar que a criança/jovem possa vivenciar e modelar-se; mas sim um modelo institucional, com enorme rotatividade de cuidadores, rotinas e actividades (quase) sempre de carácter grupal e onde o espaço íntimo – pessoal e relacional – é bastante difícil de ser promovido.

Contudo, este último não deve ser diabolizado – vai, infelizmente, continuar a ser necessário para algumas situações, devendo ser apoiado a elevar a sua acção e capacidade de actuação cada vez mais especializada e orientada para objectivos terapêuticos, com equipas mais preparadas e apoio à supervisão e formação, alteração dos rácios criança/cuidador, tal se conseguindo também com a reformulação dos apoios e dos projectos de intervenção.

Já temos leis e portarias que regulamentam a lei, venham agora as manifestações de vontade dos cidadãos anónimos que densifiquem e multipliquem as bolsas de famílias de acolhimento – neste momento, com números muito baixos a rondar os 2,7% - que possam receber em suas casas as nossas crianças em perigo, fazendo delas a sombra dos seus dias e não apenas um lugar a mais nas suas mesas.

Há que louvar o esforço recente, neste particular, da SCML e do ISS.

Aguardamos melhores números.

4. Não nos esqueçamos de uma outra providência tutelar cível que pode albergar uma criança ao colo e à sombra da lei.

Falo do Apadrinhamento Civil, regulado, em termos substantivos e processuais, pela Lei n.º 103/2009, de 11 de Setembro (diploma já revisto pela Lei n.º 141/2015, de 8/9).

A lei em causa está regulamentada pelo DL n.º 121/2010, de 27/10, alterado pela Lei n.º 2/2016, de 29/2.

É um instituto para a vida, não cessando aos 18, 21 ou 25 anos, tal como uma medida de promoção e protecção, e é mais ampla que a tutela e menos ampla que a adopção, criando uma relação para-familiar apenas baseada no afecto e em qualquer remuneração.

A ideia é manter os pais que são minimamente capazes na vida dos seus filhos: só que essas crianças precisam de mais do que têm, carecendo de mais afecto e segurança. Não é um «em vez de» mas um «a mais».

E a criança, em vez de estar entregue a uma casa de acolhimento, pode ter uma família - os padrinhos – que fica com a parte maior do exercício das responsabilidades parentais. E os pais continuam a ser os pais, ainda com a titularidade dessas responsabilidades, mantendo um núcleo de direitos.

E também pode ser uma solução para prevenir a residencialização de crianças em casas de acolhimento, levando a que haja gente idónea que as receba no seu lar, embora não como «filhos legais», e que lhes proporcione um continuado e mais perpétuo acolhimento familiar que, já sabemos, é tão gratificante para o desenvolvimento de qualquer ser humano.

A providência tutelar cível em causa aí está – e desde há dez anos - no menu das respostas ao perigo em que pode viver uma criança, e quer ser bem aplicada.

Continuo a acreditar que o Apadrinhamento Civil veio para ficar – é mais um instrumento jurídico que atribui a confiança de crianças a terceiros, com vínculo afectivo e legal.

Mais um. De muitos.

Pode não ter até agora acolhido muitas crianças.

Contudo, existe e a ele pode ser lançada mão sempre que a situação do concreto João ou da concreta Maria assim o exigir.

Aguardemos também melhores números e estatísticas no futuro.

E passem palavra pois não duvido que nunca foi feito qualquer esforço estatal real para publicitar este instituto pensado e construído no «meu» saudoso Observatório Permanente da Adopção de Coimbra.

5. Vivemos o mês passado um tempo especialmente pensado para invocar a problemática dos maus tratos à infância.

A condição da Criança – assumindo-se numa cultura própria precisamente pelo facto de ser diferente em idade e desenvolvimento/maturidade - vive muito acima das ideias político-partidária da nossa polis. É um imperativo categórico que se impõe à nossa Civilização como parte integrante dela.

Assumamos de vez que:

           6. Vamos continuar em clima de tolerância zero – pensar e agir futuramente como se estivéssemos sempre em estado de emergência, porque proteger crianças em perigo é, de facto, uma tarefa de emergência e como tal deve ser encarada (fazer menos piscinas e menos estradas e dedicar mais recursos financeiros para este desiderato).

           Estando atentos todos os dias, todos os meses e todos os anos, agiremos com a noção clara e indesmentível de que as crianças não se importam com o quanto tu sabes até saberem o quanto tu te importas (com elas).

           A sociedade saberá erguer-se e permanecer solidária - temos todos de estar permanentemente acordados pois essa é a nossa luz, aquela que ilumina os casarios e vigia as crianças no seu sono.

O sistema tem a sua porção de Poder na mão, mesmo trabalhando com consensos e consentimentos bem expressos (o caso das CPCJ).

Mas não tenhamos ilusões – o Poder só é necessário para fazer o Mal.

Para fazer tudo o resto, muitas vezes, basta o AMOR (um outro nome para o afecto, um valor jurídico constitucional em Portugal).

Porque acolher uma criança em nossa casa, seja qual for a capa legal que usemos, é um passo de gigante para a nossa elevação civilizacional, ao som dos mecanismos dos afectos, aqueles que, como nos ensinou António Alçada Baptista, irão moldar o nosso devir e cimentar as âncoras de segurança de qualquer Criança.

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Porquê regular o exercício das responsabilidades parentais relativas às crianças?

Porquê regular o exercício das responsabilidades parentais relativas às crianças?

Quando os pais se separam ou divorciam e têm filhos, existe um conjunto de aspetos relativos à vida destes que devem ser consignados na regulação das responsabilidades parentais, tendo já, em artigo anterior, sido abordado o conteúdo desta regulação.

Pode acontecer que os pais, porque se entendem quanto à repartição dos tempos dos filhos com cada um, quanto ao pagamento de despesas, das férias e outros aspetos tenham a tendência para considerar desnecessário proceder à regulação do exercício das responsabilidades parentais dos filhos podendo, até, considerar que abordar tal questão com o outro progenitor poderá ser entendido, por este, como um ato de desconfiança ou o iniciar de um ciclo pré-judicial.

Mas, a verdade é que é relevante e necessário que exista uma regulação das responsabilidades parentais que esteja homologada e que tal só trará benefícios para os progenitores e, claro, para a própria criança.

Uma das razões porque é importante regular o exercício das responsabilidades parentais é porque o acordo a que os progenitores chegam (assumindo-se, aqui, que estamos perante progenitores que se entendem e que conseguem, ainda que com a ajuda de técnicos estabelecer, por acordo, o conteúdo da regulação) fica escrito e se, num determinado momento, existir uma dúvida pode consultar-se o mesmo e solucionar essa mesma dúvida permitindo que o acordo escrito e homologado seja uma fonte de soluções e não de conflitos entre os progenitores.

É uma grande vantagem ter um acordo escrito e não apenas um acordo verbal, na medida em que, o documento escrito pode ser lido, consultado e relido, evitando mal-entendidos entre os progenitores.

A existência de uma regulação do exercício das responsabilidades parentais escrita, desde que tenha um conteúdo correto e clausulas bem redigidas, de forma clara e precisa, contribui e muito para evitar mal-entendidos futuros entre os progenitores, podendo o advogado que dê assessoria aos progenitores ajudá-los a construir soluções e a alertá-los para a necessidade de regular, mais ou menos, determinados aspetos.

Acresce ainda, em abono, da redação do acordo de regulação do exercício das responsabilidades parentais que, caso venha a existir, no futuro, uma degradação da relação amigável entre os progenitores, a regulação já se encontra salvaguardada, escrita e homologada evitando-se que, em caso de deterioração da boa relação que existia, uma das partes “revogue” unilateralmente o acordo verbal e tenha que, posteriormente, num clima de tensão, ter que se proceder à regulação do exercício das responsabilidades parentais, por exemplo, por via judicial.

Com efeito, a existência de um acordo escrito e homologado dá a segurança de que o mesmo não será alterado só porque um dos progenitores assim o entende. Após a homologação do acordo, o mesmo apenas poderá ser alterado, judicialmente, se existirem condições supervenientes e atendíveis que justifiquem tal alteração.

Evidentemente que, por acordo, poderão os progenitores ajustar alguns aspetos do acordo homologado alterando o mesmo, constando tal alteração, de documento escrito e, também homologado.

Outra das grandes vantagens de não se ter apenas um acordo verbal entre os progenitores é o facto de, existindo um acordo escrito e homologado, qualquer progenitor pode exigir ao outro o cumprimento de quanto ficou clausulado, nomeadamente, pode acontecer que, num determinado momento, um dos progenitores não cumpra com o que ficou acordado, por exemplo, quanto ao pagamento de pensão de alimentos ou comparticipação para as despesas. Nesta situação, o outro progenitor pode exigir o cumprimento da regulação homologada, recorrendo ao tribunal, se for o caso, tendo assim a garantia de que o acordo de regulação será cumprido, independentemente da vontade do progenitor que não está a cumprir.

Existem, assim, razões válidas para não perpetuar a existência de um acordo meramente verbal entre os progenitores sobre o exercício da regulação das responsabilidades parentais devendo, logo após a rutura ou separação, os progenitores passarem a escrito o que acordaram, sendo importante que tenham assessoria dos advogados para redigirem um conteúdo regulador preciso, claro e que aborda os principais pontos da vida dos menores que importa acautelar e devendo os advogados ajudar os seus constituintes na procura de soluções que melhor sirvam os interesses de todos e, em particular, das crianças, acautelando situações que, no médio e longo prazo, possam ocorrer e que, no momento, porque existe boa vontade entre os progenitores estes não considerem relevante serem acauteladas.

Em suma, a existência de uma regulação do exercício das responsabilidades parentais, escrita e homologada é necessária e importante e facilita o relacionamento futuro entre os progenitores.

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A fixação do regime de residência alternada: os bebés lactantes e os menores de tenra idade

A fixação do regime de residência alternada: os bebés lactantes e os menores de tenra idade

Cada vez mais, é usual a separação ou o divórcio de pais que têm filhos bebés ou de tenra idade e, uma questão pertinente que se coloca no âmbito da regulação das responsabilidades, é a de saber qual o regime mais apropriado para estas crianças e, muito concretamente, se a fixação de um regime de residência alternada salvaguarda o seu superior interesse, sabendo sempre que cada caso é um caso, com as suas características próprias que o tornam único.

A resposta não pode ser encontrada na lei no que respeita a uma definição de idade mínima para se poder fixar um regime de residência alternada, pelo que, o critério definidor é o do superior interesse da criança, sendo que este conceito não se encontra definido, tendo que ser preenchido, caso a caso.

Em termos legais, de acordo com o artigo 1906.º n.º 5 do Código Civil, o tribunal determinará o regime de regulação das responsabilidades parentais de acordo com o interesse do filho e tendo em atenção todas as circunstâncias relevantes, como seja, o eventual acordo dos progenitores e a disponibilidade manifestada por cada um deles para promover as relações habituais do menor com o outro.

De acordo com o n.º 7 deste artigo, o tribunal deverá tomar as decisões relevantes de harmonia com o interesse da criança, aqui se incluindo o interesse desta em manter uma relação de grande proximidade com os dois progenitores.

Uma das questões que se colocam é a de saber se faz sentido fixar um regime de residência alternada de bebés que estejam a ser amamentados ou que tenham iniciado, há pouco tempo, a introdução de alimentos sólidos.

É indiscutível que bebés de meses têm uma efetiva dependência biológica da mãe sendo também certo que a amamentação é altamente recomendada até aos seis meses de idade, pelo que, nestes casos, tudo indica que os bebés devem pernoitar com a mãe até porque, durante a noite, também têm fome e precisam de ter a mãe por perto. Assim, ainda que os progenitores vivam muito perto um do outro e, mesmo sabendo-se que o leite materno pode alimentar o bebé ainda que a mãe não esteja fisicamente presente, cremos que existe um conforto emocional e um vínculo muito forte que, no nosso prisma, nos leva a considerar que a residência da criança deve ser fixada com a mãe e que melhor será que o regime de visitas com o pai não contemple pernoitas.

Nestes casos, o superior interesse da criança, guia-nos no sentido de que não é compatível com as necessidades destes bebés a fixação de um regime de residência alternada, sendo antes mais adequado a fixação de um regime de visitas com o pai, que permita que este possa estar com o filho, podendo esse regime de visitas ser ampliado à medida que os alimentos sólidos vão sendo introduzidos e a situação se vai estabilizando no sentido de a sua alimentação ser predominantemente à base de sólidos.

Não pode, também, esquecer-se que as rotinas destes bebés são diferentes em termos de tempos de sono, peloque no regime de visitas importa ter tal em consideração, respeitando essas rotinas e permitindo que o bebé descanse.

Na fixação da residência alternada prevalece o superior interesse da criança e deve, ainda, tomar-se em conta a igualdade entre progenitores, não podendo ser esquecido que o regime de residência alternada também ajuda a equilibrar a própria relação entre os pais que, em igualdade, são chamados a repartir as responsabilidades e obrigações relacionadas com os filhos.

Assim, nada obstará que, perante uma situação como a que estamos a analisar, se fixe um regime de residência alternada que seja progressivo e, a bem da salvaguarda do superior interesse da criança, se fixe que esta residirá com a mãe até, por exemplo, completar um ano de idade, tomando-se em conta que, nestas idades, a criança efetivamente tem uma vinculação muito forte com a figura materna e se consagre um regime de visitas com o pai, também progressivamente alargado, que vise o estabelecimento futuro do regime de residência alternada.

Não restam, pois, dúvidas que a idade da criança é um elemento que tem que ser tomado em conta no momento da fixação do regime de residência alternada, sendo que, mesmo não havendo um sentido decisório unânime, em alguns países, como seja o caso de Espanha, podemos encontrar algumas decisões que vão no sentido de, por exemplo, se fixar a residência alternada quando o aleitamento materno está a terminar ou é já residual.

E, no que respeita à fixação do regime de residência alternada quanto a bebés que tenham mais de um ano de idade?

Conforme já supra mencionado e, de acordo com as normas citadas, é indubitável que a residência alternada permite que as crianças estejam com ambos os progenitores, de forma igualitária e muito próxima, não nos podendo esquecer que, se estivermos a falar de crianças que viviam com ambos progenitores e em que a separação destes se dá quando já viveram uma parte das suas ainda curtas existências aproveitando diariamente a companhia de ambos os progenitores, mais importante se torna ponderar cuidadosamente o regime a fixar, na medida em que o regime de residência alternada, nestes casos, permite que a criança não quebre as rotinas diárias que tinha com ambos os progenitores.

Ou seja, pode vir a concluir-se, após a devida ponderação, que nada havendo contra qualquer um dos progenitores, a determinação da residência alternada não deve ser bloqueada apenas porque a criança tem um ano e alguns meses de idade, tomando em conta que, com a residência alternada, se garante que ambos os progenitores podem estar com os filhos, em igualdade de condições acompanhando, em tempo real, o seu crescimento e desenvolvimento e contribuindo para o mesmo.

Em desabono da fixação de um regime de residência alternada, em crianças de tão tenra idade, existe o argumento de que a fixação da mesma vai criar desestabilização nas suas rotinas mas a verdade é que a primeira desestabilização foi criada com a separação dos progenitores, pelo que entre a ponderação da manutenção dos horários e das rotinas da criança fixando-se a sua residência com um progenitor e a manutenção de uma relação muito próxima com o outro progenitor, parece-nos que esta segunda ponderação ganha força e espaço na decisão a tomar, até porque a afetividade é diária e ambos os progenitores devem poder acompanhar o dia-a-dia dos seus filhos em todas as suas vertentes, sendo tal também um fator de responsabilização dos progenitores, em face dos filhos.

Refira-se, ainda que, em abono da fixação do regime de residência alternada em crianças de tenra idade, se deve ter em conta que a fixação deste regime pode diluir, efetivamente, o conflito entre os progenitores pois ambos são chamados, de forma igual, a estarem presentes na vida do filho, pelo que deixa de existir a figura de um progenitor guardião que, no dia-a-dia, pelo papel que desempenha, tem um poder de facto enorme na vida da criança, podendo tal dar origem a mais conflitos.

Finalmente, salvaguardamos aqui que cada criança é um mundo de emoções, que tem que ser respeitado e que os primeiros garantes do bem-estar dos filhos são os próprios pais que, uma vez separados, devem perceber que os filhos precisam de ambos e que o caminho da menorização de um progenitor em detrimento do outro tem um vítima direta que é o próprio filho.

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Dia da Criança – Pelo direito ao acompanhamento

Dia da Criança – Pelo direito ao acompanhamento

Neste Dia da Criança, mais do que nunca devemos estar atentos aos mais novos, aqueles que provavelmente menos percebem a situação que vivemos, e devemos esforçar-nos por fazer com que o dia que celebra a natureza da sua infância seja também um dia para repôr alguma normalidade nas suas vidas.

Imagino-me com 12 anos, a meio de um ano letivo como qualquer outro, e a ver-me obrigado a estar afastado dos meus amigos durante meses sem fim, por razões que desconheço.

O que mais quereria não seriam explicações, nem muito menos correções e compensações, mas sim acompanhamento e presença. Se pensarmos a nível nacional e no mundo no período pré-covid, quantas crianças são negligenciadas todos os dias? Quantas crianças sofrem por tabela nas discussões familiares? Quantas crianças são alienadas pela busca incessante pelo sucesso dos seus pais?

No meio desta pandemia, talvez seja altura de olhar este confinamento – que aos poucos já se vai até desconfinando – como uma oportunidade única para dar às crianças aquilo que mais merecem: uma infância acompanhada, de preferência com amor e amizade de toda a família.

É fácil e compreensível que face a uma situação que nunca ninguém viveu, se pense primeiro nas preocupações individuais.

O que muda na minha vida? Como vou eu desenrascar-me no trabalho? Porque é que ninguém me presta atenção? São perguntas completamente legítimas – não se pede a ninguém que perca a sua individualidade e se esqueça dos seus próprios desejos e projetos pessoais –, mas no caso dos pais, pede-se um bocadinho mais.

Enquanto jovem de 20 anos, que não planeia ser pai nos próximos tempos, acredito ter a distância necessária para dizer, sem qualquer tipo de parcialidade, qual deve ser o papel de um pai: acompanhar, proteger, amar e ser um exemplo para o crescimento enquanto pessoa.

Que altura será melhor para começar a pôr este papel em prática do que a que vivemos neste momento? No Dia da Criança, somos relembrados disso mesmo. A pandemia aflige-nos, mas deve afligir ainda mais as crianças.

E, por isso, não só aos pais cabe o dever da atenção aos mais novos. Esse é um dever que todos partilhamos, e que devemos pôr em prática para ajudar qualquer criança que faça parte das nossas vidas. Se não nos acharmos totalmente competentes, é também importante relembrar a nossa falibilidade. Não somos perfeitos, vamos errar. E por isso mesmo, não precisamos de fazer tudo sozinhos.

A lista de instituições que ajuda crianças é longa, e tenho orgulho de estar envolvida com algumas. No campo da formação religiosa, ajudo na preparação para o crisma de jovens do 10º ao 12º no Colégio de Santa Doroteia, e sou dirigente de um grupo de rapazes do 8º ano no Movimento de Schoenstatt, em Lisboa. A nível educativo, acompanho um rapaz da Escola Secundária Pedro Nunes com explicações de Português, em colaboração com o movimento Up To You, um programa de voluntariado que se destaca na ajuda aos jovens e crianças. Aconselho qualquer uma das instituições como suporte ao trabalho que deve começar em casa: o de formar cidadãos para o futuro, com a certeza de que já são pessoas complexas e com devidos direitos, liberdades e garantias.

Porque se a maneira como tratamos os outros diz muito sobre o nosso carácter, também a maneira como tratamos os mais novos diz muito sobre o nosso coração. Neste Dia da Criança, lembremo-nos de olhar por aqueles que mais vitalidade e alegria dão à nossa vida. E se a normalidade pré-covid ainda fosse uma qualquer anormalidade para uma criança, que este dia seja um marco para criar uma nova normalidade, e desta vez, de preferência, uma que seja mais normal.

1 de junho de 2020

Vasco Maria Maldonado Correia

Estudante de Comunicação Social

Voluntário no Movimento de Schoenstatt

Voluntário no Movimento Up To You

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DA RESPONSABILIDADE PARENTAL

DA RESPONSABILIDADE PARENTAL

Este texto nasceu do desafio lançado pelas minhas queridas colegas Teresa Silva Tavares e Sofia Vaz Pardal, grandes especialistas de direito da família, mas também do impulso de falar sobre a residência partilhada que tenho visto ser tão maltratada na sequência da morte trágica de uma criança às mãos de quem a devia proteger.

Quando comecei a advogar, nos idos de 1993, a Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais era, a então denominada “A Regulação do Poder Paternal” e, entendia-se à época, que o superior interesse da criança era cumprido com atribuição da guarda da criança à mãe com visitas quinzenais ao pai.

Pugnar pela entrega da guarda de uma criança ao pai era lutar contra o pré-prejuízo de que a não atribuição à mãe prejudicaria a criança por quebrar ligação única e umbilical entre ambas sendo o pai um acessório nesta relação.

Também era impensável que a criança tivesse residência em duas casas pois tal era visto como uma perturbação inaceitável para a vida dos menores e uma (des) regulação que nem por acordo entre os progenitores podia ser consagrada. Posteriormente, e muito a custo, lá começou a ser admitida a residência partilhada ou alternada, mas só quando havia acordo expresso dos pais.

Até há bem pouco tempo era difícil, em certos tribunais, contar com o ministério público para obter a homologação do acordo de RRP em que fosse convencionado a residência partilhada.

A partir da Lei n.º 61/2008 de 31 de outubro, o artigo 1906 do CC abriu a porta à mudança do paradigma.

Com efeito, a residência partilhada que,  até aí só era admitida em circunstâncias muito restritas e por acordo dos pais, passou a ser, progressivamente, entendida como passível de ser decidida pelos tribunais mesmo quando nisso  os pais não acordassem, desde que se demonstrasse ser o regime mais adequado  às crianças e à natureza da sua relação com os progenitores.

Fundamental foi, também, o reconhecimento e instituição  da obrigatoriedade de ouvir os menores consagrado  no  Regime  Geral do Processo Tutelar Cível, criado pela  Lei n.º 141/2015, de 8 de Setembro e que revogou a velhinha OTM, nos  seus artigos 5º,  4º nº 1º alínea c) e nº 2 e  35º nº 3 , bem como nos instrumentos internacionais relativos aos menores, mormente o artigo 12º da Convenção sobre os Direitos Criança ,  artigo 6.º da Convenção Europeia sobre o Exercício dos Direitos das Crianças e o artigo 24.º, nº 1, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, bem como as Diretrizes do Comité́ de Ministros do Conselho da Europa sobre a Justiça Adaptada as Crianças.

As crianças, desde que a idade e o discernimento o permitam, devem ser ouvidas pelo Juiz, em ambiente protegido e acompanhadas de técnicos, de modo a permitir que a sua audição não seja um ato intrusivo e perturbador, mas uma efetiva participação da criança nas decisões que venham a ser tomadas relativas à sua vida e à regulação das responsabilidades parentais.

Importante, mas ainda pouco efetiva, é a nomeação de advogado à criança que permita assegurar os seus direitos e efetivá-los, o que é absolutamente essencial quando o litígio entre os progenitores seja sério e grave (artigo 18 do RGPTC).

Esta audição não serve para fazer as crianças suportar o fardo da decisão e de uma escolha, mas sim fazer com que as crianças participem e sejam ouvidas e que a sua opinião, conjugada com todos os outros fatores, seja tomada em conta nas decisões que lhes digam respeito.

Em regra, as crianças gostariam de ter os seus pais juntos e, não os tendo, querem ter uma relação tão próxima com os dois quanto possível.

A residência alternada ou partilhada é, seguramente, o regime que melhor permite um crescimento e desenvolvimento da relação entre os progenitores e os filhos  e que a mesma seja de afeto e de equilíbrio.

Aqui chegados, é com grande perplexidade que temos visto ligar a violência doméstica à residência partilhada.

A violência no seio da família é um flagelo, é o lado patológico de uma relação conjugal (incluindo aqui os casados, unidos de facto e a relação de namoro).

Na violência doméstica, crime previsto e punido no Artigo 152º do Código Penal, o agressor humilha, agride física e psicologicamente o seu companheiro numa relação de domínio e rebaixamento. Na violência doméstica as crianças são vítimas por serem os alvos da agressão, como são vítimas porque assistem às agressões físicas e psicológicas entre os adultos.

Numa situação em que existe violência doméstica, a relação do progenitor agressor como seu filho não pode ser tratada como se uma relação normal de pais e filhos se tratasse.

Nesta situação, as crianças terão de ser especialmente protegidas porque são vítimas e especialmente vulneráveis.

Em 2017 foi consagrada uma exceção ao regime geral do exercício em comum das responsabilidades parentais, no artigo 1906.º-A do CC. Afastando-o, sempre que estejamos no âmbito de crimes de violência doméstica e de outras formas de violência em contexto familiar e assim que for decretada medida de coação ou aplicada pena acessória de proibição de contacto entre progenitores ou estiverem em grave risco os direitos e a segurança de vítimas de violência doméstica e de outras formas de violência em contexto familiar, como maus tratos ou abuso sexual de crianças.

Entendo que é pouco, nestas situações a  regra deveria ser a de abertura imediata de um processo de promoção e proteção da criança com o afastamento do agressor até que se demonstre que não constitui perigo para os menores.

A residência partilhada, como qualquer regime de regulação das responsabilidades parentais, exige dos tribunais uma ponderação sobre as pessoas dos progenitores, sobre as suas condições pessoais e competências parentais, bem como sobre o interesse da criança conjugado com a sua vontade expressa.

Uma ponderação séria, não partindo de pressupostos de que o regime adequado é este ou aquele em função de matrizes ou tendências jurisprudenciais, guiada pela avaliação séria daquela família e no melhor interesse para as crianças.

Neste trabalho, difícil e espinhoso, o tribunal deve contar com o auxílio sério e efetivo de assistentes sociais, de psicólogos e de pedopsiquiatras e com o trabalho dos advogados.

Os tribunais não se podem bastar com a presunção de que todos os pais são bons e gostam dos filhos ou que a medida desse amor se avalia pela forma como têm a sua casa organizada.

A verdade é que não pode haver tabelas, nem pode haver tendências jurisprudências, nem presunções legais ou outras, tem de haver nas decisões uma ponderação séria dos factos e do direito e a aplicação da medida mais adequada  ao interesse dos menores e à sua relação com o  pais, por forma a que cresçam amados, felizes, seguros e equilibrados.

Por tudo isto, não se pode tentar colar ao tipo de regulação das responsabilidades a “culpa” da morte de uma criança às mãos do seu pai ou da sua mãe.

 Não é a residência partilhada ou alternada ou residência única que determinam a violência.

São as pessoas que não sabem ser pais ou ter uma relação de amor e dedicação aos seus filhos que tornam qualquer regime de residência desadequando a uma criança.

Assim, como houve coragem para evoluir no sentido da residência partilhada, tem de haver coragem para restringir os contactos e as visitas dos menores aos pais sempre que estes não mostrem ter competências parentais ou capacidade para assegurar a integridade física, psíquica e moral dos filhos.

As crianças têm direito a ter progenitores que as amem e estes têm o dever de as amar.

A regulação do exercício das responsabilidades parentais só é bem feita se der corpo a estes princípios.

Lisboa, 18 de Maio de 2020

Ana Isabel Barona

Advogada, Associada Principal na Rogério Alves & Associados, Sociedade de Advogados, SP, RL

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O novo regime de acolhimento familiar

O novo regime de acolhimento familiar

No âmbito dos processos de promoção e proteção de crianças e jovens em perigo, existem diversas medidas de defesa, destas crianças e jovens, que são aplicadas consoante os casos.

Estas medidas estão elencadas no artigo 35º, nº 1, da Lei de Promoção e Proteção de Crianças e Jovens em Perigo.

Uma dessas medidas é a medida de acolhimento familiar, cujo conceito que se encontra definido no artigo 46º, da mesma Lei e que, até dezembro de 2019, se encontrava regulada no Decreto-lei 142/2015, de 8 de setembro.

Este Decreto-lei, porque se encontrava desatualizado em face das necessidades, seja das crianças acolhidas, seja das famílias que as acolhiam seja, ainda, das famílias de origem, foi revogado pelo Decreto-lei 139/2019, de 16 de setembro que estabelece o regime de execução da medida de acolhimento familiar e que entrou em vigor no dia 1 de dezembro de 2019.

O acolhimento familiar traduz-se na atribuição da confiança da criança ou do jovem a uma pessoa singular ou a uma família, que terão que estar devidamente habilitadas para tal, com vista a proporcionar a estas crianças (ou jovens) a sua integração em meio familiar, sendo-lhes prestados os cuidados adequados às suas concretas necessidades, ao seu bem-estar e à sua educação com vista ao seu desenvolvimento integral.

O acolhimento familiar não se equipara à adoção. O acolhimento familiar tem como pressuposto a previsibilidade da reintegração da criança ou do jovem na sua família de origem ou no seu meio natural de vida, a sua confiança a pessoa idónea ou a familiar que a acolha.

Não sendo viável, no caso concreto, nenhuma das situações referidas, o acolhimento familiar servirá, também, para a preparação da criança ou do jovem para a confiança com vista à sua adoção ou, não sendo possível a adoção, para a sua autonomia de vida.

Sendo o acolhimento familiar uma medida que, a vários níveis, assume um impacto relevante na vida de todos os envolvidos, tornou-se necessária a revisão das normas que a regulamentavam com a introdução de alterações que, há muito, se impunham.

O Decreto-lei 139/2019, de 16 de setembro, incorporou as normas já existentes para o acolhimento familiar (com exceção daquelas que previam a possibilidade de o acolhimento familiar ter natureza não onerosa), nomeadamente, as que consideravam a criança ou jovem membro do agregado familiar ou dependente da pessoa singular ou da família, para efeitos fiscais.

Com a nova regulamentação, a pessoa singular ou um elemento da família de acolhimento, durante a vigência do acolhimento, tem direito a faltas para assistência à criança ou jovem, bem como, a mãe e o pai trabalhadores envolvidos em processo de acolhimento familiar de crianças até 1 ano de idade, passam a ter direito a licença parental, aplicando-se, com as devidas adaptações, o regime previsto no Código do Trabalho.

O novo regime do acolhimento familiar estabelece regras de seleção e formação, prévias à concessão da qualidade de família de acolhimento, determinando o acompanhamento, das pessoas selecionadas para serem famílias de acolhimento, por uma instituição (denominada Instituição de Enquadramento), que as apoiará.

As famílias de acolhimento têm, no âmbito dessa sua função, apoio pecuniário específico, o qual é atribuído por criança ou jovem acolhido, tendo em consideração as características de cada criança ou jovem. Com o novo regime do acolhimento familiar, as famílias de acolhimento passam a ter acesso a prestações sociais de parentalidade e a poder requerer apoios de saúde, de educação e sociais a que a criança ou o jovem acolhido tenha direito.

O Decreto-lei 139/2019, agora em vigor, para além de elencar os direitos e deveres das famílias de acolhimento, também elenca os direitos e deveres das crianças e jovens acolhidos.

Em relação aos direitos da criança ou jovem acolhido, salienta-se que o novo regime, expressamente, menciona o acesso a serviços de saúde, a igualdade de oportunidades e o acesso a experiências familiares e educativas para o exercício da cidadania e qualificação para a vida autónoma, dando-se particular relevância à estabilidade, ao fixar o direito de permanência na mesma família de acolhimento durante o período de execução da medida, mantendo contudo a possibilidade de vinculo à família de origem, determinado que, na colocação em família de acolhimento deverá, sempre que possível, fazer-se a escolha de uma família próxima do contexto familiar e social de origem da criança ou jovem.

Todas estas alterações visam proteger as crianças e jovens que, por estarem em situação de risco, estão mais vulneráveis e que, por isso, têm os seus direitos comprometidos os quais se procuram acautelar apresentando-se, o acolhimento familiar, como uma alternativa de proteção de excelência que permite a desinstitucionalização de muitas crianças, em situação de perigo, o que as protege, também, afetivamente.

A possibilidade de ser família de acolhimento é uma possibilidade real que deve, sempre que possível, ser abraçada com consciência sendo importante a divulgação de tal possibilidade, permitindo que cada vez mais famílias se tornem famílias de acolhimento, dando a possibilidade a mais crianças de, em situações de perigo, terem uma vivência familiar segura e estável.

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Música – porta de entrada na vida.

Música - porta de entrada na vida.

Ainda antes de nascer, é o ritmo do coração da mãe que escutamos. E a perceção que vamos tendo dos sons “cá fora”, é isenta de palavras, antes rica em estímulos e sensações que vamos distinguindo como suaves ou fortes, fluídas ou bruscas, relaxantes ou tensas. Os mesmos elementos musicais sabiamente usados, depois, pelos nossos cuidadores. Aqui - como nos antípodas - a sinfonia ancestral de inflexões da voz de quem tenta captar a atenção de um bebé, é instintivamente feita – e só - de elementos musicais. As palavras não assumem, ainda, qualquer significado. E o bebé corresponde a esse convite à relação. Cada cultura dispõe de um repertório específico: do “Jardim celeste” à “Pintinha põe o ovo”, do “Alecrim” ao “Festinha gata” – cantigas e prosódias, moldadas pelo tempo e as gerações, envolvidas em toque e movimento, que operam a vinculação afetiva do bebé, base de todo desenvolvimento saudável. O rigor musical do CD do Mozart – que terá o seu lugar – não substitui a “qualidade afetiva da voz” do cuidador, mesmo quando este crê não ser afinado. Ao bebé, pouco importa.

Durante toda a vida e, de modo particular, durante a infância, a atividade musical é potenciadora da atividade cerebral, agilizando a comunicação entre os dois hemisférios, promovendo o desenvolvimento cognitivo, social e emocional. É fundamental a escola facilitar à criança a exploração musical por uma escuta ativa, pela voz, pelo corpo, pelo espaço, pela relação com os seus pares, sempre assente na relação afetiva e segura com o educador ou o professor de música. A posterior exploração dos instrumentos – como extensão da voz e do corpo – vem possibilitar o desenvolvimento de competências de progressiva complexidade, mas com o cuidado de não se substituírem à voz e ao corpo – instrumentos primeiros da expressão humana e que subjazem a qualquer aprendizagem instrumental sustentada.

Não confundamos aprendizagem musical com a aprendizagem de “coisas a ver com” a música, do tipo identifica na imagem, o clarinete, ou com canções em que a letra se desdobra a ensinar, por exemplo, o sistema urinário, ou mesmo a leitura das notas musicais. Por inquestionável a utilidade destes “organizadores do conhecimento”, em momento nenhum concorrem para os benefícios desenvolvimentais emocionais, sociais e cognitivos associados à vivência, prática e aprendizagem musical.

A leitura de pautas musicais é um processo de associação simbólica, que está para a música como a leitura de textos está para a língua. Que desenvolvimento da língua se esperaria de uma criança a quem apenas fosse permitido falar aquilo que conseguisse ler? Pelo contrário, a leitura é introduzida quando a criança já domina a sua língua. Só então, a leitura se torna um meio de aprofundamento da sua aprendizagem. O mesmo deve passar-se com a leitura musical, para que não se substitua à efetiva e desejada apropriação da música, pela criança. A leitura como um “meio” e não como “fim” da aprendizagem musical.

Quantas as histórias de músicos a quem, tirando-lhes a pauta, se lhes tira a “música”?! Como se a música, que nasceu com a humanidade, se encerrasse na escrita musical, que apenas conta uns poucos séculos. E só na cultura ocidental. Em outras culturas, a complexidade da sua música nem sequer é possível de transcrever numa pauta. Prevalece a memória musical e o desenvolvimento auditivo – os tais que queremos para o desenvolvimento harmonioso do cérebro dos nossos filhos.

Quando optamos pela aprendizagem formal de um determinado instrumento para um filho, contamos que a par com a muito maior agilidade da sua atividade cerebral, surja o treino da persistência, da disciplina e da responsabilidade. Afinal, há que cumprir o estudo, repetido e regular, cumprir o horário destas aulas, algumas vezes, acrescentado ao de um dia de escola, e ainda, trazer consigo e cuidar do seu instrumento, lembrar-se das partituras e caderno – onde são sistematizados o seu estudo e as suas aulas. Se para uma maioria de crianças, esta aprendizagem formal é um desafio que as realiza artisticamente e uma vantagem para o seu sucesso académico, para outras, pode tornar-se um pesadelo e mesmo afastá-las da prática musical.

Se a opção por a criança aprender um instrumento assenta no seu défice de atenção, hiperatividade, ou simples imaturidade, a aprendizagem formal poderá vir engrossar o rol de procedimentos em que a criança está já em esforço para corresponder, nas disciplinas obrigatórias, e a que as aulas de música vêm expô-la, uma vez mais, com consequências na sua autoestima.

Uma opção alternativa, em que a criança aprenda o instrumento segundo repertório que lhe seja apelativo - sem compromisso com as peças do programa oficial - em que o professor dilua a sua dificuldade de gestão dos materiais, facilitando-lhe partituras sobressalentes - liberto do critério de avaliação que penalizaria o esquecimento destas - e em que a criança trabalhe motivada por apresentações aos seus pares ou família - em lugar de sob a tensão de uma prova de exame - poderá garantir-lhe igual benefício e progressão da sua aprendizagem musical, progressão no seu tempo de concentração e, a prazo, com a paciência dos pais e professor, a desejada gestão de tempo e materiais. E estará sempre a tempo, quando a maturidade lho permitir, de ingressar na aprendizagem formal.

Quando a aprendizagem musical propicia a prática em conjunto - num agrupamento instrumental ou num coro – dá lugar ao desenvolvimento de competências extraordinárias. A criança tem de complementar a sua proficiência musical com a dos colegas. A contenção e as esperas, enquanto outros tocam, para logo tocar em torrente, a um sinal do maestro. A interajuda, o respeito, a paciência, a empatia, a satisfação de contruir algo maior, pela conjugação do talento e empenho de todos. Todos respiram juntos. Estudos referem que até os batimentos cardíacos se sincronizam. É uma experiência incomparável! E pode ser uma forma daquela criança tímida, com pavor de se expor, se “diluir” entre os demais e concretizar a apresentação pública do seu trabalho e progresso.

E aos pais que declinam a prática musical dos seus filhos porque “ela sai a mim, que também nunca tive jeito” - Quando é que, no nosso dia a dia, a pretensa falta de “jeito” justifica não desempenharmos uma série de outras atividades? Porque não experimentarmos, participarmos em projetos musicais com os nossos filhos? Como quando os embalávamos a cantar.

Catarina Fragoso

Professora de Música

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