A cobrança internacional de alimentos: a competência internacional dos tribunais

O Regulamento (CE) n.º 4/2009, do Conselho regula, entre outros aspetos relativos a obrigações alimentares, as regras de atribuição de competência internacional e de determinação da lei aplicável.

As obrigações alimentares aqui em causa são as reportadas às relações de família, parentesco, casamento ou de afinidade.

Este Regulamento é aplicável em situações plurilocalizadas, em que, por exemplo, um progenitor obrigado a pagar alimentos a favor de filho reside num país e, o outro progenitor reside com o filho que é credor de alimentos, em outro país, ambos Estados-membros da União Europeia e, por isso, sujeitos às regras do presente Regulamento.

Se já estiver regulado o exercício das responsabilidades parentais relativo a uma criança e um progenitor quiser pedir a alteração dos alimentos que estão estabelecidos, este pedido não está associado à regulação, sendo um pedido isolado, a ser apreciado em ação própria, que será intentada para o efeito.

A questão que se coloca é a de saber qual o tribunal que é internacionalmente competente para conhecer desta ação.

De acordo com as regras previstas no artigo 3.º do Regulamento, mais concretamente, com quanto constante das alíneas a) e b), o critério definidor da competência é o da residência habitual.

Assim, será internacionalmente competente o tribunal do país onde o requerido na ação tem a sua residência habitual ou, em alternativa, o tribunal do local da residência habitual do credor de alimentos.    

Exemplificando, se um pai tem a sua residência habitual na Alemanha e na regulação do exercício das responsabilidades parentais ficou previsto que este está obrigado a pagar alimentos a favor do filho e, considera este progenitor que o valor de pensão de alimentos deverá ser reduzido, então, terá que propor a ação contra a mãe da criança, que a representa em juízo, pelo que terá que fazê-lo junto do tribunal do país onde a criança reside com a mãe. Assim, se a criança e a mãe residirem em Itália, será competente para conhecer da ação o tribunal italiano.

Já se for a mãe que vive em Itália a querer propor uma ação relativa a alimentos contra o pai, por querer aumentar o valor de pensão de alimentos pago a favor da criança, então, a mãe poderá escolher entre o tribunal italiano, por ser o tribunal do local da residência do credor de alimentos ou o tribunal alemão, por ser o tribunal do local da residência habitual do requerido na ação.

Diferente, será a situação em que o pedido relacionado com os alimentos devidos, na forma como é apresentado, esteja associado a uma regulação do exercício das responsabilidades parentais que tenha que ser feita ou que tenha que ser alterada, em algum dos seus aspetos. Será, por exemplo, uma situação em que seja pedida uma alteração do regime de residência da criança, com impacto no valor da pensão de alimentos ou na repartição das despesas.

Neste caso, o tribunal internacionalmente competente para conhecer da questão relativa aos alimentos será aquele que tiver competência para conhecer da questão relativa à responsabilidade parental, conforme alínea d) do mencionado Regulamento 4/2009.

Assim, para determinar qual o tribunal internacionalmente competente terá que se ter em conta as regras previstas no Regulamento n.º 2019/1111 do Conselho, de 25 de junho de 2019 relativo, nomeadamente, à competência dos tribunais em matéria de responsabilidade parental.

Com efeito, nesta situação, importa atentar em quanto previsto no seu artigo 7.º que, no n.º 1, prevê que a competência para regular a matéria relativa à responsabilidade parental pertence ao tribunal do Estado-membro onde a criança tem a sua residência habitual à data da instauração do processo, pelo que, no exemplo, acima dado, nesta situação, o tribunal internacionalmente competente será o tribunal italiano, independentemente de quem iniciar o processo.

Porque as obrigações de alimentos não se resumem às obrigações de pais para com os filhos, podendo existir uma situação em que esteja em causa alimentos entre ex-cônjuges ou, até, por exemplo, entre irmãos (como é o caso da lei portuguesa, que estabelece, no artigo 2009.º do Código Civil que os irmãos estão mutuamente obrigados à prestação de alimentos), importa clarificar que, para além da aplicabilidade das alíneas a) e b) do artigo 3.º do Regulamento n.º 4/2009, terá que se ter em conta quanto previsto na alínea c) do mesmo artigo, que determina uma solução idêntica à da alínea d).

Ou seja, o tribunal internacionalmente competente será o tribunal que, de acordo com a lei do foro, for internacionalmente competente para apreciar a ação relativa ao estado das pessoas, por exemplo, uma ação de divórcio em que um dos cônjuges pede alimentos ao outro.

Concretizando, numa situação em que o tribunal internacionalmente competente para conhecer da ação de divórcio seja o tribunal francês, por decorrência da aplicação das regras de determinação de competência internacional para o efeito ao abrigo do já mencionado Regulamento 2019/1111 que é relativo, também, à competência dos tribunais em matéria matrimonial, será também o tribunal francês o competente para conhecer do pedido de alimentos formulado, independentemente de aquele a favor de quem os alimentos são pedidos ter a sua residência habitual em França (alínea b) do artigo 3.º do Regulamento n.º 4/2009) ou de aquele contra quem a ação de divórcio for proposta ter a sua residência habitual em país que não França (alínea a) do referido artigo 3.º).

Há apenas que fazer a ressalva que esta atribuição de competência internacional para apreciar as questões relacionadas com alimentos ao tribunal com competência para conhecer da ação com a qual o pedido de alimentos está conexo, apenas se aplicará, em detrimento do critério da residência habitual do requerido ou do credor de alimentos, se esta competência para a ação principal não resultar unicamente da nacionalidade de uma das partes.

No último exemplo dado (ação de divórcio), se a razão pela qual o tribunal francês for internacionalmente competente para conhecer da ação de divórcio resultar do facto de ambos os cônjuges terem nacionalidade francesa, então, será competente para conhecer da ação de alimentos o tribunal da residência do requerido ou o da residência habitual do credor.

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A compensação de créditos com a pensão de alimentos

A compensação de créditos com a pensão de alimentos

Após a separação, acontece com alguma frequência que, entre o ex-casal, existam valores “a crédito e a débito”, seja de valores decorrentes de despesas com os filhos comuns, seja de acertos de contas entre ambos.

Nestas situações, não é raro acontecer que, o pai que tem que pagar pensão de alimentos aos filhos decide fazer uma compensação entre o valor da pensão e o valor que, por alguma razão, lhe é devido.

É verdade que, de acordo com a lei, a compensação consubstancia uma causa de extinção das obrigações, traduzindo-se num encontro de contas.

Com efeito, nos termos do artigo 847.º, n.º 1, do Código Civil, quando duas pessoas sejam, reciprocamente, credor e devedor qualquer delas pode livrar-se da sua obrigação por meio de compensação com a obrigação do seu credor, desde que se verifiquem os seguintes requisitos:

«a) Ser o seu crédito exigível judicialmente e não proceder contra ele exceção, perentória ou dilatória, de direito material;

b) Terem as duas obrigações por objeto coisas fungíveis da mesma espécie e qualidade.»

Contudo, em certas situações, mesmo estando verificados os requisitos de que depende a possibilidade de compensação de crédito, a mesma não é possível. É o que acontece com a compensação de eventuais créditos do devedor de alimentos com o contra crédito de alimentos.

Esta impossibilidade está, expressamente, prevista no nº 2 do artigo 2008º do Código Civil que refere que «O crédito de alimentos não é penhorável, e o obrigado não pode livrar-se por meio de compensação, ainda que se trate de prestações já vencidas.»

Assim, não pode o progenitor/credor usar do mecanismo da compensação para se eximir ao pagamento do valor devido a título de alimentos.

Ainda no que respeita a alimentos acontece, por vezes, que um dos progenitores paga “a mais” em relação ao valor que ficou fixado, seja porque esteve mais tempo com o filho, seja porque comprou, por exemplo, roupas ou matérias escolares ao filho, seja porque, de sua livre iniciativa, durante determinado período de tempo, pagou, mensalmente, mais do que o valor devido.

Nestas circunstâncias e estando em causa valores relativos a pensão de alimentos, estes valores pagos “a mais” para além de não ser passíveis de compensação, têm vindo a ser entendidos, pela doutrina e pela jurisprudência, como liberalidades que não eximem, o obrigado a alimentos, do cumprimento integral das referidas obrigações que, posteriormente, se vençam.

Mais, ao serem meras liberalidades, não têm que ser restituídas por quem as recebeu.

Resulta, assim, absolutamente claro que, quando o que está em causa é o pagamento de valores relativos a alimentos, não poderá nunca haver lugar a compensação de crédito nem sequer em situações em que o crédito resulte de valores, pagos voluntariamente, que vão para além do valor fixado.

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