A retenção ilícita de uma criança e a regulação das responsabilidades parentais

Nos dias de hoje, é usual que pessoas de nacionalidades diferentes casem ou se unam de facto e tenham filhos, o que implica que, cada vez mais, surjam problemas relacionados com a residência das crianças, filhas de pais de nacionalidades diferentes.

Uma situação cada vez mais frequente é a de crianças que residiam com os pais num determinado país, no momento da separação daqueles, sejam levadas, por um progenitor, sem o consentimento do outro, para o país da nacionalidade daquele, porque este entende que nada mais o prende ao país que a família tinha escolhido como local de residência da família.

Nestas situações, podemos ter, uma situação processual, em que uma criança, ao ser levada sem o consentimento do outro progenitor para outro país, implique o acionamento da Convenção da Haia de 1980 ou, mesmo, o acionamento do Regulamento n.º 2201/2003, de 27 de novembro de 2003, acrescendo ainda que, o progenitor que ficou no país onde a família residia, interponha pedido de regulação das responsabilidades parentais relativas à criança.

Qual o tribunal internacionalmente competente para conhecer da regulação das responsabilidades parentais relativa a esta criança?

A regra é a de que o tribunal internacionalmente competente é o da residência habitual da criança à data em que o processo de regulação seja instaurado sendo que, na situação supra descrita, existirá uma criança com residência habitual num país (aquele onde vivia) e com um local de permanência (o país onde se encontra).

A competência para conhecer da regulação das responsabilidades parentais dessa criança cabe ao tribunal onde a criança tem a sua residência habitual, sendo que, a existência de um processo a pedir o regresso da criança ao país da sua residência poderá influir na fixação da competência internacional do tribunal que deverá regular as responsabilidades parentais.

Isto porque pode acontecer que o tribunal do Estado para onde a criança tenha sido deslocada ou esteja retida, venha a proferir uma decisão de não regresso da criança ao Estado da sua residência habitual e, nessa situação, o tribunal desse Estado passa a ser internacionalmente competente para conhecer da regulação das responsabilidades parentais.

Assim, numa situação destas, pode o tribunal onde foi pedida a regulação das responsabilidades parentais vir a suspender a instância, atento o facto de a decisão a proferir sobre o regresso ou não regresso da criança ter repercussão na fixação da competência internacional do tribunal que conhecerá da regulação das responsabilidades parentais.

 

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O conceito de residência habitual no âmbito da Convenção da Haia de 1996

O conceito de residência habitual no âmbito da Convenção da Haia de 1996

Quando que existe uma separação de um casal com filhos importa, para efeitos de regulação do exercício das responsabilidades parentais determinar qual o tribunal competente para regular esse mesmo exercício – quer quando existe um litigio, quer quando é de comum acordo -, na medida em que a regulação das responsabilidades parentais tem que ser, sempre, homologada.

Quando o casal e os filhos têm nacionalidades diferente e/ou quando vivem em países dos quais não são nacionais, esta questão torna-se, ainda, mais relevante.

Se, no espaço da EU, releva quanto disposto no Regulamento (CE) n.° 2201/2003, do Conselho, de 27 de Novembro de 2003, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental, que no seu artigo 8º, dispõe que «Os tribunais de um Estado-Membro são competentes em matéria de responsabilidade parental relativa a uma criança que resida habitualmente nesse Estado-Membro à data em que o processo seja instaurado no tribunal», põe-se a questão de saber o que acontece quando estão envolvidas outras nacionalidades fora da União.

O que acontece, por exemplo, se estiver em causa uma família de nacionalidade australiana que, tendo fixado residência em Portugal, há pouco tempo, se separa? Mais, o que acontece se, por exemplo um dos membros da família pretender regressar à Austrália e levar os filhos consigo?

Numa situação como esta, porque não tem aplicação o supra referido regulamento, terão que ser aplicadas as regras do Código Civil, concretamente o artigo 59º do Código de Processo Civil, nos termos do qual: «Sem prejuízo do que se encontre estabelecido em regulamentos europeus e em outros instrumentos internacionais, os tribunais portugueses são internacionalmente competentes quando se verifique algum dos elementos de conexão referidos nos artigos 62º e 63º ou quando as partes lhe tenham atribuído competência nos termos do artigo 94.º.»

Portugal está internacionalmente vinculado pela Convenção Relativa à Competência, à Lei Aplicável, ao Reconhecimento, à Execução e à Cooperação em Matéria de Responsabilidade Parental e Medidas de Proteção das Crianças, adotada em Haia em 19 de Outubro de 1996, a qual produz efeitos na ordem jurídica interna e que prevalece sobre as normas processuais portuguesas.

O artigo 5º da Convenção, prevê que: «1 -As autoridades jurídicas ou administrativas do Estado Contratante no qual a criança tem a sua residência habitual possuem competência para tomar as medidas necessárias à proteção da pessoa ou bens da criança.»

Importa, pois, determinar o conceito de residência habitual.

A jurisprudência tem entendido que, a residência habitual, no caso, de um menor, será o local onde este vê organizada a sua vida com carácter de estabilidade e permanência. A residência habitual de um menor, é o local onde este desenvolve, habitualmente, a sua vida (ainda que há pouco tempo), onde frequenta a escola, onde tem amigos e atividades, em suma, o local onde se encontra integrado.

A residência habitual pode ser o local para onde o menor se mudou recentemente mas no qual se estabeleceu de forma permanente.

Assim, voltando ao exemplo supre referido da família de nacionalidade australiana que, tendo fixado residência em Portugal, há pouco tempo, se separa e em que um dos progenitores pretende regressar à Austrália, levando consigo, os filhos, a competência internacional para regular o exercício das responsabilidades parentais dos menores (e, consequentemente autorizar, ou não, a relocalização dos menores para a Austrália) pertence aos Tribunais portugueses.

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Arrolamento de saldos bancários no estrangeiro: (in)competência dos Tribunais Portugueses

Arrolamento de saldos bancários no estrangeiro: (in)competência dos Tribunais Portugueses

Não raras vezes se coloca a questão de, no âmbito de um arrolamento, existirem como bens que potencialmente poderão/deverão ser objecto de arrolamento, saldos bancários em instituições sediadas fora de Portugal.

Nestas situações o que está em causa é determinar a competência internacional de um tribunal português para ordenar o arrolamento – através de cativação – de tais saldos.

Para determinar tal, impõe-se conhecer as regras que regulam a efetivação dos arrolamentos.

O artigo 406.º, nº 5 do Código de Processo Civil, determina que, ao arrolamento, são aplicáveis as disposições relativas à penhora, em tudo o que não contrarie o que se encontre especialmente previsto para este tipo de procedimento cautelar.

Ou seja, em global, ao arrolamento, serão aplicáveis as regras dos artigos 735.º e seguintes do Código de Processo Civil, com remissão, no que respeita à penhora de saldos bancários, para as regras constantes do artigo 780.º do mesmo Código.

O referido artigo 780.º do Código de Processo Civil estabelece as regras que deverão presidir à efetivação da penhora de depósitos bancários determinando, nomeadamente, quais os elementos que, obrigatoriamente, deverão constar da comunicação eletrónica a fazer pelo agente de execução, às instituições bancárias.

O arrolamento de um saldo bancário corresponderá assim, nos termos em que for ordenado, a uma cativação do valor existente.

Coloca-se pois, a questão de saber se a efetivação da diligência de arrolamento de um saldo de depósito bancário, considerando as suas características e alcance, é qualificável como um verdadeiro “ ato executivo“.

A jurisprudência tem entendido que, a efetivação da diligência de arrolamento, é «um acto de verdadeira afectação patrimonial, rodeado da coerção invasiva própria e inerente aos actos executivos em geral.»

No acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 6 de Junho de 2012, pode ler-se que: «…a notificação necessária (para a efectivação da penhora de um depósito bancário) sempre implica um acto de coerção da empresa devedora situada noutro país. Aliás, cumpre aqui questionar qual seria a sanção que o Estado Português poderia impor à entidade devedora … se esta não acatasse a notificação (ordem) em causa.… Resumindo, afigura-se-nos que para a entidade devedora em questão ficar vinculada pela notificação relativa à penhora do crédito em causa, cumpre, antes de mais, declarar a executoriedade da decisão declarativa ou equivalente no Estado membro da União onde se situa a empresa devedora … e, após, nesse mesmo Estado proceder à inerente execução “.

A concretização de um arrolamento tem, na sua base, uma ordem proferida por uma autoridade jurisdicional, sendo que esta ordem se reveste, indiscutivelmente, de carácter executivo na medida em que se consubstancia numa ordem dirigida a uma instituição bancária determinando a afetação coerciva do valor existente aos fins do arrolamento.

Assim, ao ser esta ordem dirigida a uma instituição bancária sedeada fora de Portugal a qual não se encontra vinculada ao ordenamento jurídico português, a mesma não será, aí exequível pois, o facto de a instituição bancária em causa se localizar em espaço abrangido por ordenamento jurídico estrangeiro impõe, por si só, a conclusão de que não poderá ser executada sem mais.

Resulta assim claro que, os tribunais portugueses, carecem de competência internacional para ordenar, a entidades bancárias sediadas fora de Portugal - as quais são, necessariamente, regidas pelo ordenamento jurídico do país onde se localizam – a pratica de atos que afetem materialmente o seu giro comercial.

Impõe-se assim, a conclusão de que não dispõem os tribunais portugueses da necessária competência internacional para ordenar os atos coercivos necessários à efetivação do arrolamento de contas bancárias abertas em instituições sediadas em território estrangeiro. Pelo que, nestas situações, terá que ser pedido o arrolamento dos depósitos bancários em causa, junto dos tribunais do país onde se situam as respetivas instituições bancárias.

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