A alienação parental ou o divórcio forçado dos filhos em relação aos pais

A alienação parental ou o divórcio forçado dos filhos em relação aos pais

No passado dia 25 de abril, assinalou-se o Dia Internacional de Consciencialização para a Alienação Parental realidade que, em Portugal, não tem regulamentação jurídica especifica.

A alienação parental foi definida por Richard Gardner como «o transtorno pelo qual um progenitor transforma a consciência dos seus filhos, mediante várias estratégias, com o objetivo de impedir, ocultar e destruir os vínculos existentes com o outro progenitor, que surge principalmente no contexto da disputa da guarda e custódia das crianças, através de uma campanha de difamação contra um dos pais sem justificação, resultando da combinação de um sistemático doutrinamento (lavagem ao cérebro) por parte de um dos progenitores, e das próprias contradições da criança, destinadas a denegrir o progenitor objeto dessa campanha.»

Independentemente das críticas associadas a esta definição, a verdade é que, em termos práticos, nas situações de alienação parental há duas vítimas diretas: a criança e o progenitor alienado, fomentando o progenitor alienante o afastamento progressivo da criança em relação àquele. Mais, existem casos em que ambos os progenitores são alienantes falando-se, nestas situações, em alienação parental cruzada.

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Tendo em consideração a gravidade das consequências resultantes da alienação parental, mais importante que punir os comportamentos do progenitor alienante é prevenir a instalação da situação e evitar o seu agravamento.

Prevenir a alienação parental é, por exemplo, consciencializar os pais dos efeitos nefastos e dos danos irreparáveis que a mesma provoca nos filhos.

Também o regime de residências alternadas que estabelece um convívio igualitário do filho com cada um dos progenitores, permite o exercício de uma parentalidade responsável, sendo uma forma eficaz de prevenção da alienação parental.

Prevenir implica estar atento, pois existem comportamentos-tipo, quer do progenitor alienante, quer da criança alienada, que são verdadeiros sinais de alerta.

São exemplos de comportamentos-tipo do progenitor alienante, por referência ao progenitor alienado, condutas como:

- verbalização de comentários depreciativos;

- criticas à competência profissional e à situação financeira;

- desvalorização da qualidade do convívio proporcionado à criança;

- criticas aos programas lúdicos com a criança;

- limitação do contacto da criança com o outro progenitor e com a sua família;

- organização de atividades coincidentes com os tempos de visita, para evitar que estas se concretizem;

- incumprimento do regime de visitas fixado;

- criação, na criança, de falsas memórias;

- falsas acusações de abusos sexuais e/ou maus tratos físicos ou psicológicos;

- rapto parental.

Já quanto à criança alienada, esta adota comportamentos-tipo como:

- participação voluntária na campanha de difamação do progenitor alienado;

- ausência de culpabilidade por denegrir a imagem do progenitor alienado;

- relato de factos, que não foram vivenciados, como correspondendo à realidade;

- animosidade em relação à família alargada do progenitor alienado, bem como aos amigos deste;

- sentimentos de ódio em relação ao progenitor alienado;

- defesa, incondicional e premeditada, do progenitor alienante;

- recusa sistemática em estar com o progenitor alienado sem apresentar justificação para o efeito;

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Um progenitor que vivencie situações como as acima identificadas, deve recorrer ao tribunal para pedir a alteração da regulação das responsabilidades parentais, por forma a que o filho deixe de estar na esfera invasiva do progenitor alienante para passar a residir, em segurança e com preservação da sua saúde mental, seja em regime de residência alternada, seja em regime de residência exclusiva consigo (caso a residência alternada não seja suficiente).

Em casos mais graves, deve o progenitor alienado pedir a inibição do exercício das responsabilidades parentais do progenitor alienante.

Porque a alienação parental é difícil de provar, para que o progenitor alienado possa defender o filho e, se possa também defender a si, deve requerer ao tribunal o deferimento de prova pericial, consubstanciada no acompanhamento à parentalidade, que permitirá demonstrar a sua verdadeira relação com a criança, a dinâmica da mesma, a sua forma de educar e estabelecer regras, o comportamento da criança, a existência de agressividade por parte desta, o porquê da mesma, etc.

O acompanhamento à parentalidade, que não carece da autorização do progenitor alienante consiste, como o próprio nome indica, num acompanhamento feito por um especialista que, ao longo de meses, acompanha o convívio da criança com o progenitor alienado, indo a casa deste quando a criança lá se encontra, presenciando o convívio entre ambos, acompanhando-os em atividades lúdicas, etc.

Este perito deporá em tribunal, nessa qualidade e de forma isenta.

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Em conclusão, os pais são os guardiões dos filhos, seja do ponto de vista moral, seja do ponto de vista legal, sendo seu dever velar, nomeadamente, pela segurança, saúde física e mental dos filhos, não violando o seu direito ao convívio familiar, razão porque um progenitor alienante não tem competências parentais.

Em situações de alienação parental, deve o progenitor alienado e, devem os tribunais, responder eficazmente, na medida em que todas as crianças têm direito a ter uma mãe e um pai com quem possam estar, de quem possam gostar e com quem possam partilhar a sua vida.

 

 

O fim do mito do filho “mochilinha”: primeiras reflexões sobre a Lei 13.058/2014 no direito brasileiro e sua aplicação como meio de prevenção à alienação parental

O fim do mito do filho “mochilinha”: primeiras reflexões sobre a Lei 13.058/2014 no direito brasileiro e sua aplicação como meio de prevenção à alienação parental

 

Conrado Paulino da Rosa[1]

 

Sumário: 1. Introdução; 2. Da guarda compartilhada no direito brasileiro e as alterações apresentadas pela Lei 13.058/2014; 3. Da guarda compartilhada como ferramenta eficaz de prevenção à prática da alienação parental; 4. Considerações finais; 5. Bibliografia.

 

 

  1. Introdução

Toda a vez em que, ao longo de nossa vida, realizamos a entrega de algo que é valioso para alguém, a utilização da expressão “guarde bem isso” é inevitável. Assim, podemos verificar que, desde a rotina diuturna até as mais complexas situações jurídicas, o que se encontra inserido no termo “guarda” é a necessidade de cuidado, atenção em relação a algo que necessita de especial atenção.

No âmbito do direito de família o sentido da terminologia e, acima de tudo, a sua finalidade, expressa a complexa rede de proteção de necessária aos cuidados das crianças e adolescentes. Os filhos, em razão de sua fase de desenvolvimento, necessitam de segurança e estabilidade para que, na vida adulta, possam repetir bons modelos parentais nos cuidados com sua prole.

Em 22 de dezembro de 2014, por meio da Lei 13.058, o Código Civil Brasileiro foi alterado nos artigos 1.583 e 1.583 para trazer novas diretrizes para a aplicação da guarda compartilhada. Nessa toada, o presente trabalho tem o escopo de apresentar as inovações da nova legislação e, principalmente, debater de que forma a sua aplicação pode ser um importante instrumento de prevenção a prática da alienação parental.

 

  1. Da guarda compartilhada no direito brasileiro e as alterações apresentadas pela Lei 13.058/2014

O Código Civil Brasileiro (Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002) entrou em vigor em 11 de janeiro de 2003 e, em sua redação original, trazia apenas a modalidade de guarda como a atribuída a apenas um dos pais. Conforme a redação originária do CCB, no artigo 1.584, sem que houvesse entre as partes acordo, quando da dissolução da união, quanto à guarda dos filhos, será ela seria atribuída a “quem revelar melhores condições para exercê-la”.

Todavia, em 2008, a Lei 11.698 alterou a redação dos dispositivos 1.583 e 1.584 do CCB para, de forma expressa, apresentar a possibilidade da guarda compartilhada na legislação brasileira[2].

A partir de então o ordenamento jurídico passou a trabalhar com duas possibilidades de guarda após a dissolução de um relacionamento: de forma unilateral ou compartilhada. A primeira, de acordo com o artigo 1.583 § 1º CCB, é atribuída a um só dos genitores ou a alguém que o substitua, possuindo o guardião não apenas a custódia física do filho, mas também, o poder exclusivo de decisão quanto às questões da vida da prole. Por outro lado, guarda compartilhada trata da responsabilização conjunta e o exercício de direitos e deveres do pai e da mãe que não vivam sob o mesmo teto, concernentes ao poder familiar dos filhos comuns.

Assim, a guarda unilateral deveria ser atribuída ao genitor que revelasse melhores condições para exercê-la e, objetivamente, na antiga redação do § 2º do 1.583 do Código Civil, a partir da Lei 11.698/2008, mais aptidão para propiciar aos filhos os seguintes fatores: (I) afeto nas relações com o genitor e com o grupo familiar; (II) saúde e segurança e, por último, (III) educação.

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De outra banda, a Lei 11.698, ao estabelecer a possibilidade da guarda compartilhada em nosso ordenamento jurídico trouxe a seguinte redação ao artigo 1.584 § 2º do Código Civil: quando “não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho, será aplicada, sempre que possível, a guarda compartilhada”.

Todavia, o “sempre que possível” acabou sendo equivocadamente interpretado que o compartilhamento somente seria possível com acordo entre os genitores.[3] Ora, filhos de pais que mantém o diálogo e se entendem bem nem precisam de regras e princípios sobre guarda compartilhada, pois, naturalmente, compartilham o cotidiano dos filhos. A lei jurídica é exatamente para quem não consegue estabelecer um diálogo, ou seja, para aqueles que não se entendem sobre a guarda dos próprios filhos[4].

E, com isso, dúvida, destarte, inexistia quanto à possibilidade de compartilhamento da guarda ainda que se trate de uma demanda litigiosa (divórcio litigioso, dissolução de união estável litigiosa, guarda litigiosa de filhos etc). Isso porque, conforme Cristiano Chaves de Farias, em análise mais abrangente, infere que o palco mais iluminado para o exercício conjunto da guarda é, exatamente, o litígio, quando (e o cotidiano nas varas de famílias revela tal conclusão como inexorável) o genitor que detém a guarda utiliza o filho como um verdadeiro instrumento de chantagem, dificultando, de diferentes modos, o contato entre pai-não guardião e o filho[5].

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Justamente para evitar esse quadro, em 22 de dezembro de 2014, foi sancionada a Lei 13.058/2014[6]. Entre outras alterações, a nova legislação alterou a redação do artigo 1.584 § 2º do Código Civil Brasileiro, passando a estabelecer que: “mesmo quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho, encontrando-se ambos os genitores aptos a exercer o poder familiar, será instituída a guarda compartilhada”.

A partir de agora o compartilhamento da guarda passa, de uma vez por todas, a ser regra geral nos litígios familiares. Trata-se de ótima medida para que a aplicação da guarda compartilhada deixe de ser uma utopia e, agora sim, seja uma efetiva realidade nos Tribunais brasileiros.

Por óbvio que bom senso e cooperação seriam sentimentos necessários em todas as etapas de criação dos filhos e, caso eles não estejam presentes, o Judiciário – uma vez chamado para interferir na ótica privada – deve resguardar esses anseios em prol daqueles que são titulares de proteção integral.

Outro ponto positivo da normativa é o esclarecimento do verdadeiro sentido do compartilhamento da guarda. Isso porque, desde a Lei 11.698 em 2008, o instituto foi reiteradamente confundido com a guarda alternada, que sequer tem possibilidade de ser fixada em nosso ordenamento jurídico. De forma equivocada, falava-se em divisão estanque do tempo em cada uma das casas, como se o filho passasse a ter sua mochila como o único lugar seguro na sua vida.

Imperioso ressaltar, nessa esteira, de que guarda e convivência são institutos distintos. Embora comumente confundidos, o primeiro diz respeito ao modo de gestão dos interesses da prole – que pode ser de forma conjunta ou unilateral – e o segundo, anteriormente tratado como direito de visitas, versa sobre o período de convivência que cada genitor ficará com os filhos, sendo necessária a sua fixação em qualquer modalidade de guarda.

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Com a edição da Lei 13.058/2014, em 22 de dezembro de 2014, em nada se alteram as possibilidades de determinação de guarda: ou ela será unilateral – ficando um dos pais com o poder de decisão a respeito das diretrizes da vida do filho – ou compartilhada quando, de forma conjunta, ambos os genitores tomarão as decisões quanto a escolaridade, saúde, lazer e demais deliberações que cabem aos pais e que são inerentes à vida de uma criança.[7]

Compartilhar, como o nome já sugere, significa partilhar com o outro, dividindo as responsabilidades pelo sustento, educação e convívio com os filhos de forma direta e conjunta[8].

Agora, a fixação de qual das residências a prole irá residir, ou seja, com qual dos genitores ficará a custódia física, é consequência direta do estabelecimento do compartilhamento da guarda, podendo acontecer, inclusive, segundo a nova redação do Código Civil, que os pais residam em Cidades diferentes. Nesse caso, a “cidade considerada base de moradia dos filhos será aquela que melhor atender aos interesses dos filhos” (1.583 § 3° CC).

São evidentes as vantagens oriundas da guarda conjunta, já que prioriza o melhor interesse dos filhos, o poder familiar e a diferenciação das funções dos guardiões, não ficando um dos pais como mero coadjuvante na criação do filho, ao contribuir apenas com os alimentos e tendo como “recompensa” o direito à visitação[9].

Além disso, de acordo com o artigo 1.583 § 5º CCB, o tempo de convivência dos filhos deverá ser “dividido de forma equilibrada entre a mãe e o pai”. Dessa forma, evita-se que um dos genitores seja mero “visitante”, restrito a programas de fast food, cinemas e guloseimas, para uma lógica de corresponsabilidade e contato diuturno. Tal previsão atenta ao princípio constitucional da convivência familiar, previsto no artigo 227 da Carta Magna brasileira.

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Para estabelecer as atribuições do pai e da mãe e os períodos de convivência sob guarda compartilhada, o juiz, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, poderá se basear em orientação técnico-profissional ou de equipe interdisciplinar (1.584 § 3º CC). A atuação conjunta do Direito com o Serviço Social e a Psicologia, via perícia ou mediação de conflitos, faz com que ganhem todos os envolvidos e, principalmente, as crianças e adolescentes, uma vez que se reduzem, significativamente, as chances de esses filhos tornarem-se instrumentos de disputa em uma tentativa frustrada de compensar os traumas sentimentais com disputas judiciais.

A guarda compartilhada procura fazer com que os pais, apesar da sua separação pessoal e da sua moradia em lares diferentes, continuem sendo responsáveis pela formação, criação, educação e manutenção de seus filhos, seguindo responsáveis pela integral formação da prole, ainda que separados, obrigando-se a realizarem, da melhor maneira possível, suas funções parentais. O exercício dual da custódia considera a possibilidade de os pais seguirem exercendo da mesma maneira o poder familiar, tal como ocorria enquanto coabitavam, correpartindo a responsabilidade que têm no exercício das suas funções parentais e na tomada das decisões relativas aos filhos[10]

Conforme o jurista mineiro Dimas Messias de Carvalho[11], seu estabelecimento: a) Mantém e estreita os vínculos com ambos os pais; b) Evita a síndrome da alienação parental; c) Auxilia na criação e educação do filho; d) Mantém os vínculos com a família; e) Mantém as referências paterna e materna.

Nesse sentido, comungamos do pensamento de que a gestão conjunta dos interesses da prole, além de oferecer estabilidade e segurança aos filhos uma vez que calcada na corresponsabilidade pode, ao fim e ao cabo, ser um ótimo meio de acabar o exercício abusivo e egoísta da guarda por parte de um dos genitores.

 

  1. Da guarda compartilhada como ferramenta eficaz de prevenção à prática da alienação parental

Desde a brincadeira na primeira infância, invariavelmente, o ser humano, quando contrariado, costuma realizar práticas egoístas. Os meninos, quando perdem o jogo de futebol, voltam para a casa com a bola. As meninas, no mesmo sentido, não emprestam mais as bonecas para suas amigas quando, de alguma forma, seus anseios deixarem de ser atendidos.

A prática da alienação parental não deixa de ser, na idade adulta, a representação do mesmo comportamento. Isso porque, no desenvolvimento de nossa vida afetiva, costumamos inserir nossas expectativas, sonhos e projeções tal qual dos contos de fadas. Agora, quando eles não “viveram felizes para sempre...” aquele que se considera vitimado, muitas vezes, transforma o ser amado em seu maior algoz e irá privá-lo – assim como um dia já fez com seus pares na infância – daquilo que mais lhe é precioso: os filhos.

Dessa forma, entendemos a alienação parental como uma espécie de patologização do amor. O desamor não necessariamente precisa ser transformado em doença, mas sim, a sua má gestão tem um grande potencial para sua disseminação.

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A temática da alienação parental tem previsão legislativa desde 2010 por meio da Lei 12.318. Segundo acepção da normativa em comento considera-se ato de alienação parental a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este:

A legislação, no parágrafo único do artigo 2° da Lei 12.318/2010, apresenta ainda as formas exemplificativas de alienação parental, “além dos atos assim declarados pelo juiz ou constatados por perícia, praticados diretamente ou com auxílio de terceiros”: (I) realizar campanha de desqualificação da conduta do genitor no exercício da paternidade ou maternidade; (II) dificultar o exercício da autoridade parental; (III) dificultar contato de criança ou adolescente com genitor; (IV) dificultar o exercício do direito regulamentado de convivência familiar; (V) omitir deliberadamente a genitor informações pessoais relevantes sobre a criança ou adolescente, inclusive escolares, médicas e alterações de endereço; (VI) apresentar falsa denúncia contra genitor, contra familiares deste ou contra avós, para obstar ou dificultar a convivência deles com a criança ou adolescente; (VII) mudar o domicílio para local distante, sem justificativa, visando a dificultar a convivência da criança ou adolescente com o outro genitor, com familiares deste ou com avós.

Ainda, no artigo 3°, a normativa assevera que a prática de ato de alienação parental fere direito fundamental da criança ou do adolescente de convivência familiar saudável, “prejudica a realização de afeto nas relações com genitor e com o grupo familiar, constitui abuso moral contra a criança ou o adolescente e descumprimento dos deveres inerentes à autoridade parental ou decorrentes de tutela ou guarda”.

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Na verdade, o que se vê costumeiramente nos processos em que se estabelece a prática da alienação parental é de que “os filhos são cruelmente penalizados pela imaturidade dos pais quando estes não sabem separar a morte conjugal da vida parental, atrelando o modo de viver dos filhos ao tipo de relação que eles, pais, conseguirão estabelecer entre si, pós-ruptura” .

O genitor alienador, entre outros fatores, age com extrema facilidade e sutileza párea obstaculizar o direito convivencial do progenitor não guardião, encontrando rotas fáceis de acesso para atrair o filho para outras programações mais sedutoras do que a “tediosa” visita de um genitor que vem sendo, por igual, paulatina e religiosamente depreciado, e, na sua esteira, também os avós da criança, provenientes da linha parental do genitor não guardião[12].

Assim, entendemos que a edição da Lei 13.058/2014 chegou em boa hora ao estabelecer o compartilhamento da guarda enquanto regra geral. Isso porque a guarda jurídica compartilhada define os dois genitores, do ponto de vista legal, como iguais detentores da autoridade parental para tomar todas as decisões que afetem os filhos. [13] Sua proposta é manter os laços de afetividade, buscando abrandar os feitos que o fim da sociedade conjugal pode acarretar aos filhos, ao mesmo tempo em que tenta manter de forma igualitária a função parental, consagrando o direito da criança e dos pais[14].

A utilização da guarda compartilhada como forma de superação das limitações da guarda unilateral representa, além de tantos outros benefícios, um meio de evitar a síndrome da alienação parental[15]. Isso porque, em seu comportamento ardiloso e incessante, o alienador busca ser o único cuidador da criança, fazendo com que o contato com o outro genitor seja repudiado pelo rebento sem motivo concreto.[16]

 

  1. Considerações finais

O que antes era regra, em boa hora, passa a ter caráter excepcional, vez que se encontrando ambos os genitores aptos a exercer o poder familiar, será aplicada a guarda compartilhada, salvo se um dos genitores declarar ao magistrado que não deseja exercê-la (artigo 1.584 § 2º CCB).

Com o final do mito dos filhos “mochilinha”, do novo papel de ambos os genitores, de visitantes a conviventes, e, acima de tudo, de que as Varas de Família expressem aquilo que uma criança, mesmo em sua ingenuidade, sabe melhor do que qualquer adulto: dois representam mais do que um.

 

  1. Referências bibliográficas

CARVALHO, Dimas Messias de. Adoção e guarda. Belo Horizonte: Del Rey, 2010,.

FARIAS, Cristiano Chaves de. Escritos de direito e processo das famílias: novidades polêmicas. Salvador: Jus Podium, 2013.

FREITAS, Douglas Phillips. Guarda compartilhada e as regras da perícia social, psicológica e interdisciplinar: comentários à lei 11.698 de 13 de junho de 2008. Florianópolis: Conceito Editorial, 2008.

GRISARD FILHO, Waldyr. Guarda Compartilhada. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014.

MADALENO, Ana Carolina Carpes; MADALENO, Rolf. Síndrome da alienação parental: importância da detectação aspectos legais e processuais. Rio de Janeiro: Forense, 2013.

MADALENO, Rolf. Novos horizontes no direito de família. Rio de Janeiro: Forense, 2010.

PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Divórcio: teoria e prática. 4.ed. São Paulo: Saraiva, 2013.

ROSA, Conrado Paulino da. “Nova Lei da guarda compartilhada”, Editora Saraiva, São Paulo, 2015.

SILVA, Daniel Alt Silva da. A vigência da Lei n. 12.318/2010: uma providência a garantir o direito fundamental à convivência familiar. In: ROSA, Conrado Paulino da; THOMÉ, Liane Maria Busnello. O papel de cada um nos conflitos familiares e sucessórios. Porto Alegre: IBDFAM-RS, 2014.

SOLDÁ, Angela Maria; OLTRAMARI, Vitor Hugo. Mediação familiar: tentativa de efetivação da guarda compartilhada e do princípio do melhor interesse da criança. Revista brasileira de direito das famílias e sucessões, Porto Alegre,Magister, v. 29, ago./set.2012.

THOMÉ, Liane Maria Busnello. Guarda compartilhada decretada pelo juízo sem o consenso dos pais. Revista do Instituto do Direito Brasileiro, Lisboa, n. 14.

 

[1] Advogado especializado em família e sucessões. Mediador de conflitos. Presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM / Seção RS. Doutorando em Serviço Social – PUCRS.  Mestre em Direito  pela UNISC, com a defesa realizada perante a Università Degli Studi di Napoli  Federico II, na Itália. Professor do Curso de Direito da Fundação Escola Superior do Ministério Público, em Porto Alegre e coordenador da Pós Graduação em Direito de Família e Sucessões na mesma instituição. Autor de obras sobre direito de família e mediação de conflitos. www.conradopaulinoadv.com.br. / contato@conradopaulinoadv.com.br

[2]Art. 1.583.  A guarda será unilateral ou compartilhada.

I – afeto nas relações com o genitor e com o grupo familiar;

II – saúde e segurança;

III – educação.

Art. 1.584.  A guarda, unilateral ou compartilhada, poderá ser:

I – requerida, por consenso, pelo pai e pela mãe, ou por qualquer deles, em ação autônoma de separação, de divórcio, de dissolução de união estável ou em medida cautelar;

II – decretada pelo juiz, em atenção a necessidades específicas do filho, ou em razão da distribuição de tempo necessário ao convívio deste com o pai e com a mãe.

[3] “1. A chamada guarda compartilhada não consiste em transformar o filho em objeto, que fica a disposição de cada genitor por um determinado período, mas uma forma harmônica ajustada pelos genitores, que permita ao filho desfrutar tanto da companhia paterna como da materna, num regime de visitação amplo e flexível, mas sem que o filho perca seus referenciais de moradia. 2. Para que a guarda compartilhada seja possível e proveitosa para o filho, é imprescindível que exista entre os pais uma relação marcada pela harmonia e pelo respeito, onde não existam disputas nem conflitos; mas, quando o litígio é uma constante, a guarda compartilhada é descabida”. (Apelação Cível Nº 70059147280, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, Julgado em 16/04/2014)

“Guarda compartilhada pressupõe, de um modo geral, consenso entre os pais. É rara, se se pretende êxito assegurado, a modalidade da guarda compartilhada litigiosa, que será sempre uma guarda imposta e exercitada por duas pessoas”. (Tribunal de Justiça de Minas Gerais - Apelação Cível nº 1.0024.09.704551-2/003 7045512-60.2009.8.13.0024 (1) – Relator Des. Wander Marotta - Data de Julgamento: 06/12/2011 - Data da publicação da súmula: 13/01/2012).

[4] PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Divórcio: teoria e prática. 4.ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 97.

[5] FARIAS, Cristiano Chaves de. Cabimento e pertinência da fixação de guarda compartilhada nas ações litigiosas. In: FARIAS, Cristiano Chaves de. Escritos de direito e processo das famílias: novidades polêmicas. Salvador: Jus Podium, 2013, p.152.

[6] A legislação alterou os artigos. 1.583, 1.584, 1.585 e 1.634 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil Brasileiro), para estabelecer o significado da expressão “guarda compartilhada” e dispor sobre sua aplicação.

[7] Para um aprofundamento da temática sugere-se a leitura de ROSA, Conrado Paulino da. Nova Lei da guarda compartilhada, Editora Saraiva, São Paulo, 2015, 150 páginas.

[8] THOMÉ, Liane Maria Busnello. Guarda compartilhada decretada pelo juízo sem o consenso dos pais. Revista do Instituto do Direito Brasileiro, Lisboa, n. 14, p. 17638.

[9] SOLDÁ, Angela Maria; OLTRAMARI, Vitor Hugo. Mediação familiar: tentativa de efetivação da guarda compartilhada e do princípio do melhor interesse da criança. Revista brasileira de direito das famílias e sucessões, Porto Alegre,Magister, v. 29, ago./set.2012, p.76.

[10] MADALENO, Rolf. Novos horizontes no direito de família. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 212.

[11] CARVALHO, Dimas Messias de. Adoção e guarda. Belo Horizonte: Del Rey, 2010, p. 71.

[12] MADALENO, Ana Carolina Carpes; MADALENO, Rolf. Síndrome da alienação parental: importância da detectação aspectos legais e processuais. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p.90.

[13] GRISARD FILHO, Waldyr. Guarda Compartilhada. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 90-91.

[14] SOLDÁ, Angela Maria; OLTRAMARI, Vitor Hugo. Mediação familiar: tentativa de efetivação da guarda compartilhada e do princípio do melhor interesse da criança. Revista brasileira de direito das famílias e sucessões, Porto Alegre, Magister, v. 29, ago./set.2012, p.78.

[15] FREITAS, Douglas Phillips. Guarda compartilhada e as regras da perícia social, psicológica e interdisciplinar: comentários à lei 11.698 de 13 de junho de 2008. Florianópolis: Conceito Editorial, 2008. p.42.

[16] SILVA, Daniel Alt Silva da. A vigência da Lei n. 12.318/2010: uma providência a garantir o direito fundamental à convivência familiar. In: ROSA, Conrado Paulino da; THOMÉ, Liane Maria Busnello. O papel de cada um nos conflitos familiares e sucessórios. Porto Alegre: IBDFAM-RS, 2014, p. 376.

Falsas memórias e sugestionabilidade infantil nos contextos de alienação parental

Falsas memórias e sugestionabilidade infantil nos contextos de alienação parental 

Fernanda Molinari[1]

Modesto Mendes[2]

 

Introdução

Pela perspectiva psicodinâmica, a Alienação Parental é caracterizada por um conjunto sintomático, pelo qual o progenitor alienador modifica a consciência do seu filho, através de estratégias de atuação, algumas de natureza inconsciente, com o objetivo de impedir, obstaculizar ou destruir seus vínculos com o outro progenitor (Freitas, 2014).

Na esteira desses entendimentos, a Alienação Parental consiste em programar uma criança para odiar, sem motivo, um de seus genitores até que a própria criança ingresse na trajetória de desconstrução desse genitor (Molinari & Trindade, 2014).

Todo este processo, inevitavelmente, provoca um desequilibrio emocional na criança, afetando o seu desenvolvimento. A criança vê nascer em si, contra a sua vontade, assente em motivos falsos, um sentimento de revolta, um ódio perante o progenitor, com todas as consequências comportamentais e perturbação interior que tal estado implica, constituindo um fator de perigo ou, pelo menos, de perturbação do equilíbrio emocional da criança (Sá; Silva, 2011).

 Alienação Parental: considerações sobre a sua psicodinâmica

A Alienação Parental, enquanto fenômeno social, psicológico e jurídico, tem sido uma constatação frequente no âmbito do direito de família. Esse ramo da prática forense, aliás, é aquele em que fenômenos relacionados à Psicologia Forense adquirem grande evidência, sendo que a Alienação Parental, até há poucos anos desconhecida, encontra-se hoje teoricamente identificada (Dias, 2010; Feitor, 2012; Freitas, 2014; Gardner, 1985; Podevyn, 2001; Madaleno & Madaleno, 2013; Trindade, 2014; Sá & Silva, 2011; Souza, 2014) e com seus efeitos jurídicos, no Brasil, regulados.

Logo após a separação, quando ainda o nível de conflitualidade é intenso, é comum surgirem problemas e preocupações com as primeiras visitas dos filhos ao outro progenitor, pois fantasias, medos e angústias ocupam o imaginário dos pais e dos próprios filhos, ainda não acostumados com as diferenças impostas pela nova organização da família (Trindade, 2014).

A ruptura conjugal afeta de diferente forma cada um dos elementos da família, obrigando à redefinição dos papéis (Machado & Sani, 2014). O divórcio não significa a extinção da família, mas antes uma reorganização e reestruturação de novas dinâmicas familiares, com diferentes graus de complexidade, e adaptação para cada um dos seus membros (Rosmaninho, 2010). Neste novo contexto relacional, o divórcio deverá ser entendido como um processo que ocorre no ciclo vital da família, alterando a sua estrutura, mas que não é o fim da família, apenas a transforma (Cano, Gabarra, Moré, & Crepaldi, 2009).

O conceito de Alienação Parental foi formulado pelo psiquiatra infantil forense Richard A. Gardner, professor de psiquiatria clínica no Departamento de Psiquiatria Infantil na Universidade de Columbia, nos Estados Unidos, a partir do seu trabalho como perito particular. Gardner (1985; 1991; 1998), durante a sua atuação profissional, verificou um grande número de pais – sobretudo mães – que tentavam excluir o outro genitor da vida dos filhos, implantando ódio ou intensificando ressentimentos existentes nos filhos com relação ao genitor não guardião (Barbosa & Castro, 2013).

O reflexo dessas ações nos filhos foi denominada por Gardner (1985; 1991) de Síndrome de Alienação Parental, a qual conceituou como “o transtorno pelo qual um progenitor transforma a consciência dos seus filhos, mediante várias estratégias, com objetivo de impedir, ocultar e destruir os vínculos existentes com o outro progenitor, que surge principalmente no contexto da disputa da guarda e custódia das crianças, através de uma campanha de difamação contra um dos pais, sem justificação”.

Baker e Darnell (2006), fazendo alusão ao conceito de Gardner (1985), referem que a primeira manifestação do fenômeno da Alienação Parental consiste na campanha de denegrir a imagem que a criança tem do outro progenitor, campanha essa sem justificação, a qual é acompanhada do processo de lavagem cerebral e doutrinamento da mente da criança.

Trata-se de abuso emocional de consequências graves sobre os filhos. Esse abuso traduz o lado sombrio da separação dos pais. O filho é manipulado para odiar o outro genitor, o que está em oposição ao seu desenvolvimento psicológico saudável (Fiorelli & Mangini, 2012; Ribeiro, 2007a; Venosa, 2012).

Victor Reis (2009), nos seus estudos sobre crianças e jovens em risco, refere que devido à criança ser dependente e indefesa, é o elemento no seio da família com maior vulnerabilidade, tornando-se assim um alvo fácil para todo o tipo de violência. A violência consiste, acima de tudo, num abuso de poder, quer seja físico, material ou emocional.

A propósito, o que está em causa não é a ausência de vinculação afetiva que o progenitor alienador mantém com o filho, mas a forma perversa como exerce a parentalidade, sendo que a criança é submetida há uma série de provas de lealdade, em que para não desiludir o progenitor com quem vive, é quase que obrigada a confirmar sua pretensão (Ribeiro, 2007b; Sá & Silva, 2011).

Com o intuito de definir o que é Alienação Parental, mediante a fixação e parâmetros para a sua caracterização, a par de estabelecer medidas a inibir sua prática, foi aprovada, em 26 de agosto de 2010, a Lei Brasileira nº 12.318, que dispõe sobre a alienação parental determinando, no artigo 2º, aquilo que juridicamente a conceitua.

Pela perspectiva legal brasileira, considera-se ato de alienação parental a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este.

É importante ressaltar que a Alienação Parental não se configura apenas e tão somente com a prática de uma única conduta de forma isolada, mas sim de um padrão de condutas que se estenda ao longo do tempo com o objetivo de enfraquecer ou extinguir os laços parentais entre genitor e filho (Blanco 2008; Dias, 2013).

Falsas memórias e Sugestionabilidade na especificidade da Alienação Parental

Nos contextos em que esteja presente o fenômeno da Alienação Parental, o filho é convencido da existência de determinados fatos e levado a repetir o que lhe é informado como tendo realmente acontecido, sendo induzido a afastar-se de quem o ama. Nem sempre consegue discernir que está sendo manipulado e acaba acreditando naquilo que lhe foi dito de forma insistente e reiterada. Com o tempo, nem o alienador distingue mais a diferença entre verdade e mentira. A sua verdade passa a ser verdade para o filho, que vive com falsas personagens de uma falsa existência, implantando-se, assim, falsas memórias (Dias, 2010; Trindade, 2014).

A questão assume particular importância quando a falsa memória é utilizada para fundamentar uma imputação de abuso sexual através de profissionais pouco familiarizados com a problemática da falsa memória. Em se tratando de crianças, a questão se torna ainda mais delicada, porque envolve aspectos como a sugestionabilidade e a satisfação consciente ou inconsciente do desejo do adulto que possui a tarefa de ouvir a criança, além de preconceitos e/ou da adoção de uma ótica setorial sobre esse complexo problema (Trindade, 2014).

Estudos relacionados com a sugestionabilidade infantil apontaram que a maior incidência para ocorrência de falsas denúncias de abuso sexual envolviam crianças com a faixa etária entre os 03 e 07 anos de idade, levando-se em consideração não possuírem desenvolvimento cognitivo suficiente para compreender a situação, sendo mais vulneráveis a manipulações e implantações de falsas memórias (Amendola, 2009; Brandt, 2009; Guazelli, 2010).

Amendola (2009, p. 138) realizou pesquisa com 10 pais acusados de abusarem sexualmente de seus filhos, relacionando seus achados aos estudos anteriormente realizados por Wallerstein e Kelly (1998), com relação à faixa etária das crianças supostamente abusadas:

Digno de nota é a associação entre o número de filhos por pai acusado e o número de filhos que efetivamente foram considerados vítimas de abuso. Em nossa amostra de pais, todos foram acusados de abusar sexualmente de uma única criança, não obstante a maioria ter dois ou mais filhos. A observação dos dados nos mostrou que apenas três pais tiveram mais de um filho com a mãe denunciante e que, nesses casos, a criança mais nova era o foco da suspeita de violência paterna, independentemente do sexo. Portanto, nos demais sete casos em que o pai tivera um único filho com a mãe denunciante, a acusação fica restrita a esta criança.

As crianças consideradas vítimas de abuso sexual encontravam-se na faixa de três a seis anos na ocasião da denúncia, sendo sete do sexo feminino e três do sexo masculino, o que nos remete aos estudos de Wallerstein e Kelly (1998) que abordam a possibilidade de haver uma relação entre a idade da criança e sua capacidade para ser sugestionada e formar um alinhamento com o genitor guardião, ou seja, quanto mais jovem for a criança, maior a chance de formar alianças intensas com a mãe-guardiã.

Para elucidar a sugestionabilidade infantil, Dias (2013), de acordo com os estudos de Piaget (1994), refere que a criança de tenra idade acredita que a ordem emanada de um adulto é “justa” e, portanto, deve ser obedecida. A partir de seis anos a criança embora reconheça uma ordem “injusta”, compreende que ainda assim deverá cumpri-la. E somente a partir de nove anos a criança compreende que pode desobedecer uma ordem quando a perceber injusta. Transpondo este contexto para a Síndrome de Alienação Parental, vê-se que o processo de formação do dever moral resta comprometido.

Silva (2011) refere que quando se iniciam os processos de Síndrome de Alienação Parental, e seu subsídio simbólico, as falsas acusações de abuso sexual, todo esse processo de estruturação da autonomia moral fica flagrantemente comprometido: se a indução do alienador a formular as falsas acusações ocorrer em tenra idade da criança, a criança tornará seu relato verossímil (para adquirir credibilidade), mas não terá a noção de que isto trará consequências prejudiciais à pessoa que está sendo acusada - pai/mãe alienado (a) –, e este processo perdurará por mais tempo: a criança considerará que somente as regras impostas pelo adulto alienador serão as “justas”, e perderá a noção de que autoridade e justiça são elementos independentes.

Tendo como referencia a Psicologia Forense e do Testemunho, outro aspecto importante a ser considerado centra-se no discurso da criança envolvida em uma falsa acusação. O relato é pautado em fatos que nunca ocorreram, padecendo de espontaneidade, muitas vezes denotando de imediato estar influenciado (Dias, 2013). Frequentemente, a criança repete frases presentes no discurso do progenitor alienador. Dobke (2001, p. 42) enfatiza que:

No relato, a criança abusada apresentará linguagem compatível com seu desenvolvimento e compatível também com uma visão infantil dos fatos. A linguagem utilizada pela criança será a sua linguagem. O uso de linguagem não compatível com a sua idade sugere influência de pessoa adulta. A visão sobre o abuso também estará em harmonia com a idade da vítima.

Nesta perspectiva, o genitor alienador não é capaz de individualizar, de reconhecer em seus filhos seres humanos separados de si, sendo incapaz de ver e tratar a situação de outro ângulo que não o seu (Calçada, 2008). A criança, neste contexto, é palco de projeções dos sentimentos do progenitor alienador, passando a viver, pensar em sentir de forma condicionada. (Dolto, 2005; Freitas, 2014). A criança resulta incapaz de habilidades identificatórias genuínas, pois é fruto de um discurso que remete sempre ao falso, eis que pautado na mentira, criando uma realidade que não é sua, e memórias de situações que nunca viveu (Molinari & Trindade, 2014).

 

Considerações Finais

A memória ajuda a definir quem somos. Na verdade, nada é mais essencial para a identidade de uma pessoa que o conjunto de experiências armazenadas em sua mente. A facilidade com que ela acessa esse arquivo é vital para que possa interpretar o que está à sua volta e tomar decisões. Com efeito, o que se reconstitui é aquilo que é passível de ser dito, falado e evocado: não os fatos, mas a memória dos fatos (Trindade, 2014).

Manter memórias intactas e depois poder invocá-las constitui um ato complexo, pois depende da condição do sujeito no tempo e no modo do registro mnêmico, no tempo e no modo do seu arquivamento, no tempo e no modo da sua evocação (Trindade, 2014). Essas operações não ocorrem em sequência, são processos interdependentes, que se influenciam reciprocamente. Lembranças do passado não reconstroem literalmente os eventos; elas constroem memórias influenciadas por expectativas e crenças da pessoa, com influência, inclusive, de informação do presente (Calçada, 2014).

Portanto, a memória é uma variável dependente das funções da subjetividade e da atividade psíquica do indivíduo. Dessa maneira, a memória pode ser um sentimento (um afeto agradável ou desagradável), um cheiro (sensopercepção), uma palavra (linguagem), um lugar (orientação), uma ideia (pensamento) ou comportamento (Trindade, 2014).

Cumpre, assim, face à pluralidade de elementos que compõem a matéria, a adoção de máxima cautela quando as falsas memórias surgirem no espectro de um fator de risco, a Síndrome de Alienação Parental, pois não é raro que a notícia de abuso sexual contra a criança seja a acusação máxima do alienador contra o cônjuge alienado (Molinari & Trindade, 2014).

Inegável que a psicologia, nesse campo, tem muito a dizer ao direito. Não apenas porque dividem o mesmo objeto, mas, principalmente, porque direito e psicologia necessitam estabelecer um diálogo permanente para que os frutos da justiça possam ser plenamente alcançados.

Por fim, reafirmamos a necessidade de um olhar multidisciplinar, não apenas para uma compreensão da conflitualidade que envolve adultos num processo de divórcio, mas, principalmente, para entender a criança, cuja proteção deve ser integral.

 

 

https://www.youtube.com/watch?v=7yKQL99vorY

 

Referências

 

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Wallerstein, J. S., & Kelly, J. B. Sobrevivendo à separação: Como pais e filhos lidam com o divórcio. Trad. Maria Veronese. Porto Alegre: Artmed, 1998.

 

[1] PhD em Psicologia Forense pela Universidade Fernando Pessoa (Portugal). Mediadora de Conflitos pela CLIP. Advogada. Psicanalista Clínica. Docente e Supervisora no Curso de Formação de Mediadores de Conflitos da CLIP. Especialista em Direito de Família pela PUC/RS. MBA em Direito Civil e Processo Civil pela FGV. Presidente da Sociedade Brasileira de Psicologia Jurídica. Vice-Presidente da Associação Brasileira Criança Feliz.  Diretora do IBDFAM/RS. Coordenadora do Núcleo de Mediação em contextos de Alienação Parental, da CLIP. Sócia fundadora da AMARGS Associação de Mediadores, Árbitros e Conciliadores do Rio Grande do Sul. Membro do Centro de Investigação em Estudos da Criança, na Universidade do Minho/Portugal.  E-mail: fernanda.molinari@outlook.com

[2] Graduado em Administração e Gestão de Empresas pela Universidade Católica Portuguesa. Pós Graduado em Gerenciamento de Projetos com ênfase em Tecnologia de Informação, pela PUC/RS. Empresário na área de informática para negócios. Especializado em Psicologia Forense, pela Sociedade Brasileira de Psicologia Jurídica. Diretor de Relações Institucionais da ABCF. Docente no Curso de Formação de Mediadores da CLIP. Autor do livro "História de Amor entre um Advogado e uma Juíza" e de artigos sobre Alienação Parental e Mediação de Conflitos. E-mail: modestomendes@hotmail.com

 

Práticas alienantes familiares

Práticas alienantes familiares

A «síndrome de alienação parental» foi descrita em 1985 por Richard Gardner, para designar um sentimento de rejeição sistemático de uma criança em relação a um dos progenitores, por influência do outro, de modo a deformar a imagem da criança em relação ao progenitor «alienado» (denegrido, desprezado). Esta situação ocorre sobretudo nos casos de divórcio litigioso.

A formulação inicial de Gardner definia essa «síndrome» como constituída po vários elementos, a seguir enumerados:

- Campanha de difamação e ódio contra o progenitor-alvo;

- Racionalizações fracas, absurdas ou frívolas para justificar esta depreciação e ódio;

- Falta da ambivalência usual sobre o progenitor-alvo (ou seja ausência de afirmação da criança sobre aspetos positivos e negativos do progenitor em causa, como é habitual; nestes casos o pai visado só aparece como «mau»);

- Afirmações fortes de que a decisão de rejeitar o pai é só da criança (fenómeno "pensador independente");

- Apoio ao pai favorecido no conflito familiar;

- Falta de culpa quanto ao tratamento dado pela criança face ao progenitor alienado;

- Uso de situações e frases cedidas pelo progenitor alienante;

- Difamação não apenas do progenitor visado, mas direcionada também para a família e aos amigos do mesmo.

Nas situações de ruptura conjugal conflitual, o progenitor «alienante» entende o divórcio como uma guerra permanente, que tem de ser ganha em todas as circunstâncias, mesmo que o custo desse combate venha a ser a doença emocional do filho. A arma preferida é sempre a criança. A presença menos frequente do pai junto do filho impedem o progenitor alienado de se defender com êxito das acusações falsas. Os exemplos de alienação incluem a interferência constante em conversas telefónicas, a obstrução à presença em reuniões familiares, a crítica à tentativa de mostrar fotografias do pai visado e, sobretudo, a obstrução sistemática e continuada a uma presença continuada do progenitor criticado junto do filho.

De 1985 até aos nossos dias tem havido bastante controvérsia científica sobre a existência deste «síndrome». Muitos alegam a existência de uma verdadeira perturbação mental, outros defendem que tal não ocorre, ou sustentam que não existem ainda estudos sistemáticos desta situação.

A minha posição é a de que as crianças nada ganham com esse tipo de discussões. Haja ou não síndrome, as «práticas alienantes familiares», com escreveu Linares, são evidentes em muitas situações. Importa que todas as famílias as tenham presentes, defendendo os interesses das crianças.

O grande desafio é também para os Tribunais de Família e Menores. É condenável que se perca tempo a ver se há síndrome ou não, quando o importante para a criança é fazer uma avaliação contextual alargada e rigorosa, que permita detetar as práticas alienantes, protegendo a criança da exclusão de um progenitor.

Como já tive ocasião de denunciar no meu livro «O tribunal é o réu», os tribunais portugueses não procedem a uma avaliação sistémica das situações e muitos casos de grave alienação parental escapam a uma decisão correta, porque todos perdem tempo a discutir a «síndrome».

É urgente dotar os nossos tribunais de assessorias técnicas competentes e neutras, que ajudem os magistrados nas decisões e tornem os juízos de família locais onde se pratica justiça.

 

Daniel Sampaio

Professor Catedrático Jubilado de Psiquiatria e Saúde Mental

Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa