A regra da imutabilidade do nome e as suas exceções

A regra da imutabilidade do nome e as suas exceções

Nos termos do disposto no artigo 26º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa, a todos é reconhecido o direito à identidade pessoal, o que corresponde a um direito de personalidade que integra o direito ao nome.

De acordo com o artigo 72.º n.º 1 do Código Civil:

«Toda a pessoa tem direito a usar o seu nome, completo ou abreviado, e a opor-se a que outrem o use ilicitamente para sua identificação ou outros fins

Mais, o legislador fixou regras para a atribuição do nome das pessoas conforme resulta de quanto previsto no artigo 1875º do Código Civil que, sob a epígrafe “Nome do filho” estabelece que:

1. O filho usará apelidos do pai e da mãe ou só de um deles.

2. A escolha do nome próprio e dos apelidos do filho menor pertence aos pais; na falta de acordo decidirá o juiz, de harmonia com o interesse do filho.»

Este artigo 1875.º do Código Civil tem, ainda, que ser conjugado com quanto previsto no artigo 103.º do Código do Registo Civil que, também, estabelece regras no que respeita à composição do nome, a qual não pode ser arbitrariamente efetuada pelos interessados, importando aqui salientar a regra do n.º 2 alínea e) deste normativo quanto aos apelidos que integram o nome.

Desta regra decorre que:

«Os apelidos são escolhidos entre os que pertençam a ambos ou só a um dos pais do registando ou a cujo uso qualquer deles tenha direito, podendo, na sua falta, escolher-se um dos nomes por que sejam conhecidos».

Uma vez estabelecido o nome, o princípio que vigora é o da sua imutabilidade, pelo que o mesmo não poderá ser alterado apenas pela vontade do interessado, o que significa que, para que o nome possa ser alterado, terá que se dar inicio a um processo especial de alteração do nome.

Contudo, porque sendo o nome um elemento de proteção da identidade e que o direito à identidade deve prevalecer sobre a inalterabilidade do nome, a lei consagra algumas situações, que constituem exceções a esta regra e, nas quais, bastará a simples manifestação de vontade do interessado na mudança do seu nome.

Estas exceções encontram-se identificadas no n.º 2 do artigo 104.º do Código do Registo Civil e correspondem às seguintes situações:

- alteração fundada em estabelecimento da filiação, adoção, sua revisão ou revogação e casamento posterior ao assento;

- alteração resultante de retificação de registo;

- alteração que consista na simples intercalação ou supressão de partículas de ligação entre os vocábulos que compõem o nome, ou no adicionamento de apelidos, se do assento constar apenas o nome próprio do registado;

- alteração resultante da renúncia aos apelidos adotados por virtude do casamento e, em geral, da perda do direito ao nome por parte do registado;

- alteração resultante do exercício dos direitos previstos no artigo 1876º do Código Civil que corresponde às situações em que não estando a paternidade estabelecida e sendo a Mãe casada com quem não é o Pai da criança, poderão a esta ser atribuídos os apelidos do marido da Mãe desde que essa declaração de vontade seja, inequivocamente, prestada por ambos perante o funcionário do registo civil e, nestes casos, o filho a quem foram atribuídos os apelidos do marido da Mãe pode, nos dois anos seguintes à maioridade ou emancipação, requerer a eliminação dos mesmos do seu nome;

- alteração que consista na mera adoção do nome inicialmente pretendido pelos interessados, quando o assento de nascimento tenha sido lavrado na pendência de consulta onomástica sobre a sua admissibilidade.

- alteração do nome próprio resultante da mudança da menção do sexo.

Fora destas situações, para que o nome possa ser alterado através do referido processo especial de alteração do nome, importará que o interessado apresente um requerimento dirigido ao Conservador dos Registos Centrais, podendo fazê-lo diretamente na Conservatória dos Registos Centrais ou, através de um pedido apresentado em qualquer Conservatória do Registo Civil.

No requerimento, o interessado terá que justificar a sua pretensão e indicar as provas que pretenda apresentar sendo que, porque na sequência da apresentação do requerimento, os serviços procederão à consulta da base de dados do registo civil, não é necessária a junção, pelo interessado, de certidões do registo civil.

Se a alteração do nome respeitar a um menor, a mesma deve ser requerida por ambos os pais, ou por um, com o acordo do outro.

Se o interessado, for um maior de 16 anos, deverá também apresentar um requerimento para a obtenção de certificado de registo criminal.

Para que se proceda no âmbito do processo especial de alteração de nome, efetivamente, à sua alteração, esta terá que se basear numa justa causa na medida em que o Conservador dos Registos Centrais apenas autorizará a alteração do nome se ficar convencido que a situação concreta justifica a exceção ao princípio da imutabilidade do nome.

Por exemplo, a vontade de remover um apelido que cause constrangimento de ordem psicológica, resultante de bullying sofrido em razão do apelido será uma situação que poderá justificar a alteração do nome.

Acresce que, dessa alteração não deverá resultar qualquer prejuízo para terceiros, o que se entende tomando em conta que o processo especial de alteração do nome não pode ser um meio para violar a regra da imutabilidade do nome.

Por exemplo, uma outra situação em que se poderá ponderar autorizar a alteração do nome é a de uma pessoa, viúva, querer voltar a usar o seu nome de solteira devendo, contudo, ter motivos atendíveis para o fazer.

Com efeito, a lei admite a modificação do nome por efeito do divórcio, nada dizendo quanto à possibilidade dessa modificação em razão da dissolução do casamento por morte, não sendo impossível existirem situações em que faça sentido admitir-se esta possibilidade pois, quer num caso, quer noutro, está-se perante o fim da sociedade conjugal.

A alteração do nome, ao contrário do que possa parecer à primeira vista, não corresponderá a um ato impulsivo, na medida em que o nome tem um grande impacto na identidade pessoal e psicológica da pessoa, podendo as razões que estão na base do pedido de alteração do nome serem complexas e terem profundas implicações no quotidiano de quem pede essa alteração, razão porque, fora dos casos excecionais supra mencionados, se impõe uma ponderação adequada dos motivos invocados pelo interessado para esse efeito.

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Extensão do exercício das responsabilidades parentais

Extensão do exercício das responsabilidades parentais

 

A possibilidade de estender o exercício das responsabilidades parentais a terceiros que não os progenitores, encontra-se prevista nos artigos 1903.º, 1904.º e 1904º-A do Código Civil, sendo que os dois primeiros foram reformulados com a entrada em vigor da Lei 137/2015 de 7 de setembro, a qual introduziu também o artigo 1904º-A.

A ordem pela qual, em caso de impedimento de um dos progenitores da criança, decretado pelo Tribunal, poderão terceiros ser chamados, em caso de impedimento do progenitor não previamente impedido, a exercer as responsabilidades parentais de uma criança, está prevista no artigo 1903º do Código Civil figurando, em primeiro lugar, o cônjuge ou a pessoa que viva com qualquer um dos pais da criança e, apenas em segundo lugar, alguém da família de qualquer um dos pais da criança.

Desta nova redação resulta que se pretendeu dar uma importância ao cônjuge ou pessoa com quem o progenitor vive que, anteriormente não tinha, sendo que esta nova importância está diretamente relacionada com o facto de através do convívio se estabelecerem laços com a criança que poderão colocar o cônjuge ou a pessoa com quem o progenitor vive, em melhores condições de exercer as responsabilidades parentais de uma criança que, por exemplo, uns avós que não terão uma relação de dia-a-dia com a criança.

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Já se estivermos perante uma situação de morte de um dos progenitores, em que, por impedimento do progenitor sobrevivo, a quem, nos termos do nº 1 do artigo 1904º do Código Civil, caberia o exercido das responsabilidades parentais, este progenitor não possa exercer as mesmas, o nº 2 do artigo 1904º do Código Civil, mantém a ordem de preferência estabelecida no artigo 1903º, ou seja, em primeiro lugar o cônjuge ou pessoa que viva com qualquer um dos pais e, apenas em segundo lugar, alguém da família de qualquer um dos pais. Nestas situações, contudo, deverá ainda ter-se em consideração a eventual designação de tutor, efetuada em testamento, pelo progenitor falecido, a qual deverá, dentro do possível, ser respeitada.

Já para situações em que, a filiação da criança, apenas se encontra estabelecida quanto a um dos progenitores, como por exemplo nos casos de adoções singulares ou - mais raros – em que não foi possível estabelecer uma relação de paternidade, aplica-se o artigo 1904º-A do Código Civil cujo número 1, dispõe que:

«Quando a filiação se encontre estabelecida apenas quanto a um dos pais, as responsabilidades parentais podem ser também atribuídas, por decisão judicial, ao cônjuge ou unido de facto deste, exercendo-as, neste caso, em conjunto com o progenitor

O conteúdo dos mencionados artigos traduz também, a evolução que, o conceito de família tem vindo a sofrer aos longo dos anos, passando a valorizar-se, tanto social como legalmente, o afeto resultante das relações estabelecidas entre a criança e os cônjuges e/ou companheiros do progenitor.

Deixando assim a família de ser entendida apenas como o conjunto de pessoas que estão ligadas entre si por laços biológicos, para passar a incluir-se, no conceito de família, também as pessoas que entre si estabelecem laços afetivos relevantes, resultantes de relações de amparo psicológico, financeiro, emocional, etc, nas quais se incluem as relações com as crianças.

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A nova redação dada pela Lei 137/2015, de 7 de setembro, aos artigos 1903º, 1904.º e o conteúdo do novo artigo 1904º-A do Código Civil, remete-nos para o conceito de paternidade sócio-afetiva, na medida em que, em causa, estão situações que, na sua base têm o afeto estabelecido entre uma criança e alguém que, com a mesma não tem qualquer relação biológica mas que, ao nível do exercício da parentalidade de facto age como se tal relação existisse, comportando-se como Pai, ou como Mãe da criança.

Concretamente, quanto ao artigo 1904ºA do Código Civil, veio permitir-se que, em determinadas circunstâncias – e, sempre que apenas exista o estabelecimento de filiação quanto a um progenitor -, seja criado um vínculo que não sendo de filiação é-lhe equiparável em termos de exercício de responsabilidades parentais conjuntamente com o progenitor com filiação estabelecida, sendo o estabelecimento deste vinculo decorrente de uma prévia relação de afeto estabelecida com a criança.

Este vínculo decorrente do afeto, após decisão judicial que o decrete, passa a ser vigente na ordem jurídica sendo equiparado ao vínculo decorrente de uma relação biológica, da qual resultam os mesmos direitos e deveres.

A decisão judicial que dá corpo à relação de afeto entre a criança e o terceiro que passará a ser titular do exercício das responsabilidades parentais terá que, como qualquer decisão relativa a uma criança proferida por um Tribunal, ser sempre norteada pelo superior interesse da criança, a qual, nos termos da lei, terá que se ouvida, devendo o tribunal, sempre que possível, estar suportado, sempre que possível, pela opinião de pedopsiquiatras, psicólogos e assistentes sociais, em face da delicadeza e complexidade da decisão que é chamado a tomar.

Com efeito, o impacto que o estabelecimento de uma filiação baseada no afeto, tem na vida da criança em relação à qual tal situação se verifica, impõe um exercício probatório consistente, nomeadamente, quanto ao nível de relação afetiva desenvolvida entre a criança e a madrasta ou padrasto o que implica, por exemplo, uma averiguação da real capacidade deste, enquanto futuro titular das responsabilidades parentais da criança em respeitar e promover a manutenção da relação desta com a família biológica do progenitor em relação a quem se encontra estabelecida a filiação, na medida em que a regra é a de que a manutenção de tais relações salvaguardará o superior interesse da criança.

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O campo de aplicação destes normativos é muito sensível e se a verdade é que se pode verificar o cuidado de adaptar a legislação vigente à evolução da família do ponto de vista social, também não é menos verdade que aplicar, em termos práticos, os conceitos de família legal e de família afetiva, nos termos dos normativos em causa, corresponde a um exercício do Direito que se exige de suma prudência tomando em conta que antes de tudo e, acima de tudo, importa respeitar os direitos da criança.

As alterações legislativas operadas ainda são muito recentes, pelo que não permitem a ponderação dos efeitos que uma decisão judicial proferida, por exemplo, nos termos do artigo 1904-ºA n.º 1 do Código Civil terá na vida da criança em causa e no círculo global das relações afetivas desta, seja com a sua família biológica, seja com a sua família afetiva.

Caberá, por isso, aos tribunais escrever a história judiciária do sucesso das finalidades que estes artigos tiveram em vista salvaguardar devendo o legislador estar e ser atento ao curso dos processos e aos desfechos judiciais, já prolongados no tempo para que, sempre, se mantenha a salvaguarda do superior interesse da criança.

 

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