Planeamento sucessório: o testamento

Planeamento sucessório: o testamento

Ao longo da vida, tomamos decisões procurando planear, da melhor forma possível, um conjunto de situações.

Planear a sucessão é essencial: permite garantir que, dentro do quadro legal, deixemos validamente expressa a nossa vontade quanto à distribuição do nosso património, identificando quem queremos beneficiar e como.

O planeamento sucessório tem ainda a vantagem de diminuir desavenças familiares e ruturas que, a todos, prejudicam.

Uma das formas de planear a sucessão é através da elaboração de um testamento que corresponde a um documento legal no qual fica expressa a vontade do testador quanto à forma de repartição de todo o seu património pelos herdeiros testamentários.

Em termos de planeamento sucessório, o testamento é uma escolha segura pois permite estabelecer, dentro do quadro legal, quem herda o quê, garantindo ainda ao testador, que a sua vontade será cumprida.

Tomando em conta que o conteúdo de um testamento é jurídico, importa que o testador seja devidamente assessorado para que conheça as possibilidades que tem ao seu dispor, fazendo as melhores opções (mesmo em termos de otimização fiscal) e, assim, garantindo que o conteúdo do testamento é válido evitando que, após a sua morte, os herdeiros legitimários ponham em causa a validade do mesmo obviando-se, deste modo, a um ciclo de ações judiciais altamente prejudicial.

Com efeito, a validade de um testamento pode ser posta em causa por várias razões: violação de lei, incapacidade do testador no momento em que testa, coação, etc.

Para evitar tal e, assim, garantir que o que se testou será efetivamente cumprido, importa que o testador tenha assessoria técnica para o efeito, guiando-o na redação do texto legal, garantindo que o mesmo não será judicialmente destruído.

Existem situações, em que os herdeiros - que se sentem prejudicados ou ofendidos com as deixas testamentárias – veem arguir a incapacidade do testador no momento em que redigiu o testamento.

Para evitar tal poderá intervir, no testamento, médico assistente ou médico especialista que ateste que o testador tem capacidade para o fazer, tendo o domínio da sua vontade e compreendendo o alcance do que está a testar.

Sendo o testamento um ato de vontade é, ainda, importante que seja nomeado testamenteiro que o execute, devendo este ser pessoa em quem o testador confie para que cumpra a sua vontade, não esquecendo que um testamento é um documento legal, com linguagem jurídica e que a sua execução é eminentemente jurídica, por isso, convém que o testamenteiro esteja habilitado a, ao fazer cumprir a vontade do testador, garantir também o cumprimento das normas legais aplicáveis na distribuição do património pelos herdeiros.

Porque a vida é dinâmica, nada obsta a que, tendo sido realizado um testamento, o mesmo possa ser alterado e/ou revogado e redigido um novo testamento que acomode as novas realidades, pessoais e patrimoniais, do testador.

Pensemos por exemplo, na situação de alguém que, entretanto, se divorciou e casou novamente, que teve filhos ou que recebeu uma herança com valor patrimonial significativo.

Todas estas realidades podem levar a que o testador reequacione a sua vontade e opte por uma diferente distribuição da sua quota disponível, pelas pessoas que pretende beneficiar.

Um testamento pode ser alterado sempre que o testador entenda que é oportuno fazê-lo, revogando o(s) anterior(es).

Refira-se, ainda que, a identificação do domicílio do testador é relevante, pois, hoje em dia, não é raro que uma pessoa seja nacional de um país e resida habitualmente noutro, sendo possível que o testador escolha, no testamento, a lei que quer ver aplicada à sua sucessão. Essa escolha tem que ser esclarecida, por forma a que, o testador, no momento em que o faz, saiba o exacto alcance do quadro legal em causa e saiba quais os impactos fiscais que podem estar associados à escolha dessa lei.

Em súmula, testar é uma forma de planeamento sucessório e é um acto de vontade para depois da morte e, por isso, a elaboração de um testamento deve ser encarada e tratada como um assunto sério pelo que é fundamental que o testador esteja devidamente assessorado, sendo que a verdade é que a maior parte das pessoas não sabe o quadro legal em que se move quando faz um testamento, as opções que tem à sua disposição, nomeadamente, como proteger, da forma mais eficaz, os beneficiários do testamento.

Uma expressão incorreta pode pôr em causa a validade do testamento e se tal acontecer, a vontade do testador deixa de poder ser cumprida, o que tem como consequência que, contrariamente ao por si pretendido, à sua sucessão se apliquem apenas as regras sucessórias sem que se possa ter em conta, na composição dos quinhões hereditários, a vontade do testador.

Do mesmo modo, é da maior relevância que o testador conheça o quadro fiscal aplicável à sua sucessão, planeando-a, conhecendo as situações em que o pagamento de impostos é devido, quais as situações em que não o é e, sendo, as taxas aplicáveis.

Por tudo quanto supra referido, é determinante que o testador conheça o quadro legal e as formalidades a cumprir, garantindo que o conteúdo do testamento é, efetivamente, válido assegurando, assim, que o que decidiu será executado em conformidade estrita com a sua vontade legalmente testada.

Gostou deste artigo? Deixe o seu comentário aqui em baixo. A sua opinião é importante para nós.


Subscreva também o nosso blogue para ficar a par das nossas novidades e informações.


Tem alguma questão? Entre em contacto connosco.

0
0

A importância da presença da família na vida dos idosos

A importância da presença da família na vida dos idosos

A propósito do assunto do envelhecimento, bastante falado nos dias de hoje e da situação que vivemos actualmente, relacionada com o novo corona vírus e a forma como nos apanhou a todos desprevenidos, cheios de preocupação em relação a determinados aspectos da nossa vida e da vida dos nossos entes queridos, falo um pouco da experiência que tenho num campo particularmente especial e que toca a todas as pessoas de uma forma ou de outra: Os idosos institucionalizados.

As instituições de apoio a idosos como centros de dia ou lares, constituem um suporte formal na prestação de serviços à pessoa de idade maior, garantindo cuidados indispensáveis a uma vida digna mas muitas vezes não substituem os cuidados informais prestados pela família. O acompanhamento, o amor, o carinho, etc. Não pelo facto de não investirem cada vez mais neste âmbito, porque o fazem, mas pelo facto de a nossa família… ser a nossa família! E de ter um peso e uma influência extremamente importante neste assunto do envelhecimento.

À medida que envelhecemos temos tendência a apresentar capacidades regenerativas decrescentes que nos levam a uma maior vulnerabilidade e predisposição ao declínio funcional, com elas ocorrem também mudanças físicas e emocionais que comprometem a nossa qualidade de vida.

O envelhecimento é um processo biológico normal mas existe uma tendência a rejeitá-lo pois está ainda muito associado à doença, incapacidade e tristeza. Cada vez temos mais pessoas idosas que nesta etapa da vida precisam do apoio dos seus familiares assim como o apoio da sociedade para garantir a qualidade de vida na terceira idade.

Um dos principais problemas associados ao envelhecimento de que todos temos conhecimento, é o isolamento social e o sentimento de solidão. É uma fase da vida em que a pessoa idosa precisa de se sentir valorizada, viver com dignidade e com o carinho da família. As necessidades afectivas nesta fase não são diferentes daquelas que temos noutras fases da vida, como a realização, a alegria, o amor o sentimento de pertença à sociedade.

Estes sentimentos provenientes da relação com os outros fortalecem a pessoa para enfrentar as dificuldades e combater stress, ansiedade, e os desafios diários com que se depara permitindo assim uma melhor qualidade de vida e o equilíbrio psicológico, tão importante para a não desestruturação da personalidade.

As relações familiares assumem um papel importante neste processo de envelhecimento. Durante a vida conseguimos muitas vezes mascarar a ausência da família com o trabalho, os amigos, as férias, os afazeres domésticos, etc. mas acredito que na terceira idade a família assume uma importância impossível de encobrir.

Tem um peso fundamental e necessário mesmo que não nos apercebamos disto. Nesta fase da vida não são as poupanças que temos, os bens que adquirimos ou a casa que conseguimos construir que importam, mas sim o apoio e o amor que temos daqueles que nos são próximos, que nos querem bem e que não nos deixam ficar desamparados ou viver na solidão.

As famílias, na conjuntura actual, não têm muitas vezes condições para cuidar dos seus familiares idosos em situação de incapacidade física e/ou psicológica pois, muitas vezes, estes exigem um acompanhamento permanente, de 24 horas por dia. Algumas pessoas sentem-se impotentes e frustradas por não conseguirem assistir os seus pais, avós, irmãos, como gostariam e chegam a ter algum preconceito em relação à institucionalização. É preciso desmistificar o conceito de “Lar”.

Os Lares são muitas vezes a opção ideal que dá este apoio quer ao utente quer aos seus cuidadores habituais. Na minha opinião a institucionalização deve ser dos últimos recursos a serem tomados, no entanto, não se deve culpabilizar a família por fazê-lo, como se de um abandono se tratasse. Deve ser valorizada a permanência da pessoa idosa em casa, junto da família mas sabemos que em muitos casos é bastante difícil.

Por outro lado, é fácil haver um afastamento quando a pessoa é de facto institucionalizada e é aqui que falhamos! É fácil envolvermo-nos nas nossas rotinas atarefadas que se dividem entre o trabalho, os filhos, as actividades extra-curriculares, os trabalhos domésticos, o trânsito que nos rouba tempo e por aí fora e não nos lembrar-mos, às vezes, que do outro lado temos o nosso pai, a nossa mãe ou avó, à espera de uma visita, de um telefonema com apenas um beijinho para receber.

Provavelmente estiveram todo o dia a pensar em nós, a desejar que nos corresse bem o dia e que não chegássemos ao final cansados e sem energia.

Mais fácil é ainda afastarmo-nos, mesmo que involuntariamente, quando percebemos que as capacidades intelectuais do nosso familiar estão diminuídas ao ponto de não lembrar o nosso nome ou não nos reconhecer e pensarmos que “se hoje não for lá” ou “se hoje não telefonar” nem vai perceber… Mas vai!

Embora não saiba o meu nome, embora já não se lembre quem sou, sentirá sempre o amor que tenho para lhe dar, assim como sentirá a falta dele. O apoio familiar na forma de amor, afecto e cuidado faz a pessoa idosa acreditar que é amada e estimada e esta atitude pode causar efeitos positivos na sua saúde. É muito importante que tenhamos esta noção sempre presente.

Estamos actualmente a viver uma situação diferente em que somos obrigados a ficar fisicamente afastados dos nossos familiares institucionalizados, não por uma questão de distância, falta de tempo ou vontade mas por uma questão de protecção da sua saúde à partida mais fragilizada.

E muitas vezes não procuramos saber até que ponto esta situação é entendida por eles e os deixa com a certeza de que não estão a ser abandonados mas sim que os contactos apenas podem ser feitos à distância de um telefonema ou de uma parede de acrílico para sua segurança.

Esta é uma fase em que temos de ter mais presente ainda a nossa importância enquanto família e tentar perceber de que forma toda esta situação é entendida por eles.

É preciso percebermos o que os faz sentir, o que pensam sobre o assunto, é preciso comunicar de forma clara para que também as suas preocupações sejam controladas, pois vivem num ambiente “fechado” em que muitas vezes não têm a noção real daquilo que se passa fora destas portas.

O acompanhamento e a comunicação têm agora extrema importância para a pessoa idosa. Pelo contrário o afastamento nesta fase e o sentimento de preocupação que recai sobre estes idosos pode levá-los a uma tristeza profunda e promover a ansiedade, os sentimentos depressivos, que por sua vez levarão à falta de ânimo, de apetite e terão obviamente reflexos nocivos na sua saúde física e mental.

Lembremo-nos que nem sempre teremos energia e juventude, que mais tarde todos precisaremos de ajuda, compreensão e o apoio dos nossos filhos, irmãos ou sobrinhos.

Não sendo o amor um imposto que possamos cobrar, trabalhamos para que cada vez mais a sociedade se consciencialize de todos estes aspectos e que cada um possa e procure assumir uma responsabilidade enquanto familiar, de cuidar e acompanhar quem cuidou de si um dia e que vê agora os papéis invertidos dependendo dos seus descendentes.

Lúcia Pestana

Técnica Superior de Animação Sociocultural, há 8 anos, num Lar de 3ª Idade em Lisboa.

Gostou deste artigo? Deixe o seu comentário aqui em baixo. A sua opinião é importante para nós.

Subscreva também o nosso blogue para ficar a par das nossas novidades e informações.

Tem alguma questão? Entre em contacto connosco.

0
0

O stalking

O stalking

Quantas pessoas são perseguidas por outrem, de forma persistente e que, por isso, temem pela sua segurança, seja por se sentirem vigiadas, seja por serem contactadas sem quererem de forma abusiva e assustadora?

Quantas vezes esse agressor invade a privacidade da sua vítima, perseguindo-a, por vezes, de carro criando-lhe medo, sensação de perigo, de ansiedade?

Para além das ações diretas, existem mais comportamentos que se integram no conceito de stalking, como seja o recolher de informações sobre a vítima junto de vizinhos, de amigos, da própria família, via internet, no local de trabalho, etc.

Em comum, todos estes comportamentos têm o facto de serem abusivos, violares da liberdade individual, invasivos e atentarem contra o direito da vítima à tranquilidade e à liberdade pessoal.

Quando falamos de stalking, falamos também do agressor que realiza, sem parar, num curto espaço de tempo, um número irrazoável de telefonemas para a sua vítima, para a assustar, para a desassossegar, para a fazer temer o pior caso não atenda. Idem, para o envio de emails, de sms, mesmo que o seu conteúdo, não seja ameaçador mas que, pela desproporção de contacto, pela forma persistente como é feita a comunicação, corresponde a uma atitude de perseguição e intimidação.

Stalking também é aparecer, como se de uma coincidência de tratasse, em locais onde se sabe que a vítima passa, para que esta veja o agressor e se sinta perseguida, porque se percebe que houve todo um comportamento de vigilância que levou a que o agressor saiba que a vítima iria estar naquele local, naquele dia.

Stalking é a vítima ver o agressor, vezes e vezes, quando vai para o seu local de trabalho, quando sai e quando chega a casa, quando vai e sai de atividade lúdicas que frequenta, porque tudo conflui para um sentimento de perseguição e de invasão e de presença do agressor na vida da vítima.

Stalking é difundir rumores sobre a vítima para a denegrir, espalhar informações falsas, que a envergonham e humilham, revelar segredos que foram transmitidos pela vítima ao agressor em clima de confiança que, por serem segredos, são situações e acontecimentos que a vítima queria longe do conhecimento de um número ilimitado de pessoas.

Todos estes comportamentos perseguem o mesmo objetivo: garantir que a vítima tenha conhecimento e clara noção de que o agressor, por qualquer forma, está presente na sua vida, perpetuando um jogo psicológico que cerca a vítima, enfraquecendo-a psicologicamente, assustando-a, ameaçando-a emocionalmente.

Stalking é aparecer em casa da vítima, bater-lhe à porta fora de horas, é saber que a vítima vai dar um passo importante na sua vida pessoal e contactar família e amigos para tentar convencer a vítima a não o fazer, difundindo informações falsas, assustando a vítima, dizendo que se o fizer, colocará outra pessoa em perigo, ameaçando que se a vir na rua e estiver a passar de carro, acelera para a atropelar, etc.

Relevante para compreensão deste fenómeno, comum, transversal e cobarde, é a seguinte definição:

«(…) Na atualidade, há uma noção mais ao menos generalizada e comum de stalking, que podemos identificar como sendo um padrão de comportamentos reiterados de assédio persistente levados a cabo pelo stalker contra a vítima, consistindo em intromissões na vida privada desta última contra a sua vontade, podendo revestir variadíssimas táticas de perseguição, desde as formas mais tradicionais de comunicação como telefonemas e mensagens até comportamentos altamente intrusivos na esfera privada da vítima, que variam entre esperas à porta da sua habitação ou do seu local de trabalho e presença em lugares socialmente frequentados por esta, entre outros» (Lígia Prudêncio Teixeira, O Crime de Stalking, Faculdade de Direito, Escola do Porto, 2017, Universidade Católica Portuguesa, p. 5, in http://repositorio.ucp.pt).

Para a vítima e, para o stalker, saiba-se que estas condutas são criminalmente punidas, mormente, em face do artigo 154.º A do Código de Penal, que tipifica o crime de perseguição.

Dispõe o n.º 1 deste artigo:

Quem, de modo reiterado, perseguir ou assediar outra pessoa, por qualquer meio, direta ou indiretamente, de forma adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação, é punido com pena de prisão até 3 anos ou pena de multa, se pena mais grave não lhe couber por força de outra disposição legal”.

Este crime pode ser visto como um crime complexo e pluriofensivo que tutela, ainda que reflexamente, também a saúde e a integridade física, a liberdade de expressão e a inviolabilidade das comunicações, a imagem e reputação social, a honra, a reserva do domicílio, consoante o concreto modo de execução do crime (neste sentido, Filipa Isabel Gromicho Gomes, O Novo Crime de Perseguição: Considerações sobre a Necessidade de Intervenção Penal no Âmbito do Stalking, Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Coimbra 2016, p. 38).

Trata-se, ainda, de um crime de perigo concreto que prescinde, para a respetiva consumação, da efetiva lesão da liberdade individual, nesta vertente, exigindo apenas a aptidão ou potencialidade da conduta à concretização dessa lesão, como defluí da expressão «de forma adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação»

Se se identifica com este artigo como vítima, não hesite em pedir ajuda e em ajudar a punir o agressor e, para além da condenação penal, a pedir uma indemnização pelos danos causados.

O medo e o silêncio são os piores inimigos das vítimas, mais do que a cobardia dos stalkers.

Gostou deste artigo? Deixe o seu comentário aqui em baixo. A sua opinião é importante para nós.

Subscreva também o nosso blogue para ficar a par das nossas novidades e informações.

Tem alguma questão? Entre em contacto connosco.

0
0

Dia da Criança – Pelo direito ao acompanhamento

Dia da Criança – Pelo direito ao acompanhamento

Neste Dia da Criança, mais do que nunca devemos estar atentos aos mais novos, aqueles que provavelmente menos percebem a situação que vivemos, e devemos esforçar-nos por fazer com que o dia que celebra a natureza da sua infância seja também um dia para repôr alguma normalidade nas suas vidas.

Imagino-me com 12 anos, a meio de um ano letivo como qualquer outro, e a ver-me obrigado a estar afastado dos meus amigos durante meses sem fim, por razões que desconheço.

O que mais quereria não seriam explicações, nem muito menos correções e compensações, mas sim acompanhamento e presença. Se pensarmos a nível nacional e no mundo no período pré-covid, quantas crianças são negligenciadas todos os dias? Quantas crianças sofrem por tabela nas discussões familiares? Quantas crianças são alienadas pela busca incessante pelo sucesso dos seus pais?

No meio desta pandemia, talvez seja altura de olhar este confinamento – que aos poucos já se vai até desconfinando – como uma oportunidade única para dar às crianças aquilo que mais merecem: uma infância acompanhada, de preferência com amor e amizade de toda a família.

É fácil e compreensível que face a uma situação que nunca ninguém viveu, se pense primeiro nas preocupações individuais.

O que muda na minha vida? Como vou eu desenrascar-me no trabalho? Porque é que ninguém me presta atenção? São perguntas completamente legítimas – não se pede a ninguém que perca a sua individualidade e se esqueça dos seus próprios desejos e projetos pessoais –, mas no caso dos pais, pede-se um bocadinho mais.

Enquanto jovem de 20 anos, que não planeia ser pai nos próximos tempos, acredito ter a distância necessária para dizer, sem qualquer tipo de parcialidade, qual deve ser o papel de um pai: acompanhar, proteger, amar e ser um exemplo para o crescimento enquanto pessoa.

Que altura será melhor para começar a pôr este papel em prática do que a que vivemos neste momento? No Dia da Criança, somos relembrados disso mesmo. A pandemia aflige-nos, mas deve afligir ainda mais as crianças.

E, por isso, não só aos pais cabe o dever da atenção aos mais novos. Esse é um dever que todos partilhamos, e que devemos pôr em prática para ajudar qualquer criança que faça parte das nossas vidas. Se não nos acharmos totalmente competentes, é também importante relembrar a nossa falibilidade. Não somos perfeitos, vamos errar. E por isso mesmo, não precisamos de fazer tudo sozinhos.

A lista de instituições que ajuda crianças é longa, e tenho orgulho de estar envolvida com algumas. No campo da formação religiosa, ajudo na preparação para o crisma de jovens do 10º ao 12º no Colégio de Santa Doroteia, e sou dirigente de um grupo de rapazes do 8º ano no Movimento de Schoenstatt, em Lisboa. A nível educativo, acompanho um rapaz da Escola Secundária Pedro Nunes com explicações de Português, em colaboração com o movimento Up To You, um programa de voluntariado que se destaca na ajuda aos jovens e crianças. Aconselho qualquer uma das instituições como suporte ao trabalho que deve começar em casa: o de formar cidadãos para o futuro, com a certeza de que já são pessoas complexas e com devidos direitos, liberdades e garantias.

Porque se a maneira como tratamos os outros diz muito sobre o nosso carácter, também a maneira como tratamos os mais novos diz muito sobre o nosso coração. Neste Dia da Criança, lembremo-nos de olhar por aqueles que mais vitalidade e alegria dão à nossa vida. E se a normalidade pré-covid ainda fosse uma qualquer anormalidade para uma criança, que este dia seja um marco para criar uma nova normalidade, e desta vez, de preferência, uma que seja mais normal.

1 de junho de 2020

Vasco Maria Maldonado Correia

Estudante de Comunicação Social

Voluntário no Movimento de Schoenstatt

Voluntário no Movimento Up To You

Gostou deste artigo? Deixe o seu comentário aqui em baixo. A sua opinião é importante para nós.

Subscreva também o nosso blogue para ficar a par das nossas novidades e informações.

Tem alguma questão? Entre em contacto connosco.

0
0

Os frutos dos bens próprios no regime da comunhão de adquirido

Os frutos dos bens próprios no regime da comunhão de adquirido

Quando os futuros cônjuges não fazem, antes do casamento, qualquer convenção antenupcial ou não optam, expressamente, pelo regime da separação de bens ou pelo regime da comunhão geral de bens, o regime de bens que, supletivamente, vigorará é o da comunhão de adquiridos.

Neste regime de bens, mantêm-se como bens próprios de cada um dos cônjuges todos aqueles que, cada um deles, já detinha à data do casamento e, também, aqueles que cada um dos cônjuges venha a adquirir, após o casamento, com recurso a bens próprios ou a título gratuito garantindo-se, desta forma que, por exemplo, em caso de divórcio, não se verificará a transferência de bens da família de um dos cônjuges para a família do outro cônjuge.

No regime da comunhão de adquiridos, são considerados como bens comuns do casal, para além do produto do trabalho de cada um dos cônjuges, os bens adquiridos por qualquer um destes durante o casamento e que não sejam excetuados de tal comunhão pela lei.

Fazem ainda parte dos bens comuns do casal, no regime da comunhão de adquiridos, os frutos produzidos, seja pelos bens comuns do casal, seja pelos bens próprios de cada um dos membros do casal.

Com efeito, dispõe o 1728º, nº 1 do Código Civil, que: «1. Consideram-se próprios os bens adquiridos por virtude da titularidade de bens próprios, que não possam considerar-se como frutos destes, sem prejuízo da compensação eventualmente devida ao património comum.»

É considerado como fruto de um bem tudo aquilo que seja, por esse mesmo bem, produzido de forma periódica, sem prejuízo da sua substância.

Os frutos podem ser naturais (aqueles que provêm diretamente da coisa, como por exemplo, no caso dos sobreiros, a cortiça) ou civis (aqueles que são produzidos em resultado de uma relação jurídica, por exemplo, as rendas resultantes do arrendamento de um imóvel, ou os lucros resultantes de uma participação social).

Os frutos dos bens próprios de cada um dos cônjuges, sejam eles naturais ou civis são, assim, considerandos como bens comuns do casal, o mesmo acontecendo com os bens que, com o produto desses frutos, sejam adquiridos.

Assim, por exemplo, se um dos cônjuges herdar, na constância do casamento, uma herdade com sobreiros, essa herdade será um bem próprio seu e se, a determinada altura, o cônjuge decidir vender a herdade, o produto da venda será considerado bem próprio seu, o mesmo acontecendo com os bens que, com o produto da venda, sejam adquiridos.

Tal já não acontecerá com o produto da venda da cortiça produzida pelos sobreiros existentes na referida herdade.

Com efeito, se forem efetuadas vendas de cortiça, o produto da venda será um bem comum do casal (por ser um fruto), o mesmo acontecendo com os bens que forem, eventualmente, adquiridos com o produto dessa venda.

Gostou deste artigo? Deixe o seu comentário aqui em baixo. A sua opinião é importante para nós.


Subscreva também o nosso blogue para ficar a par das nossas novidades e informações.


Tem alguma questão? Entre em contacto connosco.

0
0

DA RESPONSABILIDADE PARENTAL

DA RESPONSABILIDADE PARENTAL

Este texto nasceu do desafio lançado pelas minhas queridas colegas Teresa Silva Tavares e Sofia Vaz Pardal, grandes especialistas de direito da família, mas também do impulso de falar sobre a residência partilhada que tenho visto ser tão maltratada na sequência da morte trágica de uma criança às mãos de quem a devia proteger.

Quando comecei a advogar, nos idos de 1993, a Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais era, a então denominada “A Regulação do Poder Paternal” e, entendia-se à época, que o superior interesse da criança era cumprido com atribuição da guarda da criança à mãe com visitas quinzenais ao pai.

Pugnar pela entrega da guarda de uma criança ao pai era lutar contra o pré-prejuízo de que a não atribuição à mãe prejudicaria a criança por quebrar ligação única e umbilical entre ambas sendo o pai um acessório nesta relação.

Também era impensável que a criança tivesse residência em duas casas pois tal era visto como uma perturbação inaceitável para a vida dos menores e uma (des) regulação que nem por acordo entre os progenitores podia ser consagrada. Posteriormente, e muito a custo, lá começou a ser admitida a residência partilhada ou alternada, mas só quando havia acordo expresso dos pais.

Até há bem pouco tempo era difícil, em certos tribunais, contar com o ministério público para obter a homologação do acordo de RRP em que fosse convencionado a residência partilhada.

A partir da Lei n.º 61/2008 de 31 de outubro, o artigo 1906 do CC abriu a porta à mudança do paradigma.

Com efeito, a residência partilhada que,  até aí só era admitida em circunstâncias muito restritas e por acordo dos pais, passou a ser, progressivamente, entendida como passível de ser decidida pelos tribunais mesmo quando nisso  os pais não acordassem, desde que se demonstrasse ser o regime mais adequado  às crianças e à natureza da sua relação com os progenitores.

Fundamental foi, também, o reconhecimento e instituição  da obrigatoriedade de ouvir os menores consagrado  no  Regime  Geral do Processo Tutelar Cível, criado pela  Lei n.º 141/2015, de 8 de Setembro e que revogou a velhinha OTM, nos  seus artigos 5º,  4º nº 1º alínea c) e nº 2 e  35º nº 3 , bem como nos instrumentos internacionais relativos aos menores, mormente o artigo 12º da Convenção sobre os Direitos Criança ,  artigo 6.º da Convenção Europeia sobre o Exercício dos Direitos das Crianças e o artigo 24.º, nº 1, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, bem como as Diretrizes do Comité́ de Ministros do Conselho da Europa sobre a Justiça Adaptada as Crianças.

As crianças, desde que a idade e o discernimento o permitam, devem ser ouvidas pelo Juiz, em ambiente protegido e acompanhadas de técnicos, de modo a permitir que a sua audição não seja um ato intrusivo e perturbador, mas uma efetiva participação da criança nas decisões que venham a ser tomadas relativas à sua vida e à regulação das responsabilidades parentais.

Importante, mas ainda pouco efetiva, é a nomeação de advogado à criança que permita assegurar os seus direitos e efetivá-los, o que é absolutamente essencial quando o litígio entre os progenitores seja sério e grave (artigo 18 do RGPTC).

Esta audição não serve para fazer as crianças suportar o fardo da decisão e de uma escolha, mas sim fazer com que as crianças participem e sejam ouvidas e que a sua opinião, conjugada com todos os outros fatores, seja tomada em conta nas decisões que lhes digam respeito.

Em regra, as crianças gostariam de ter os seus pais juntos e, não os tendo, querem ter uma relação tão próxima com os dois quanto possível.

A residência alternada ou partilhada é, seguramente, o regime que melhor permite um crescimento e desenvolvimento da relação entre os progenitores e os filhos  e que a mesma seja de afeto e de equilíbrio.

Aqui chegados, é com grande perplexidade que temos visto ligar a violência doméstica à residência partilhada.

A violência no seio da família é um flagelo, é o lado patológico de uma relação conjugal (incluindo aqui os casados, unidos de facto e a relação de namoro).

Na violência doméstica, crime previsto e punido no Artigo 152º do Código Penal, o agressor humilha, agride física e psicologicamente o seu companheiro numa relação de domínio e rebaixamento. Na violência doméstica as crianças são vítimas por serem os alvos da agressão, como são vítimas porque assistem às agressões físicas e psicológicas entre os adultos.

Numa situação em que existe violência doméstica, a relação do progenitor agressor como seu filho não pode ser tratada como se uma relação normal de pais e filhos se tratasse.

Nesta situação, as crianças terão de ser especialmente protegidas porque são vítimas e especialmente vulneráveis.

Em 2017 foi consagrada uma exceção ao regime geral do exercício em comum das responsabilidades parentais, no artigo 1906.º-A do CC. Afastando-o, sempre que estejamos no âmbito de crimes de violência doméstica e de outras formas de violência em contexto familiar e assim que for decretada medida de coação ou aplicada pena acessória de proibição de contacto entre progenitores ou estiverem em grave risco os direitos e a segurança de vítimas de violência doméstica e de outras formas de violência em contexto familiar, como maus tratos ou abuso sexual de crianças.

Entendo que é pouco, nestas situações a  regra deveria ser a de abertura imediata de um processo de promoção e proteção da criança com o afastamento do agressor até que se demonstre que não constitui perigo para os menores.

A residência partilhada, como qualquer regime de regulação das responsabilidades parentais, exige dos tribunais uma ponderação sobre as pessoas dos progenitores, sobre as suas condições pessoais e competências parentais, bem como sobre o interesse da criança conjugado com a sua vontade expressa.

Uma ponderação séria, não partindo de pressupostos de que o regime adequado é este ou aquele em função de matrizes ou tendências jurisprudenciais, guiada pela avaliação séria daquela família e no melhor interesse para as crianças.

Neste trabalho, difícil e espinhoso, o tribunal deve contar com o auxílio sério e efetivo de assistentes sociais, de psicólogos e de pedopsiquiatras e com o trabalho dos advogados.

Os tribunais não se podem bastar com a presunção de que todos os pais são bons e gostam dos filhos ou que a medida desse amor se avalia pela forma como têm a sua casa organizada.

A verdade é que não pode haver tabelas, nem pode haver tendências jurisprudências, nem presunções legais ou outras, tem de haver nas decisões uma ponderação séria dos factos e do direito e a aplicação da medida mais adequada  ao interesse dos menores e à sua relação com o  pais, por forma a que cresçam amados, felizes, seguros e equilibrados.

Por tudo isto, não se pode tentar colar ao tipo de regulação das responsabilidades a “culpa” da morte de uma criança às mãos do seu pai ou da sua mãe.

 Não é a residência partilhada ou alternada ou residência única que determinam a violência.

São as pessoas que não sabem ser pais ou ter uma relação de amor e dedicação aos seus filhos que tornam qualquer regime de residência desadequando a uma criança.

Assim, como houve coragem para evoluir no sentido da residência partilhada, tem de haver coragem para restringir os contactos e as visitas dos menores aos pais sempre que estes não mostrem ter competências parentais ou capacidade para assegurar a integridade física, psíquica e moral dos filhos.

As crianças têm direito a ter progenitores que as amem e estes têm o dever de as amar.

A regulação do exercício das responsabilidades parentais só é bem feita se der corpo a estes princípios.

Lisboa, 18 de Maio de 2020

Ana Isabel Barona

Advogada, Associada Principal na Rogério Alves & Associados, Sociedade de Advogados, SP, RL

Gostou deste artigo? Deixe o seu comentário aqui em baixo. A sua opinião é importante para nós.


Subscreva também o nosso blogue para ficar a par das nossas novidades e informações.


Tem alguma questão? Entre em contacto connosco.

                                                                      

                                                                      

0
0

Dia da Família - 15 de maio

Dia da Família - 15 de maio

0
0

O regime da comunhão de adquiridos e a titularidade de participação social: bem comum ou bem próprio?

O regime da comunhão de adquiridos e a titularidade de participação social: bem comum ou bem próprio?

Nos termos artigo 1724.º alínea b) do Código Civil, no regime da comunhão de adquiridos, fazem parte dessa comunhão “os bens adquiridos pelos cônjuges na constância do matrimónio, que não sejam excetuados por lei”.

Com efeito, das disposições conjugadas dos artigos 1722.º a 1724.º do Código Civil, resulta que o regime da comunhão de adquiridos se caracteriza por:

- o património comum do casal ser integrado pelos bens resultantes do esforço e da colaboração dos cônjuges na sua obtenção, nomeadamente, os bens que estes, na constância do matrimónio venham a adquirir, a título oneroso, sendo ainda considerados comuns os rendimentos de bens próprios de cada um dos cônjuges;

- não se integrarem no património comum do casal, os bens que os cônjuges tenham trazido para o casamento ou que tenham sido por eles adquiridos, a título gratuito por doação ou sucessão, os quais são bens próprios do cônjuge que os trouxe ou recebeu, mantendo-se, desta forma, na propriedade exclusiva desse cônjuge.

Assim, no regime da comunhão de adquiridos existe uma presunção de comunhão relativamente aos bens adquiridos na constância do matrimónio, a título oneroso e, esta presunção, para ser afastada, implica que o cônjuge que pretenda provar que o bem em causa é bem próprio (seu) terá o ónus de ilidir essa presunção de comunhão.

Pensemos num casal, casado no regime da comunhão de adquiridos, em que apenas um deles adquire, a título oneroso, uma participação numa sociedade.

A participação social é bem comum ou é bem próprio do titular da participação?

O Código das Sociedades Comerciais refere, no seu artigo 8.º n.º 2, que:

Quando uma participação social for, por força do regime matrimonial de bens, comum aos dois cônjuges, será considerado como sócio, nas relações com a sociedade, aquele que tenha celebrado o contrato de sociedade ou, no caso de aquisição posterior ao contrato, aquele por quem a participação tenha advindo ao casal”.

Ou seja, do ponto de vista societário, ainda que a participação social seja bem comum, o sócio é o titular da referida participação mas tal disposição não permite determinar qual a natureza da participação social em causa, se a mesma é bem comum ou se, pelo contrário, é bem próprio do cônjuge titular da mesma.

Tal determinação tem que ser encontrada nas regras que compõem o regime da comunhão de adquiridos.

Conforme supra referido, no acionamento do regime da comunhão de adquiridos, por exemplo, em sede de partilha subsequente ao divórcio, a presunção será a de que esta participação reveste a natureza de bem comum, desde que adquirida a título oneroso, só assim não sendo, se o cônjuge a quem aproveitar a demonstração que o bem é próprio, ilidir essa presunção de comunicabilidade, caso não tenha, aquando da aquisição da titularidade da participação social, acautelado que a mesma foi adquirida com capitais próprios seus, nos termos do disposto no artigo 1723.º alínea c) do Código Civil.

Mais, o cônjuge titular da participação social em causa poderá demonstrar que a mesma foi adquirida com dinheiro que lhe foi entregue por um terceiro, por exemplo um familiar, pois conforme resulta do artigo 1722.º alínea b) do Código Civil, no regime da comunhão de adquiridos são considerados bens próprios dos cônjuges os que lhes advierem, após o casamento, por sucessão ou por doação, fazendo todo o sentido excluir esses bens do acervo comum tomando em conta que estes bens adquiridos após o casamento não resultaram do esforço conjunto dos cônjuges, esforço esse que releva para efeitos da comunhão de adquiridos.

Em conclusão, quem casa no regime da comunhão de adquiridos tem que reter que existe uma presunção de comunicabilidade dos bens adquiridos após o casamento, a titulo oneroso, pelo que, querendo salvaguardar que um bem, ainda que adquirido a título oneroso, não integre o acervo comum deve rodear-se das cautelas necessárias, para demonstrar que, efetivamente, a aquisição foi, por exemplo, feita com capitais próprios seus, devendo também, para efeitos de clarificação futura (se for o caso) consignar tal no ato de aquisição, cumprindo com os requisitos que a lei impõe.

De outro modo, haverá uma presunção de comunicabilidade que importa ilidir se o outro cônjuge se quiser prevalecer dessa presunção, o que, poderá acarretar um esforço acrescido para o cônjuge que quer provar que o bem em causa é bem próprio, esforço acrescido esse que pode até resultar do decurso do tempo, tornando-se mais difícil coligir as provas que demonstram tal.

No sentido de que mais vale prevenir do que remediar, melhor será que, em cada aquisição, se efetivamente, o bem deve ser considerado como bem próprio, não obstante o regime de bens, tal fique, desde logo, explicitado.

Gostou deste artigo? Deixe o seu comentário aqui em baixo. A sua opinião é importante para nós.

Subscreva também o nosso blogue para ficar a par das nossas novidades e informações.

Tem alguma questão? Entre em contacto connosco.

0
0

As relações patrimoniais dos unidos de facto

As relações patrimoniais dos unidos de facto

Nos termos da lei, a união de facto corresponde à situação jurídica de duas pessoas que, independentemente do sexo, vivem em condições análogas às dos cônjuges, prolongando-se tal situação por mais de dois anos.

Do regime da união de facto resulta que o legislador optou por não regulamentar muito esta realidade, deixando uma margem de liberdade aos unidos de facto e, em situações de lacuna, não existe fundamento legal para preencher uma omissão por recurso ao regime legal que vigora para o casamento, tomando em conta que casamento e união de facto são situações legais distintas.

Um dos pontos que não se encontra contemplado na regulamentação legal da união de facto é o das relações patrimoniais entre os seus membros, na medida em que, ao contrário dos casados, não vigora, entre os unidos de facto, num regime de bens que regule as relações patrimoniais entre eles.

Do mesmo modo, nas uniões de facto não se contemplam questões como as relativas, por exemplo, à administração de bens ou às dívidas, situações estas que, pelo contrário, encontram esteio legal no casamento.

Ora, não existindo previsões legais relativas às relações patrimoniais entre os unidos de facto, as mesmas terão que ficar sujeitas ao regime geral das relações obrigacionais e reais, salvo se os unidos de facto, no âmbito da autonomia da vontade, tiverem acordado, por exemplo, nos termos da divisão dos bens que constituem o acervo patrimonial que foi constituído durante a união de facto, no caso de esta se extinguir.

E, caso os unidos de facto tenham optado por regular, entre si, os termos da sua partilha de bens e clausular a assunção de responsabilidades por dívidas contraídas na pendência da mesma união, deverá esse acordo ser cumprido entre ambos, no momento em que a união de facto se dissolve.

Com efeito, nada obsta a que, numa união de facto, sabendo os seus membros que a sua situação jurídica carece de previsões legais abrangentes, optem por, até de forma detalhada, regularem as suas relações patrimoniais, com identificação dos passivos existentes e de quem é responsável pelas mesmos, bem como concretizar o ativo existente e a identificação de quem fica com o quê.

A elaboração de um acordo deste tipo facilita a resolução das questões patrimoniais decorrentes da cessação da união de facto sendo que, em última instância e nada estado contratado entre os unidos de facto, sempre se pode recorrer ao regime jurídico do enriquecimento sem causa, para se poder solucionar os problemas que possam surgir em sede de efeitos patrimoniais decorrentes da cessação da união de facto.

Gostou deste artigo? Deixe o seu comentário aqui em baixo. A sua opinião é importante para nós.


Subscreva também o nosso blogue para ficar a par das nossas novidades e informações.


Tem alguma questão? Entre em contacto connosco.

0
0

Contributo do Dr. António José Fialho, Juiz de Direito do Tribunal de Família e Menores do Barreiro

Contributo do Dr. António José Fialho, Juiz de Direito do Tribunal de Família e Menores do Barreiro

É previsível que o estado de emergência decretado se vá prolongar por mais quinze dias e que as medidas de contingência e de isolamento social se prolonguem ainda por mais algum tempo.

Os tribunais estão em regime de emergência desde o passado dia 12 de Março, estando a realização do serviço restringida aos actos processuais urgentes e em que esteja em causa o exercício de direitos fundamentais.

Ao mesmo tempo, foram sendo desenvolvidas ferramentas no sentido de melhorar o teletrabalho, quer por parte dos magistrados que já dispunham dessa possibilidade pelo uso da ferramenta VPN, bem como pelos advogados, estando em fase de alargamento para os funcionários judiciais.

A palavra de ordem é diminuir a concentração de pessoas por sabermos que é um risco acrescido de contágio relativamente a uma doença que nos atinge a todos mas, principalmente, vai atingir a nossa forma de trabalhar, de estar e de viver.

A reflexão que quero deixar aqui é principalmente dirigida a todos aqueles que exercem a sua actividade profissional na jurisdição da família e das crianças, ou melhor dizendo, um desafio para que a nossa vida profissional não fique parada, à espera de melhores dias que certamente virão mas cujo horizonte temporal ainda não é possível definir.

Em primeiro lugar, estando todos os serviços de atendimento encerrados e procurando evitar-se o contacto social, não será possível um esforço adicional entre todos e, principalmente entre os advogados, no sentido de promoverem a realização de acordos em processos que irão estar muito tempo à espera de uma solução, assumindo os tribunais o compromisso de dar prioridade a esses processos para que a situação jurídica dessas crianças seja resolvida sem esperarmos pelo fim da pandemia ?

Em segundo lugar, numa fase mais estável da organização dos meios, não será possível a realização de actos e diligências processuais com recurso a meios de comunicação à distância que nos garantam a segurança mas, ao mesmo tempo, permitam a realização desse acto processual para que o processo avance e os advogados possam ir exercendo o seu múnus de representação jurídica?

Em terceiro e último lugar, não será possível que, nos casos em que esteja em causa a realização de uma audiência de julgamento e a lei processual o permita, sejam utilizados os mecanismos de comunicação à distância ou, preferencialmente, os depoimentos escritos (como está a suceder nas acções cíveis ou de família na Alemanha), eventualmente com a apresentação de alegações escritas e posterior prolacção da decisão final?

É um desafio para todos nós (juízes, magistrados do Ministério Público, advogados e funcionários judiciais) mas não é nada que não esteja a ser ponderado noutros países, muitos deles com menos condições técnicas daquelas que temos em Portugal, procurando obviar ou reduzir os efeitos perversos de uma paragem dos processos durante um tempo que nenhum de nós consegue ainda prever.

Pensem nisso … e se quiserem partilhar esta minha ideia com quem tem o poder de decisão, deixo aqui expressamente a minha autorização para o efeito.

Gostou deste artigo? Deixe o seu comentário aqui em baixo. A sua opinião é importante para nós.

Subscreva também o nosso blogue para ficar a par das nossas novidades e informações.

Tem alguma questão? Entre em contacto connosco.

0
0