Família de Nazaré em tempos de (in)certeza

Família de Nazaré em tempos de (in)certeza

Parece-me que, para devolver à família a sua verdadeira fisionomia e restituir-lhe o seu esplendor, é lido apresentar, aquele exemplo luminoso e universal que a Sabedoria eterna inventou: a família de Nazaré. Ela pode ser considerada por todas as famílias do mundo que existem e que existirão como modelo e tipo. E não apenas as famílias. Cada um de seus membros pode inspirar-se nela para saber que comportamento adotar, que atitudes assumir, quais os relacionamentos a serem revigorados, que virtudes cultivar.

Estas palavras proferidas em 1981 por Chiara Lubich[1] - fundadora do Movimentos dos Focolares - continuam a interpelar, sobretudo nesta época Natalícia, em que celebramos o nascimento  de Jesus, o Salvador do Mundo. São palavras que convidam a um grande exercício de reflexão e interioridade, onde cada um de nós é convidado a não se sentir só, porque poderá sempre identificar-se com José, Maria e Jesus na Sua “pequenina” mas grandiosa Família de Nazaré.

Lembro-me, que no nosso Matrimónio, eu e o meu marido, manifestávamos diante da imagem de Maria, o desejo de imitar a sua Família - que sempre nos atraiu desde que namorávamos e creio que todos os casais nutrem esse mesmo desejo - conscientes (ou não) das nossas inseguranças, fraquezas e vulnerabilidades, mas seguros que ali seria o nosso molde pelo qual desejaríamos “enformar” a nossa futura Família.

E continua Chiara: “cada homem desta terra que é esposo e pai pode sempre encontrar em José — o esposo de Maria e pai adotivo de Jesus uma luz, um estímulo, uma fonte de inspiração. Dele pode aprender a fidelidade a toda a prova, a castidade heróica, a força, a operosidade silenciosa, o respeito, a veneração, a proteção à mãe de seus filhos, a participação nas preocupações familiares […] e toda mulher que é esposa e mãe pode descobrir em Maria o seu próprio modelo, a igualdade com o homem e a sua própria identidade. Na esposa de José verá realizado plenamente o desejo de ser também ela protagonista; dela compreenderá como sair do círculo familiar para difundir, em proveito de muitos, as riquezas que são próprias da mulher: a capacidade de sacrificar-se, a interioridade que a torna segura, a religiosidade que a distingue, a necessidade inata de elevar-se e de elevar, irradiando candura, beleza e pureza. Assim também os filhos encontrarão no Filho de Maria e de José, harmonizadas numa admirável unidade as duas tendências que podem angustiá-los: a necessidade de se afirmarem como outra geração que deve abrir um novo capítulo na história, e o desejo de se abrigarem à sombra de seus entes queridos no amor e na obediência.”

Igino Giordani (Foco)[2], pai, esposo, escritor, jornalista e político italiano, co-fundador com Chiara Lubich do Movimento dos Focolares - dirigindo-se em 1969 a um grupo famílias, afirmava: “Basta que eu ame a minha mulher, basta que a minha mulher me ame, e nela e em mim há Deus. A nossa cozinha, a nossa sala de trabalho, a nossa sala de jantar, torna-se imediatamente um templo, um tabernáculo, onde Deus está.” 

Uma afirmação que se encontra em sintonia com aquilo que anos mais tarde afirmou S. João Paulo II: "O 'nós' divino constitui o modelo eterno do 'nós' humano, daquele 'nós' acima de tudo, que é formado pelo homem e pela mulher, criado à imagem e semelhança divina”.

Porque - continua Igino Giordani (Foco) - o autêntico amor conjugal é assumido no amor divino, ou seja, está incluído no amor da Santíssima Trindade. Quando amo a minha mulher e a minha mulher me ama, quando amamos os nossos filhos e os filhos amam os seus pais, mas sobretudo quando os dois cônjuges se amam, o Espírito Santo passa entre eles como entre o Pai e o Filho.  É amor, é a Santíssima Trindade neles, é Deus Amor vivendo neles. É por isso que é um ‘grande sacramento, é por isso que os cônjuges são os sacerdotes deste sacramento e conferem a graça do sacramento.”

Portanto e se dúvidas houvesse, escreve Chiara Lubich: o modelo de família existe e está escrito no nosso próprio ser como pessoas: um modelo comunitário.
O projeto de vida para a família existe sim - e todos os dias somos desafiados a encarná-lo - é o amor que une o “nós" divino, esse mesmo amor que a Palavra trouxe à terra: um projecto comunitário.

[…]

Assim, deste modo é possível afirmar que toda a vida da família é composta de amor, nas suas várias expressões e nuances, e é uma interacção contínua de distinção e unidade, um amor que, se iluminado pela fé, reconhece a sua fonte ao saber morrer por outro, como o Filho de Deus soube fazer por nós. Onde cada pessoa da família procura o bem do outro estar atento às suas necessidades, por amor ao outro e deste modo, construir a sua família como uma verdadeira comunidade, a primeira célula da sociedade.

Saibamos nós, acolher os desafios lançados pelo S. Padre, o Papa Francisco, - procurando que este amor, da família para as famílias, que se pretende comunitário, imitando assim a dinâmica Trinitária - possa ser já visível no encontro da família com as periferias geográficas e existenciais, pois é aí que a obra de Deus continua a manifestar-se. É que não levar esta realidade a sério, continua o S. Padre, equivale a não levar a sério o Evangelho.

E só assim - escreve Chiara Lubich - veremos verdadeiramente o mundo da família sarar e florescer novamente, e através dele, a sociedade e a humanidade. Mesmo no meio das contradições e provações de cada dia, poderemos verdadeiramente viver, entre a terra e o céu, com o Menino que vai nascer, entre nós!

Com desejo de um Santo Natal para toda sua Família,

Susana Rocha Fouto da Silva - Mediadora Familiar / Especializada em Logoterapia e Análise Existencial

Isabel Almendra - Catequista na Igreja de São João de Deus


[1] https://focolares.pt/chiara-lubich/

[2] http://focolares.pt/o-pacto-de-16-de-julho-de-1949/

Referências:

Chiara Lubich: Família de Nazaré - Mensagem para o Family Fest de 1981 in https://www.focolare.org/pt/news/2017/12/30/chiara-lubich-a-familia-de-nazare/

Chiara Lubich: A família como uma verdadeira comunidade - a primeira célula da sociedade in https://centrochiaralubich.org/pt/uma-luz-para-a-familia/

Igino Giordani: A família - um templo, uma pequena igreja in https://www.focolare.org/famiglienuove/en/news/2019/04/26/igino-giordani-la-famiglia-un-tempio-una-piccola-chiesa/

Papa Francisco: Ciclo de catequeses dedicado a São José, convidando a valorizar «periferias» geográficas e existenciais in https://www.vatican.va/content/francesco/pt/audiences/2021/documents/papa-francesco_20211117_udienza-generale.html

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A quem cabe o exercício do cargo de cabeça-de-casal da herança indivisa

A quem cabe o exercício do cargo de cabeça-de-casal da herança indivisa

A generalidade das pessoas tem a convicção que o cargo de cabeça de casal de uma herança indivisa é exercido pelo cônjuge sobrevivo ou, não havendo cônjuge, pelo filho mais velho.

Contudo, da letra da lei, não é exatamente isso que resulta sendo, o exercício do cabeçalato, pelo mais velho, a forma de “desempate” em igualdade de circunstâncias.

Nos termos do disposto no artigo 2080º do Código Civil, o exercício do cargo de cabeça de casal compete, em primeiro lugar, ao cônjuge sobrevivo (desde que não separado judicialmente de pessoas e bens) se for herdeiro ou se tiver meação (por força do regime de bens do casamento) nos bens do casal.

Não havendo cônjuge, o cargo de cabeça de casal será exercido, nos termos da lei, pelos parentes que sejam herdeiros legais (aqui se incluem os filhos), determinando a lei, no mesmo artigo 2080º que, de entre os parentes têm preferência, no exercício do cargo, os mais próximos em grau.

Significa isto que, por exemplo, concorrendo à herança, simultaneamente, filhos e netos, os filhos terão preferência no exercício do cargo de cabeça-de-casal.

Existindo testamento, o cargo será exercido pelo testamenteiro nomeado pelo testador (a menos que, expressamente, o testador tenha excluído o exercido do cargo de cabeça-de-casal).

Existindo apenas herdeiros como mesmo grau de parentesco (por exemplo apenas filhos ou apenas netos), a preferência no exercício do cargo, irá para aqueles que vivessem com o autor da herança, pelo menos, no ano anterior à data da morte.

O número 4, do artigo 2080º do Código Civil estabelece que, em igualdade de circunstâncias, prefere o herdeiro mais velho ou seja, apenas quando existam herdeiros com o mesmo grau de parentesco (por exemplo filhos) e todos eles estejam nas mesmas circunstâncias (por exemplo, todos viviam com o falecido ou nenhum vivia com o falecido) é que o cargo competirá ao mais velho.

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Os poderes de administração do cabeça-de-casal

Os poderes de administração do cabeça-de-casal

Quando uma pessoa falece, abre-se a sua sucessão, cabendo ao cabeça-de-casal a administração da herança, até ao momento da sua liquidação e partilha, administrando os bens próprios do falecido, bem como os bens comuns do casal, caso o falecido tenha sido casado sob o regime da comunhão.

No quadro do regime especial de administração da herança indivisa, pode o cabeça-de-casal dar de arrendamento bens que fazem parte da herança, sem o consentimento dos outros herdeiros, desde que o contrato de arrendamento seja celebrado até um prazo de seis anos.

Com efeito, dispõe o artigo 1024.º do Código Civil:

«1.A locação constitui, para o locador, um ato de administração ordinária, exceto quando for celebrada por prazo superior a seis anos

Nestes termos, a celebração de um contrato de arrendamento, pelo cabeça-de-casal, nos termos supra, não o fere de invalidade, exatamente porque se trata de um ato de administração ordinária.

Situação diferente seria se do contrato de arrendamento constasse uma cláusula de opção de compra por parte do arrendatário pois a opção de compra, não sendo um ato de conservação ou frutificação, não corresponde à prática de um ato de mera administração não cabendo, por isso, nos poderes do cabeça-de-casal.

Assim, o cabeça-de-casal apenas poderia celebrar o contrato de arrendamento com a cláusula de opção de compra com o consentimento de todos os herdeiros, conforme resulta do artigo 2091.º n.º 1 do Código Civil.

Como consequência, a opção de compra, se celebrada pelo cabeça-de-casal, sem o consentimento dos restantes herdeiros, será nula na medida em que, de acordo com o artigo 294.º do Código Civil, os negócios jurídicos que sejam celebrados contra norma imperativa são nulos.

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Família, Crise ou Esperança

Família, Crise ou Esperança

  1. Quando se fala de família, a primeira coisa a ter em conta é o como ela se define. A família, no seu modelo tradicional e jurídico, é constituída pela união de um homem e de uma mulher que, no amor recíproco, garantem a estabilidade necessária à geração dos filhos e a educação integral, até à autonomia de cada um deles. O par humano, o casal, com os seus filhos, constitui o fundamento de toda e qualquer família, família essa que, depois, se vai abrindo às gerações futuras.O mesmo Papa, na Exortação Apostólica, Christifideles Laici diz que a família é um espaço social onde a vida nasce, cresce e se desenvolve até à plenitude da felicidade de todos os seus membros. Então, o grande objectivo da família é a felicidade de todos.
  2. Há no entanto, duas definições de família que vale a pena conhecer. O Papa S. João Paulo II, na Exortação Apostólica, Familiaris Consortio, diz que a família é uma comunhão de pessoas ao serviço da vida para o desenvolvimento da humanidade. Esta definição tem três dinamismos: o da comunhão entre o homem e a mulher e os seus filhos, o do serviço à vida que se transmite e se educa, e o próprio desenvolvimento da humanidade que, com a família, cresce continuamente.
  3. No mundo contemporâneo apareceram muitos modelos de família, alguns deles, porém, conduzindo à destruição da própria estrutura familiar. A família patriarcal mantém a tradição inalterável. A família nuclear assegurou os elementos fundamentais da relação homem e mulher com a complementaridade dos seus filhos. Os outros modelos agora em voga comprometem a família, como referência fundamental no projecto de vida. É o caso da família uniparental, às vezes imprescindível, como acontece em situações de viuvez ou de mães solteiras. Sucede o mesmo com a família pluriparental, e famílias muitas vezes reconstruídas, mas incapazes de suportar as normais tensões do encontro de desconhecidos. Já não se fala de famílias entre pessoas do mesmo género, ou de pessoas sem família. Perante este universo negativo torna-se urgente reflectir sobre a família e tentar encontrar a referência modelo que respeita os valores fundamentais e que abre a porta à felicidade. São poucas as famílias referência na sociedade contemporânea.
  4. A família vive num défice de relações, uma crise centrada na negação das suas características fundamentais: a liberdade, a fecundidade e a felicidade. Há muitas famílias em que alguns dos seus membros perderam completamente a sua dignidade, pela perda da liberdade a que têm direito. Daqui, por exemplo, a violência doméstica. A fecundidade é hoje limitadíssima, fica-se muitas vezes num filho único ou no “casalinho”. É sabido que Portugal tem o índice de natalidade mais baixo de toda a Europa. No que se refere à felicidade, a falta de amor é frequente, com o divórcio, a separação, o contrair de outras relações. É esta rotura de unidade que compromete definitivamente a família. O processo educativo dos filhos também deixa muitas vezes a desejar. Os pais têm muito trabalho profissional, as casas estão vazias, os mais velhos foram colocados em residências meramente assistenciais. É esta crise de família, com todos estes contornos, que preocupa o Papa Francisco e o levou a convocar dois sínodos sobre a família. O documento conclusivo dos sínodos, a Exortação Apostólica, Amoris Laetitia ajuda a repensar a família em todos os seus aspectos. É tempo de renovarem-se as estruturas familiares, a ponto de estas se tornarem fonte de alegria no amor, razão de felicidade no sorriso das crianças, coragem e serenidade no tempo do sofrimento e referência em todas as situações da vida.
  5. Notam-se actualmente esforços positivos para levar a família ao lugar que sempre ocupou na vida das pessoas. Não pode esquecer-se a importância de ter uma mãe e um pai a quem se recorre sempre nas horas boas e nas mais difíceis. Reafirma-se a ternura de ver a continuação da vida no olhar de uma criança. É de sublinhar o carinho dos avós com missão específica de apoiar os pais na educação dos filhos. Voltar a dar à família esta missão é indiscutivelmente razão de esperança.É com alegria que se repara que há hoje uma melhor preparação para a constituição das novas famílias. Sobretudo as igrejas, católica e outras igrejas cristãs, fazem um esforço muito grande no acompanhamento dos jovens a partir dos primeiros namoros. Quando os jovens começam a viver um amor comprometido multiplicam-se cursos, sessões de estudo e tempos de oração, para que de uma maravilhosa relação afectiva possa nascer uma família cristã. A preparação para o casamento já se não preocupa exclusivamente com as características da festa. O grande acontecimento, o sacramento do Matrimónio, celebra-se na igreja com enorme exigência. Depois, estão a mudar os critérios da fecundidade. Há muitos casais novos com três e mais filhos o que é revelador da sua responsabilidade social. No tempo das normais crises, psicólogos e sacerdotes, ajudam a vencer as normais dificuldades do amor. Finalmente o processo educativo desenvolve-se de uma maneira responsável em muitos casos até à autonomia completa dos jovens que constroem a sua família. Podemos dizer que é um tempo de esperança. Assim sendo, longe de dizer mal das famílias, cada cidadão tem que contribuir à sua maneira para dar à família o lugar que lhe compete na construção de uma sociedade justa e fraterna.

Maio de 2017

Padre Vitor Feytor Pinto

Pároco da Igreja do Campo Grande

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A assistência a filhos menores e as faltas ao trabalho

A assistência a filhos menores e as faltas ao trabalho

Muitas vezes, principalmente quando se trata de progenitores separados que exercem, sozinhos, as responsabilidades parentais sobre os filhos, acontece que aqueles se vêm em situações complicadas de ter que prestar assistência aos filhos, durante o período de trabalho, chegando mesmo a encontrar-se na situação de ou tomarem conta dos filhos ou irem trabalhar.

A leitura restritiva do regime jurídico das faltas, através do disposto no artigo 49º do Código do Trabalho, por remissão do artigo 249º, nº 2, alínea e) do mesmo Código, conduz à conclusão de apenas é admissível a falta dos trabalhadores, para prestar assistência a filhos (tenham os mesmos mais ou menos de 12 anos), se estes estiverem doente ou tiverem sofrido acidente que imponha a assistência imprescindível e inadiável dos progenitores.

O legislador estabelece os 12 anos de idade como sendo a idade a partir da qual, as crianças possuem uma capacidade e uma consciência relativamente a si próprios e ao mundo que as rodeia que permite conferir-lhe uma maior autonomia (ressalvados os casos de doenças crónicas ou outras limitações com deficiências graves) e, em consequência, permitir a redução do número anual de dias para assistência a filhos prevista na lei. Com efeito, como resulta do citado artigo 49º do Código do Trabalho, a partir dos 12 anos dos filhos, os trabalhadores passam a dispor de 15 dias para assistência aos filhos quando, até aos 12 anos, dispõem de 30 dias, para o mesmo efeito.

Daqui resulta que, se um trabalhador, com um filho menor de 12 anos, que não sofra de qualquer deficiência, doença crónica ou não tenha sofrido qualquer acidente e que, por qualquer outra razão, tenha que prestar assistência ao referido filho (por exemplo, por este estar em período de férias o progenitor responsável não tem com quem o deixar) não existe nenhuma norma legal que, de forma direta, permita justificar a falta ao trabalho. Assim, o progenitor trabalhador terá que optar entre prestar assistência ao filho ou faltar injustificadamente com o consequente desconto na retribuição e contabilização da falta como injustificada.

Sobre esta questão, pronunciou-se o Tribunal da Relação de Lisboa, num acórdão proferido em 13 de julho de 2020, no qual foi entendido que, situações como a que referimos, se enquadram, no instituto da colisão de direitos.

A colisão de direitos consta do artigo 335º do Código Civil, que dispõe que: «1. Havendo colisão de direitos iguais ou da mesma espécie, devem os titulares ceder na medida do necessário para que todos produzam igualmente o seu efeito, sem maior detrimento para qualquer das partes.

2. Se os direitos forem desiguais ou de espécie diferente, prevalece o que deva considerar-se superior.»

No referido acórdão, a este propósito, pode ler-se que: «Pensamos que não nos encontramos face a direitos iguais ou da mesma espécie, pois temos para nós que os direitos parentais são qualitativamente desiguais, de espécie diferente e de valor superior aos derivados do contrato de trabalho para o empregador, designadamente, no que toca à exigência da realização por parte do trabalhador da sua prestação laboral [prestação principal e central do acordado vínculo de trabalho].

Logo, num conflito de direitos entre os derivados das responsabilidades parentais [tomar conta de filho menor de 8 anos que ficará sozinho em casa se o pai for trabalhar, por não ter conseguido arranjar ninguém que dele cuide durante a duração da prestação de trabalho, apesar dos esforços possíveis e de boa fé que desenvolveu para esse efeito] e os decorrentes do contrato de trabalho [execução de funções profissionais] e quando não seja possível arranjar uma solução que permita a sua legítima conciliação, tem de prevalecer o direito emergente das responsabilidades parentais sobre o direito do empregador em exigir a prestação das ditas funções profissionais pelo referido trabalhador, quando tal estiver válida e legitimamente estipulado

Daqui resulta, tal como referido também no supra identificado acórdão, que em situações em que um progenitor trabalhador, se vê na situação de ter que prestar assistência um filho que não se encontra nas circunstâncias que lhe permitam faltar justificadamente, para assistência a filho, poderá e deverá recorre-se ao artigo 249.º nº 2, alínea d), do Código do Trabalho que refere que:

«2 - São consideradas faltas justificadas: […] d) A motivada por impossibilidade de prestar trabalho devido a facto não imputável ao trabalhador, nomeadamente observância de prescrição médica no seguimento de recurso a técnica de procriação medicamente assistida, doença, acidente ou cumprimento de obrigação legal

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A união de facto, a inexistência de património comum e o arrolamento

A união de facto, a inexistência de património comum e o arrolamento

A Lei n.º 7/2021, de 11 de maio, relativa ao regime jurídico da união de facto, adotou um conjunto de medidas de proteção das uniões de facto, definindo união de facto como a situação jurídica de duas pessoas que, independentemente do sexo, vivam em condições análogas às dos cônjuges há mais de dois anos.

Nesta mesma Lei, foram atribuídos direitos vários aos membros da união de factos idênticos aos que vigoram no casamento, como seja ao nível da proteção da casa de morada de família e outros sendo que, casamento e união de facto são figuras jurídicas distintas, equivalendo tal a dizer que as uniões de factos só têm os direitos que a lei especialmente lhes confere, não podendo estender-se a estas as disposições que regem o casamento.

É o que se passa, por exemplo, no quadro dos efeitos patrimoniais, em que o legislador não estabeleceu qualquer regime patrimonial geral quanto aos bens dos membros que compõem a união de facto, não tendo também definido regras sobre a administração e disposição desses bens, o mesmo acontecendo com as dívidas contraídas e liquidação e partilha do património decorrente da cessação da união de facto.

Com efeito, na união de facto não existe um regime de bens, nem se aplicam as regras previstas para o casamento, por exemplo, em matéria de administração dos bens dos cônjuges, partilha do acervo comum etc. Assim, as relações patrimoniais entre os membros da união de facto ficam sujeitas ao regime geral das relações obrigacionais e reais ou ao que tenha sido acordado entre os membros da união de facto no domínio da sua autonomia privada através dos contratos de coabitação que podem tratar do aspeto patrimonial dos membros da união de facto, por exemplo, em caso de morte de um dele ou em caso de cessão da referida união. No mais, terá que se recorrer, ao regime da compropriedade e ao enriquecimento sem causa.

Mais, com a dissolução da união de facto por vontade de um dos seus membros, a mesma apenas tem que ser judicialmente declarada quando se pretendem fazer valer direitos que dela dependam, devendo esta declaração ser proferida na ação através da qual o interessado pretende exercer direitos resultantes dessa dissolução, seguindo essa ação o regime processual das ações de estado, conforme artigo 8.º n.ºs 2 e 3 da Lei que rege as uniões de facto.

Assim, não se aplica à união de facto, as regras previstas no artigo 409.º n.º 1 do Código de Processo civil relativa aos arrolamentos especiais, norma esta que prevê o arrolamento de bens comuns como preliminar ou incidente da ação de divórcio, tomando em conta que a união de facto não gera um património comum e não há necessidade de declaração judicial da dissolução da união de facto (salvo se se pretender fazer valer direitos desta dissolução.

Como consequência e havendo necessidade de tal, um membro da união de facto pode instaurar uma ação para reconhecimento da compropriedade dos bens e, nessa mesma ação, pedir a declaração de cessação da união de facto, podendo dar entrada de um pedido de arrolamento como dependente da ação de reconhecimento da compropriedade dos bens.

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A compensação de créditos com a pensão de alimentos

A compensação de créditos com a pensão de alimentos

Após a separação, acontece com alguma frequência que, entre o ex-casal, existam valores “a crédito e a débito”, seja de valores decorrentes de despesas com os filhos comuns, seja de acertos de contas entre ambos.

Nestas situações, não é raro acontecer que, o pai que tem que pagar pensão de alimentos aos filhos decide fazer uma compensação entre o valor da pensão e o valor que, por alguma razão, lhe é devido.

É verdade que, de acordo com a lei, a compensação consubstancia uma causa de extinção das obrigações, traduzindo-se num encontro de contas.

Com efeito, nos termos do artigo 847.º, n.º 1, do Código Civil, quando duas pessoas sejam, reciprocamente, credor e devedor qualquer delas pode livrar-se da sua obrigação por meio de compensação com a obrigação do seu credor, desde que se verifiquem os seguintes requisitos:

«a) Ser o seu crédito exigível judicialmente e não proceder contra ele exceção, perentória ou dilatória, de direito material;

b) Terem as duas obrigações por objeto coisas fungíveis da mesma espécie e qualidade.»

Contudo, em certas situações, mesmo estando verificados os requisitos de que depende a possibilidade de compensação de crédito, a mesma não é possível. É o que acontece com a compensação de eventuais créditos do devedor de alimentos com o contra crédito de alimentos.

Esta impossibilidade está, expressamente, prevista no nº 2 do artigo 2008º do Código Civil que refere que «O crédito de alimentos não é penhorável, e o obrigado não pode livrar-se por meio de compensação, ainda que se trate de prestações já vencidas.»

Assim, não pode o progenitor/credor usar do mecanismo da compensação para se eximir ao pagamento do valor devido a título de alimentos.

Ainda no que respeita a alimentos acontece, por vezes, que um dos progenitores paga “a mais” em relação ao valor que ficou fixado, seja porque esteve mais tempo com o filho, seja porque comprou, por exemplo, roupas ou matérias escolares ao filho, seja porque, de sua livre iniciativa, durante determinado período de tempo, pagou, mensalmente, mais do que o valor devido.

Nestas circunstâncias e estando em causa valores relativos a pensão de alimentos, estes valores pagos “a mais” para além de não ser passíveis de compensação, têm vindo a ser entendidos, pela doutrina e pela jurisprudência, como liberalidades que não eximem, o obrigado a alimentos, do cumprimento integral das referidas obrigações que, posteriormente, se vençam.

Mais, ao serem meras liberalidades, não têm que ser restituídas por quem as recebeu.

Resulta, assim, absolutamente claro que, quando o que está em causa é o pagamento de valores relativos a alimentos, não poderá nunca haver lugar a compensação de crédito nem sequer em situações em que o crédito resulte de valores, pagos voluntariamente, que vão para além do valor fixado.

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A resolução do contrato de trabalho por parte do trabalhador: falta de pagamento da retribuição

A resolução do contrato de trabalho por parte do trabalhador: falta de pagamento da retribuição

Conforme resulta do artigo 394.º do Código do Trabalho, o trabalhador pode fazer cessar imediatamente o contrato de trabalho, por justa causa.

De acordo com este artigo, constituem causa de resolução do contrato de trabalho, por parte do trabalhador, nomeadamente, os seguintes comportamentos da entidade patronal:

«a)Falta culposa de pagamento pontual da retribuição;

b)Violação culposa de garantias legais ou convencionais do trabalhador;

c)Aplicação de sanção abusiva;

d)Falta culposa de condições de segurança e saúde no trabalho;

e)Lesão culposa de interesses patrimoniais sérios do trabalhador;

f) Ofensa à integridade física ou moral, liberdade, honra ou dignidade do trabalhador, punível por lei, praticada pelo empregador ou seu representante.

Para além destas situações que configuram justa causa de resolução do contrato de trabalho, pelo trabalhador, são ainda consideradas, para o mesmo efeito, nos termos do n.º 3 do mesmo artigo, situações como:

a)Necessidade de cumprimento de obrigação legal incompatível com a continuação do contrato;
b)Alteração substancial e duradoura das condições de trabalho no exercício lícito de poderes do empregador;

c)Falta não culposa de pagamento pontual da retribuição

No que respeita à falta de pagamento pontual de retribuição, considera-se como culposa a falta de pagamento que se prolongue por um período de 60 dias ou quando a entidade patronal, a pedido do trabalhador, declare por escrito a previsão de não pagamento da retribuição que se encontre em falta, até ao termo daquele prazo.

Neste caso – falta de pagamento pontual da retribuição que se prolongue por mais de 60 anos-, o trabalhador, findos esses 60 dias, dispõe de um prazo de 30 dias para resolver o contrato de trabalho. Não o fazendo nesse prazo, caduca o seu direito à resolução.

No entanto, nada impede que o trabalhador resolva o contrato de trabalho, com justa causa, ainda que não tenha existido uma situação de incumprimento que se prolongue por 60 dias.

Nestas situações, a falta de pagamento da retribuição não beneficia da presunção no n.º 5 do artigo 394.º do Código do Trabalho, ou seja, o decurso do prazo de 60 dias, leva a que o legislador tenha considerado que se presume como culposa a falta de pagamento da retribuição. Não tendo decorrido esse prazo de 60 dias, o trabalhador não tem a seu favor a presunção de culpa, pelo que a entidade patronal poderá ilidir essa presunção de culpa.

Como em todas as situações na vida, a informação permite-nos uma atuação que melhor salvaguarda os nossos interesses, pelo que é importante que, perante um problema, se conheça, com rigor, os direitos e os deveres.

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A conciliação da vida familiar com a vida profissional

A conciliação da vida familiar com a vida profissional

A conciliação entre a vida familiar e a vida profissional é um tema que tem vindo a ser objeto de várias propostas da Comissão Europeia relativas ao futuro da política social europeia, com a preocupação de se tentar promover uma mudança no binómio trabalho-família para garantia de que os trabalhadores, ao longo da sua vida, alcancem um equilíbrio entre estes dois vetores.

Efetivamente, na Europa tem sido crescente a adoção de medidas de conciliação entre a vida familiar e profissional, no sentido de se legislar sobre horários de trabalho mais flexíveis.

Em Portugal, também encontramos um conjunto de normas que vão no mesmo sentido da salvaguarda da vida familiar e profissional. Senão vejamos.

Conforme resulta do artigo 59.º da Constituição da República Portuguesa:
1. Todos os trabalhadores, sem distinção de idade, sexo, raça, cidadania, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, têm direito:


b) A organização do trabalho em condições socialmente dignificantes, de forma a facultar a realização pessoal e a permitir a conciliação da atividade profissional com a vida familiar;”.

Também o artigo 68.º da Constituição da República Portuguesa prevê que:

«1. Os pais e as mães têm direito à proteção da sociedade e do Estado na realização da sua insubstituível ação em relação aos filhos, nomeadamente quanto à sua educaçãocom garantia de realização profissional e de participação na vida cívica do país.
2. A maternidade e a paternidade constituem valores sociais eminentes.»
Assim, encontra-se constitucionalmente garantido que o trabalho não pode ser prestado em condições impeditivas da conciliação da atividade profissional com a vida familiar.

E, o artigo 56.º do Código do Trabalho, reportado ao horário flexível do trabalhador com responsabilidades familiares, prevê que:


“1 - O trabalhador com filho menor de 12 anos ou, independentemente da idade, filho com deficiência ou doença crónica que com ele viva em comunhão de mesa e habitação tem direito a trabalhar em regime de horário de trabalho flexível, podendo o direito ser exercido por qualquer dos progenitores ou por ambos.
2 - Entende-se por horário flexível aquele em que o trabalhador pode escolher, dentro de certos limites, as horas de início e termo do período normal de trabalho diário.

5 - O trabalhador que opte pelo trabalho em regime de horário flexível, nos termos do presente artigo, não pode ser penalizado em matéria de avaliação e de progressão na carreira.”

Sendo ainda relevante mencionar que, nos termos do artigo 127.º do mesmo Código a entidade patronal deve proporcionar ao trabalhador condições de trabalho que favoreçam a conciliação da sua atividade profissional com a vida familiar e pessoal.

Mas, a conciliação entre a vida profissional e familiar não se esgota na maternidade e na paternidade, na medida em que esta conciliação é importante para os trabalhadores que têm filhos, mas também o é para os que cuidam dos seus pais ou dos seus avós e é ainda importante para os trabalhadores que, independentemente do estado civil, possam ter que cuidar do seu parceiro.

A adoção de medidas flexíveis nas empresas contribui para o aumento da produtividade e do compromisso dos trabalhadores, reduzindo ainda os conflitos e permite a promoção da valorização da imagem da própria empresa.

Por exemplo, em França, desde 2017 que foi criada uma lei que visa proteger os trabalhadores, na medida em que as empresas ficam obrigadas a definir um horário em que não é obrigatória a consulta e leitura de emails.

Importa salientar que, em 12 de julho de 2019, foi publicada a Diretiva (UE) 2019/1158, do Parlamento Europeu e do Conselho, relativa à conciliação entre a vida profissional e a vida familiar dos progenitores e cuidadores, a qual entrou em vigor 20 dias após a sua publicação, tendo os Estados-membros que transpor a mesma para o seu direito nacional até 2 de agosto de 2022.

Nos termos desta Diretiva, estabelecem-se requisitos mínimos que visam facilitar a conciliação entre a vida profissional e familiar dos trabalhadores que são progenitores ou cuidadores, entendendo-se por cuidador o trabalhador que presta cuidados pessoais ou apoio a um familiar ou uma pessoa que vive no agregado familiar do trabalhador e que necessita de cuidados ou assistência significativos, por uma razão médica grave.

Nos termos desta Diretiva, estabelece-se que os Estados-membros deverão adotar as medidas adequadas a garantir que os trabalhadores com filhos até, pelo menos, 8 anos de idade e que os cuidadores possam solicitar um regime de trabalho flexível que lhes permita ocuparem-se também da prestação de cuidados.

Como se refere no considerando 12 da mesma Diretiva, deverá ser tido em consideração que a utilização das licenças por parte dos trabalhadores, de forma equilibrada, está inter-relacionada com a existência de soluções acessíveis para a generalidade dos trabalhadores, serviços de acolhimento de crianças e cuidados continuados, os quais são determinantes para viabilizar que os progenitores e as pessoas com responsabilidades ao nível da prestação de cuidados, possam entrar, permanecer ou regressar ao mercado de trabalho.

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