O conceito de residência habitual na determinação da competência internacional dos Tribunais

O conceito de residência habitual na determinação da competência internacional dos Tribunais

 

O Regulamento (CE) nº 2201/2003 do Conselho de 27/11/2003, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental, estabelece que serão competentes, para decidir sobre questões de responsabilidade parental, os tribunais do Estado-membro da residência habitual da criança.

O acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 11 de outubro de 2017 entendeu que, na determinação do conceito de residência habitual, deverão ser tidos em conta os objetivos que, o Regulamento (CE) n.º 2201/2003 do Conselho, pretendeu acautelar, nomeadamente, quando no ponto 12 do Regulamento se refere que «as regras de competência em matéria de responsabilidade parental do presente regulamento são definidas em função do superior interesse da criança e, em particular, do critério de proximidade … a competência deverá ser, em primeiro lugar, atribuída aos tribunais do Estado-Membro de residência habitual da criança, excepto em determinados casos de mudança da sua residência habitual ou na sequência de um acordo entre os titulares da responsabilidade parental

Considerou o Tribunal da Relação de Coimbra que, determinante na fixação da competência do tribunal, deverá ser o critério da proximidade, enquanto critério que melhor assegura a proteção do superior interesse da criança, sendo o conceito de residência habitual um critério aferidor da proximidade do Estado-Membro com a criança.

Em conformidade com o entendimento supra mencionado foi, por aquele tribunal, decidido que, para a alteração da regulação das responsabilidades parentais de um menor, residente na Alemanha, com a Mãe, filho de pais portugueses, nascido em 2004, em Portugal onde viveu até 2012, data em que se mudou para a Alemanha, será internacionalmente competente o tribunal português pois, «… sendo um dos fitos da atribuição da competência a um dado tribunal a melhor resolução da causa, por se entender que a proximidade dos contornos ou circunstâncias do caso favorecem a consecução de uma decisão mais justa e conscienciosa, o caso vertente aconselha que seja o tribunal português, o de Viseu, a apreciar e decidir, desde logo, pelo critério de aproximação e os superiores interesses do menor, que devem estar sempre na linha da frente, até porque o menor aqui nasceu, e conviveu com os seus familiares, aqui mantendo as suas origens e raízes, por um lado, e por outro o pouco tempo que se encontra na Alemanha

Necessariamente, o conceito de residência habitual tem que ser preenchido, caso a caso e o contributo da jurisprudência, que aplica o Direito aos factos, é de suma relevância.

Destacamos, aqui, este acórdão pelo contributo que dá ao preenchimento do conceito de residência habitual e, também, porque o seu sentido decisório nos leva a questionar o que é a proximidade na linha do tempo da vida de uma criança.

Outros tribunais já decidiram de forma oposta ao do acórdão aqui em destaque, o que equivale a dizer que o conceito de residência habitual no âmbito deste Regulamento continua em construção e o debate aberto.

 

 

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A retroatividade dos alimentos fixados nos processos de alteração à regulação das responsabilidades parentais

A retroatividade dos alimentos fixados nos processos de alteração à regulação das responsabilidades parentais

 

Dispõe o artigo 2006.º do Código Civil que:

«Os alimentos são devidos desde a proposição da acção ou, estando já fixados pelo tribunal ou por acordo, desde o momento em que o devedor se constituiu em mora, sem prejuízo do disposto no artigo 2273º

Da leitura deste artigo, resulta que o mesmo regula duas situações diferentes:

- a primeira parte do artigo, reporta-se aos casos em que a obrigação de alimentos se gera judicialmente ex novo por meio de ação proposta para o efeito por quem necessita de alimentos;

- a segunda parte encontra-se prevista para as situações em que a prestação de alimentos foi fixada pelo tribunal ou resultou de um acordo firmado entre os interessados, acordo esse alcançado fora do âmbito de uma ação judicial.

Assim sendo, a questão que se pode suscitar é a de saber em que situação se devem enquadrar os alimentos fixados no âmbito de um pedido judicial de alteração à regulação das responsabilidades parentais, na medida em que tal releva para efeitos da fixação do momento em que os mesmos serão devidos.

Quer a doutrina, quer a jurisprudência, têm o entendimento firme de que a pensão de alimentos fixada no quadro de uma ação judicial de alteração à regulação das responsabilidades parentais quadra dentro da primeira situação contemplada no artigo 2006.º do Código Civil, pelo que daqui decorre, em termos práticos, que a alteração da pensão de alimentos retroage ao momento da propositura da ação, ressalvando sempre que o quantitativo de alimentos fixados só será definitivo quando a decisão já tiver transitado em julgado, na medida em que, em sede de recurso, pode tal valor, ao ser sindicada a decisão de primeira instância, pelo tribunal superior, no caso o Tribunal da Relação, vir a ser modificado.

Ressalve-se, por fim, que mesmo correndo recurso da sentença proferida no âmbito de um processo de alteração à regulação das responsabilidades parentais de onde resultou uma nova cifra de pensão de alimentos, o carecido de alimentos pode, desde logo, executar a referida sentença, na medida em que o recurso em causa tem efeito meramente devolutivo, não obstante a cautela que terá que existir por a cifra de pensão de alimentos fixada pelo tribunal de primeira instância não estar, ainda, definitivamente estabilizada, em fase da instância recursória em curso.

 

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A formação dos profissionais na audição das crianças

A formação dos profissionais na audição das crianças:

Porque a audição das crianças é um assunto de suma importância, voltamos a este tema, hoje, na perspetiva da formação dos profissionais, formação essa direcionada para a referida audição.

Também neste segmento importa atentar nas Diretrizes para uma justiça amiga das crianças, adoptadas pelo Comité de Ministros do Conselho da Europa sobre a Justiça adaptada às crianças.

Concretamente, no que respeita à formação que os profissionais envolvidos deverão ter, assumem particular relevância, as Diretrizes 14 e 15.

Na Diretriz 14, refere-se que:

«14. Todos os profissionais que trabalhem com e para crianças devem receber a formação multidisciplinar necessária sobre os direitos e as necessidades das crianças de diferentes grupos etários, bem como sobre os processos que melhor se lhes adequam

A Directriz 15 recomenda que:

«15. Os profissionais que tenham contacto direto com crianças devem também receber formação sobre as formas de comunicar com crianças de todas as idades e fases de desenvolvimento, bem como com crianças em situação de particular vulnerabilidade»

No que respeita à formação multidisciplinar, é inegável que os profissionais da Justiça precisam de trabalhar, em equipa, com outros profissionais que lhes aportem tecnicidades específicas por forma a que, por exemplo, quando estão a ouvir uma criança, consigam depurar o que é dito, destacando o que é essencial do acessório, por forma a concentrar, com precisão, o que, de facto, a criança pretende, quer ou o que a faz sofrer e angustia.

É muito difícil, por exemplo, um juiz ouvir uma criança sem estar devidamente assessorado para o efeito, por um técnico que saiba traduzir o que a criança disse. Concretamente, por muito esforço que o juiz faça no sentido de perceber e contextualizar a audição da criança, em casos complexos, em que a criança se sente envolvida numa guerra entre as suas principais figuras de referência (os seus Pais), tal tarefa só terá a ganhar se for devidamente acompanhada por um psicólogo que esteja integrado no processo, conhecendo-o e conhecendo o menor.

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Essencial, também, é a formação que os profissionais deveriam receber sobre a forma como devem comunicar com a criança.

Perguntas sugestivas, perguntas cuja resposta é apenas um sim ou um não, perguntas que obrigam a criança a fazer uma escolha entre pai e mãe, são formas desadequadas de ouvir uma criança e que devem ser banidas.

No entanto, não basta banir este tipo de perguntas. Importa que os profissionais envolvidos adquiram conhecimento e maleabilidade mental para lidar com as crianças, impondo-se como necessária a frequência de formações, com outros profissionais, que os ajudem a lidar e a trabalhar com a criança.

As recomendações constantes das diretrizes 14 e 15 são válidas e deveriam ser encaradas como uma urgência de cada ordem jurídica.

Importa salientar que ouvir uma criança implica conhecer o seu desenvolvimento cognitivo e emocional, saber interpretar o seu choro, o seu silêncio, o que diz, o que não diz, etc.

Tal só com uma formação específica e direcionada é que poderá ser alcançado, por forma a se garantir uma audição livre e verdadeira da vontade da criança.

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Em matéria de formação, não podemos deixar de mencionar o relatório levado a cabo pela Agência dos Direitos Fundamentais da União Europeia, datado de 2015, denominado “Justiça adaptada às crianças: perspetivas e experiências dos profissionais

Neste relatório, é salientado o facto de as práticas de audição dependerem das competências profissionais de cada pessoa que está encarregue dessa função e, claro, variam de tribunal para tribunal e, mesmo, de região para região.

Conforme resulta deste relatório, existem regras e orientações que são utilizadas no Reino Unido e na Finlândia, que, por exemplo, permitem reduzir o número de audições e permitem melhorar a comunicação com a criança.

Ainda no quadro da justiça adaptada às crianças, encontramos várias Diretrizes que falam do direito que as crianças têm a estar representadas por advogado.

Destacamos, aqui, a Diretriz 37, a qual refere que:

«As crianças devem ter o direito a estar individualmente representadas por um advogado nos processos em que haja, ou possa haver, um conflito de interesses entre a criança e os pais ou outras partes envolvidas

Conforme decorre da Diretriz 39, os advogados em causa devem ter formação e conhecimentos sobre os direitos da criança e matérias conexas e receber formação contínua e aprofundada, o que, nos remete, aqui, novamente, para quanto já supra falado, sobre o problema real da falta de formação.

Ainda em matéria de representação, a Diretriz 42 refere que:

«Nos casos em que haja conflito de interesses entre os pais e as crianças, a autoridade competente deve nomear um tutor ad litem ou outro representante independente para defender os pontos de vista e os interesses da criança

Em Portugal, ainda não encontramos consagrada, na lei e na prática, esta realidade, não estando as crianças representadas, em juízo, por advogado.

Não podemos, aqui, deixar de mencionar o facto de um advogado nomeado para representar uma criança, nos termos constantes das Diretrizes supra, não poder ser um advogado qualquer, mas sim uma pessoa que esteja habilitada para o efeito, pelo que, o nosso entendimento é que esse advogado deveria estar credenciado pela Ordem dos Advogados para o efeito, devendo para tanto, ter a devida formação que o habilitasse a estar em juízo, em representação de uma criança, com tudo o que isso implique.

Não basta consagrar, sendo essencial e indispensável que estes direitos das crianças sejam salvaguardados, o que só se alcançará, se a realidade do tribunal for, efetivamente adaptada às crianças, em todas as suas vertentes.

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Conforme resulta do relatório da Agência dos Direitos Fundamentais da União Europeia, supra mencionado, a prática integrada no Reino Unido é bem diferente: em Inglaterra e no País de Gales, qualquer criança que tenha intervenção num processo cível, terá o apoio de um tutor que acompanhará o processo, em seu nome. Será este tutor, quem comparecerá em Tribunal, expressando os desejos e os sentimentos da criança em juízo.

Este tutor é, também, a pessoa responsável por explicar o processo à criança, mantendo-a ao corrente do mesmo e transmitindo-lhe, também, o seu desfecho, o que está de acordo com a recomendação da Diretriz 75.

O relatório identifica esta realidade como uma prática promissora.

Já na Finlândia, quando existe um conflito de interesses que impede os pais de um menor de serem os seus tutores num processo, é nomeado um tutor para representar a criança em tribunal.

Também, de acordo, com o relatório da Agência dos Direitos Fundamentais da União Europeia, esta realidade constitui uma prática promissora.

Em face destes dois exemplos e, olhando para a realidade de alguns Estados-Membros, não podemos deixar de concluir que os direitos da criança, neste segmento, estão ainda muito longe de se encontrarem salvaguardados, sendo necessária a adoção de medidas, em vários setores, que permitam assegurar que a justiça seja, de facto, adaptada às crianças.

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A defesa de uma maior intervenção das crianças nos processos que lhes respeitam, nomeadamente, através do seu direito de audição e do direito a serem representadas por advogado, não equivale à defesa da desejabilidade de que as crianças sejam trazidas para os processos judiciais.

O envolvimento de crianças em processos judiciais deve, tanto quanto possível, ser evitado, razão porque enfatizamos aqui que, no âmbito da Justiça adaptada às Crianças, as Diretrizes 24 a 26, recomendam que, antes do início do processo judicial, devem ser incentivadas as alternativas ao mesmo, como por exemplo, o recurso à mediação, a desjudicialização e a resolução alternativa de litígios, sempre que o recurso a estes meios permitam defender o interesse da criança, não devendo servir como obstáculos ao acesso da criança à Justiça.

Estas alternativas, consagradas na Diretriz 24, devem assegurar um nível de garantias jurídicas equivalente ao que a criança teria num processo judicial, conforme resulta da Diretriz 26.

Para que a criança possa participar, quer na decisão de escolha do recurso aos meios alternativos em substituição do recurso ao processo judicial, quer na escolha do concreto meio a utilizar, deverá ser dado cumprimento à Diretriz 25, a qual prevê que:

«25. As crianças devem ser exaustivamente informadas e consultadas acerca da possibilidade de recorrerem a um processo judicial ou a alternativas extrajudiciais. Esta informação deve também explicar as consequências possíveis de cada opção. Deve ser dada a possibilidade de, com base na informação adequada, jurídica e não só, escolher entre recorrer a um processo judicial ou a um mecanismo de resolução alternativa de litígios, sempre que este esteja disponível. As crianças devem poder beneficiar de aconselhamento jurídico e de outros tipos de assistência na determinação da pertinência e da oportunidade das alternativas propostas. No momento dessa decisão, devem ser tidos em conta os pontos de vista da criança

A colaboração entre advogados e mediadores é um vínculo a ser trabalhado, devendo estes funcionar em equipa multidisciplinar, apresentando-se o mediador como um terceiro imparcial e o advogado como um defensor da criança que garanta os seus direitos no curso da mediação.

 

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Os direitos sucessórios dos unidos de facto - breves notas

Os direitos sucessórios do unido de facto – breves notas

 

Atendendo à relevância que vai assumindo na realidade social, afirmando-se mesmo como uma nova forma de família, impõe-se uma análise da posição sucessória do convivente sobrevivo na união de facto.

Chegou a ser discutida, na subcomissão responsável pela reforma do Código Civil em 1977, a inclusão na ordem da sucessão legal do unido de facto. Tal possibilidade não foi acolhida pela subcomissão e apenas se concedeu ao unido de facto um direito a alimentos, nos termos do art. 2020.º do Código Civil[1]. Assim, o convivente sobrevivo tem o direito de exigir alimentos da herança do falecido, ainda que não se trate verdadeiramente de um direito sucessório[2]. Portanto, quando exista uma união de facto, nos termos da Lei n.º 7/2001, de 11 de maio, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 23/2010, de 30 de agosto, e pela Lei n.º 2/2016, de 29 de fevereiro, e estejam preenchidos os pressupostos gerais dos arts. 2003.º e segs., o convivente sobrevivo tem direito a uma pensão de alimentos a prestar pela herança do falecido.

Do ponto de vista sucessório, o convivente sobrevivo, não sendo herdeiro legal, pode ser herdeiro testamentário do falecido, nos termos gerais dos arts. 2179.º e segs.

É de realçar que não pode existir qualquer caso de indisponibilidade relativa, previstos nos arts. 2192.º e segs., e, em especial, no art. 2196.º, n.º 1. Em função do vínculo especial que o testador mantém com uma determinada pessoa a lei estabelece certas proibições de testar, certos casos de indisponibilidades relativas testamentárias. Assim, é nula a disposição a favor da pessoa com quem o testador casado cometeu adultério (art. 2196.º, n.º 1). O n.º 2 do referido art. 2196.º considera, porém, não haver nulidade da disposição testamentária se o casamento já estava dissolvido ou os cônjuges estavam separados de pessoas e bens à data da abertura da sucessão (al. a))[3] ou se a disposição se limitar a assegurar alimentos ao beneficiário, tratando-se, portanto, de um legado de alimentos (al. b)).

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Face à Lei n.º 7/2001, de 11 de maio, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 23/2010, de 30 de agosto, o convivente sobrevivo goza ainda de direitos relativos à atribuição da casa de morada comum e à transmissão do direito de arrendamento (art. 5.º da referida lei e art. 1106.º do Código Civil).

O art. 5.º, n.º 1, da referida lei, atribui ao membro sobrevivo um direito real de habitação da casa de morada da família, propriedade do membro falecido, e um direito de uso do respetivo recheio, pelo prazo de cinco anos. Se os membros da união de facto eram comproprietários da casa de morada da família e do respetivo recheio, o sobrevivo tem os direitos referidos, em exclusivo (n.º 3). No caso de a união de facto ter começado há mais de cinco anos antes da morte, os mesmos direitos são conferidos por tempo igual ao da duração da união (n.º 2).

Excecionalmente, e por motivos de equidade, o tribunal pode prorrogar os prazos anteriormente referidos considerando, designadamente, os cuidados dispensados pelo membro sobrevivo à pessoa do falecido ou a familiares deste, e a especial carência em que o membro sobrevivo se encontre, por qualquer causa (n.º 4).

Se o interessado não habitar a casa por mais de um ano, os direitos em causa caducam, salvo se a falta de habitação for devida a motivo de força maior (n.º 5)[4].

A atribuição do direito real de habitação da casa de morada da família tem a natureza de um legado legal (e imperativo). De facto, além da possibilidade de existência de legados testamentários e contratuais pode falar-se em legado legal, à luz do art. 5.º, que prevê um direito real de habitação, pelo prazo de cinco anos, a favor do convivente sobrevivo, relativamente à casa de morada comum[5].

Esgotado o prazo em que beneficiou do direito de habitação, o membro sobrevivo tem o direito de permanecer no imóvel na qualidade de arrendatário, nas condições gerais do mercado, e tem direito a permanecer no local até à celebração do respetivo contrato, salvo se os proprietários satisfizerem os requisitos legalmente estabelecidos para a denúncia do contrato de arrendamento para habitação, pelos senhorios, com as devidas adaptações (art. 5.º, n.º 7). Na falta de acordo sobre as condições do contrato, o tribunal pode fixá-las, ouvidos os interessados (n.º 8).

O membro sobrevivo tem também direito de preferência em caso de alienação do imóvel, durante o tempo em que o habitar a qualquer título (n.º 9).

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No caso de a casa de morada da família ser arrendada, o membro sobrevivo beneficia da proteção prevista no artigo 1106.º do Código Civil. Assim, o direito ao arrendamento para habitação não caduca por morte do arrendatário quando lhe sobreviva pessoa que com ele vivesse no locado em união de facto há mais de um ano[6]. Se o arrendatário era o membro falecido, a sua posição transmite-se ao membro sobrevivo; se no contrato de arrendamento constavam como arrendatários ambos os membros, a morte de um provoca a concentração do arrendamento no outro[7].

Importa ainda referir o regime de acesso às prestações por morte de que beneficia o membro sobrevivo, nos termos dos arts. 3.º, als. e), f), e g), e 6.º da Lei n.º 7/2001, de 11 de maio, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 23/2010, de 30 de agosto, e pela Lei n.º 2/2016, de 29 de fevereiro.

Independentemente da necessidade de alimentos, o membro sobrevivo da união de facto beneficia de proteção social por aplicação do regime geral ou de regimes especiais de segurança social (subsídios por morte e pensão de sobrevivência); tem direito a prestações por morte resultante de acidente de trabalho ou doença profissional; e às pensões de preço de sangue e por serviços excecionais e relevantes prestados ao País (arts. 3.º, als. e), f), e g), e 6.º). A entidade responsável pelo pagamento das prestações, tendo fundadas dúvidas sobre a existência da união de facto, deve promover a competente ação judicial com vista à sua comprovação, salvo se a união de facto tenha durado pelo menos quatro anos (art. 6.º, n.ºs 2 e 3).

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De mencionar, por fim, no caso de lesão de que proveio a morte de um dos membros da união de facto, o direito do sobrevivo de exigir ao autor da lesão uma indemnização pelos prejuízos sofridos. O convivente sobrevivo tem direito a uma indemnização por danos patrimoniais, se o falecido lhe prestava alimentos, nos termos do n.º 3 do art. 495.º, e por danos não patrimoniais. De facto, prevê o art. 496.º, n.ºs 2 e 3, que, por morte da vítima, se esta vivia em união de facto, o direito à indemnização por danos não patrimoniais cabe, em primeiro lugar, em conjunto, à pessoa que vivia com ela e aos filhos ou outros descendentes.

As recentes alterações na estrutura da família, o progressivo aumento dos casais que vivem em união de facto e o entendimento de que o direito sucessório deve assegurar o destino dos bens do de cuius privilegiando aqueles que com este tinham uma maior relação afetiva e de entreajuda, levam alguns autores a considerar adequado uma equiparação da posição do convivente sobrevivo aos direitos sucessórios do cônjuge sobrevivo[8].

Os ordenamentos jurídicos europeus têm vindo a reconhecer efeitos jurídicos às uniões de facto, sendo progressivamente reconhecidas como novas formas de família. Assim, poderá justificar-se uma proteção sucessória semelhante à do cônjuge sobrevivo, especialmente no domínio da sucessão legítima e até legitimária, tal como noutros domínios jurídicos. Criticável poderá ser a natureza jurídica da legítima consagrada no direito português.

Para isso, julgamos ser necessária uma prova mais exigente e fiável da existência da união de facto (como um contrato reconhecido notarialmente ou o registo, como acontece noutros ordenamentos jurídicos) do que a prevista atualmente no art. 2.º-A da Lei n.º 7/2001, de 11 de maio, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 23/2010, de 30 de agosto, e pela Lei n.º 2/2016, de 29 de fevereiro, sob pena de se poder vir a atribuir efeitos sucessórios a meras relações de facto que não configuram verdadeiramente uma união de facto à luz do art. 1.º da referida lei.

 

Cristina Dias

Professora Associada com Agregação

da Escola de Direito da Universidade do Minho

 

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[1] Sempre que sejam citados artigos, sem indicação expressa do diploma a que pertencem, a menção reporta-se ao Código Civil.

[2] A atual redação do art. 2020.º resulta da Lei n.º 23/2010, de 30 de agosto. O n.º 1 do art. 2020.º na redação original dispunha que a pessoa que vivia com o autor da sucessão há mais de dois anos em condições análogas às dos cônjuges tinha o direito de exigir alimentos da herança do falecido, se os não pudesse obter nos termos das als. a) a d) do art. 2009.º, isto é, se não pudesse ser alimentado pelo seu cônjuge ou ex-cônjuge, descendentes, ascendentes ou irmãos. Isto significava que o art. 2020.º só seria aplicável se não houvesse possibilidade de prestação de alimentos nos termos do art. 2009.º. A questão originava alguma discussão jurisprudencial. V., AAVV, 2.ª Bienal de Jurisprudência, Coimbra, Coimbra Editora, 2005, pp. 49-53.

[3] Esta al. a) considera também não haver nulidade da disposição testamentária se os cônjuges estavam separados de facto há mais de seis anos. Cremos que a norma tem que ser interpretada à luz da atual redação do art. 1781.º. Isto é, a referência à separação de facto por seis anos articulava-se com o fundamento de divórcio previsto na al. a) do art. 1781.º na redação original da Reforma de 1977. Se os cônjuges estavam em condições de pedir o divórcio e a separação de pessoas e bens (por remissão do art. 1794.º), a situação da separação de facto podia ser equiparada a estas duas para admitir a validade da disposição testamentária. As alterações sofridas no regime jurídico do divórcio, sendo a mais recente introduzida pela Lei n.º 61/2008, de 31 de outubro, deram nova redação ao art. 1781.º e, no que aqui nos importa, basta, como fundamento de divórcio sem consentimento, a separação de facto por um ano consecutivo (al. a)). Assim, parece-nos que a disposição testamentária a favor da pessoa com quem o testador casado cometeu adultério deve ser válida se os cônjuges estavam separados de facto há mais de um ano.

[4] Além disso, o direito real de habitação previsto no n.º 1 do art. 5.º não é conferido ao membro sobrevivo se este tiver casa própria na área do respetivo concelho da casa de morada da família; no caso das áreas dos concelhos de Lisboa ou do Porto incluem-se os concelhos limítrofes (art. 5.º, n.º 6).

[5] E que prevalece sobre o direito de propriedade de um terceiro que tenha adquirido e registado o bem (a casa) dos herdeiros após a morte do convivente.

[6] A união de facto produz, para este fim em concreto (de evitar a caducidade do direito ao arrendamento), efeitos se se mantiver por um ano (não se exigindo os dois anos previstos no art. 1.º, n.º 2, da Lei n.º 7/2001, de 11 de maio, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 23/2010, de 30 de agosto, e pela Lei n.º 2/2016, de 29 de fevereiro). Além de o arrendatário de cuius viver em união de facto há mais de um ano, é necessário que essa vivência por um ano seja no locado.

[7] É verdade que o art. 1106.º apenas refere a transmissão do arrendamento por morte, mas entende-se incluir também a concentração do arrendamento no convivente sobrevivo. Além do mais, a situação é referida no art. 1107.º.

[8] Christoph Castelein, “Introduction and objectives”, in AAVV, Imperative Inheritance Law in a Late-Modern Society – five perspectives, Antwerp – Oxford – Portland, Intersentia, 2009, pp. 19 e 20.

 

 

 

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As Diretrizes para uma Justiça amiga das Crianças adotadas pelo Comité de Ministros do Conselho da Europa sobre a Justiça adaptada às Crianças - Audição de crianças

As Diretrizes para uma Justiça Amiga das Crianças adotadas pelo Comité de Ministros do Conselho da Europa sobre a Justiça adaptada às crianças

Audição de crianças

 

A)Os instrumentos internacionais:

 

A consagração do direito de audição das crianças encontra-se previsto, seja em instrumentos internacionais, seja nos ordenamentos jurídicos nacionais.

Quanto aos instrumentos internacionais, várias são as previsões legais que contemplam este direito de audição.

Com efeito, encontramos este direito de audição no artigo 12.º da Convenção sobre os Direitos da Criança, que prevê que:

1 - Os Estados Partes garantem à criança com capacidade de discernimento o direito de exprimir livremente a sua opinião sobre as questões que lhe respeitem, sendo devidamente tomadas em consideração as opiniões da criança, de acordo com a sua idade e maturidade.

2 - Para este fim, é assegurada à criança a oportunidade de ser ouvida nos processos judiciais e administrativos que lhe respeitem, seja diretamente, seja através de representante ou de organismo adequado, segundo as modalidades previstas pelas regras de processo da legislação nacional.”

Também no que respeita à consagração dos direitos processuais das crianças, releva a Convenção Europeia sobre o Exercício dos Direitos da Criança, adotada em Estrasburgo, em 25 de janeiro de 1996, mais concretamente, importa-nos quanto consta do seu artigo 3.º, ou seja:

«À criança que à luz do direito interno se considere ter discernimento suficiente deverão ser concedidos, nos processos perante uma autoridade judicial que lhe digam respeito, os seguintes direitos, cujo exercício ela pode solicitar:

  1. a) Obter todas as informações relevantes;
  2. b) Ser consultada e exprimir a sua opinião;
  3. c) Ser informada sobre as possíveis consequências de se agir em conformidade com a sua opinião, bem como sobre as possíveis consequências de qualquer decisão

Sendo ainda de atender à redação do artigo 6.º desta Convenção, mais concretamente, aos três pontos constantes da alínea b) e à alínea c), os quais preveem que nos processos que digam respeito a uma criança, antes de ser tomada uma decisão, a autoridade judicial deverá, caso à luz do respetivo direito interno se entenda que a criança tem discernimento suficiente:

«- Assegurar que a criança recebeu toda a informação relevante;

- Consultar pessoalmente a criança nos casos apropriados, se necessário em privado, diretamente ou através de outras pessoas ou entidades, numa forma adequada à capacidade de discernimento da criança, a menos que tal seja manifestamente contrário ao interesse superior da criança; - Permitir que a criança exprima a sua opinião;

  1. c) Ter devidamente em conta as opiniões expressas pela criança»

Já no Regulamento (CE) n.º 2201/2003, do Conselho, de 27 de novembro de 2003, encontramos vários artigos, nos quais se prevê a audição da criança como, por exemplo, o artigo 11.º n.º 2 do Regulamento que estabelece que, quando tenha que ser tomada uma decisão que implique, ordenar ou não, o regresso imediato da criança, nos termos dos artigos 12.º e 13.º da Convenção da Haia de 1980:

«…deve-se providenciar no sentido de que a criança tenha a oportunidade de ser ouvida durante o processo, exceto se tal for considerado inadequado em função da sua idade ou grau de maturidade

Também o artigo 23.º alínea b) do Regulamento estabelece que uma decisão em matéria de responsabilidade parental não será reconhecida:

«b)Se, exceto em caso de urgência, tiver sido proferida sem que a criança tenha tido a oportunidade de ser ouvida, em violação de normas processuais fundamentais do Estado-Membro requerido.»

O artigo 41.º n.º 2 alínea c) do Regulamento, prevê que, no que respeita ao direito de visita, obtido por meio de decisão proferida num Estado-membro, a certidão relativa a esse direito de visita, apenas será emitida se:

«A criança que tiver tido a oportunidade de ser ouvida, exceto se for considerada inadequada uma audição, em função da sua idade ou grau de maturidade

Nos mesmos moldes, o artigo 42.º n.º 2 alínea a) do Regulamento refere que, nos casos de regresso da criança, na sequência de uma decisão que o exija, a certidão da decisão apenas será emitida se:

«A criança que tiver tido oportunidade de ser ouvida, exceto se for considerada inadequada uma audição tendo em conta a sua idade ou grau de maturidade

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B) As Diretrizes para uma Justiça Amiga das Crianças adotadas pelo Comité de Ministros do Conselho da Europa sobre a Justiça adaptada às crianças, em 17 de novembro de 2010.

De entre as Diretrizes para uma Justiça Amiga das Crianças, adotadas pelo Comité de Ministros do Conselho da Europa sobre uma Justiça adaptada às crianças, em 17 de novembro de 2010 destacamos, de entre as várias Diretrizes, as Diretrizes 44 a 48, nas quais se reforça o direito da criança a ser ouvida e a exprimir a sua opinião referindo-se, nas Diretrizes 54, 56 e 61, a linguagem que deve ser adotada, com vista a garantir a participação eficaz da criança nos processos em que intervenha.

Conforme resulta da Diretriz 46, a criança tem o direito a ser ouvida, não constituindo este direito, um dever da criança, resultando da Diretriz 45 que as suas opiniões e pontos de vista devem ser considerados, tendo em atenção a sua idade e maturidade, sendo que, conforme decorre da Diretriz 47, uma criança não deve ser impedida de ser ouvida apenas em razão da sua idade.

Para que este direito de audição possa ser exercido em pleno importa que a criança, que esteja envolvida num processo, receba toda a informação necessária sobre a forma de exercer eficazmente o seu direito assumindo, ainda, particular importância, a explicação que lhe deve ser prestada de que o seu direito a ser ouvida não condicionará, necessariamente, a decisão final que irá ser tomada (Diretriz 48).

De acordo com a Diretriz 44, os meios utilizados na audição das crianças devem ser adaptados ao seu nível de compreensão e capacidade de comunicação, devendo as crianças ser consultadas quanto à forma como pretendem ser ouvidas, o que equivale a dizer que a sua idade, as suas eventuais necessidades especiais, a sua maturidade são elementos que deverão ser tidos em conta na audição (Diretriz 54), devendo ainda valorizar-se o ritmo e a capacidade de atenção da criança, pelo que deverão estar previstas pausas e ter-se o cuidado de as audiências não serem demasiado longas (Diretriz 61).

Um elemento que, pela importância que tem, se destaca, é o da linguagem a utilizar. A Diretriz 56 refere que:

«Deve utilizar-se uma linguagem adequada à idade e ao nível de compreensão da criança.»

Ou seja, a utilização de uma linguagem legal e técnica, que é de difícil compreensão, corresponde a um obstáculo no acesso das crianças à justiça, o mesmo acontecendo com a “linguagem de adulto”, sendo recomendável que se evite a utilização de ambas, pois as mesmas limitam a compreensão que a criança pode ter daquilo que se pretende.

Recomenda-se, pois, a utilização de uma linguagem clara e simples, que seja acessível à criança pois, de outro modo, a opinião expressa por esta poderá não corresponder à sua real opinião, mas sim ser o resultado de erros e imprecisões, os quais resultam da barreira da linguagem utilizada podendo-se, aqui, por exemplo, confundir testemunhos falsos com os erros e imprecisões que resultam da utilização de uma linguagem não adaptada às crianças.

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C) A relevância da audição da criança na tomada de decisões pelos tribunais:

Estando assegurado, no plano internacional e nacional, o direito de audição da criança, importa identificar o impacto que a audição das crianças tem no processo de tomada de decisão nos tribunais portugueses.

Para o efeito, socorremo-nos de um estudo levado a cabo por Maria de Fátima Melo e Ana Isabel Sani, o qual foi publicado na Revista de Psicologia, da Universidad de Chile, em 2015.

Neste estudo, verifica-se que são várias as razões porque é dada relevância à audição da criança.

A obrigatoriedade legal surge como o primeiro fundamento para a audição da criança, por referência aos instrumentos internacionais e às normas nacionais que assim o consagram.

Outro dos fundamentos para a audição da criança, é a possibilidade de se ter um melhor conhecimento desta, o que facilita a tomada de decisão, sendo outro dos fundamentos apontados o apoio à decisão que a audição da criança representa, ou seja, a sua colaboração para se chegar a uma solução que vá ao encontro das suas necessidades e, também, dos seus desejos, pelo que a sua audição é identificada como uma forma de contribuir para o processo de tomada de decisão sobre a sua vida.

Outra das razões apontadas para a audição, é o facto de a mesma contribuir para a recolha de informação junto da própria criança ou, até mesmo, de explicações diretas sobre os factos que lhe são imputados.

Relativamente aos critérios utilizados para a tomada de decisão, este estudo salienta que a grande maioria dos magistrados refere a audição da criança como um dos pontos que toma em consideração para efeitos de tomada de decisão.

As conclusões deste estudo são eloquentes na medida em que, se por um lado é verdade que os magistrados dão valor à audição da criança, para lá da obrigatoriedade legal de o fazerem, reconhecendo que tal audição é relevante, pelas razões supra expostas, a verdade é que, neste estudo, se destaca que, tomando em conta «as especificidades inerentes à condição infantojuvenil, torna-se necessária a garantia da abordagem mais especializada e direcionada às necessidades das crianças no contexto judicial. Os estudos demonstram que as crianças têm um escasso conhecimento relativamente aos conceitos legais …. e processos judiciais, o que pode levar a crenças disfuncionais e a sentimentos negativos relativamente ao cenário jurídico … as crianças revelam sentimentos negativos sobre a sua ida a tribunal, tais como ansiedade, medo, nervosismo e apreensão. …

Portugal deveria apostar em medidas fundamentais para a promoção e protecção dos direitos das crianças, como gabinetes de apoio e atendimento às vítimas nos tribunais … a criação de espaços destinados às crianças, programas de intervenção para a preparação da criança para ida a tribunal …»

 

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O enriquecimento sem causa

O enriquecimento sem causa

 

Dispõe o artigo 473º do Código Civil que:

«1. Aquele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou.

  1. A obrigação de restituir, por enriquecimento sem causa, tem de modo especial por objeto o que for indevidamente recebido, ou o que for recebido por virtude de uma causa que deixou de existir ou em vista de um efeito que não se verificou

Em face deste artigo, a obrigação de restituir fundada no enriquecimento injusto impõe a verificação cumulativa de três requisitos:

- o enriquecimento de alguém;

- o enriquecimento sem causa justificativa;

- o enriquecimento ter sido à custa de quem requer a restituição.

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O enriquecimento sem causa, fonte autónoma de obrigações, consagra uma obrigação de restituir o que se adquiriu sem causa, correspondendo tal a uma necessidade moral e social para o restabelecimento do equilíbrio injustamente quebrado entre os patrimónios e que, de outra forma, não era possível obter-se.

A ação de enriquecimento sem causa tem pois, como fim remover o enriquecimento do património do enriquecido, transferindo-o novamente para o património do empobrecido.

No que respeita à falta de justificação para o enriquecimento esta pode nunca ter existido ou, tendo existido, entretanto, ter deixado de existir.

Exemplo de uma situação em que, inicialmente existiu uma justificação para o enriquecimento mas que, entretanto, deixou de existir, é a resultante de contribuições feitas por um membro de uma união de facto que beneficiam, por exemplo, património do outro, o qual na vigência da união de facto era utilizado por ambos os membros como, por exemplo, a casa de morada de família.

Uma vez dissolvida a união de facto, o membro proprietário do bem, no qual foi, por exemplo, investido dinheiro do outro membro, obtém um claro benefício patrimonial, enquanto o outro fica prejudicado, na mesma proporção.

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A contribuição do membro da união de facto prejudicado não pode ser enquadrada em qualquer dos deveres, resultantes da vivência em união de facto não sendo, por isso, possível atribuir ao enriquecimento tal causa, apesar de, evidentemente, a relação familiar estabelecida a partir da união de facto não ser alheia à contribuição efetuada.

Assim a união de facto constituiu a causa jurídica da contribuição monetária realizada pelo empobrecido. Contudo, com a dissolução da união de facto, extinguiu-se a causa jurídica justificativa da referida contribuição deixando a mesma de ter justificação e ocorrendo, assim, uma clara situação de enriquecimento sem causa, por parte do membro da união que ficou beneficiado ficando este, por isso, sujeito à obrigação de restituir ao outro, aquilo que, agora já sem justificou, recebeu.

Finalmente, refira-se que o enriquecimento sem causa tem natureza subsidiária o que significa que só pode ser invocado quando a lei não facultar ao empobrecido qualquer outro meio de compensação ou restituição.

 

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Apresentação do livro "Uma família parental, duas casas", no dia 24 de outubro, às 18H, no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa

Apresentação do livro: “Uma família parental, duas casas”, no dia 24 de outubro, às 18H, no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa

 

"Este livro debruça-se sobre as famílias formadas pelo divórcio e pela separação e as suas crianças. Centra-se, sobretudo, nas famílias de residência alternada, definidas como aquelas em que a criança reside alternadamente com a mãe e com o pai (33 a 50% do tempo) e em que esta beneficia, no quadro da partilha de responsabilidades parentais legais, da constância do envolvimento parental pleno de ambos os progenitores no seu dia-a-dia.
Tem o mérito de colocar a reflexão sobre as famílias de residência alternada no centro da articulação da interdisciplinaridade do conhecimento científico com a das práticas profissionais, produzida quer em Portugal quer noutros países. Por conseguinte, reúne autores e autoras de formações e geografias distintas e de vários campos do saber – a sociologia, a psicologia, o serviço social e o direito – num diálogo reflexivo, comparativo e crítico em torno do crescimento e das dinâmicas de funcionamento destas famílias, o bem-estar das suas crianças, a legislação que as enquadra e as boas práticas profissionais envolvidas na sua aplicação. Trata-se, pois, de um livro dirigido a um público heterogéneo: mães, pais, avós e avôs; estudantes; professoras e professores; investigadoras e investigadores; assistentes sociais e outros peritos, técnicos e técnicas de organismos públicos e privados que trabalham no apoio à criança e às famílias; membros das várias profissões jurídicas que operam na área do direito da família e de menores; e membros de associações e de outras organizações não-governamentais com linhas de ação dirigidas para as crianças e as suas famílias."

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A modificação do regime de bens do casamento e a determinação do tribunal competente para apreciar da ação de simples separação de bens

A modificação do regime de bens do casamento e a determinação do tribunal competente para apreciar da ação de simples separação judicial de bens

O artigo 1714.º n.º 1 do Código Civil consagra a regra da imutabilidade das convenções antenupciais e dos regimes de bens legalmente fixados.

Dispõe esta norma nos seguintes termos:

«1. Fora dos casos previstos na lei, não é permitido alterar, depois da celebração do casamento, nem as convenções antenupciais nem os regimes de bens legalmente fixados

Ora, uma das exceções a esta regra encontra-se prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 1715.º do Código Civil, ao admitir que seja operada uma alteração ao regime de bens através da simples separação judicial de bens.

Com efeito, de acordo com quanto previsto no artigo 1767.º do Código Civil:

«Qualquer dos cônjuges pode requerer a simples separação judicial de bens quando estiver em perigo de perder o que é seu pela má administração do outro cônjuge

Esta separação tem que ser judicialmente decretada, através de ação movida, pelo cônjuge lesado contra o outro, conforme decorre do preceituado nos artigos 1768.º 1769.º, ambos do Código Civil.

Sendo intentada esta ação, após o trânsito em julgado da sentença que decretar a separação judicial de bens, é modificado o regime de bens, o qual passa a ser o da separação de bens, quando antes vigorava ou o regime da comunhão geral de bens ou o regime da comunhão de adquiridos.

Com a modificação do regime de bens, para o da separação de bens, importará proceder à partilha do acervo comum do casal, tal como ocorreria se o casamento tivesse sido dissolvido (artigo 1770. N.º 1 do Código Civil).

Desde já, importa destrinçar a separação judicial de bens da separação judicial de pessoas e bens, na medida em que aquela, uma vez decretada, modifica apenas a relação matrimonial quanto aos bens, mantendo inalterada a relação matrimonial quanto às pessoas, pelo que os cônjuges continuam a ter os mesmos direitos e deveres decorrentes do casamento.

Já na separação judicial de pessoas e bens, a separação produz efeitos, quer em relação aos bens, quer em relação às pessoas dos cônjuges.

Por esta razão, a ação de simples separação judicial de bens não se confunde com a ação de separação de pessoas e bens, com diferenças assinaláveis a nível processual, nomeadamente, o facto de aquela ter sempre carácter judicial e litigioso, seguindo o processo comum, contrariamente a esta que pode tramitar no quadro do mútuo consentimento, seja em tribunal, seguindo o processo especial de jurisdição voluntária previsto e regulado nos artigos 994.º e seguintes do Código de Processo Civil, seja junto da conservatória do registo civil, seguindo o processo previsto no artigo 931.º do Código de Processo Civil.

Assim sendo, é materialmente competente para conhecer da ação de simples separação judicial de bens a seção cível da instância local e não a secção de competência especializada de família, na medida em que a ação de simples separação judicial de bens não se enquadra em nenhuma das previsões constantes do artigo 122.º da Lei Organização do Sistema Judiciário.

Já quanto à ação de separação de pessoas e bens é materialmente competente para conhecer da mesma a secção de competência especializada de família, em decorrência de quanto previsto neste artigo 122.º n.º 1, alínea c).

 

 

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A responsabilidade do cônjuge pela administração dos bens comuns ou próprios do outro cônjuge

A responsabilidade do cônjuge pela administração dos bens comuns ou próprios do outro cônjuge

 

No âmbito da responsabilidade do cônjuge pela administração dos bens comuns ou próprios do outro cônjuge, importa distinguir duas situações específicas: a prevista no n.º 1 e a constante do n.º 2 do artigo 1681.º do Código Civil.

Dispõe o artigo 1681.º n.º 1 do Código Civil:

«1. O cônjuge que administrar bens comuns ou próprios do outro cônjuge … não é obrigado a prestar contas da sua administração, mas responde pelos atos intencionalmente praticados em prejuízo do casal ou do outro cônjuge

Conforme resulta desta previsão legal, o cônjuge administrador não tem o dever de prestar contas da administração que faz. Tal visa evitar que a apreciação que, a todo o tempo, poderia ser feita, dos termos da administração e, também, da diligência utilizada nessa administração na constância do matrimónio, ponha em causa o entendimento entre os cônjuges, razão porque a lei civil optou por, expressamente, dispensar o cônjuge administrador deste dever.

Do mesmo modo, a responsabilidade do cônjuge administrador está excluída quanto a prejuízos devidos a negligência, limitando-se esta responsabilidade aos danos causados com dolo direto ou indireto, equivalendo tal a dizer que, nos termos do artigo 1681.º n.º 1 do Código Civil, os atos intencionalmente praticados (com dolo) causadores de danos são considerados factos ilícitos.

Nestas situações, em que o cônjuge administrador está autorizado, pelo outro cônjuge, a administrar os bens comuns ou próprios do outro, a responsabilidade daquele corresponde a uma responsabilidade civil por factos ilícitos que segue o regime previsto no artigo 483.º e seguintes do Código Civil, pelo que o direito de indemnização que o cônjuge lesado pode fazer valer fica sujeito ao prazo de prescrição previsto no mencionado artigo 483.º do Código Civil, ou seja, o prazo de prescrição é de três anos e, nos termos do disposto no artigo 498.º do mesmo Código, este prazo conta-se da data em que o cônjuge lesado teve conhecimento do direito que lhe assiste, ainda que com desconhecimento da extensão dos danos causados.

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Já quanto à previsão do artigo 1681.º n.º 2 do Código Civil, a mesma respeita aos casos em que o cônjuge administrador o é no âmbito de um contrato de mandato celebrado entre os cônjuges, tendo os deveres do cônjuge administrador origem neste contrato (de mandato), pelo que os seus deveres são deveres de prestação e a sua responsabilidade tem natureza contratual.

Assim sendo, os direitos do cônjuge lesado em decorrência da violação, por parte do cônjuge administrador, dos deveres resultantes do contrato de mandato, poderão ser acionados no quadro de uma ação de responsabilidade civil contratual.

Por fim, importa salientar que, nos termos do disposto no artigo 1789.º n.º 1 do Código Civil, se é certo que os efeitos do divórcio se produzem a partir do trânsito em julgado da sentença que o decretar, a verdade é que, nas relações patrimoniais entre os cônjuges, os seus efeitos retroagem à data da propositura da ação de divórcio, o que bem se compreende, pois, desta forma, o legislador civil quis evitar que um dos cônjuges se visse prejudicado por atos, praticados pelo cônjuge administrador, após a propositura da ação e antes do decretamento do divórcio, atos esses com repercussão no património sob sua administração.

 

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Alimentos ou contribuição para os encargos da vida familiar?

Alimentos ou contribuição para os encargos da vida familiar?

De acordo com o artigo 1675.º do Código Civil, um dos deveres decorrentes do casamento é o dever de assistência, o qual se encontra definido no n.º 1 deste artigo, nos seguintes termos:

«1. O dever de assistência compreende a obrigação de prestar alimentos e a de contribuir para os encargos da vida familiar

Mais, prevê o n.º 2 deste artigo que o dever de assistência se mantém durante a separação de facto.

Resulta, pois, de quanto previsto no artigo 1675.º n.º 1 do Código Civil que do dever de assistência decorrem duas obrigações distintas: o dever de prestar alimentos e o dever de contribuir para os encargos da vida familiar.

A estes dois tipos de obrigações correspondem meios processuais distintos para a sua efetivação pelo cônjuge que acione o seu direito (a alimentos ou à contribuição do outro para os encargos da vida familiar): a ação por alimentos - que pode ser precedida ou correr em simultâneo com uma providência cautelar de alimentos provisórios- e o pedido de contribuição do cônjuge para as despesas domésticas.

Quando optar por um e por outro meio processual?

Estando consumada uma situação de separação de facto, com a saída de um dos cônjuges de casa e, não obstante o dever de assistência se manter, a verdade é que o dever de contribuir para os encargos da vida familiar deixa de fazer sentido na medida em que a vida familiar desapareceu, deixando de haver a comunhão de vida que baseava a existência de despesas ocorridas nessa mesma comunhão.

Nestes casos, subsiste o dever de prestar alimentos nos termos do artigo 1675.º nº 1 do Código Civil devendo, para tanto, o cônjuge carenciado propor uma ação contra o outro cônjuge a pedir alimentos, podendo ainda, pedir alimentos provisórios, no quadro de um procedimento cautelar, previsto no artigo 384.º do Código de Processo Civil, requerendo ao tribunal que seja fixada uma quantia mensal a que terá direito e a ser entregue pelo outro cônjuge. Os alimentos provisórios mantêm-se enquanto não houver o pagamento da primeira prestação definitiva fixada na ação definitiva de alimentos.

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O recurso ao procedimento cautelar de alimentos provisórios visa colmatar os inconvenientes que decorrem da delonga da ação de alimentos, na medida em que tratando-se de um procedimento cautelar, a sua tramitação é célere, permitindo ao cônjuge carenciado de alimentos fazer face às necessidades do seu dia-a-dia, ainda que o valor que seja fixado no quadro do procedimento cautelar de alimentos provisórios tenda a ser mais baixo do que aquele que vier a ser fixado na ação definitiva de alimentos tomando, nomeadamente em conta que, nos procedimentos cautelares, o tribunal decide com base no que se mostre indiciariamente provado, pelo que a decisão é tomada com menos elementos e com uma prova mais superficial do que aquela que será produzida na ação definitiva.

Nos restantes casos em que não tenha ocorrido separação de facto, mas em que haja incumprimento de um dos cônjuges do dever de assistência, o meio processual próprio a utilizar, em caso de necessidade, é o previsto no artigo 992.º do Código de Processo Civil, ou seja, o recurso ao processo de jurisdição voluntária traduzido na contribuição do cônjuge para as despesas domésticas.

Neste processo, o cônjuge visado pelo incumprimento do outro pode exigir a entrega direta da parte dos rendimentos deste que corresponda a quanto se mostra necessário para fazer face às despesas domésticas, situação que se deverá manter enquanto subsistir o incumprimento e enquanto se mantiver a vida em comum.

 

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