Os direitos sucessórios dos unidos de facto - breves notas

Os direitos sucessórios do unido de facto – breves notas

 

Atendendo à relevância que vai assumindo na realidade social, afirmando-se mesmo como uma nova forma de família, impõe-se uma análise da posição sucessória do convivente sobrevivo na união de facto.

Chegou a ser discutida, na subcomissão responsável pela reforma do Código Civil em 1977, a inclusão na ordem da sucessão legal do unido de facto. Tal possibilidade não foi acolhida pela subcomissão e apenas se concedeu ao unido de facto um direito a alimentos, nos termos do art. 2020.º do Código Civil[1]. Assim, o convivente sobrevivo tem o direito de exigir alimentos da herança do falecido, ainda que não se trate verdadeiramente de um direito sucessório[2]. Portanto, quando exista uma união de facto, nos termos da Lei n.º 7/2001, de 11 de maio, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 23/2010, de 30 de agosto, e pela Lei n.º 2/2016, de 29 de fevereiro, e estejam preenchidos os pressupostos gerais dos arts. 2003.º e segs., o convivente sobrevivo tem direito a uma pensão de alimentos a prestar pela herança do falecido.

Do ponto de vista sucessório, o convivente sobrevivo, não sendo herdeiro legal, pode ser herdeiro testamentário do falecido, nos termos gerais dos arts. 2179.º e segs.

É de realçar que não pode existir qualquer caso de indisponibilidade relativa, previstos nos arts. 2192.º e segs., e, em especial, no art. 2196.º, n.º 1. Em função do vínculo especial que o testador mantém com uma determinada pessoa a lei estabelece certas proibições de testar, certos casos de indisponibilidades relativas testamentárias. Assim, é nula a disposição a favor da pessoa com quem o testador casado cometeu adultério (art. 2196.º, n.º 1). O n.º 2 do referido art. 2196.º considera, porém, não haver nulidade da disposição testamentária se o casamento já estava dissolvido ou os cônjuges estavam separados de pessoas e bens à data da abertura da sucessão (al. a))[3] ou se a disposição se limitar a assegurar alimentos ao beneficiário, tratando-se, portanto, de um legado de alimentos (al. b)).

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Face à Lei n.º 7/2001, de 11 de maio, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 23/2010, de 30 de agosto, o convivente sobrevivo goza ainda de direitos relativos à atribuição da casa de morada comum e à transmissão do direito de arrendamento (art. 5.º da referida lei e art. 1106.º do Código Civil).

O art. 5.º, n.º 1, da referida lei, atribui ao membro sobrevivo um direito real de habitação da casa de morada da família, propriedade do membro falecido, e um direito de uso do respetivo recheio, pelo prazo de cinco anos. Se os membros da união de facto eram comproprietários da casa de morada da família e do respetivo recheio, o sobrevivo tem os direitos referidos, em exclusivo (n.º 3). No caso de a união de facto ter começado há mais de cinco anos antes da morte, os mesmos direitos são conferidos por tempo igual ao da duração da união (n.º 2).

Excecionalmente, e por motivos de equidade, o tribunal pode prorrogar os prazos anteriormente referidos considerando, designadamente, os cuidados dispensados pelo membro sobrevivo à pessoa do falecido ou a familiares deste, e a especial carência em que o membro sobrevivo se encontre, por qualquer causa (n.º 4).

Se o interessado não habitar a casa por mais de um ano, os direitos em causa caducam, salvo se a falta de habitação for devida a motivo de força maior (n.º 5)[4].

A atribuição do direito real de habitação da casa de morada da família tem a natureza de um legado legal (e imperativo). De facto, além da possibilidade de existência de legados testamentários e contratuais pode falar-se em legado legal, à luz do art. 5.º, que prevê um direito real de habitação, pelo prazo de cinco anos, a favor do convivente sobrevivo, relativamente à casa de morada comum[5].

Esgotado o prazo em que beneficiou do direito de habitação, o membro sobrevivo tem o direito de permanecer no imóvel na qualidade de arrendatário, nas condições gerais do mercado, e tem direito a permanecer no local até à celebração do respetivo contrato, salvo se os proprietários satisfizerem os requisitos legalmente estabelecidos para a denúncia do contrato de arrendamento para habitação, pelos senhorios, com as devidas adaptações (art. 5.º, n.º 7). Na falta de acordo sobre as condições do contrato, o tribunal pode fixá-las, ouvidos os interessados (n.º 8).

O membro sobrevivo tem também direito de preferência em caso de alienação do imóvel, durante o tempo em que o habitar a qualquer título (n.º 9).

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No caso de a casa de morada da família ser arrendada, o membro sobrevivo beneficia da proteção prevista no artigo 1106.º do Código Civil. Assim, o direito ao arrendamento para habitação não caduca por morte do arrendatário quando lhe sobreviva pessoa que com ele vivesse no locado em união de facto há mais de um ano[6]. Se o arrendatário era o membro falecido, a sua posição transmite-se ao membro sobrevivo; se no contrato de arrendamento constavam como arrendatários ambos os membros, a morte de um provoca a concentração do arrendamento no outro[7].

Importa ainda referir o regime de acesso às prestações por morte de que beneficia o membro sobrevivo, nos termos dos arts. 3.º, als. e), f), e g), e 6.º da Lei n.º 7/2001, de 11 de maio, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 23/2010, de 30 de agosto, e pela Lei n.º 2/2016, de 29 de fevereiro.

Independentemente da necessidade de alimentos, o membro sobrevivo da união de facto beneficia de proteção social por aplicação do regime geral ou de regimes especiais de segurança social (subsídios por morte e pensão de sobrevivência); tem direito a prestações por morte resultante de acidente de trabalho ou doença profissional; e às pensões de preço de sangue e por serviços excecionais e relevantes prestados ao País (arts. 3.º, als. e), f), e g), e 6.º). A entidade responsável pelo pagamento das prestações, tendo fundadas dúvidas sobre a existência da união de facto, deve promover a competente ação judicial com vista à sua comprovação, salvo se a união de facto tenha durado pelo menos quatro anos (art. 6.º, n.ºs 2 e 3).

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De mencionar, por fim, no caso de lesão de que proveio a morte de um dos membros da união de facto, o direito do sobrevivo de exigir ao autor da lesão uma indemnização pelos prejuízos sofridos. O convivente sobrevivo tem direito a uma indemnização por danos patrimoniais, se o falecido lhe prestava alimentos, nos termos do n.º 3 do art. 495.º, e por danos não patrimoniais. De facto, prevê o art. 496.º, n.ºs 2 e 3, que, por morte da vítima, se esta vivia em união de facto, o direito à indemnização por danos não patrimoniais cabe, em primeiro lugar, em conjunto, à pessoa que vivia com ela e aos filhos ou outros descendentes.

As recentes alterações na estrutura da família, o progressivo aumento dos casais que vivem em união de facto e o entendimento de que o direito sucessório deve assegurar o destino dos bens do de cuius privilegiando aqueles que com este tinham uma maior relação afetiva e de entreajuda, levam alguns autores a considerar adequado uma equiparação da posição do convivente sobrevivo aos direitos sucessórios do cônjuge sobrevivo[8].

Os ordenamentos jurídicos europeus têm vindo a reconhecer efeitos jurídicos às uniões de facto, sendo progressivamente reconhecidas como novas formas de família. Assim, poderá justificar-se uma proteção sucessória semelhante à do cônjuge sobrevivo, especialmente no domínio da sucessão legítima e até legitimária, tal como noutros domínios jurídicos. Criticável poderá ser a natureza jurídica da legítima consagrada no direito português.

Para isso, julgamos ser necessária uma prova mais exigente e fiável da existência da união de facto (como um contrato reconhecido notarialmente ou o registo, como acontece noutros ordenamentos jurídicos) do que a prevista atualmente no art. 2.º-A da Lei n.º 7/2001, de 11 de maio, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 23/2010, de 30 de agosto, e pela Lei n.º 2/2016, de 29 de fevereiro, sob pena de se poder vir a atribuir efeitos sucessórios a meras relações de facto que não configuram verdadeiramente uma união de facto à luz do art. 1.º da referida lei.

 

Cristina Dias

Professora Associada com Agregação

da Escola de Direito da Universidade do Minho

 

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[1] Sempre que sejam citados artigos, sem indicação expressa do diploma a que pertencem, a menção reporta-se ao Código Civil.

[2] A atual redação do art. 2020.º resulta da Lei n.º 23/2010, de 30 de agosto. O n.º 1 do art. 2020.º na redação original dispunha que a pessoa que vivia com o autor da sucessão há mais de dois anos em condições análogas às dos cônjuges tinha o direito de exigir alimentos da herança do falecido, se os não pudesse obter nos termos das als. a) a d) do art. 2009.º, isto é, se não pudesse ser alimentado pelo seu cônjuge ou ex-cônjuge, descendentes, ascendentes ou irmãos. Isto significava que o art. 2020.º só seria aplicável se não houvesse possibilidade de prestação de alimentos nos termos do art. 2009.º. A questão originava alguma discussão jurisprudencial. V., AAVV, 2.ª Bienal de Jurisprudência, Coimbra, Coimbra Editora, 2005, pp. 49-53.

[3] Esta al. a) considera também não haver nulidade da disposição testamentária se os cônjuges estavam separados de facto há mais de seis anos. Cremos que a norma tem que ser interpretada à luz da atual redação do art. 1781.º. Isto é, a referência à separação de facto por seis anos articulava-se com o fundamento de divórcio previsto na al. a) do art. 1781.º na redação original da Reforma de 1977. Se os cônjuges estavam em condições de pedir o divórcio e a separação de pessoas e bens (por remissão do art. 1794.º), a situação da separação de facto podia ser equiparada a estas duas para admitir a validade da disposição testamentária. As alterações sofridas no regime jurídico do divórcio, sendo a mais recente introduzida pela Lei n.º 61/2008, de 31 de outubro, deram nova redação ao art. 1781.º e, no que aqui nos importa, basta, como fundamento de divórcio sem consentimento, a separação de facto por um ano consecutivo (al. a)). Assim, parece-nos que a disposição testamentária a favor da pessoa com quem o testador casado cometeu adultério deve ser válida se os cônjuges estavam separados de facto há mais de um ano.

[4] Além disso, o direito real de habitação previsto no n.º 1 do art. 5.º não é conferido ao membro sobrevivo se este tiver casa própria na área do respetivo concelho da casa de morada da família; no caso das áreas dos concelhos de Lisboa ou do Porto incluem-se os concelhos limítrofes (art. 5.º, n.º 6).

[5] E que prevalece sobre o direito de propriedade de um terceiro que tenha adquirido e registado o bem (a casa) dos herdeiros após a morte do convivente.

[6] A união de facto produz, para este fim em concreto (de evitar a caducidade do direito ao arrendamento), efeitos se se mantiver por um ano (não se exigindo os dois anos previstos no art. 1.º, n.º 2, da Lei n.º 7/2001, de 11 de maio, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 23/2010, de 30 de agosto, e pela Lei n.º 2/2016, de 29 de fevereiro). Além de o arrendatário de cuius viver em união de facto há mais de um ano, é necessário que essa vivência por um ano seja no locado.

[7] É verdade que o art. 1106.º apenas refere a transmissão do arrendamento por morte, mas entende-se incluir também a concentração do arrendamento no convivente sobrevivo. Além do mais, a situação é referida no art. 1107.º.

[8] Christoph Castelein, “Introduction and objectives”, in AAVV, Imperative Inheritance Law in a Late-Modern Society – five perspectives, Antwerp – Oxford – Portland, Intersentia, 2009, pp. 19 e 20.

 

 

 

As Diretrizes para uma Justiça amiga das Crianças adotadas pelo Comité de Ministros do Conselho da Europa sobre a Justiça adaptada às Crianças - Audição de crianças

As Diretrizes para uma Justiça Amiga das Crianças adotadas pelo Comité de Ministros do Conselho da Europa sobre a Justiça adaptada às crianças

Audição de crianças

 

A)Os instrumentos internacionais:

 

A consagração do direito de audição das crianças encontra-se previsto, seja em instrumentos internacionais, seja nos ordenamentos jurídicos nacionais.

Quanto aos instrumentos internacionais, várias são as previsões legais que contemplam este direito de audição.

Com efeito, encontramos este direito de audição no artigo 12.º da Convenção sobre os Direitos da Criança, que prevê que:

1 - Os Estados Partes garantem à criança com capacidade de discernimento o direito de exprimir livremente a sua opinião sobre as questões que lhe respeitem, sendo devidamente tomadas em consideração as opiniões da criança, de acordo com a sua idade e maturidade.

2 - Para este fim, é assegurada à criança a oportunidade de ser ouvida nos processos judiciais e administrativos que lhe respeitem, seja diretamente, seja através de representante ou de organismo adequado, segundo as modalidades previstas pelas regras de processo da legislação nacional.”

Também no que respeita à consagração dos direitos processuais das crianças, releva a Convenção Europeia sobre o Exercício dos Direitos da Criança, adotada em Estrasburgo, em 25 de janeiro de 1996, mais concretamente, importa-nos quanto consta do seu artigo 3.º, ou seja:

«À criança que à luz do direito interno se considere ter discernimento suficiente deverão ser concedidos, nos processos perante uma autoridade judicial que lhe digam respeito, os seguintes direitos, cujo exercício ela pode solicitar:

  1. a) Obter todas as informações relevantes;
  2. b) Ser consultada e exprimir a sua opinião;
  3. c) Ser informada sobre as possíveis consequências de se agir em conformidade com a sua opinião, bem como sobre as possíveis consequências de qualquer decisão

Sendo ainda de atender à redação do artigo 6.º desta Convenção, mais concretamente, aos três pontos constantes da alínea b) e à alínea c), os quais preveem que nos processos que digam respeito a uma criança, antes de ser tomada uma decisão, a autoridade judicial deverá, caso à luz do respetivo direito interno se entenda que a criança tem discernimento suficiente:

«- Assegurar que a criança recebeu toda a informação relevante;

- Consultar pessoalmente a criança nos casos apropriados, se necessário em privado, diretamente ou através de outras pessoas ou entidades, numa forma adequada à capacidade de discernimento da criança, a menos que tal seja manifestamente contrário ao interesse superior da criança; - Permitir que a criança exprima a sua opinião;

  1. c) Ter devidamente em conta as opiniões expressas pela criança»

Já no Regulamento (CE) n.º 2201/2003, do Conselho, de 27 de novembro de 2003, encontramos vários artigos, nos quais se prevê a audição da criança como, por exemplo, o artigo 11.º n.º 2 do Regulamento que estabelece que, quando tenha que ser tomada uma decisão que implique, ordenar ou não, o regresso imediato da criança, nos termos dos artigos 12.º e 13.º da Convenção da Haia de 1980:

«…deve-se providenciar no sentido de que a criança tenha a oportunidade de ser ouvida durante o processo, exceto se tal for considerado inadequado em função da sua idade ou grau de maturidade

Também o artigo 23.º alínea b) do Regulamento estabelece que uma decisão em matéria de responsabilidade parental não será reconhecida:

«b)Se, exceto em caso de urgência, tiver sido proferida sem que a criança tenha tido a oportunidade de ser ouvida, em violação de normas processuais fundamentais do Estado-Membro requerido.»

O artigo 41.º n.º 2 alínea c) do Regulamento, prevê que, no que respeita ao direito de visita, obtido por meio de decisão proferida num Estado-membro, a certidão relativa a esse direito de visita, apenas será emitida se:

«A criança que tiver tido a oportunidade de ser ouvida, exceto se for considerada inadequada uma audição, em função da sua idade ou grau de maturidade

Nos mesmos moldes, o artigo 42.º n.º 2 alínea a) do Regulamento refere que, nos casos de regresso da criança, na sequência de uma decisão que o exija, a certidão da decisão apenas será emitida se:

«A criança que tiver tido oportunidade de ser ouvida, exceto se for considerada inadequada uma audição tendo em conta a sua idade ou grau de maturidade

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B) As Diretrizes para uma Justiça Amiga das Crianças adotadas pelo Comité de Ministros do Conselho da Europa sobre a Justiça adaptada às crianças, em 17 de novembro de 2010.

De entre as Diretrizes para uma Justiça Amiga das Crianças, adotadas pelo Comité de Ministros do Conselho da Europa sobre uma Justiça adaptada às crianças, em 17 de novembro de 2010 destacamos, de entre as várias Diretrizes, as Diretrizes 44 a 48, nas quais se reforça o direito da criança a ser ouvida e a exprimir a sua opinião referindo-se, nas Diretrizes 54, 56 e 61, a linguagem que deve ser adotada, com vista a garantir a participação eficaz da criança nos processos em que intervenha.

Conforme resulta da Diretriz 46, a criança tem o direito a ser ouvida, não constituindo este direito, um dever da criança, resultando da Diretriz 45 que as suas opiniões e pontos de vista devem ser considerados, tendo em atenção a sua idade e maturidade, sendo que, conforme decorre da Diretriz 47, uma criança não deve ser impedida de ser ouvida apenas em razão da sua idade.

Para que este direito de audição possa ser exercido em pleno importa que a criança, que esteja envolvida num processo, receba toda a informação necessária sobre a forma de exercer eficazmente o seu direito assumindo, ainda, particular importância, a explicação que lhe deve ser prestada de que o seu direito a ser ouvida não condicionará, necessariamente, a decisão final que irá ser tomada (Diretriz 48).

De acordo com a Diretriz 44, os meios utilizados na audição das crianças devem ser adaptados ao seu nível de compreensão e capacidade de comunicação, devendo as crianças ser consultadas quanto à forma como pretendem ser ouvidas, o que equivale a dizer que a sua idade, as suas eventuais necessidades especiais, a sua maturidade são elementos que deverão ser tidos em conta na audição (Diretriz 54), devendo ainda valorizar-se o ritmo e a capacidade de atenção da criança, pelo que deverão estar previstas pausas e ter-se o cuidado de as audiências não serem demasiado longas (Diretriz 61).

Um elemento que, pela importância que tem, se destaca, é o da linguagem a utilizar. A Diretriz 56 refere que:

«Deve utilizar-se uma linguagem adequada à idade e ao nível de compreensão da criança.»

Ou seja, a utilização de uma linguagem legal e técnica, que é de difícil compreensão, corresponde a um obstáculo no acesso das crianças à justiça, o mesmo acontecendo com a “linguagem de adulto”, sendo recomendável que se evite a utilização de ambas, pois as mesmas limitam a compreensão que a criança pode ter daquilo que se pretende.

Recomenda-se, pois, a utilização de uma linguagem clara e simples, que seja acessível à criança pois, de outro modo, a opinião expressa por esta poderá não corresponder à sua real opinião, mas sim ser o resultado de erros e imprecisões, os quais resultam da barreira da linguagem utilizada podendo-se, aqui, por exemplo, confundir testemunhos falsos com os erros e imprecisões que resultam da utilização de uma linguagem não adaptada às crianças.

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C) A relevância da audição da criança na tomada de decisões pelos tribunais:

Estando assegurado, no plano internacional e nacional, o direito de audição da criança, importa identificar o impacto que a audição das crianças tem no processo de tomada de decisão nos tribunais portugueses.

Para o efeito, socorremo-nos de um estudo levado a cabo por Maria de Fátima Melo e Ana Isabel Sani, o qual foi publicado na Revista de Psicologia, da Universidad de Chile, em 2015.

Neste estudo, verifica-se que são várias as razões porque é dada relevância à audição da criança.

A obrigatoriedade legal surge como o primeiro fundamento para a audição da criança, por referência aos instrumentos internacionais e às normas nacionais que assim o consagram.

Outro dos fundamentos para a audição da criança, é a possibilidade de se ter um melhor conhecimento desta, o que facilita a tomada de decisão, sendo outro dos fundamentos apontados o apoio à decisão que a audição da criança representa, ou seja, a sua colaboração para se chegar a uma solução que vá ao encontro das suas necessidades e, também, dos seus desejos, pelo que a sua audição é identificada como uma forma de contribuir para o processo de tomada de decisão sobre a sua vida.

Outra das razões apontadas para a audição, é o facto de a mesma contribuir para a recolha de informação junto da própria criança ou, até mesmo, de explicações diretas sobre os factos que lhe são imputados.

Relativamente aos critérios utilizados para a tomada de decisão, este estudo salienta que a grande maioria dos magistrados refere a audição da criança como um dos pontos que toma em consideração para efeitos de tomada de decisão.

As conclusões deste estudo são eloquentes na medida em que, se por um lado é verdade que os magistrados dão valor à audição da criança, para lá da obrigatoriedade legal de o fazerem, reconhecendo que tal audição é relevante, pelas razões supra expostas, a verdade é que, neste estudo, se destaca que, tomando em conta «as especificidades inerentes à condição infantojuvenil, torna-se necessária a garantia da abordagem mais especializada e direcionada às necessidades das crianças no contexto judicial. Os estudos demonstram que as crianças têm um escasso conhecimento relativamente aos conceitos legais …. e processos judiciais, o que pode levar a crenças disfuncionais e a sentimentos negativos relativamente ao cenário jurídico … as crianças revelam sentimentos negativos sobre a sua ida a tribunal, tais como ansiedade, medo, nervosismo e apreensão. …

Portugal deveria apostar em medidas fundamentais para a promoção e protecção dos direitos das crianças, como gabinetes de apoio e atendimento às vítimas nos tribunais … a criação de espaços destinados às crianças, programas de intervenção para a preparação da criança para ida a tribunal …»

 

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O enriquecimento sem causa

O enriquecimento sem causa

 

Dispõe o artigo 473º do Código Civil que:

«1. Aquele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou.

  1. A obrigação de restituir, por enriquecimento sem causa, tem de modo especial por objeto o que for indevidamente recebido, ou o que for recebido por virtude de uma causa que deixou de existir ou em vista de um efeito que não se verificou

Em face deste artigo, a obrigação de restituir fundada no enriquecimento injusto impõe a verificação cumulativa de três requisitos:

- o enriquecimento de alguém;

- o enriquecimento sem causa justificativa;

- o enriquecimento ter sido à custa de quem requer a restituição.

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O enriquecimento sem causa, fonte autónoma de obrigações, consagra uma obrigação de restituir o que se adquiriu sem causa, correspondendo tal a uma necessidade moral e social para o restabelecimento do equilíbrio injustamente quebrado entre os patrimónios e que, de outra forma, não era possível obter-se.

A ação de enriquecimento sem causa tem pois, como fim remover o enriquecimento do património do enriquecido, transferindo-o novamente para o património do empobrecido.

No que respeita à falta de justificação para o enriquecimento esta pode nunca ter existido ou, tendo existido, entretanto, ter deixado de existir.

Exemplo de uma situação em que, inicialmente existiu uma justificação para o enriquecimento mas que, entretanto, deixou de existir, é a resultante de contribuições feitas por um membro de uma união de facto que beneficiam, por exemplo, património do outro, o qual na vigência da união de facto era utilizado por ambos os membros como, por exemplo, a casa de morada de família.

Uma vez dissolvida a união de facto, o membro proprietário do bem, no qual foi, por exemplo, investido dinheiro do outro membro, obtém um claro benefício patrimonial, enquanto o outro fica prejudicado, na mesma proporção.

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A contribuição do membro da união de facto prejudicado não pode ser enquadrada em qualquer dos deveres, resultantes da vivência em união de facto não sendo, por isso, possível atribuir ao enriquecimento tal causa, apesar de, evidentemente, a relação familiar estabelecida a partir da união de facto não ser alheia à contribuição efetuada.

Assim a união de facto constituiu a causa jurídica da contribuição monetária realizada pelo empobrecido. Contudo, com a dissolução da união de facto, extinguiu-se a causa jurídica justificativa da referida contribuição deixando a mesma de ter justificação e ocorrendo, assim, uma clara situação de enriquecimento sem causa, por parte do membro da união que ficou beneficiado ficando este, por isso, sujeito à obrigação de restituir ao outro, aquilo que, agora já sem justificou, recebeu.

Finalmente, refira-se que o enriquecimento sem causa tem natureza subsidiária o que significa que só pode ser invocado quando a lei não facultar ao empobrecido qualquer outro meio de compensação ou restituição.

 

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Apresentação do livro "Uma família parental, duas casas", no dia 24 de outubro, às 18H, no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa

Apresentação do livro: “Uma família parental, duas casas”, no dia 24 de outubro, às 18H, no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa

 

"Este livro debruça-se sobre as famílias formadas pelo divórcio e pela separação e as suas crianças. Centra-se, sobretudo, nas famílias de residência alternada, definidas como aquelas em que a criança reside alternadamente com a mãe e com o pai (33 a 50% do tempo) e em que esta beneficia, no quadro da partilha de responsabilidades parentais legais, da constância do envolvimento parental pleno de ambos os progenitores no seu dia-a-dia.
Tem o mérito de colocar a reflexão sobre as famílias de residência alternada no centro da articulação da interdisciplinaridade do conhecimento científico com a das práticas profissionais, produzida quer em Portugal quer noutros países. Por conseguinte, reúne autores e autoras de formações e geografias distintas e de vários campos do saber – a sociologia, a psicologia, o serviço social e o direito – num diálogo reflexivo, comparativo e crítico em torno do crescimento e das dinâmicas de funcionamento destas famílias, o bem-estar das suas crianças, a legislação que as enquadra e as boas práticas profissionais envolvidas na sua aplicação. Trata-se, pois, de um livro dirigido a um público heterogéneo: mães, pais, avós e avôs; estudantes; professoras e professores; investigadoras e investigadores; assistentes sociais e outros peritos, técnicos e técnicas de organismos públicos e privados que trabalham no apoio à criança e às famílias; membros das várias profissões jurídicas que operam na área do direito da família e de menores; e membros de associações e de outras organizações não-governamentais com linhas de ação dirigidas para as crianças e as suas famílias."

A modificação do regime de bens do casamento e a determinação do tribunal competente para apreciar da ação de simples separação de bens

A modificação do regime de bens do casamento e a determinação do tribunal competente para apreciar da ação de simples separação judicial de bens

O artigo 1714.º n.º 1 do Código Civil consagra a regra da imutabilidade das convenções antenupciais e dos regimes de bens legalmente fixados.

Dispõe esta norma nos seguintes termos:

«1. Fora dos casos previstos na lei, não é permitido alterar, depois da celebração do casamento, nem as convenções antenupciais nem os regimes de bens legalmente fixados

Ora, uma das exceções a esta regra encontra-se prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 1715.º do Código Civil, ao admitir que seja operada uma alteração ao regime de bens através da simples separação judicial de bens.

Com efeito, de acordo com quanto previsto no artigo 1767.º do Código Civil:

«Qualquer dos cônjuges pode requerer a simples separação judicial de bens quando estiver em perigo de perder o que é seu pela má administração do outro cônjuge

Esta separação tem que ser judicialmente decretada, através de ação movida, pelo cônjuge lesado contra o outro, conforme decorre do preceituado nos artigos 1768.º 1769.º, ambos do Código Civil.

Sendo intentada esta ação, após o trânsito em julgado da sentença que decretar a separação judicial de bens, é modificado o regime de bens, o qual passa a ser o da separação de bens, quando antes vigorava ou o regime da comunhão geral de bens ou o regime da comunhão de adquiridos.

Com a modificação do regime de bens, para o da separação de bens, importará proceder à partilha do acervo comum do casal, tal como ocorreria se o casamento tivesse sido dissolvido (artigo 1770. N.º 1 do Código Civil).

Desde já, importa destrinçar a separação judicial de bens da separação judicial de pessoas e bens, na medida em que aquela, uma vez decretada, modifica apenas a relação matrimonial quanto aos bens, mantendo inalterada a relação matrimonial quanto às pessoas, pelo que os cônjuges continuam a ter os mesmos direitos e deveres decorrentes do casamento.

Já na separação judicial de pessoas e bens, a separação produz efeitos, quer em relação aos bens, quer em relação às pessoas dos cônjuges.

Por esta razão, a ação de simples separação judicial de bens não se confunde com a ação de separação de pessoas e bens, com diferenças assinaláveis a nível processual, nomeadamente, o facto de aquela ter sempre carácter judicial e litigioso, seguindo o processo comum, contrariamente a esta que pode tramitar no quadro do mútuo consentimento, seja em tribunal, seguindo o processo especial de jurisdição voluntária previsto e regulado nos artigos 994.º e seguintes do Código de Processo Civil, seja junto da conservatória do registo civil, seguindo o processo previsto no artigo 931.º do Código de Processo Civil.

Assim sendo, é materialmente competente para conhecer da ação de simples separação judicial de bens a seção cível da instância local e não a secção de competência especializada de família, na medida em que a ação de simples separação judicial de bens não se enquadra em nenhuma das previsões constantes do artigo 122.º da Lei Organização do Sistema Judiciário.

Já quanto à ação de separação de pessoas e bens é materialmente competente para conhecer da mesma a secção de competência especializada de família, em decorrência de quanto previsto neste artigo 122.º n.º 1, alínea c).

 

 

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A responsabilidade do cônjuge pela administração dos bens comuns ou próprios do outro cônjuge

A responsabilidade do cônjuge pela administração dos bens comuns ou próprios do outro cônjuge

 

No âmbito da responsabilidade do cônjuge pela administração dos bens comuns ou próprios do outro cônjuge, importa distinguir duas situações específicas: a prevista no n.º 1 e a constante do n.º 2 do artigo 1681.º do Código Civil.

Dispõe o artigo 1681.º n.º 1 do Código Civil:

«1. O cônjuge que administrar bens comuns ou próprios do outro cônjuge … não é obrigado a prestar contas da sua administração, mas responde pelos atos intencionalmente praticados em prejuízo do casal ou do outro cônjuge

Conforme resulta desta previsão legal, o cônjuge administrador não tem o dever de prestar contas da administração que faz. Tal visa evitar que a apreciação que, a todo o tempo, poderia ser feita, dos termos da administração e, também, da diligência utilizada nessa administração na constância do matrimónio, ponha em causa o entendimento entre os cônjuges, razão porque a lei civil optou por, expressamente, dispensar o cônjuge administrador deste dever.

Do mesmo modo, a responsabilidade do cônjuge administrador está excluída quanto a prejuízos devidos a negligência, limitando-se esta responsabilidade aos danos causados com dolo direto ou indireto, equivalendo tal a dizer que, nos termos do artigo 1681.º n.º 1 do Código Civil, os atos intencionalmente praticados (com dolo) causadores de danos são considerados factos ilícitos.

Nestas situações, em que o cônjuge administrador está autorizado, pelo outro cônjuge, a administrar os bens comuns ou próprios do outro, a responsabilidade daquele corresponde a uma responsabilidade civil por factos ilícitos que segue o regime previsto no artigo 483.º e seguintes do Código Civil, pelo que o direito de indemnização que o cônjuge lesado pode fazer valer fica sujeito ao prazo de prescrição previsto no mencionado artigo 483.º do Código Civil, ou seja, o prazo de prescrição é de três anos e, nos termos do disposto no artigo 498.º do mesmo Código, este prazo conta-se da data em que o cônjuge lesado teve conhecimento do direito que lhe assiste, ainda que com desconhecimento da extensão dos danos causados.

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Já quanto à previsão do artigo 1681.º n.º 2 do Código Civil, a mesma respeita aos casos em que o cônjuge administrador o é no âmbito de um contrato de mandato celebrado entre os cônjuges, tendo os deveres do cônjuge administrador origem neste contrato (de mandato), pelo que os seus deveres são deveres de prestação e a sua responsabilidade tem natureza contratual.

Assim sendo, os direitos do cônjuge lesado em decorrência da violação, por parte do cônjuge administrador, dos deveres resultantes do contrato de mandato, poderão ser acionados no quadro de uma ação de responsabilidade civil contratual.

Por fim, importa salientar que, nos termos do disposto no artigo 1789.º n.º 1 do Código Civil, se é certo que os efeitos do divórcio se produzem a partir do trânsito em julgado da sentença que o decretar, a verdade é que, nas relações patrimoniais entre os cônjuges, os seus efeitos retroagem à data da propositura da ação de divórcio, o que bem se compreende, pois, desta forma, o legislador civil quis evitar que um dos cônjuges se visse prejudicado por atos, praticados pelo cônjuge administrador, após a propositura da ação e antes do decretamento do divórcio, atos esses com repercussão no património sob sua administração.

 

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Alimentos ou contribuição para os encargos da vida familiar?

Alimentos ou contribuição para os encargos da vida familiar?

De acordo com o artigo 1675.º do Código Civil, um dos deveres decorrentes do casamento é o dever de assistência, o qual se encontra definido no n.º 1 deste artigo, nos seguintes termos:

«1. O dever de assistência compreende a obrigação de prestar alimentos e a de contribuir para os encargos da vida familiar

Mais, prevê o n.º 2 deste artigo que o dever de assistência se mantém durante a separação de facto.

Resulta, pois, de quanto previsto no artigo 1675.º n.º 1 do Código Civil que do dever de assistência decorrem duas obrigações distintas: o dever de prestar alimentos e o dever de contribuir para os encargos da vida familiar.

A estes dois tipos de obrigações correspondem meios processuais distintos para a sua efetivação pelo cônjuge que acione o seu direito (a alimentos ou à contribuição do outro para os encargos da vida familiar): a ação por alimentos - que pode ser precedida ou correr em simultâneo com uma providência cautelar de alimentos provisórios- e o pedido de contribuição do cônjuge para as despesas domésticas.

Quando optar por um e por outro meio processual?

Estando consumada uma situação de separação de facto, com a saída de um dos cônjuges de casa e, não obstante o dever de assistência se manter, a verdade é que o dever de contribuir para os encargos da vida familiar deixa de fazer sentido na medida em que a vida familiar desapareceu, deixando de haver a comunhão de vida que baseava a existência de despesas ocorridas nessa mesma comunhão.

Nestes casos, subsiste o dever de prestar alimentos nos termos do artigo 1675.º nº 1 do Código Civil devendo, para tanto, o cônjuge carenciado propor uma ação contra o outro cônjuge a pedir alimentos, podendo ainda, pedir alimentos provisórios, no quadro de um procedimento cautelar, previsto no artigo 384.º do Código de Processo Civil, requerendo ao tribunal que seja fixada uma quantia mensal a que terá direito e a ser entregue pelo outro cônjuge. Os alimentos provisórios mantêm-se enquanto não houver o pagamento da primeira prestação definitiva fixada na ação definitiva de alimentos.

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O recurso ao procedimento cautelar de alimentos provisórios visa colmatar os inconvenientes que decorrem da delonga da ação de alimentos, na medida em que tratando-se de um procedimento cautelar, a sua tramitação é célere, permitindo ao cônjuge carenciado de alimentos fazer face às necessidades do seu dia-a-dia, ainda que o valor que seja fixado no quadro do procedimento cautelar de alimentos provisórios tenda a ser mais baixo do que aquele que vier a ser fixado na ação definitiva de alimentos tomando, nomeadamente em conta que, nos procedimentos cautelares, o tribunal decide com base no que se mostre indiciariamente provado, pelo que a decisão é tomada com menos elementos e com uma prova mais superficial do que aquela que será produzida na ação definitiva.

Nos restantes casos em que não tenha ocorrido separação de facto, mas em que haja incumprimento de um dos cônjuges do dever de assistência, o meio processual próprio a utilizar, em caso de necessidade, é o previsto no artigo 992.º do Código de Processo Civil, ou seja, o recurso ao processo de jurisdição voluntária traduzido na contribuição do cônjuge para as despesas domésticas.

Neste processo, o cônjuge visado pelo incumprimento do outro pode exigir a entrega direta da parte dos rendimentos deste que corresponda a quanto se mostra necessário para fazer face às despesas domésticas, situação que se deverá manter enquanto subsistir o incumprimento e enquanto se mantiver a vida em comum.

 

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O conceito de residência habitual no Regulamento (CE) n.º 2201/2003 de 27 de novembro de 2003

O conceito de residência habitual no Regulamento (CE) n.º 2201/2003 do Conselho de 27 de novembro de 2003

 

O Regulamento (CE) n.º 2201/2003 do Conselho de 27 de Novembro de 2003 relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental (adiante designado Regulamento), que é diretamente aplicável na ordem jurídica portuguesa, contém regras de competência internacional, nomeadamente, quanto às responsabilidades parentais.

No seu considerando 12, refere-se que: «As regras de competência em matéria de responsabilidade parentalsão definidas em função do superior interesse da criança e, em particular, do critério da proximidade. Por conseguinte, a competência deverá ser, em primeiro lugar, atribuída aos tribunais do Estado-Membro de residência habitual da criança …»

Assim, a regra geral contida no artigo 8.º n.º 1 do Regulamento é a de que os tribunais de um Estado-Membro são competentes em matéria de responsabilidade parental de uma criança que resida habitualmente nesse Estado na data em que seja instaurado o processo em tribunal.

O conceito de residência habitual, conforme decorre do considerando 12 do Regulamento, afere-se pelo critério da proximidade, tomando em conta o superior interesse da criança devendo ser completado com a interpretação dada pela jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia, tendo-se este Tribunal pronunciado sobre o conceito de residência habitual no acórdão proferido em 22 de dezembro de 2010 no qual se pode ler que: «A fim de que este superior interesse da criança seja respeitado da melhor forma, o Tribunal de Justiça já declarou que o conceito de “residência habitual” na aceção do artigo 8.º n.º 1 do regulamento corresponde ao lugar que traduz uma certa integração da criança num ambiente social e familiar” pelo que: «para determinar a residência habitual de uma criança, além da presença física desta num Estado-Membro, outros fatores suplementares devem indicar que essa presença não tem carácter temporário ou ocasional.»

E, no que respeita a estes fatores suplementares, atente-se no acórdão proferido em 2 de abril de 2009, também pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, onde se refere que aqueles se reportam, nomeadamente, à nacionalidade da criança, à sua idade, à duração, à regularidade, às condições e razões da permanência da criança no território de um Estado-Membro, às razões da sua mudança, aos laços familiares e sociais que a criança tiver nesse Estado-Membro.

Assim, nos processos de regulação das responsabilidades parentais, é através deste conceito de residência habitual, que se determina a competência internacional de um tribunal de um Estado-membro importando, por isso, a prova da existência desta residência habitual à data da instauração do respetivo processo, a qual é feita em função e em face da confluência destes fatores de proximidade e de conexão no circunstancialismo concreto do caso.

 

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A compropriedade no regime da separação de bens

A compropriedade no regime da separação de bens

No regime da separação de bens, os bens que os cônjuges adquirem em conjunto integram-se no regime da compropriedade.

Conforme resulta do artigo 1403.º n.º 1 do Código Civil:

«1. Existe propriedade em comum, ou compropriedade, quando duas ou mais pessoas são simultaneamente titulares do direito de propriedade sobre a mesma coisa

E, conforme resulta do n.º 2 do mesmo artigo:

«Os direitos dos consortes ou comproprietários sobre a coisa comum são qualitativamente iguais, embora possam ser quantitativamente diferentes; as quotas presumem-se, todavia, quantitativamente iguais na falta de indicação em contrário do título constitutivo.» (sublinhado nosso)

Assim sendo, por exemplo, se marido e mulher, casados no regime da separação de bens, comprarem uma casa e, apesar de apenas um deles pagar o preço, nada referenciarem a esse propósito na escritura pública de compra e venda, daí resulta que, por aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 1403.º, a lei considera que as quotas de ambos são quantitativamente iguais. Ou seja, cada um deles é comproprietário do imóvel na mesma proporção, apesar de só um ter feito um esforço financeiro para aquisição do imóvel.

Esta situação é tanto mais grave quanto este regime de igualdade das quotas prevista no artigo 1403.º n.º 2 do Código Civil não admite produção de prova em contrário.

Tal equivale a dizer que, se do título constitutivo da compropriedade (no exemplo dado, a escritura pública), não constar nenhuma indicação que permita aferir o valor de cada uma das quotas dos consortes, a lei (n.º 2 do artigo 1403.º) considera que ambas as quotas são quantitativamente iguais.

Assim sendo, é de suma importância que quando, por exemplo, um casal, cujo regime de bens seja o da separação de bens, adquira, em conjunto uma casa, verta na escritura pública de compra e venda a realidade do esforço financeiro de cada um, por forma a que, conste do título constitutivo da compropriedade, o real esforço de cada consorte na aquisição pois, não constando tal, a verdade é que, em caso de divórcio, pode-se fazer valer o regime do n.º 2 do artigo 1403.º do Código Civil, ou seja, um dos consortes, ainda que não tenha contribuído para o pagamento do preço pode, por exemplo, numa ação de divisão de coisa comum, fazer valer a igualdade de quotas que resulta da escritura pública, pelo facto de, na mesma, não ter ficado consignada a diferença quantitativa das quotas.

Mais, não sendo a ação de divisão de coisa comum a ação própria para discutir tal, uma vez que não se poderá fazer prova de que, não obstante constar da escritura pública que ambos os consortes têm quotas iguais, a verdade é que um deles contribuiu mais ou na totalidade para a aquisição do imóvel, tal implicará que, só numa outra ação, é que o consorte que ficou prejudicado com a invocação da igualdade de quotas, poderá fazer valer o seu direito de crédito contra o outro consorte, direito de crédito esse resultante do facto de ter pago, na íntegra ou maioritariamente, o preço de aquisição.

 

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A indignidade sucessória e a deserdação

A indignidade sucessória e a deserdação

 

A indignidade sucessória e a deserdação, embora tenham consequências idênticas, são institutos jurídicos que não se confundem e que têm aplicação em situações distintas.

A indignidade sucessória traduz-se na falta de capacidade para suceder numa herança, ou seja, aquele que, de acordo com a lei - ou o testamento - seria herdeiro (ou legatário), não o poderá ser por indignidade.

Para que alguém perca a capacidade sucessória, por indignidade, terá sempre que existir uma sentença que decrete a referida indignidade sucessória, a qual deverá ser proferida em ação a intentar pelos restantes herdeiros ou, se não os houver, pelo Ministério Público. A indignidade sucessória poderá, também, ser decretada na sentença penal que condene pela prática do crime que determina a indignidade.

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No artigo 2034º do Código Civil, estão elencadas as situações em que a se verifica a perda de capacidade sucessória, por indignidade.

Assim, nos termos da lei portuguesa, carece de capacidade sucessória por indignidade:

quem for condenado, seja como autor, seja como cúmplice, do crime de homicídio doloso (mesmo que não consumado) do autor da sucessão, do cônjuge deste, de seu descendente, ascendente, adotante ou adotado;

quem for condenado, por denúncia caluniosa ou por falso testemunho, também contra o autor da sucessão, o seu cônjuge, seu descendente, ascendente, adotante ou adotado, relativamente a crime a que corresponda uma pena de prisão superior a dois anos, qualquer que seja a natureza do crime;

quem através de dolo ou coação, tenha induzido o autor da sucessão a fazer, revogar ou modificar testamento ou que tenha impedido o autor da sucessão de fazer, revogar ou modificar testamento;

quem de forma dolosa tenha subtraído, ocultado, inutilizado, falsificado ou suprimido testamento, seja antes seja depois da morte do autor da sucessão ou se tenha aproveitado de algum destes factos.

A indignidade sucessória poderá afetar qualquer tipo de sucessível, seja qual for o tipo de sucessão em causa – legitima ou legitimária.

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Já a deserdação, apenas poderá afetar os sucessíveis legitimários (cônjuges, descendente e ascendentes) sendo que tem como consequência a equiparação do sucessível deserdado ao indigno, significando tal que o sucessor deserdado – tal como o sucessor considerado indigno – é equiparado ao possuidor de má-fé no que respeita a bens que integrem a herança.

Para que um sucessível legitimário possa ser deserdado, tal terá que constar expressamente de testamento no qual, com expressa identificação da causa, o autor do testamento, declare pretender que o herdeiro não tenha direito à legítima.

Poderão justificar a deserdação as seguintes situação, previstas no artigo 2166º do Código Civil:

- a condenação do herdeiro, por um crime doloso, a que corresponde pena de prisão superior a seis meses, cometido contra a pessoa, bens ou honra, seja do autor da sucessão, seja do cônjuge deste, algum descente, ascendente, adotante ou adotado;

- a condenação do herdeiro, por um crime de denúncia caluniosa, cometido seja contra o autor da sucessão, seja contra o cônjuge deste, algum descente, ascendente, adotante ou adotado;

- recusa de alimentos, ao autor da sucessão ou ao cônjuge deste, por parte do herdeiro e sem causa que o justifique.

O sucessível legitimário que tenha sido deserdado poderá, no prazo de dois anos após a abertura do testamento, propor uma ação com vista a demostrar a inexistência da causa invocada para a sua deserdação e assim, manter o seu direito à legítima.

 

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