Dívidas da responsabilidade de apenas um dos cônjuges e património comum

Dívidas da responsabilidade de apenas um dos cônjuges e património comum

É frequente existirem situações em que, tendo havido incumprimento de alguma obrigação, a cargo de um dos cônjuges, o casal – que tenha bens comuns – se veja confrontado com a possibilidade de esses bens serem executados pelo credor e que, perante tal possibilidade, optem por, numa tentativa de salvaguardar o património, praticar atos com vista a evitar que o credor possa executar esses bens para se ressarcir do seu crédito.

Uma situação muito comum é a de ser feita, a um terceiro, uma doação.

Nestas situações, o casal acredita que, com a doação, resolveu o seu problema não podendo mais o credor vir propor uma ação que execute esse bem doado, por o mesmo já se encontrar na esfera jurídica de um terceiro que nada tem que ver com a situação de incumprimento existente.

Sucede que, nesta situação, o credor pode lançar mão de uma ação de impugnação pauliana que, a ser julgada procedente, permite ao credor executar, na esfera jurídica do terceiro, o bem doado como se este nunca tivesse saído do património do devedor, podendo executá-lo na medida necessária à satisfação do seu crédito.

Esta opção de tentar salvaguardar o património comum através da transmissão da titularidade dos bens para o património de um terceiro acaba por não ser a melhor solução, na medida em que, nesta situação, deixa de ser possível a invocação da norma do artigo 1696.º, nº 1, do Código Civil, a qual estabelece que pelas dívidas que sejam da exclusiva responsabilidade de um dos cônjuges respondem, em primeiro lugar, os bens próprios desse cônjuge e, subsidiariamente, responde a sua meação nos bens comuns do casal.

Com efeito, com a transmissão de bens comuns para o património de terceiros, deixa de ser poder falar em património comum do casal, pelo que fica afastada a possibilidade de se pedir a citação do cônjuge não devedor, para requerer a separação de meações (artigo 740.º do Código de Processo Civil).

Em suma: a transmissão de bens, nos termos supra referidos, terá como consequência a ampliação da garantia patrimonial do credor, na medida em que a ação de impugnação pauliana, intentada por este, permite atingir os bens comuns, na sua totalidade, na esfera jurídica dos terceiros transmissários. Diferentemente, se o bem integrasse o património comum do casal, este só subsidiariamente, responderia pela dívida do cônjuge devedor e apenas quanto à meação deste no bem em causa.

 

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Alguns dos direitos dos pais trabalhadores

Alguns dos direitos dos pais trabalhadores

 

Após o regresso ao trabalho, depois do nascimento de um filho, os pais têm direito a uma dispensa para amamentação ou aleitação nos termos que se encontram, previstos no artigo 47º do Código do Trabalho.

Assim, a mãe que esteja a amamentar o bebé, tem o direito de dispensa diária, do trabalho, durante o período de tempo que durar a amamentação.

Para efetivação da dispensa para amamentação, a mãe deverá comunicar, à entidade patronal, com uma antecedência de 10 dias, relativamente ao início da dispensa, que amamenta o bebé. Se a dispensa se prolongar para além do primeiro ano de vida do bebé, a mãe deverá apresentar atestado médico.

Durante o período de tempo em que durar a amamentação do bebé, a mãe não está obrigada a prestar trabalho suplementar, estando também dispensada de trabalho noturno, desde que tal seja necessário para a sua saúde ou para a saúde do bebé.

A mãe deverá comunicar à entidade patronal que pretende ser dispensada de prestar trabalho noturno, juntando atestado médico. Esta comunicação deve ser feita com uma antecedência de 10 dias em relação ao início da dispensa.

Se a mãe não amamentar o bebé, quer o pai, quer a mãe (ou ambos), têm direito a uma dispensa diária, para aleitação, dispensa essa que vigora até o bebé ter um ano de idade.

Quer nas situações de amamentação, quer nos casos de aleitação, esta dispensa diária é gozada em dois períodos distintos, com a duração máxima de uma hora cada, salvo se for acordado outro regime com a entidade patronal. No caso de nascimento de gémeos, esta dispensa de 1 hora, é acrescida de mais 30 minutos por cada gémeo além do primeiro.

Para concretização da dispensa para aleitação, o progenitor que pretende usufruir da mesma, deve comunicar tal, à entidade patronal, com uma antecedência de 10 dias, relativamente ao início da dispensa. Tendo havido decisão conjunta, de ambos os progenitores, no sentido de gozar a dispensa para aleitação, esta comunicação deve ser instruída com a decisão conjunta, declarando-se ainda o período de dispensa gozado pelo outro progenitor. Mais, deverá ser feita prova de que o outro progenitor trabalha e que, sendo trabalhador por conta de outrem, informou a sua entidade patronal dessa decisão conjunta.

Também nas situações de aleitação, e durante os primeiros doze meses de vida do bebé, a mãe ou o pai, não estão obrigadas a prestar trabalho suplementar

Outros dos direitos que aqui realçamos é o direito de ser dispensado de prestar trabalho em horário de trabalho organizado de acordo com regime de adaptabilidade, de banco de horas ou de horário concentrado, direito de dispensa este que se aplica, quer em situação de amamentação, quer em situação de aleitação, sendo que, em situação de aleitação, este direito só existe se a regularidade da aleitação do bebé for posta em causa com a prestação de trabalho dentro dos referidos regimes.

Outros direitos existem, sendo que, os supra referidos, são aqueles que se aplicam no período imediato, após o regresso ao trabalho.

 

 

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Conceito de «direito de visita» na aceção do Regulamento Bruxelas II bis

Conceito de «direito de visita» na aceção do Regulamento Bruxelas II bis

 

O Tribunal de Justiça da União Europeia entendeu, em acórdão proferido a 31 de maio do corrente ano, que o conceito de «direito de visita» na aceção do Regulamento Bruxelas II bis deve ser interpretado de maneira autónoma.

Pode ler-se no acórdão em causa que, este regulamento, abrange todas as decisões em matéria de responsabilidade parental e que o direito de visita é considerado uma prioridade.

Assim, é salientado, neste acórdão que, o legislador da União Europeia, optou por não restringir o número de pessoas que poderão beneficiar de um direito de visita.

Assim, segundo o Tribunal de Justiça da União Europeia, o conceito de «direito de visita» pretende salvaguardar, não apenas o direito de visita dos pais em relação aos seus filhos, mas também o de outras pessoas com as quais é, reconhecidamente, importante que as crianças mantenham relações pessoais, designadamente os avós.

Mais, foi ainda realçado, no acórdão em causa que, por forma a evitar a adoção de medidas contraditórias, por parte de diferentes órgãos jurisdicionais e, sempre, tendo em vista a salvaguarda do superior interesse da criança, deverá ser o mesmo órgão jurisdicional a pronunciar-se sobre os direitos de visita, sendo que, em princípio, a competência internacional para o efeito, pertencerá ao Tribunal do país da residência habitual do menor.

Poderá aceder ao texto integral através do seguinte link:

http://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf;jsessionid=9ea7d2dc30dd24bf656ef2614627b950b151efe6295a.e34KaxiLc3qMb40Rch0SaxyNchb0?text=&docid=202411&pageIndex=0&doclang=PT&mode=req&dir=&occ=first&part=1&cid=97249

 

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O sal da terra - o colo da lei e da gente

O sal da terra – o colo da lei e da gente

 

Paulo Guerra, Juiz Desembargador

 

Uma criança, um dia, num processo em tribunal, ensinou-me que a esperança é aquele pedacinho de gente que nos diz que vai dar certo.

Somos todos feitos de verdade mas também de utopia.

A metade maior da nossa existência como trabalhadores da infância é aquela que nos dita que não podemos desistir da nossa missão, que não podemos deixar de acreditar que podemos, mesmo com tantos constrangimentos, com tantos obstáculos logísticos, prosseguir o nosso caminho, abrigando uma criança que seja e guardando no bolso todas as pedras da calçada para, a tempo, ainda construir pousadas da sexta felicidade para as nossas crianças em perigo.

Deixem-me que vos conte um segredo.

Nem sempre fui bem sucedido no tribunal na minha missão de defender dos adultos todas as crianças que me entregaram para cuidar.

Ninguém pode desejar tratar tudo, há imponderáveis, passos imprevisíveis que escapam às nossas melhores prognoses e às nossas assessorias técnicas…

Mas nunca desisti. Sempre enfrentei as tormentas, procurei os melhores portos de abrigo, indaguei as possíveis falhas do sistema, li, estudei muito, falei com muita gente pois nesta tarefa ninguém bate mãos com uma mão só. Uma lição que aprendi do meu saudoso Pai que me deixou há cerca de um ano e meio.

Por diversas razões, sobretudo ligadas a trabalhos jornalísticos que generalizam as possíveis e naturais falhas de um sistema que não é perfeito, sinto os comissários desmotivados, desalentados nos seus combates.

Porque eles são o sal da Terra, o verdadeiro pilar do sistema de protecção em Portugal.

A norte das entidades de 1ª linha que, por qualquer razão, não puderam ou não quiseram intervir no caso do João e da Marina, a sul dos tribunais que apenas devem intervir em situações de conflito aberto.

Fala-vos alguém que já fez o caminho de Santiago neste sistema, que já rumou a tantas CPCJ, formando, debatendo práticas, trilhando com as CPCJ o trajecto da saudável utopia da necessidade de excelência no tratamento a dar á nossa infância…

Percorri muitos caminhos de Portugal. Entre muitas, Baião, Tarouca, Coimbra, Penafiel, Leiria, Amadora, Cascais, Oeiras, Marinha Grande, Lousã, Arganil, Sintras, Vila Nova da Barquinha, Loures, sei lá quantas mais… E nunca ouvi o discurso da desistência.

As CPCJ não são «autarquia», não queirais, por favor, que elas façam parte das autarquias…

Não podem as CPCJ desfazer-se de 25 anos de existência frutífera, como entes com autonomia científica e funcional (apenas modelada ou monitorizada pela interlocução do MP e pelas directrizes da Comissão Nacional) – elas não são apenas a soma das partes que as compõem mas um corpo orgânico, organizacional, telúrico, próximo (e a justiça de proximidade é delas) que tem ainda tanto para dar às nossas famílias e crianças…

Nem tudo têm sido rosas. Há espinhos. Cortantes. Incompreensões. Insultos de quem ainda não percebeu que as CPCJ vieram para ficar e para sempre…

Urge formação contínua continuada, criativa, casuística. Urge vontade de mudar mentalidades, urge, enfim, soletrar o alfabeto da esperança, mesmo que ele nos diga que aquela família não consegue dar nada mais, em termos de positiva parentalidade, ao João e à Mariana que vos chamou em surdina, lançando um SOS sobre a cidade.

Porque as CPCJ são a voz das cidades, da boa vontade do bom homem e da boa mulher que deixa as suas próprias famílias e ruma, mesmo a horas pardas, ao mundo daquele menino violentado na sua dignidade de Criança, Cidadão do Mundo…

Às CPCJ:

Sobretudo, nunca esqueçam – depois das vítimas dos lares desfeitos (onde mesmo assim pode continuar a haver família), podeis ser chamados pelas vítimas dos lares intactos. Tantas vezes os nossos. Tantas vezes os vossos…

Porque, afinal, como Laborinho Lúcio me ensinou, as crianças deviam ser todas adoptadas, até as biológicas, porque vós sois a seiva da Terra Mãe que quer adoptar estas crianças em perigo, cuidando delas, pedinchando, pedinchando, eu sei, mas lutando, lutando, sempre pelo seu MELHOR interesse, aquele que se sobrepõe a todos os outros interesses que se possam envolver no processo da criança, até aos vossos…

*

Se vos estivessem a ouvir, o João e a Mariana, crianças capa de um processo de promoção e protecção a correr os seus termos numa CPCJ deste país, diriam o quê?

«Enquanto criança, não quero ser apenas mais um lugar à tua mesa de adulto.
Não quero só a ditadura dos horários, a infernal linguagem das ordens gratuitas e contraditórias, a parafernália dos currícula escolares que me tiram mesmo do sério…

Quero o abraço. A tempo e em tempo. O colo brando mas firme. Aconchegante e seguro. Marcado, querido, e marcante…

Soletro sílabas e orações fonéticas na escola. Sei que me farão falta. Mas para quê decorá-las se não decoram a minha vida de lareiras acesas, de caleidoscópios coloridos, de puzzles fazíveis e de olhares de ternura?

Quero o afago dos meios-dias, das noites estreladas, a sofreguidão do imenso amor que alguém tem de sentir por mim, pelo que sou, pelo que faço, pelo que anseio.

Ensinaram-me que uma família é um perfil e nunca uma vaga.

Quero a estimulação comprometida e personalizada levada a cabo, entre serpentinas e justas admoestações, por um cuidador, a quem quero chamar de mãe e de pai, de pai e de pai, de mãe e de mãe, mesmo que eu não tenha conhecido, deles e delas, as plácidas águas felizes da placenta.

Não tenho de ter pais perfeitos. Quem os tem? A perfeição é uma quimera. Mas pode ser um caminho desassossegado aquele que eu sigo por entre as veredas do quotidiano normalizado de quem, não sendo perfeito, é perfeitamente adequado na sua mortal normalidade.

Não quero ser mais um dado estatístico para ser apresentado nos Encontros Anuais, em Ourém, Ovar, Funchal ou na Figueira da Foz.

Não quero ser pasto para discursos políticos. Quero ficar no meu canto, com alguém que é, de facto, louco por mim. Isso basta-me…

Exijo uma FAMÍLIA.

Essa é a minha quimera.

E isto, senhores Comissários, trabalhadores da infância que entraram na minha vida, sem apelo nem agravo, é pedir muito?».

 

Doa a quem doer, fazei o que têm a fazer…

  

 

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Dia da Criança

Dia da Criança

O Dia da Criança em Portugal comemora-se no dia 1 de Junho.

Em 1950 a Federação Democrática Internacional das Mulheres propôs às Nações Unidas criar um dia dedicado às crianças de todo o mundo, com o objetivo de chamar a atenção para os problemas que estas enfrentavam.

Mais tarde, em Outubro de 1953 sobre proposta da União Internacional para a Proteção da Infância – Union Internationale pour la Protection de lènfance-l`UIPE, 40 países associaram-se pela primeira vez a esta comemoração.

No ano seguinte, em 1954, a Assembleia Geral das Nações Unidas adotou uma resolução instituindo oficialmente um Dia da Criança e confiou à UNICEF a responsabilidade de promover este dia.

Os Estados-Membros reconheceram que todas as crianças, independentemente da raça, cor, religião, origem social, país de origem, têm direito a afeto, amor e compreensão, alimentação adequada, cuidados médicos, educação gratuita, proteção contra todas as formas de exploração e a crescer num clima de paz e fraternidade.

Esta resolução convida os governantes a participar nas jornadas deste dia, na data mais conveniente para cada país.

Este dia deve ser uma ocasião para festejar alegremente as crianças, mas para cumprir o seu objetivo, deve também servir para sensibilizar a opinião pública sobre as suas necessidades e os seus direitos em todo o mundo.

O Dia da Criança é assim assinalado de Janeiro a Dezembro em mais de 150 países.

 

Janeiro                       Egipto, Emiratos Árabes Unidos, Tailândia…

Fevereiro        Birmânia

Março             França, Irão, Líbia, Tunísia…

Abril                Jordânia, México, Turquia…

Maio               Israel, Jamaica, Maldivas…

Junho             Angola, Bulgária, Dinamarca, Moçambique, Portugal…

Julho               Cuba, Libéria

Agosto                       Nepal, Uruguai, Venezuela…

Setembro       Alemanha, Costa Rica, Vietname...

Outubro         África do Sul, Áustria, Burundi, Sudão…

Novembro      Bahamas, Madagáscar, Uganda…

Dezembro      Benin, Congo, Zaire…

 

 

Oficialmente, o dia é assinalado pela Nações Unidas a 20 de novembro, data em que a ONU reconhece como o Dia Universal da Criança. Na mesma data (20 de novembro) no ano de 1989, foi adotada pela Assembleia-Geral da ONU a Convenção sobre os Direitos da Criança que Portugal ratificou em 21 de setembro de 1990.

A CDC é o primeiro documento do direito internacional legalmente vinculativo – e mais amplamente ratificado – que incorpora todo um conjunto de direitos: civis, políticos, económicos, sociais e culturais. A Convenção assenta em quatro pilares fundamentais que estão relacionados com todos os direitos das crianças: a não discriminação, o interesse superior da criança, a sobrevivência e desenvolvimento e a opinião da criança.

É com a aprovação da Convenção sobre os Direitos da Criança que se regista uma mudança no olhar sobre a criança. A criança deixa de ser vista como mero objeto de direitos, particularmente de proteção, para ser vista de uma forma mais completa. A Convenção faz uma clara afirmação da criança como sujeito direitos, enuncia direitos não só relativos à provisão como à proteção contra todas as formas de discriminação, abuso, exploração, injustiça ou conflito, mas também o direito à participação em todos os assuntos que lhe dizem respeito e à educação, cujos objetivos são definidos no artigo 29º como “promover o desenvolvimento da personalidade da criança, dos seus dons e aptidões mentais e físicos na medida das suas potencialidades (alínea a).”

A dimensão da participação é de grande importância pois confere às crianças um estatuto ativo, evidencia-as como agentes criativos que contribuem para a produção e transformação das sociedades.

A participação é um dos princípios orientadores da Convenção sobre os Direitos da Criança, que afirma que as crianças (todas as pessoas com menos de dezoito anos) têm direito a ser ouvidas quando os adultos tomam decisões que as afetam. A Convenção reconhece o papel que as crianças podem ter na tomada de decisões que são relevantes para elas, na partilha de opiniões e na participação enquanto cidadãos e agentes de mudança.

Participar na vida da comunidade ou da escola permite às crianças refletir sobre questões que as rodeiam, contribuir para a tomada de decisões sobre assuntos que as afetam e, simultaneamente, desenvolver capacidade de análise, diálogo e comunicação. Permite ainda desenvolver competências para intervirem na escola e na comunidade de uma forma consciente e responsável.

A Convenção sobre os Direitos da Criança promove a construção de novos discursos, novas políticas e novas práticas sobre e para a infância, procurando melhorar as condições de vida e bem-estar nas diversas dimensões da vida das crianças.

Esta nova visão encara a criança como detentora de direitos, capaz de expressar opiniões sobre o que a rodeia e lhe diz respeito: “A ideia da criança como sujeito em desenvolvimento, um projeto de futuro, foi substituída por uma visão da criança como sujeito ativo, um protagonista da vida social no presente”[1].

 

Beatriz Imperatori

Diretora Executiva do Comité Português para a Unicef

[1] Baraldi, Emidia, 2005, p. 16

 

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Celebrar o dia da criança

Celebrar o dia da criança

Há muitos séculos atrás, nas civilizações antigas, as crianças eram tratadas como objetos sem valor ou como um modo fácil de fazer dinheiro. Muitas meninas foram vendidas por serem um peso para a família. Em Inglaterra os rapazes a partir dos 7 anos eram vendidos aos irlandeses, como mão de obra. Era permitido o infanticídio declarado.

As mães não amamentavam os seus filhos, mas eram usadas para amamentar as crianças da nobreza. A mortalidade infantil atingia níveis absurdos até finais do século XIX.

Na Conferência Mundial para o Bem-estar da Criança que decorreu em Genebra, a 1 de junho de 1925, foram reconhecidos os graves problemas que as crianças enfrentavam. Por essa razão foi criado um programa de proteção à criança em que se reconhecia que, todas as crianças, independentemente da raça, cor, religião, origem social e país de origem têm direito a afeto, amor e compreensão, alimentação adequada, cuidados médicos, educação gratuita, proteção contra todas as formas de exploração e a crescer num clima de Paz e Fraternidade. O dia 1 de junho passou a ser mundialmente celebrado como o Dia da Criança, a partir de 1950 por iniciativa da das Nações Unidas. Porém, e após aprovação e publicação da Declaração Universal dos Direitos da Criança, a 20 de novembro de 1959, oficialmente é essa a data que se comemora.

Comemorar a(s) data(s) é certamente importante pois em muitos países mantêm-se os graves problemas que há séculos se assinalavam. Mas comemorar a data deve ser sobretudo uma cada vez maior tomada de consciência do que há ainda a fazer e de quão longe estamos de proteger as crianças. No século XX muito se fez, mas todas as iniciativas parecem ser ainda insuficientes. A organização, Save The Children tem lutado contra o trabalho e a exploração infantil. O Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), por sua vez, tem trabalhado a melhoria da alimentação e da escolarização das crianças, sobretudo nos países mais pobres. Apesar da luta destas e outras organizações internacionais continua a haver crianças a sofrer danos irreparáveis:

Como diz Mandela, “cada um de nós, enquanto cidadão, tem um papel a desempenhar na criação de um mundo melhor para as nossas crianças”. Por isso, celebrar o dia da Criança não pode ser apenas um dia de festa, o dia em que as crianças recebem mais um presente, as escolas festejam e o comércio enriquece um pouco mais.  Há que ter consciência do que nos rodeia e do sofrimento que vivem ainda alguns milhões de crianças.

Que pode fazer cada um de nós?

Cada um de nós, no nosso “pequeno mundo” pode e deve lutar pelos direitos das crianças.  Lutar significa “educar os nossos” para princípios básicos como o direito X da Declaração Universal: Direito a crescer dentro de um espírito de solidariedade, compreensão, amizade e justiça entre os povos.

Todos os direitos são importantes e inalienáveis, porém cumprir este 10º regulamento significa também que as nossas crianças não têm só direitos a protege-los. Crescer dentro de um espírito de solidariedade é também educarmos as crianças para a aceitação do outro, para a solidariedade com os que são diferentes (refugiados, crianças diferentes por problemas físicos ou mentais, crianças de diferentes comunidades). Educar as crianças para a justiça entre os povos é também educar para a igualdade de raça, credo ou origem social o que implica que nós próprios nos libertemos do nosso racismo e xenofobia.

Educar as nossas crianças para a justiça e solidariedade entre os povos é também criar cidadãos que vivam para a paz, justiça e compreensão que é certamente o que todos queremos do mundo.

Segundo Schopenhauer, “do mesmo modo que no início da primavera todas as folhas têm a mesma cor e quase a mesma forma, nós também, na nossa tenra infância, somos todos semelhantes e, portanto, perfeitamente harmonizados”. As crianças são todas iguais em qualquer parte do mundo. Todas gostam de pizza e desenhos animados apesar das diferentes culturas ou raças. Todas as crianças são criativas e têm facilidade em comunicar uns com os outros, saibam ou não saibam a mesma língua, provenham ou não do mesmo país como prova Maria de Montessori nos estudos que desenvolveu sobre educação e pedagogia. Proteger a criança é também não pactuar e denunciar maus tratos à nossa volta em vez de nos fecharmos a tudo o que nos rodeia. Proteger a criança é também educarmos as nossas crianças para o mundo atual.

 

O que é ser criança na contemporaneidade?

 Muitas vezes nos perguntamos que mundo deixaremos às nossas crianças. Devemos também perguntar: que crianças deixaremos ao mundo?

Papa Francisco

 

Educar uma criança é uma tarefa difícil e um grande desafio. Esse papel cabe aos pais, mas não devemos menosprezar o papel dos avós e do agregado familiar bem como o papel que representa a escola. A todos cabe ensinar os valores básicos e importantes para o crescimento da criança, certamente diferentes do que eram há uns anos atrás. Educar uma criança é ter atenção a valores como:

-  A autoestima como um meio de Auto preservação do ser humano. Desenvolver a autoestima na criança é ajudá-la a construir um futuro com capacidade de enfrentar situações adversas. A Auto preservação impede que as pessoas se envolvam em situações de perigo. Tudo isso é adquirido através de elogios e incentivos que levem a criança a enfrentar qualquer dificuldade e a crescer de forma saudável.

- Autocontrole ou a capacidade de controlar, racionalmente, as reações ligadas às emoções. Através do autocontrole a criança descobre os seus limites. Dizer simplesmente a uma criança que peça desculpa não tem qualquer valor. Tal como noutros aspetos a criança tem de entender o motivo porque o faz.

- Desapego - A criança desde cedo deve aprender que não pode ter tudo o que quer. Saber escolher, selecionar e libertar-se do sentimento de posse é uma das formas de ajudar a crescer uma criança saudável. Saber escolher é também aprender a perder.

- Respeitar os mais velhos é uma regra fundamental quando se fala em educação infantil e cada vez mais necessário no mundo atual.

A influência exterior é algo a ter em conta. No mundo atual a influência exterior marca fortemente o crescimento da criança e toda esta aprendizagem fica frequentemente fora do alcance dos educadores. Crianças e adultos são diferentes, ainda que compartilhem informações, produtos culturais e situações sociais comuns. O que os distingue são os valores anteriores que lhes foram transmitidos e o papel que cada um desempenha. A configuração que a infância passou a ter na Modernidade passa muitas vezes por tratar as crianças como adultos (sobrecarregando-os de atividades) ou por uma superproteção doentia (mantendo-os imóveis e agarrados às saias da mãe). A infância é algo que deve ser vivido na sua plenitude e que nos marcará para sempre. É um valor, é uma ideia, é um pilar na nossa vida e na nossa cultura. A infância existe e é o momento em que os adultos agem como aqueles que educam as crianças, aqueles que protegem a criança, do ponto de vista jurídico inclusive, e aqueles que vão permitir que as crianças se desenvolvam de forma saudável. É também aos adultos que cabe a função de fazer com que a criança cresça sem distinção de raça, religião ou nacionalidade; que tenha especial proteção no seu desenvolvimento físico, mental e social; que tenha direito a um nome, uma nacionalidade, alimentação, habitação e assistência médica adequadas; que tenha educação e cuidados especiais; que tenha amor e compreensão por parte dos pais e da sociedade e direito a educação gratuita e ao lazer infantil.  Os adultos não deverão ainda esquecer que a criança deve ser socorrida em primeiro lugar, em caso de catástrofes e ser protegida contra o abandono e a exploração no trabalho. A criança deve ser protegida contra as práticas que possam fomentar a discriminação racial, religiosa, ou de qualquer outra índole. Deve ser educada dentro de um espírito de compreensão, tolerância, amizade entre os povos, paz e fraternidade universais e com plena consciência de que deve consagrar as suas energias e aptidões ao serviço de seus semelhantes.

Temos certamente muito a fazer para que esta tarefa corra bem e nós, adultos, não podemos falhar. A concorrer com esta nossa tarefa temos o consumismo e os media. O consumo, como uma prática social é algo difícil de combater, mas um dos aspetos mais importantes para a criança na contemporaneidade. De repente, estamos diante de uma cultura em que a única possibilidade de convivência social está na esfera do consumo. É e tem de ser possível dar às novas gerações outros códigos de sociabilidade que não sejam apenas estes que estão marcados pelo consumo desenfreado e pela banalização das relações humanas.

 

Que crianças deixaremos ao mundo?

Depende de cada um de nós deixar no mundo crianças felizes, adultos que viveram como crianças, adultos que viram os seus direitos enquanto crianças serem respeitados. Só assim teremos contribuído para um mundo melhor, mais justo e mais feliz

 

Quando as crianças brincam
E eu as oiço brincar,
Qualquer coisa em minha alma
Começa a se alegrar

Fernando Pessoa

 

Luísa Lopes

Professora Aposentada

Colaboradora do Centro Pedro Arrupe, valência de acolhimento do Serviço Jesuíta aos Refugiados

 

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Licenças parentais após o nascimento dos filhos

Licenças parentais após o nacimento dos filhos

 

Nos termos do Código do Trabalho, quer as mães, quer os pais têm direito a gozar uma licença parental, remunerada, quando os filhos nascem.

A proteção legal concedida a ambos os progenitores permite a vivência de uma parentalidade participativa e responsável, adotando ambos os progenitores um papel ativo e contemporâneo, o qual se revela de suma importância na primeira infância da criança, permitindo o fortalecimento do vínculo do bebé com ambos os pais.

Concretamente, os tempos de licença parental, a que a mãe e o pai trabalhadores, têm direito, por nacimento de um filho é de 120 ou 150 dias, consecutivos, sendo que a licença de 120 dias é uma licença paga a 100%.

Esta licença, de 120 ou 150 dias, pode ser partilhada entre a mãe e o pai, podendo ser gozada simultaneamente. Ao decidir partilhar a licença, os pais, prolongam o período de tempo em que estão como bebé. Com efeito, se um dos progenitores gozar, em exclusivo, um período de 30 dias seguidos - ou dois períodos de 15 dias consecutivos -, após o período de licença de gozo obrigatório pela mãe (seis semanas imediatamente após o parto), a licença é acrescida de mais 30 dias.

Tendo os pais decidido pela partilha do gozo da licença, deverão informar as respetivas entidades patronais, até 7 dias após o parto, seja do início, seja do termo dos períodos a gozar por cada um, devendo, nesse caso, cada um deles, entregar uma declaração conjunta.

Se a mãe e o pai trabalharem na mesma empresa, e esta for considerada uma microempresa (empresa com menos de 10 trabalhadores e cujo volume anual ou o balanço total anual não excede os 2 milhões de euros), o gozo da licença parental em simultâneo, está dependente de acordo entre os pais e a entidade patronal.

Optado os pais por não partilhar o gozo da licença parental, aquele que a gozar deverá informar a sua entidade patronal, até 7 dias após o parto, seja da duração da licença, seja do início da mesma, devendo juntar a essa informação uma declaração do outro progenitor, da qual conste que este exerce uma atividade profissional e que não irá gozar a licença parental inicial.

O Código do Trabalho prevê uma licença parental de gozo exclusivo pela mãe (artigo 41º) e uma licença parental de gozo exclusivo pelo pai (artigo 43º).

Na licença parental de gozo exclusivo pela mãe, o gozo desta pode iniciar-se até 30 dias antes da data prevista para o parto, sendo que estes dias serão descontados ao número total de dias de licença. Nesta situação, a trabalhadora, deverá informar a entidade patronal de que o pretende fazer, apresentado atestado médico, no qual se indica a data prevista para o parto, devendo essa informação ser dada com uma antecedência de 10 dias, em relação à data pretendida. Em caso de urgência, comprovada pelo médico, a trabalhadora deverá fazê-lo, logo que possível.

 

No que respeita à licença parental de gozo exclusivo pelo pai, é obrigatório o gozo de 15 dias úteis, os quais podem ser seguido ou interpolados, devendo ser gozados nos 30 dias seguintes ao nascimento. Os primeiros 5 dias de licença, terão que ser gozados de forma seguida e imediatamente após o nascimento. O pai tem ainda direito a 10 dias úteis de licença, os quais deverão ser gozados de forma seguida ou interpolada e terão que ser gozados, em simultâneo, com o gozo da licença parental da mãe. O pai deve avisar a entidade patronal, de que irá gozar a sua licença, sendo que, para efeitos do gozo dos 10 dias úteis de licença adicionais, tal informação deve ser prestada com uma antecedência de 5 dias, em relação à data pretendida.

No caso de se tratar de nascimento de gémeos, aos períodos de licença, supra referidos, acrescem 30 dias, por cada gémeo além do primeiro e, no caso da licença de gozo exclusivo pelo pai, acrescem 2 dias, por cada gémeo além do primeiro.

O direito ao gozo de licença parental existe ainda nos casos de adoção de menor de 15 anos, de acordo como regime previsto no artigo 44º do Código do Trabalho.

Por fim, refira-se que os avós trabalhadores têm direito a uma licença de 30 dias, consecutivos, a gozar imediatamente após o nascimento do neto, que seja filho de adolescente com idade inferior a 16 anos e desde que vivam consigo em comunhão de mesa e habitação. Se forem dois os titulares do direito ao gozo deste período, o mesmo será gozado da seguinte forma: um único período por um dos titulares, ou um período, por ambos, em tempo parcial, ou em períodos sucessivos. Em qualquer dos casos deverá, a entidade patronal, ser informada, com uma antecedência de 5 dias, devendo o trabalhador declarar que o neto vive consigo em comunhão de mesa e habitação, que é filho de adolescente com idade inferior a 16 anos e que o seu cônjuge exerce atividade profissional ou se encontra física ou psiquicamente impossibilitado de cuidar do neto ou não vive em comunhão de mesa e habitação com este.

 

 

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Confissão de dívida feita em conferência de pais

Confissão de dívida feita em conferência de pais

Conforme resulta do artigo 703.º do Código de Processo Civil, de entre os títulos que podem ser dados à execução estão as sentenças condenatórias as quais, para serem exequíveis, têm que estar transitadas em julgado excecionando-se o recurso que da mesma tenha sido interposto, com efeito meramente devolutivo (artigo 704.º do mesmo Código).

De acordo com o artigo 705.º do Código Civil, os despachos que condenem no cumprimento de uma obrigação, são equiparados às sentenças sob o ponto de vista da sua força executiva.

Assim, uma declaração confessória de dívida que conste no texto da ata de uma conferência de pais, não será considerada título executivo, nos termos do artigo 703.º do Código de Processo Civil, se não tiver sido expressamente homologada, na medida em que, nessas condições, não é possível certificar a existência da obrigação que se constituiu entre as partes, não existindo um documento que, por si, seja suscetível de revelar, com segurança, a existência de um crédito.

A declaração confessória de dívida apesar de revelar a existência de um direito de crédito, não é passível de ser dada à execução se tal não se encontrar consubstanciado num documento que seja dotado de exequibilidade, preenchendo os requisitos externos de exequibilidade que a lei prevê.

Importa, pois, garantir a homologação de tal acordo para que se possa, em caso de não pagamento voluntário, acionar os subsequentes meios judiciais legalmente colocados ao dispor das partes.

 

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A razão e a fé no direito da família

A razão e a fé no direito de família

No discurso aos participantes no congresso promovido pelo Partido Popular Europeu (30.3.2016) Bento XVI recorda princípios não negociáveis no âmbito das intervenções da Igreja Católica em campo público. São os seguintes: "tutela da vida em todas as suas fases, desde o primeiro momento da concepção até à morte natural; reconhecimento e promoção da estrutura natural da família, como união entre um homem e uma mulher baseada no matrimónio, e a sua defesa das tentativas de a tornar juridicamente equivalente a formas de uniões que, na realidade, a danificam e contribuem para a sua desestabilização, obscurecendo o seu carácter particular e o seu papel social insubstituível; tutela do direito dos pais de educar os próprios filhos". Logo após este enunciado, Bento XVI sublinha: "Estes princípios não são verdades de fé, mesmo se recebem ulterior luz e confirmação da fé".

 

Cerca de um ano depois, na Exortação apostólica Sacramentum Caritatis (22.2.2007) o mesmo Papa cita os padres sinodais quanto às exigências do que estes chamaram «coerência Eucarística» (n. 83). Aos princípios anteriores acrescenta o do «bem comum e, todas as suas formas». Interessa-nos, para já, a conclusão imediata: "Estes são valores não negociáveis. Por isso, cientes da sua grave responsabilidade social, os políticos e os legisladores católicos devem sentir-se particularmente interpelados pela sua consciência rectamente formada a apresentar e apoiar leis inspiradas nos valores impressos na natureza humana".

 

A conclusão citada, quando se afirma que os princípios em referência não são verdades de fé mas recebem da fé uma ulterior confirmação, tem grande peso porque na sua primeira parte exige encontrar uma fonte própria, diferente da fé, para princípios que se consideram incondicionais; na segunda parte, exige aos crentes cuja actividade possa abranger tais matérias uma ulterior responsabilidade à luz da fé. Além disso, fica aberto um importante espaço de diálogo entre crentes e não crentes, por um lado, e entre os crentes de diversas confissões religiosas, por outro. Mais ainda, estas afirmações ajudam a interpretar o dado empírico, por exemplo, dos não crentes que defendem a estrutura natural da família como união entre um homem e uma mulher, ou a tutela da vida em todas as suas fases. Inversamente, também é possível encontrar crentes que negam ou pelo menos suspendem casuisticamente os referidos princípios o que, nem por isso, passa a ser abonatório do relativismo moral ou do subjectivismo racional.

Não são verdades de fé

Ao longo dos tempos a Igreja sempre defendeu a razão como espelho da verdade, critério de reflexão, fundamento do diálogo, medida da acção. Em cada um destes termos a fé se coloca como prolongamento potenciador de um conhecimento que está para além do racional mas não em contradição com este.

 

Esta dinâmica é congénita às próprias Escrituras. É sabido que vários livros do Antigo Testamento, (em geral, os deuterocanonicos sapienciais) foram inspirados de modo a conter os frutos do diálogo (ou do confronto, nos casos de perseguição) em âmbito helenista. Também por essa razão não são acolhidos no cânone hebraico. O Novo Testamento, aprofunda tal processo e, em particular, São João, coloca no princípio o Verbo (Logos) e a exigência lógica como critério de verdade.

 

Ao longo dos primeiros séculos, as categorias racionais do património filosófico grego, familiar ao cristianismo, contribuiu decisivamente para a definição dos dogmas e simultânea identificação das heresias, excluídas do credo da Igreja. Ao mesmo tempo se verificava a assimilação do Direito Romano que, no encontro de culturas, tinha vindo a aplicar-se progressivamente no Império. Claramente, o que é favorável ao conhecimento verdadeiro do único Deus verdadeiro, é favorável à verdade do homem.

 

A luz da fé, e a partir dos acontecimentos, sobrenaturais mas históricos, da Encarnação, da vida, da condenação à morte, (em duplo processo, religioso e civil), da paixão, morte e Ressurreição de Jesus Cristo, fará emergir do diálogo entre a revelação, a teologia e antropologia bíblica, a reflexão grega e a prática jurídica romana o que melhor se pode conhecer de Deus e do homem, no ser e no agir pessoal e social. A expressão histórica e cultural desta síntese encontra-se nas raízes cristãs da Europa. Citamos, a título de exemplo de reflexão patrística acerca da relação entre razão, política e fé, a obra de Santo Agostinho De Civitate Dei (426 d. C.).

 

Voltando um pouco atrás, porque nos interessa o direito enquanto acto da razão que procura a virtude da justiça no deliberar, no agir e no ajuizar, lembramos que a relação de verdade entre razão e natureza, enquanto verdadeira fonte do direito, anterior ao consenso que forma o contrato (interpessoal ou social), é resultado de um movimento pré - cristão. "De facto, na primeira metade do século II pré - cristão, deu-se um encontro entre o direito natural social, desenvolvido pelos filósofos estóicos, e autorizados mestres do direito romano [... ]. Neste contacto nasceu a cultura jurídica ocidental que foi e é ainda agora, de importância decisiva para a cultura jurídica da humanidade" (Bento XVI, Discurso ao Parlamento Federal, 22.9.2011). Acenamos brevissimamente a dois exemplos, por não ser mais possível nestas poucas palavras: a Europa é, e será, ao longo dos tempos, o berço dos conceitos fundamentais de «pessoa» e de «direitos humanos».

Tendências de dissolução

Como se chegou ao ponto de situação actual em que o direito à vida, por exemplo, é superado do ponto de vista cultural, por uma espécie de direito ao aborto? Em que o casamento é subjectivamente determinado sem qualquer referência natural ou mesmo contra a natureza? Em que a própria natureza se encontra reduzida a facto cultural. Em que, no caso dos regimes totalitários, historicamente não muito distantes, a educação dos filho por parte do Estado se impõe ao direito inalienável dos pais como primeiros e principais educadores. São João Paulo II, na Encíclica Evangelium Vitae (25.3.1995) sintetizou na expressão «cultura da morte» os traços de uma vasta e paradoxal contradição do direito.

 

Sempre atentos à exigência de brevidade, seguimos a trajectória reflexiva de Bento XVI que, identificando em Duns Escoto e na sua orientação teológica voluntarista o início das tendências que rompem a síntese entre o espírito grego e o espírito cristão, fala em três ondas no programa de deselenização do pensamento ocidental (cf. Discurso em Ratisbona, 12.9.2006). A primeira que exprime-se nos postulados da reforma do século XVI (a necessidade de purificar a fé de uma suposta contaminação metafísica); a segunda traduz-se na teologia liberal dos séculos XIX e XX (Jesus como mero fundador de uma moral humanitária e Deus como construto da razão); a terceira, em curso, tenta atrofiar a síntese realizada na Igreja Antiga considerada como mera inculturação que não se pode impor actualmente.

 

Em relação a Portugal, refira-se a Lei da Boa Razão (18.8.1769) como momento significativo o interior do vasto processo apenas referido. Nela se procede à exaltação iluminista da razão fazendo redutoramente coincidir com a actividade estatal, forte na componente ideológica grega, já ultrapassada, e em detrimento do costume (direito consuetudinário), do direito romano e do canónico e instrumental à cisão entre direito natural (reinterpretado em função racionalista, razão (reduzida em função idealista) e lei (conduzida em função jus-positivista).

 

Se em geral o agente de direito precisa de retomar as rédeas da razão para evitar transformar-se em agente do direito da força, com mais razão o católico que através da sua profissão na área jurídica contribui para «dar a cada um aquilo que lhe é próprio» e restituir um rosto humano e justo à sociedade, encontra precisamente nesta área e no contexto actual um dos principais desafios perante os quais se coloca a humanidade inteira: retomar no verdadeiro direito, aquele que tende para a justiça enquanto virtude do homem, os caminhos da paz. A razão precisa de ser libertada tando da violência que a distorce, como da absolutização racionalista que a diminui. Libertadas as vias de acesso à verdade do homem enquanto imagem e semelhança de Deus se encontrará uma «nova forma de voltarem a estar unidas a fé e a razão», segundo defendeu Bento XVI em Ratisbona.

 

Tal não é possível enquanto o homem se colocar à superfície, como num jogo de forças disputado sobre um fundamento instável (o direito da força). Será necessária a reconciliação com as zonas mais profundas do ser, entre razão e fé, entre ser e agir, entre verdade e liberdade, entre moral e lei (a força do direito). O direito de família é um dos âmbitos de actividade mais sensíveis e exigentes sob esta perspectiva.

 

Pactos globais

 

Chegados a este ponto compreende-se melhor o alcance dos dois Pactos Globais, um sobre os migrantes, outros sobre os refugiados, que o Papa Francisco refere na mensagem escrita a 15 de Agosto de 2017 para o 104.° Dia Mundial do Migrante e do Refugiado (14.1.2018). Os quatro verbos escolhidos pelo Sumo Pontífice - acolher, promover, proteger e integrar - deixam poucas dúvidas sobre a direcção de um percurso urgente, que implica uma grande mudança da visão individualista das sociedades caracterizadas por relacionamentos descartáveis em que a relação familiar é a mais atingida. Os pactos devem ser trabalhados e assumidos ao nível da comunidade internacional até ao final de 2018. Aqui não tratamos do processo, nem até dos comentários possíveis e relação aos vinte pontos de acção pastoral distribuídos criteriosamente pelos quatro verbos de acção enunciados (cf. in https://migrants-refugees.va/).

 

Interessa-nos sensibilizar para a qualidade do apelo (que é global), para a necessidade de uma actuação coerente na relação entre o direito positivo e a prática concreta (porque a vida, a família e a educação  não se suspendem com o tempo), para a necessidade de recuperar na relação entre razão e fé o fundamento do direito no actual contexto da sociedade líquida. O facto de ser Jesus Cristo a verdade do homem, em nada compromete as vias da razão e dos direitos, do diálogo e da liberdade, bem pelo contrário. A Santa Sé afirma que «deve ser sempre garantida a liberdade religiosa, seja em termos de profissão de fé como de prática» (n. III,17). Esta linha é directamente contrária à tendência, já registada e permanente, de suprimir ou, pelo menos, de neutralizar o elemento religioso do âmbito social, nas suas varias expressões e actividades, seguindo, por exemplo a estratégia de o acusar como causa da violência ou da guerra. A acusação é falsa. O citado discurso em Ratisbona  trata o assunto.

Os vinte pontos de acção pastoral supõem «uma abordagem integral da questão migratória, que coloque no centro a pessoa humana em todas as suas dimensões, no profundo respeito pela sua dignidade e pelos seus direitos» (n. II, introdução). «O direito à vida é o mais fundamental», a reunificação ou reagrupamento familiar (incluindo avós, irmãos e netos) é o ponto de maior insistência, sendo referido  quatro vezes (nn. I,2; II,7; III,14; IV,18). Por sua vez o direito à educação e instrução é colocado em relação com o ponto anterior, da reunificação familiar e sublinhado em relação aos menores não acompanhados bem como aos portadores de deficiência (n. III,5).

 

A gravidade do momento histórico que atravessamos, apesar do aparente bem-estar muito promovido por uma visão imanentista da existência, incubada nas diversas formas de comunicação virtual, talvez nos faça estar gratos, no futuro, se nos empenharmos no presente, por termos vivido esta oportunidade de reencontro com as raízes cristãs da Europa, na sua memória e identidade, em que a vida, a família e a educação por parte dos pais sejam princípios de facto não negociáveis.

 

Padre António Figueira

 

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Famílias

Famílias

A minha família foi sempre um bocadinho diferente da dos meus amigos: o meu pai trabalhou sempre fora, e eu e a minha mãe acabámos por passa a maior parte do tempo na companhia uma da outra. Era assim, para ‘se conseguir mais alguma coisa nesta vida’. Desde sempre também me lembro da forma de comunicarmos: o meu pai tinha dias certos para telefonar, de uma cabine telefónica, alimentada com cartões pré-pagos. Na altura eu não percebia que aquela era uma limitação imensa porque ouvi-lo era sempre uma alegria. Ele ligava para o fixo, ficávamos ali uns minutos a conversar mas era com a minha mãe que gastava a maior parte dos créditos, naturalmente. Depois, quando chegava a casa, dava-me os cartões para colecionar, para me entreter a olhar para todo aquele design, tão longe da nossa realidade. A maior parte estava em alemão, eu não sei se ainda os tenho… sinceramente não sei se ainda estão na escrevaninha, no quarto que será sempre meu, em casa dos meus pais. Hoje é muito diferente: comunicamos via Messenger, por escrito ou via telefone, por acaso acho que nunca fizemos uma vídeo chamada, nunca calhou, mas podemos, está lá à nossa disposição.

Essa tecnologia está também ao dispor de António, de 40 anos. Há 5 anos nasceu o seu amor maior: Maria é a luz dos seus olhos, o oxigénio dos seus pulmões, o combustível que o sustenta e que o faz continuar, todos os dias. Ela é ‘A’ razão. Agora, a gestão da vida da Maria apenas é possível graças à maturidade que António e a mãe da sua filha encontraram na separação mas que não existia enquanto ambos formavam um casal. É tanta que não há horas e os dias são divididos, um depois do outro. É tão grande o respeito que, em fins de semana fora, fazem vídeo conferências, enviam vídeos e fotografias só para matar aquela saudade que apareceu logo no minuto seguinte a se terem separado.

Cada vez que Joana vai passar dias com o pai, o coração de Marta fica muito apertado. Apesar de ter apenas 9 anos, a filha já tem telemóvel e podem comunicar. Marta não evita, nada substitui a presença, mesmo que por umas horas. O trabalho, que preenche tanto a sua vida e os filhos de Paulo, com quem iniciou recentemente uma relação, nunca chegarão para acalmar a ansiedade. Mas pode ouvi-la, pode sentir a sua vida, saber se está bem.

Todas estas histórias são reais, são histórias que absorvi ao longo da minha vida. Há mais, muitas mais, mais tocantes, talvez. Mas estas provam que é possível ser feliz, que ninguém peca por tentar. E mostram que hoje há cada vez mais formas de encurtar distâncias, de atalhar saudades, de sentir o sorriso e o bater do coração. Triste de quem não erra, não arrisca ser feliz. Pelo menos… uma vez na vida.

Estes são apenas alguns dos novos conceitos de família na sociedade atual. Alguns modelos diferentes mas que nunca esquecem o mais essencial, o mais fundamental, aquilo que tudo pode e tudo consegue: o amor. Mesmo que em formato (mais) tecnológico.

 

Patrícia Matos

Jornalista

www.deveserdemim.com

 

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