A todas as Famílias, desejamos um feliz ano novo

A bela e árdua missão da Família, hoje

A bela e árdua missão da Família, hoje 

Estamos a viver uma mudança epocal com transformações culturais inéditas que têm repercussão em toda a sociedade e particularmente no âmbito da família. Hoje torna-se urgente redescobrir e reconhecer como e quanto é bom, belo e feliz formar uma família segundo o desígnio de Deus; e como e quanto isto é precioso e indispensável para a vida das pessoas, da sociedade e da Igreja e para o futuro da humanidade.

A nossa reflexão crente não pode limitar-se simplesmente a constatar a crise que hoje atinge a família, a analisar os dados e, pior ainda, a ficar parada junto ao muro das lamentações. A primeira urgência é sobretudo o reconhecimento e o anúncio de que o Evangelho tem algo de importante e belo a dizer hoje para a família (o Evangelho da família) e também de que a instituição familiar é Evangelho, boa notícia para o mundo contemporâneo enquanto realidade originária de amor como criatura de Deus-Amor. É, pois, necessário que a comunidade cristã faça ressaltar a beleza e a dignidade da família no contexto da vocação ao amor que toma uma forma específica no matrimónio do qual surge a família. O amor conjugal é dom e vocação.

A segunda urgência é o reconhecimento da missão única da família na sociedade e na Igreja: a família como dom e missão. Perante a tentação atual de reduzir a família a lugar de afetos privados, é necessário sublinhar a sua missão e a responsabilidade públicas, a nível social e eclesial; tomar consciência de que é um bem não só para o casal e os filhos, mas para todos. Para apreciar verdadeiramente a realidade familiar devemos reconhecê-la como comunidade originária, isto é, o primeiro lugar em que a sociedade surge, se desenvolve e se regenera continuamente.

Da família provém o capital humano, espiritual e social básico, primário, de uma sociedade. Este capital é gerado pelas virtudes únicas e insubstituíveis da família. Converte-se no fator decisivo do bem estar material e espiritual das pessoas que contribuem para o funcionamento positivo da sociedade e a tornem feliz, para o bem comum.

Neste sentido, a família está chamada a tornar-se “alma do mundo” realizando a sua missão como escola primeira e sem igual de humanidade e humanização precisamente enquanto primeira escola de afetos que ajuda a crescer a amadurecer a personalidade; como comunidade e escola de fé, lugar privilegiado da primeira iniciação à fé; como berço da vida e escola de virtudes sociais, de cidadania responsável. Trata-se de uma missão bela e árdua. Para a realizarem, as famílias precisam naturalmente do apoio humano e espiritual por parte da sociedade e da Igreja: de políticas sociais amigas da família, de uma pastoral de acolhimento e acompanhamento, de animação e misericórdia.

É preciso promover uma pastoral capaz de estimular a participação da família na sociedade, a recuperar o seu papel de sujeito social. Neste contexto, aparecem muitos desafios às famílias: a relação entre a família e o mundo do trabalho, entre a família e a educação, a família e a saúde; a capacidade de unir entre si as gerações de modo a não abandonar os jovens e os idosos; o desenvolvimento de um direito de família que tenha em conta as suas relações específicas; a promoção de leis justas que defendam a defesa da vida humana e promovam a bondade social do matrimónio autêntico entre o homem e a mulher.

A família é uma “grande causa” para a Igreja e para toda a sociedade neste momento de crise epocal. Merece todo o nosso empenho, as nossas melhores energias, as melhores políticas amigas da família. Um país que quer um futuro, tem necessidade de famílias sólidas, saudáveis e com filhos. Vamos a isto, com coragem e entusiasmo, com criatividade e esperança!

† António cardeal Marto, Bispo de Leiria-Fátima

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O acolhimento familiar das crianças em perigo em Portugal - para onde vais, rio que eu canto?

O acolhimento familiar das crianças em perigo em Portugal

- para onde vais, rio que eu canto?

Paulo Guerra

Juiz Desembargador

  1. Todas as crianças precisam de colo.

De muito colo.

Mesmo contra a opinião de muitas avós que, do alto das suas experiências maternas e avoengas, vão opinando que colo a mais faz mal.

É da natureza humana a inevitabilidade da necessidade de vinculação segura.

A um outro.

A alguém que tem de ser capaz de amar e cuidar de uma criança como ela merece, de acordo com os cânones expostos nas Magnas Cartas da infância, todas iluminadas pelo espírito generoso e terno da Convenção dos Direitos da Criança, aprovada pela ONU em 1989 e logo ratificada pelo Estado Português no ano seguinte, fazendo, assim, e por isso, parte do cotejo de legislação que pode e deve ser directamente aplicada a todas as crianças portuguesas ou residentes em Portugal.

Na promoção de direitos e na protecção da criança deve ser dada prevalência às medidas que a integram numa família - ou seja, na actual alínea h) do artigo 4º da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo (LPCJP, doravante) já não se fala «na sua família», mas apenas em «família», seja ela qual for (dando-se aqui o primado de uma família em detrimento do acolhimento residencial).

O princípio da prevalência da família terá que ser entendido não no sentido da afirmação da prevalência da família biológica a todo o custo, mas sim como o assinalar do direito sagrado da criança à família, seja ela a natural (se for possível, devendo, neste campo, o Estado ser capaz de acompanhar as famílias biológicas, ajudando-as a superar o perigo em que vivem as suas crianças), seja a adoptiva, reconhecendo que é na família que a criança tem as ideais condições de crescimento e desenvolvimento e é aquela o centro primordial de desenvolvimento dos afectos.

De facto, nem sempre a biologia é sinónimo de vinculação. O sangue não é uma sina para a vida. E assim, por vezes, haverá que entregar uma criança ao laço adoptivo, completamente similar ao biológico, a partir do momento em que existe uma sentença judicial constitutiva da providência tutelar cível em causa – a adopção.

E quer numa quer noutra, os pais vão ter de ser adoptados pelo filho que lhes foi entregue pela placenta ou por vontade soberana de um juiz – e, como diz Laborinho Lúcio, que bom seria que todos os filhos fossem adoptados, até os biológicos!

Mas uma criança pode viajar para o colo de outras pessoas sem ser pela adopção – existem outros caminhos, menos radicais, que podem até coexistir com alguma parte do exercício das responsabilidades parentais ainda nas mãos da progenitura biológica.

E esses caminhos são trilhados pela legislação portuguesa – podemos estar a falar de limitações do exercício das responsabilidades parentais, de tutelas, de apadrinhamentos civis ou de medidas de promoção e protecção, estas à luz da LPCJP, datada de 1999 mas revista, em grande espectro, em 2015.

O acolhimento familiar de crianças está previsto como uma das medidas protectivas aplicáveis pelas Comissões de Protecção e pelos Tribunais aquando da constatação de que uma criança está em perigo, lido sob a égide do artigo 3º, n.º 2 dessa lei.

E sabemos que este é um momento charneira neste país – a lei quer que as crianças até aos 6 anos vivam em famílias de acolhimento se tiverem de ser separadas de seus pais, de forma provisória, assim o ditando o n.º 4 do artigo 46º da LPCJP.

2. Temos lei, temos norma, queremos acção!

Neste momento, na Irlanda, 65% das crianças retiradas às famílias estão em famílias de acolhimento, 25 a 27% em famílias alargadas, 8% a 10% em acolhimento residencial.

Há 15 anos estava como nós!

Em Portugal, há uns anos, os parentes deixaram de poder funcionar como família de acolhimento.

Os outros países do chamado mundo desenvolvido reconhecem a família alargada como uma maneira de providenciar cuidados a crianças que não podem estar com a família imediata.

Se Portugal quer subir à primeira liga tem de considerar formas de valorizar mais os laços familiares, de pensar em formas de apoiar familiares que estão dispostos a acolher crianças que não podem estar com a família mais próxima.

Paul McDonald foi só um entre 700 delegados de 45 países que se encontraram na conferência bienal da EUSARF, a Associação Científica Europeia para o Acolhimento Residencial e Familiar de Crianças e Jovens, cujo congresso bienal juntou no Porto, entre 2 e 5 de Outubro, centenas de investigadores/professores, técnicos e estudantes (estive lá!).

Indignou-se como nenhum outro com a quantidade de crianças que Portugal tem a crescer em lares de infância e juventude e escreveu um manifesto que foi apresentado no encerramento da Conferência no dia 5/10/2018, e que seguiu, penso, para o Governo e para o Presidente da República.

Serviu para algo?

Os dados relativos ao CASA 2017 foram conhecidos no passado dia 20/11, com um atraso considerável.

Onde está a regulamentação da medida de acolhimento residencial, em falta desde 1/1/2001?

E o que foi dito pela tutela de que o Acolhimento Familiar ficará congelado até haver forma de monitorizar a fiscalização destas famílias?

Perguntas para as quais não tenho resposta (como se estivesse a ser feita uma eficaz fiscalização do acolhimento residencial entre nós!).

Para mim, é dilacerante saber que existem 7553 crianças acolhidas em terreno residencial, existindo apenas 178 famílias de acolhimento.

Foi dito que o número de famílias de acolhimento só será aumentado quando existirem meios. Esqueceram-se, porém, de explicar que a inexistência desses mesmos meios resulta do não investimento neste processo (o mesmo se poderá dizer do Apadrinhamento Civil que existe desde 2009 mas que nunca viu um esforço estatal sério de explicação do instituto ao mundo).

Eu sei que uma Família não é uma VAGA, sendo antes um PERFIL – é certo que há que ser criterioso na escolha da melhor Família de Acolhimento para que nada falhe. Há muito trabalho pela frente, pois então!

Não vale é DESISTIR, como é aquilo que o Estado está a querer fazer…

Deve agir de imediato, começando paulatinamente pelos mais pequeninos, aqueles relativamente aos quais é pacífica a doutrina científica em considerar ser um crime de lesa-infância a sua residencialização, por muito boa que seja a Casa de Acolhimento.

Dar pequenos passos, regulamentar sabiamente a LPCJP neste jaez, aproveitar as mais-valias de experiência nortenhas de sucesso, olhar para as outras IPSS que estão prontas para avançar…

Não é preciso congelar a medida com a desculpa de que não há meios humanos para a monitorizar.

É necessário dar um passo civilizacional, entregando uma chance às crianças de não se verem condenadas à tristeza e de crescerem numa família que as motive, as estimule e as guarde.

Isto é pedir muito?

  1. Temos por assente que é FUNDAMENTAL para uma criança o direito de viver numa família como privilegiada forma de realização pessoal e de consolidação da sua autonomia crescente – a criança cada vez mais tem direito ao convívio com quem a ama verdadeiramente, merecendo vincular-se a adultos de referência afectiva para si, sejam progenitores, sejam outros seres que tenham um significado relevante na sua vida e que povoem os seus afectos e a sua margem de ternura, mesmo que não seja para sempre.

Existe uma clara evidência científica que expõe as graves desvantagens da institucionalização.

Muito embora as instituições para crianças em perigo tendam a fazer um esforço de melhoria do seu funcionamento (onde deve sempre existir um claro contexto emocional), não é menos verdade que continuam a ser instituições.

Como me ensinou o meu querido amigo, o psicólogo espanhol Jesus Palácios, «nós, os humanos, somos feitos de uma matéria que, na infância, necessita atenção individualizada, de compromisso pessoal, e da presença e disponibilidade de boas figuras de afecto».

Esta medida do acolhimento familiar apresenta imensas vantagens e benefícios em relação ao acolhimento residencial, como por exemplo, o permitir à criança/jovem a vivência numa família estruturada e equilibrada, em oposição ao acolhimento residencial onde, inevitavelmente, as relações individualizadas ficam seriamente comprometidas e onde não existe um modelo familiar que a criança/jovem possa vivenciar e modelar-se; mas sim um modelo institucional, com enorme rotatividade de cuidadores, rotinas e actividades (quase) sempre de carácter grupal e onde o espaço íntimo – pessoal e relacional – é bastante difícil de ser promovido.

Os Direitos Humanos e os Direitos das Crianças devem estar na base da eliminação do acolhimento de longo prazo para crianças, pelo menos numa 1ª fase, com idade inferior a 3 anos.

Os dados da evidência científica vêm corroborar a importância desta questão.

Devem ser adoptadas, com carácter de urgência, estratégias e sistemas para prevenir e responder à colocação residencial das crianças pequenas, entendidas como forma de violação institucional dos direitos humanos.

Quando se esgotou a resposta na família biológica, junto dos pais, e a situação de grave perigo se mantém para a criança, deverão ser protegidos os direitos da criança assegurando que poderá viver numa família de substituição.

Um estudo de 2014 da ONU sobre a Violência contra as Crianças claramente indica que deve ser favorecido o acolhimento familiar em todas as situações de retirada da família biológica, e que, no caso das crianças até aos 3 anos de idade, deverá ser a única opção.

Os benefícios de manter as crianças pequenas com famílias são incontestáveis no que diz respeito à sua saúde, desenvolvimento e felicidade, e que são a concretização do melhor interesse da criança – e nunca é demais lembrar que cada ano de institucionalização de uma criança equivale à perda de 4 meses de desenvolvimento.

Todos somos, no fundo, 3-1-1: essenciais ao nosso equilíbrio emocional são os primeiros três (3) meses do primeiro (1) de três (3) anos da nossa vida...

  1. Temos, pois, todos de estar permanentemente acordados pois é daí que vem a luz, aquela que ilumina os casarios e vigia as crianças portuguesas ou aqui residentes no seu sono.

O sistema tem a sua porção de Poder na mão, mesmo trabalhando com consensos e consentimentos bem expressos, como é o caso das CPCJ.

Mas não tenhamos ilusões – o Poder só é necessário para fazer o Mal.

E não esqueçamos o principal - para fazer todo o resto, muitas vezes, basta o AMOR (um outro nome para o afecto, um valor jurídico constitucional em Portugal)!

Porque um olhar activo e umas habilidosas mãos construtoras de desejáveis e mais do que necessárias famílias de acolhimento também podem – e são - actos de AMOR…

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O direito à estabilidade emocional das crianças e as visitas ao progenitor não guardião: a harmonização do conflito de interesses

O direito à estabilidade emocional das crianças e as visitas ao progenitor não guardião: a harmonização do conflito de interesses

O que fazer quando uma criança, filha de pais separados ou divorciados, se sente desconfortável, insegura e renitente em estar com o progenitor com quem não vive, mas com quem passa fins-de-semana, de quinze em quinze dias?

A tendência primeira, especialmente quando se está perante uma decisão que foi tomada pelo tribunal, em vista da falta de acordo dos pais quanto à amplitude desse regime de visitas, é a de afirmar que o progenitor com quem a criança vive (e, por vezes, também a família alargada desse ramo), incutem na criança a ideia de que o tempo que passam com o outro progenitor não é bom, porque aquele não se preocupa, não se interesse, não se sacrifica pelo filho, etc, etc.

E, quando não é assim? Quando, apesar de existir um regime de regulação decidido pelo tribunal quanto aos tempos de convívio com o progenitor não guardião e não influenciando negativamente o progenitor guardião a relação com aquele o que se verifica, na implementação prática desse regime, é que a criança começa a ter comportamentos reticentes, dizendo que não quer ir, não mostrando entusiasmo, dizendo que preferia não ir, que tem que estudar e que prefere trocar esse fim-de-semana por outro fim-de-semana?

Evidentemente, que deve o progenitor com quem a criança vive, explicar que o regime de visitas é essencial, porque os laços de afeto constroem-se e desenvolvem-se, com o convívio e com a presença, pelo que é dever desse progenitor promover esse encontro e tempo de convívio, desmistificando medos, ansiedades e angústias.

Mas se, apesar de tudo, a criança continua a não querer estar com o outro progenitor?

Então, é preciso ouvir o que a criança tem para dizer.

Por experiência, sabemos que, num conjunto de casos, em número não despiciendo, existe um histórico relacional onde impera a mágoa, o desgosto, a desilusão.

As crianças não se sentem bem com esse progenitor, porque este os desiludiu, porque tinham expetativas várias e, de cada uma dessas vezes, esse progenitor não esteve lá, não os ouviu, não os acompanhou, não os colocou no centro do tempo de convívio.

E, fim-de-semana após fim-de-semana, tudo se repete, num desconforto emocional que se vai acentuado e que, por vergonha e medo, não é verbalizado.

Pior, porque a criança gosta desse pai ou dessa mãe e, porque não lhe quer ser desleal, cala as razões do seu sofrimento, mas mantém a atitude de retração, a qual não passa, não evolui, antes pelo contrário, agrava-se.

Este agravamento pode ser visível de várias formas e, uma delas, é a criança começar a desenvolver sintomatologia, como sejam dores de barriga, vómitos, febre quando se aproxima a hora de ir passar o fim-de-semana com esse progenitor, até ao momento em que, já não vai mais.

Também por experiência, sabemos que a reação mais corrente é a do progenitor em causa, dar entrada de um incidente de incumprimento do regime de visitas, com um conjunto de acusações ao progenitor com quem a criança vive e, a partir daqui, inicia-se um processo judicial entre pai e mãe, para que o regime de visitas seja cumprido e, não poucas vezes, inicia-se um outro processo, a pedir a alteração da regulação das responsabilidades parentais relativas a essa criança, em que o progenitor guardião pede o encurtamento do regime de visitas, alegando que o mesmo se está a mostrar prejudicial ao filho.

Muito poucas vezes se acredita no progenitor com quem a criança vive quando este diz, em tribunal e ao ministério público, que sente o filho tenso e angustiado quando se aproxima a hora de ir para o outro progenitor. Existe uma natural desconfiança e o medo de se estar a cair na armadilha da manipulação.

Por isso, a tendência será a de insistir no cumprimento do regime de visitas com o argumento de que, sem contactos regulares, se compromete o tempo relacional filial.

Nestas situações, apesar dos esforços feitos por quem tem que decidir, a verdade é que a mágoa da criança tende a passar despercebida.

É muito difícil decidir pelo encurtamento de um regime de visitas, em contexto de conferência de pais.

Percebem-se as razões: o enquadramento é mais adverso que promotor, os pais estão em campos opostos e, a verdade é que, cada um à sua maneira, se sente a defender o filho.

E, esta criança, em voz sumida, diz que não se sente bem, que não quer passar um fim-de-semana inteiro com esse pai ou com essa mãe explicando, à sua dimensão, as suas razões.

Essa voz sumida pode ser o máximo que uma criança, confrontada com a necessidade de explicar porque não quer estar com esse progenitor, é capaz de fazer.

Não nos podemos esquecer que essa criança está sozinha, no mundo dos adultos e, ainda mais, no mundo dos tribunais. Não conhece as regras, não sabe exatamente como se explicar, tem medo de dececionar mãe e pai, quer fugir dali, para muito longe.

Os pais, esses, em regra, estão representados por advogados, mas a criança, na esmagadora maioria das vezes, para não dizer sempre, não está, porque não existe a prática judicial corrente de, em situações que o justifiquem, as crianças estarem representadas em tribunal, por advogado até porque, apesar da consagração legal, pouco se fala sobre este assunto, o qual padece de um desconhecimento generalizado.

Assim, sendo esta a realidade do dia-a-dia, resulta que uma criança, nestas condições, está sozinha, com as suas razões, com o seu sofrimento, com a sua incapacidade natural e, de forma indefesa, com os olhos postos em quem decide e, quem decide, também à sua maneira, está de forma solitária, a avaliar a situação, sem verdadeiro acesso à criança e às suas razões, sendo que é essa criança que vai ser a destinatária da decisão a tomar.

Os pais, esses, muitas vezes, estão tão embrenhados na sua luta processual que ouvem o filho, mas não o ouvem essencialmente porque se o ouvissem, percebiam que o afeto não se exclui, mas também não se força.

Se uma criança não se sente genuinamente bem com um progenitor e com o regime de visitas decidido, porque não se sente acolhida, porque não se sente atendida, porque se sente excluída, porque se vê obrigada a conviver com quem não quer, porque no seu tempo com o progenitor é obrigada a estar e a conviver com pessoas que não conhece ou mal se relaciona, porque é que é a criança que tem que se adaptar ao mundo desse progenitor e porque é que não é esse pai ou essa mãe que, num exame de consciência, sério e consciencioso, não procura o que está errado no seu mundo e não muda, pelo filho?

Vale a pena forçar o afeto, decidindo pela manutenção do regime de visitas quando esse forçar só desestrutura o afeto e gera a revolta, que nasce da incompreensão? Não, não vale.

Vale, sim a pena, reconstruir.

Reconstruir, significa deitar por terra os preconceitos e os conceitos e, refazer uma nova estrutura, em que a vida do adulto também se molda ao mundo infantil, sem forçar e sem impor, mas criando as condições necessárias para que a criança comece a olhar para esse progenitor e veja que, por si, aquele pai ou mãe, está a mudar, está a entendê-lo e demonstra-lhe, a cada mudança, que o ama verdadeiramente.

Conseguem os advogados dos pais explicar esta realidade tão complexa ao ministério público e ao tribunal? É difícil, pois serão sempre os mandatários dos pais, vistos como os seus representantes, mesmo em processos em que o direito supremo é o da criança.

É tempo de olhar para situações destas sem o dogma de que o regime de visitas tem que ser cumprido (e ponto final) e que o desconforto da criança em estar com o progenitor com quem não vive irá passar, pelo que a solução será a de não dar relevância a tal e, em consequência, não graduar o regime de convívios, reajustando-o.

Vale a pena lembrar que as crianças têm direito a estar representadas em juízo por um advogado, com quem podem previamente falar e explicar o seu ponto de vista e, este patrocínio judiciário, tem que ser aceite por advogados que saibam ouvir e que, de forma sensível e responsável, ajudem estas crianças a caminhar num sentido positivo, ao encontro desse progenitor, que amam mas com quem estão profundamente magoadas.

Vale a pena evoluir, no interesse das crianças, pois a justiça do caso concreto é o que for justo na defesa do superior interesse das crianças, custe o que custar, mesmo que custe perceber que um regime de visitas só vai evoluir, em termos práticos, se for encurtado e se esse progenitor visado conseguir caminhar ao encontro do filho, aceitando esta nova realidade, com inteligência emocional, sem agressividade e sem se sentir como o perdedor.

Todos os intervenientes – pais, família, ministério público, tribunal, advogados dos pais, advogados das crianças – têm uma missão nestes processos: a mais nobre de todas e, tantas vezes, tão difícil de alcançar: a defesa do superior interesse daquela criança, contribuindo para a sua felicidade afetiva.

Vale a pena garantir que, no conflito de interesses entre o direito à estabilidade emocional da criança e o direito de visita, este deve ceder, na justa medida em que se mostre necessário, a garantir que, aquele, não é beliscado porque, uma solução diferente é contrária ao superior interesse da criança em causa.

Evoluímos na vida, evoluímos no pensamento, evoluímos na maturidade e, temos que saber evoluir na integração de conceitos que, primeiro se estranham mas que, depois, se entranham, como seja a realidade das crianças estarem representadas em juízo, por advogado, que é o seu advogado, que vai saber sintetizar, de forma escrita, o seu interesse e que a vai guiar, ao longo do processo, em defesa do seu superior interesse, garantindo os seus direitos, nomeadamente, o direito de audição, com a dignidade que lhe corresponde e com cumprimento estrito dos comandos legais sobre o exercício de tal direito.

Por isso, sim ao direito à estabilidade emocional da criança como critério decisivo, sim ao advogado da criança e, sempre sim, à defesa das crianças, do seu futuro e à luta para que estas tenham uma vida feliz, com saúde mental.

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Em defesa da residência alternada e do superior interesse da criança – um contributo para a discussão

Em defesa da residência alternada e do superior interesse da criança – um contributo para a discussão

Ricardo Simões

(Presidente da Direção da APIPDF - Associação Portuguesa para a Igualdade Parental e Direitos dos Filhos)

 

Destaques:

- A Petição em prol da presunção jurídica da residência alternada para crianças de pais e mães divorciados ou separados é uma reconquista do espaço da sociedade civil na definição de políticas públicas na área do Direito de Família e das Crianças.

- A presunção jurídica da residência alternada é uma política pública.

- A intervenção do Estado no garante do bem-estar das crianças, de uma maior igualdade de género e coesão social faz todo o sentido no atual contexto

- A presunção jurídica não afasta a análise casuística e não é uma imposição, mas um ponto de partida.

- A atual legislação promove a desigualdade nos cuidados à criança.

- A presunção jurídica e os seus princípios normativos retira o elemento especulativo das decisões judiciais, reduz a discricionariedade, contribuindo para a diminuição dos conflitos parentais, dando garantias quantos aos resultados.

- Ainda estão presentes estereótipos de género nas tomadas de decisão judiciais em processos tutelar cíveis.

- A residência alternada contribuí para uma maior igualdade de género, com claros benefícios para homens, mulheres e crianças.

- A residência alternada é a melhor forma de garantir o superior interesse da criança.

- Mais de 2/3 dos pais e mães com filhos entendem que o melhor para as crianças na situação de separação conjugal a criança ter residência alternada.

- 20% dos pais e mães portugueses já têm os filhos/a em residência alternada.

- A residência alternada promove o envolvimento parental igualitário e a redução do conflito parental.

- A residência alternada, com as devidas adaptações, é adequada a crianças em qualquer idade.

- A residência alternada não serve para se deixar de pagar pensão de alimentos.

- A estabilidade da criança é garantida pelas interações num dado espaço, ao qual, através delas, a mesma dá significados.

- As crianças em residência única fazem mais mudanças de residência, passam mais horas em transportes e fazem mais quilómetros que as em residência alternada.

- A residência alternada não é aplicada em situações de violência doméstica e/ou abuso sexual de crianças.

- Não há qualidade parental sem envolvimento parental no tempo.

- O uso do conceito da figura primária de referência está não só ultrapassado como o seu uso nas decisões judiciais coloca em causa a saúde psicológica da criança.

 

 

Este texto pretende esclarecer algumas dúvidas que têm surgido nos últimos meses quanto à Petição em prol da presunção jurídica da residência alternada para crianças de pais e mães[1] divorciados ou separados. A parte introdutória tem como objetivo uma contextualização, seguida de respostas às dúvidas levantadas neste debate. Pretende-se, assim, ajudar à uma leitura mais alargada e fundamentada da temática, permitindo eliminar o ruído que em nada contribuí para uma sã discussão.

De facto, muito se tem escrito sobre a temática, o que por si só é uma vitória da sociedade civil portuguesa, que demonstra uma vitalidade alinhada com a posição do Conselho da Europa. Tal como é questionado no livro “Uma família parental, duas casas”, “(…) será capaz o movimento de pais e mães em Portugal, face ao número significativo de conflitos parentais e à incapacidade do sistema judicial de lhes dar resposta, por via da imposição de um modelo parental de residência única, voltar a chamar a si a iniciativa propositora?” (Simões, 2017). A resposta está na iniciativa da Associação Portuguesa para a Igualdade Parental e Direitos dos Filhos (APIPDF), de 2018, e que foi subscrita por mais de 4 mil pessoas. A sociedade civil voltou a chamar a si a iniciativa propositora e colocou uma temática fundamental, a das crianças e suas famílias, na agenda política institucional, tal como aconteceu nos anos 90 do século passado, quando se procedeu à alteração do Código Civil em 1995 por proposta da sociedade civil.

Esta iniciativa tenta transpor para o nosso ordenamento jurídico a Resolução do Conselho da Europa 2079 (2015) onde insta os Estados membros, no seu ponto 5.5., a “introduzir na sua legislação o princípio de residência alternada depois da separação, limitando as exceções aos casos de abuso infantil ou negligência, ou violência doméstica, ajustando o tempo em que a criança vive na residência de cada progenitor em função das suas necessidades e interesses”. O Conselho da Europa e os Estados que o compõem, Portugal incluído, reconhece assim, a necessidade de alterar os ordenamentos jurídicos na área do Direito das Famílias e das Crianças, no sentido da maior partilha não só de responsabilidades, mas também de uma maior partilha de tempo nos cuidados às crianças.

Nesse sentido, a Petição assenta não só na introdução da presunção jurídica da residência alternada, mas também em outros elementos no ordenamento jurídico português: critérios orientadores normativos como forma de dar previsibilidade e estabilidade às decisões judiciais; planos parentais como instrumento central para a reorganização da vida da criança com os seus pais e mães; envolvimento parental igualitário como critério que melhor vai ao encontro do superior interesse da criança.

O debate em Portugal, no entanto, assemelha-se ao que aconteceu e acontece em outros países ocidentais. Afinal, as práticas e dinâmicas familiares são muito semelhantes entre países, bem como as suas transformações, ao que não é alheio o facto de partilharmos o mesmo referencial civilizacional. Iniciativas que promovam a residência alternada, tais como as implementadas no Canadá (2014-2015), em Itália (onde o atual Governo tem no seu Programa a alteração legislativa no sentido desta presunção jurídica[2]), em alguns Estados dos EUA, como o Estado do Kentucky ou mesmo o debate tido algumas décadas atrás em França (Neyrand, 2005), foram sujeitas, antes da sua implementação, a argumentos semelhantes ao do corrente debate em Portugal. Pretende-se, assim, que o mesmo seja caraterizado pelo rigor e a elevação que merece, caso contrário, corremos o risco de transformar uma matéria que é fundamental para os nossos filhos e filhas, bem como para as próximas gerações, numa tentativa falhada de pacificar a comunidade e garantir a coesão social. Aliás, nunca existiu com os regimes tradicionais de residência única, no passado, um escrutínio académico e público tão grande como existe hoje com a residência alternada (Kelly J. B., 1991). No âmbito desse escrutínio, Edward Kruk (2018), afirma que existem 3 vagas de argumentos que se assumem como resistentes à ideia da residência alternada: uma primeira em que rejeita por completo o modelo; uma segunda, baseada em aprofundadas refutações (fase em que nos encontramos atualmente em Portugal); e uma terceira, em que se reconhece que a ideia tem mérito.

Antes de avançar, também se torna necessário esclarecer que a iniciativa proposta é política e ideológica (ainda que sustentada no estado atual da investigação científica) e como tal implica por parte de quem decide a consciência de que não há posições neutrais. A abstenção sobre esta matéria significa de forma muito clara a manutenção do status quo vigente e a manutenção da desigualdade no cuidado parental pós-divórcio/separação.

Comecemos pelo que é política pública e pela compreensão da necessidade de alteração legislativa no sentido da presunção jurídica, pois é onde se insere esta temática.

 

A atual sugestão de alteração do Código Civil para a introdução da presunção jurídica da residência alternada ou mesmo de um regime preferencial para crianças de pais e mães divorciados ou separados deve ser vista no âmbito de uma política pública. Mas o que é uma política pública? A política pública não se resume a uma política de Estado ou de grupos da sociedade, mas envolve ações e decisões que caraterizam a mesma como uma política de todos. Constituí uma linha de orientação pública e ao mesmo tempo concretiza direitos constitucionais e legalmente previstos. Uma política pública pode, assim, ir ao encontro de uma necessidade social objetiva. A introdução no ordenamento jurídico português da presunção jurídica da residência alternada insere-se claramente nesse propósito. Pode-se também enquadrar esta matéria no âmbito das chamadas políticas públicas de terceira geração, onde surgem novos direitos, difusos, mas direcionados para e garantidos por todos. Garantir o direito da criança a um convívio mais igualitário entre os ambos os pais e mães é um direito a ser garantido, de facto, por todos.

 

Agora cabe responder às críticas que são feitas a esta iniciativa, para que a discussão possa prosseguir sem o ruído que tem caraterizado estas discussões, pois afinal mexem com emoções de pais e mães e com atitudes enraizadas na sociedade portuguesa de resistência à mudança.

 

O que é residência alternada e porquê a sua necessidade em situações pós-divórcio/separação? O que significa a presunção legal da residência alternada?

A residência alternada é uma “modalidade singular de coparentalidade após a dissociação conjugal caracterizada por uma divisão rotativa e tendencialmente paritária dos tempos de residência, dos cuidados e da educação da criança, entre o pai e a mãe” (Marinho, 2011). Assim, assenta numa divisão rotativa e tendencialmente paritária dos tempos, o que, na esmagadora maioria das situações, implica duas residências, e numa produção de um quotidiano familiar e social com a criança, onde efetivamente ambos exercem a parentalidade. A particularidade deste modelo é o que permite os resultados positivos nas crianças, que as investigações dos últimos 30 anos têm evidenciado de forma clara e consistente (Nielsen, 2018).

 

O estabelecimento de uma presunção jurídica da residência alternada, juntamente com os planos parentais e as orientações normativas propostas na Petição, é fundamental para garantir a segurança dos interesses e necessidades das crianças no período pós-divórcio/separação. À semelhança de outros países, elimina, assim, não só a desigualdade legal na atual legislação portuguesa, como reduz a discricionariedade judicial que tem pautado as decisões nas últimas décadas. Ao introduzir previsibilidade no sistema, através dos elementos anteriormente descritos, contribuí para a diminuição dos conflitos parentais, foco dos principais problemas com que as crianças se debatem nos pós-divórcio/separação.

Esta questão torna-se mais premente na medida em que existe desigualdade legal atual no exercício das responsabilidades parentais: “O modelo legal atual de exercício das responsabilidades parentais nos casos de progenitores que nunca viveram juntos, que se divorciaram ou se separaram, implica uma situação nitidamente desigualitária: em regra, é atribuída a maior parcela temporal do poder de decisão em atos da vida corrente do filho a um dos progenitores (o chamado “progenitor residente”) e, como se não bastasse, o outro (progenitor não residente), quando esteja temporariamente com o filho, está impedido de “contrariar as orientações educativas mais relevantes, tal como são definidas pelo progenitor com quem o filho reside habitualmente” (Pinheiro, 2017, p. 249).

 

Existe também desigualdade nas decisões judiciais, colocando a nu a fragilidade do argumento da liberdade de escolha: “Com efeito, os dados analisados sugerem que nas decisões judiciais persistem visões estereotipadas do vínculo privilegiado da mulher à parentalidade a tempo inteiro e o do homem a tempo parcial, na conjugalidade e após a rutura desta. À presença de estereótipos de género e de uma divisão rígida de papéis parentais associa-se uma certa priorização de funções parentais. É assim notória a primazia conferida às tarefas de cuidado, tradicionalmente apanágio das mulheres, invisibilizando-se as vivências associadas à paternidade, certamente diversas e obscurecendo-se também a possibilidade de existir mais do que uma figura de referência” (Jorge, 2017, pp. 202-203).

 

Assim, a presunção jurídica da residência alternada em Portugal irá garantir não só o exercício comum das responsabilidades parentais para os atos de particular importância (legislação em vigor) mas igualmente estabelecer uma maior partilha do tempo e das responsabilidades parentais quotidianas nos cuidados de ambos os pais e mães aos filhos/as. Isto permite igualmente passar a mensagem às crianças que ambos os pais e mães têm o mesmo valor e centrar o discricionário superior interesse da criança no que é o melhor interesse da criança baseado na evidência científica (Kruk, 2018).

Mas afinal o que é uma presunção jurídica? A presunção é algo que o Direito recorre frequentemente, portanto, não se trata de nenhuma inovação jurídica. Já na atual lei das responsabilidades parentais presume-se que aquando da separação ou divórcio se mantenha o exercício comum das responsabilidades parentais que vigorava na constância do matrimónio ou da coabitação ou ainda sem qualquer coabitação. Mas antes de mais, há que distinguir a presunção legal da presunção simples ou hominis ou judicial. A ideia de presunção, de uma forma geral, é ter como verdadeiro determinada coisa até que se prove em contrário. Trata-se assim de um enunciado normativo, geral e abstrato, do qual a partir de um dado conhecido afirma-se algo desconhecido. O que estaria aqui em causa, com a presunção legal da residência alternada é que esta é o melhor para a criança, em princípio (algo conhecido), até que se prove o contrário (algo desconhecido). Ou seja, reconhecemos que à altura do divórcio ou separação existe uma realidade social da partilha de responsabilidades e cuidados de ambos os pais e mães em relação à criança. Se na prática de uma família em concreto essa partilha não existe, ou é prejudicial à criança, poderá uma das partes, ou o próprio Ministério Público, alegar ser contrário aos interesses da criança, afastando assim, de forma fundamentada, esta presunção. É semelhante ao princípio legal da presunção de inocência. Supor à partida que em cada regulação do exercício das responsabilidades parentais estamos perante famílias disfuncionais, estruturalmente conflituosas ou incapazes de exercer a sua parentalidade de forma plena, é de facto um atestado de inferioridade às mesmas por parte do Estado Português. Faz assim todo o sentido invocar, neste momento (e não em outro) o princípio da autonomia da família, de que são reflexo os princípios da intervenção mínima e da responsabilidade parental, consagrados no artigo 4º, alíneas d) e f), da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo, aplicáveis também ao Regime Geral do Processo Tutelar Cível: se durante a vida em comum não foi verificada a existência de qualquer perigo para a criança que justificasse a intervenção do Estado, é legítimo presumir que ambos os pais e mães cumpriram, em condições de igualdade, os poderes-deveres que as responsabilidades parentais encerram; e se não se levantaram dúvidas antes da separação ou divórcio sobre as suas competências parentais, é mais do que legítima a ilação de que, após esse momento, continuarão a exercer as funções parentais nos mesmos termos, justificando-se por isso a manutenção do status quo ante (partilha do exercício das responsabilidades parentais e residência com ambos), sendo o modelo de residência alternada o único que, com as limitações inerentes ao divórcio e separação de casas, efetivamente o permite.

 

Isto leva-nos a outro tipo de presunção, a simples. Esta não se encontra na lei, mas no ser humano, enquanto ideia coletiva, ou seja, da experiência comum e da convivência social. Escusado será dizer que aqui estamos perante inferências empíricas, mesmo que se observem determinados requisitos metodológicos. Tais inferências empíricas levam-nos às conclusões da investigação da Ana Reis Jorge e que ao fim e ao cabo, têm dominado a jurisprudência, doutrina e principalmente práticas judiciais em Portugal durante demasiado tempo.

A presunção legal divide-se ainda em juris tantum e juris et de jure, sendo que na primeiro é admitida prova em contrário para ilidi-la, enquanto a segunda não admite prova em contrário. Ora, a proposta da Petição propõe uma presunção legal juris tantum, ou seja, a legislação assume que a residência alternada é o melhor rearranjo familiar para as crianças em situação de pós-divórcio/separação conjugal, mas admite que a mesma não se possa aplicar num dado caso em concreto, quando os efeitos não são aqueles que a legislação assumiu como apuráveis.

 

Vejamos agora as principais críticas à residência alternada e sua presunção jurídica.

 

  1. A residência alternada só funciona se existir determinadas condições

 

Este argumento, ainda que válido e atendível, está prevista na Petição entre na Assembleia da República.

A proposta que a Petição leva à Assembleia da República propõe pela primeira vez um conjunto de orientações normativas claras, que devem ser tidas em conta, entre outras, para o estabelecimento da residência alternada, tais como: “o superior interesse da criança; as necessidades físicas, psicológicas, afetivas, emocionais, sociais e materiais da criança; o acordo entre os pais e mães e, na falta deste, a necessidade de recurso à mediação familiar ou a outro tipo de acompanhamento/apoio familiar e/ou parental; o manifesto interesse dos pais e mães quanto ao envolvimento parental; a adequação dos termos do plano parental, em particular das modalidades de alternância de residência acordados entre os pais e mães, às necessidades da criança e ao envolvimento parental de cada um dos pais e mães; a disponibilidade manifestada por cada um dos pais e mães para promover relações habituais da criança com o outro e o cumprimento dos termos do plano parental; a vontade manifestada pela criança, de forma livre” (A.P.I.P.D.F., 2017).

Reparem que neste articulado está assegurado uma série de questões que são levantadas pelos opositores da presunção jurídica. Ambos os pais e mães têm que manifestar o seu interesse em manter ou ter um envolvimento parental igualitário, dar resposta às necessidades da criança e para que tal vontade não fique no plano das intenções terá que existir um plano parental que terá que ser cumprido. Introduzimos inclusive a vontade da criança como critério orientador (mas não definidor), o que demonstra a profunda convicção que temos de que as crianças querem ambos os pais e mães envolvidos nas suas vidas. Também fica salvaguardado com este articulado as situações em que uma das partes não pretende ter um envolvimento parental igualitário ou tendencialmente igualitário. Havendo, por exemplo, acordo pela residência única, os magistrados devem ter isso em conta e homologar o mesmo nesses moldes, visto ser a vontade de ambos. Só se devem opor à residência única se, no caso concreto, entenderem que é importante a presença equilibrada dos dois na vida da criança (por exemplo, não deverá aceitar que um pai ou mãe, podendo, esteja totalmente ausente da vida da criança, pois tal é contrário aos seus interesses). Mas a verdade é que nos países em que se optou por uma legislação no sentido de um envolvimento parental mais igualitário assistiu-se no período pós-reforma legislativa a um aumento de residências alternadas, em especial por acordo, como é exemplo disso o caso australiano (Parkinson, 2018). Uma reforma legislativa nestes contornos cria as condições para a diminuição dos conflitos e aumento dos acordos de residências alternadas.

Por fim, parte do conflito parental advém da própria desigualdade da Lei e das práticas judiciais. Geralmente é colocada em causa a idoneidade de um dos pais ou mães. O que se quer dizer com isto? Que se parte geralmente de um pressuposto que uma das partes tem mais aptidões adquiridas pela prática que o outro não tem, justificando assim a opção pela residência única. Assim sendo, as condições ideais que geralmente são colocadas, como a ausência de conflito ou a idoneidade de um deles, são elas mesmo um impedimento ao envolvimento parental mais igualitário. Como mero exercício abstrato, vamos imaginar que para o estabelecimento da filiação quando uma criança nasce não só os pais e mães tinham que o reconhecer legalmente, mas igualmente teriam que mostrar as suas competências e idoneidade para poderem levar a criança para casa. Para a população portuguesa, algo desse género seria inadmissível. Ora, é exatamente isso que se faz com a atual legislação referente ao período pós-divórcio/separação.

 

2. Não deve haver um modelo único aplicado a todas as crianças, pois “cada é um caso”…

 

Não deverá haver uma presunção jurídica pois cada caso é um caso. Este argumento já foi usado em outros países (Kruk, 2018), principalmente por parte de profissionais ligados à psicologia e advocacia e que não se querem comprometer com as mudanças sociais, achando que a sua posição é a posição do “meio”, a ponderada e a que vai sanar as diferenças insanáveis. Assumem-se geralmente a favor da residência alternada, mas contra a presunção jurídica, alegando que tal retirará a possibilidade de análise casuística. Usam também este argumento para rejeitar a residência alternada em situações de pais e mães em conflito intenso ou em crianças pequenas. Dizem ainda que o superior interesse da criança deve ser determinado em função de cada criança e de cada família, devendo assim manter-se a discricionariedade das decisões do Ministério Público ou dos magistrados judiciais, rejeitando, para isso, qualquer presunção legal.

Temos que começar por afirmar que a proposta de presunção legal da residência alternada é fundada na evidência científica das investigações orientadas para o melhor interesse das crianças em situação pós-divórcio/separação conjugal, oferecendo uma clara e sustentada orientação normativa para a tomada de decisão judicial, fundamentada no envolvimento parental igualitário como o melhor interesse da criança. Realiza um corte com o modelo de residência única nas decisões judiciais, retira o elemento especulativo das mesmas, reduz a discricionariedade, contribuindo para a diminuição dos conflitos parentais e dá segurança nos resultados do modelo. Ignorar a correlação que os estudos científicos nos dão para a definição de políticas públicas seria o mesmo que ignorar os efeitos que o consumo do álcool ou do tabaco tem nos adolescentes ou usar o telemóvel enquanto se conduz. Foi com base nessas correlações que se estabeleceram políticas públicas que beneficiam todos. Se entendermos que “cada caso é um caso” os técnicos das Comissões de Proteção de Crianças e Jovens teriam que avaliar se, para cada caso em concreto, o consumo sistemático de álcool num adolescente teria consequências na sua vida; ou um agente da autoridade teria que avaliar, em cada caso, se enviar mensagens pelo telemóvel enquanto se conduz põe ou não em risco a integridade física do condutor e de terceiros. A evidência científica tem uma missão na definição de políticas públicas e tal não deve ser diferente quando discutimos a presunção jurídica da residência alternada.

 

Quanto às situações de conflito como impeditivo da residência alternada, são posições não suportadas pela investigação científica mais recente (Nielsen, 2017). Além disso, atualmente os melhores interesses da criança têm sido baseados na residência única ou na figura primária de referência em situações pós-divórcio/separação. Tal tem sido evidenciado nos estudos em Portugal, onde sistematicamente nos deparamos com um padrão de decisão, com atribuição de residências de crianças às mães, numa percentagem superior aos 2/3, o que indica que se tem menos em conta as especificidades do contexto social das crianças do que uma presunção jurídica da residência alternada, que permite diferentes variações de rearranjos familiares. E estas práticas de decisão ligam-se com a falta de reconhecimento sobre as “componentes sociais e culturais do envolvimento parental, da coparentalidade e das relações familiares, bem como as várias camadas da sua multidimensionalidade e complexidade (…)” (Marinho, 2017). Na verdade, tal reconhecimento “tende a estar arredado da regulação das responsabilidades parentais, sendo muitas vezes preterido a favor de noções psicologizantes e particularistas da família, expressas na ideia, hoje em voga, de que “cada caso é um caso”. Contudo, não existem famílias, crianças, pais ou mães a viver em vazios sociais e culturais. As próprias noções de família, maternidade, paternidade e coparentalidade são construções sociais. Mais, são, na verdade, realidades culturais, ou seja, são configuradas pelas normatividades, valores, práticas e significados que, coletiva e individualmente, atribuímos à reprodução humana e aos laços, relações e papéis sociais que se tecem em torno dela, em cada tempo e contexto socio-histórico. É o conhecimento sobre as dimensões sociais e culturais da parentalidade e da família que permite perceber que as lógicas de funcionamento e as experiências de cada família são simultaneamente únicas e iguais às de muitas outras, seguindo padrões sociais. Isto acontece porque as práticas e relações familiares estão ancoradas na relação entre a cultura e as condições materiais de uma sociedade, e a singularidade identitária, relacional e do percurso de vida de cada pessoa que constitui e cimenta cada grupo familiar. Na verdade, é esta natureza simultaneamente individual, intima, relacional, material e social que leva a que seja na família, e não tanto noutros contextos, que homens e mulheres interpelam e recusam papéis sociais e hierarquias pré-definidas e fomentadoras de desigualdades entre sexos e gerações, substituindo-as pela negociação parental e conjugal, pela igualdade entre sexos e pela proximidade afetiva entre gerações, novos ingredientes da vida familiar que mudaram as formas de tecer as relações parentais” (Marinho, 2017).

 

Tendo em conta tudo isto, a proposta levada ao Parlamento introduz a figura do plano parental que estabelece “pelo menos os termos da partilha entre pais e mães do tempo de residência com filhos e filhas e das atividades, custos, responsabilidades parentais, convívios com outras figuras com que tenham relações afetivas significativas e formas de resolução alternativa de litígios” (A.P.I.P.D.F., 2017). Ora, ao contrário da atual legislação, há uma clara orientação normativa para que pais e mães organizem a vida da criança tendo em conta as suas necessidades e especificidades em função da idade, não só no presente, como no futuro, bem como a realidade do seu quotidiano atual e futuro, numa situação pós-divórcio/separação. Existem dezenas de combinações dos tempos igualitários da criança com o seu pai e mãe e que são adaptados em função da idade. Um plano parental dá resposta integral a isso.

Mas vejamos em mais pormenor os problemas que a posição “cada caso é um caso” levanta à luz do atual ordenamento jurídico português. Em primeiro lugar o próprio conceito de superior interesse da criança é indefinido, com alguma falta de consenso legal (ainda que possamos recorrer aos instrumentos internacionais para o melhor preencher) e baseados na especulação de uma conduta futura (Kruk, 2018), ou seja, geralmente olhando para a família como uma entidade estática, reproduzindo estereótipos de género, contrários aos próprios interesses que alegadamente visam defender. Em segundo, o poder discricionário dado ao Ministério Público (que muitas vezes rejeita acordos de residência alternada de crianças pelos seus pais e mães) e aos magistrados judiciais deixa espaço a idiossincrasias discriminatórias (como temos visto em alguns acórdãos dos Tribunais da Relação quanto aos papéis parentais  em relação a crianças mais pequenas) e numa área em que muitos destes profissionais não têm a formação efetivamente adequada e, portanto, sujeita a erros judiciais. Como já disse Sofia Marinho, “quem quer regular acordos parentais está sempre sujeito às interpretações dos magistrados. É um totoloto” (Marinho, 2017). Em terceiro, as decisões baseadas no superior interesse das crianças tendem a refletir mais a presunção da residência única e eventualmente ideias estereotipadas sobre os papéis de género de pais e mães. A discricionariedade na interpretação do superior interesse da criança cria o contexto para iniciar ou intensificar o conflito parental e alimenta o conflito processual, pois cria o contexto em que o “vencedor fica com a criança”, permitindo que tudo possa ser jogado por ambos para esse fim, inclusive a manipulação da criança de forma a reproduzir uma determinada narrativa no processo. Em quinto lugar, o superior interesse da criança torna o tribunal dependente das avaliações sociais da Segurança Social e das perícias médico-legais. Tais relatórios são morosos e por vezes falta-lhes fundamentação empírica e base científica, bem como profissionais com qualificações adequadas para a elaboração deste tipo de relatórios. Depois, a visão das crianças e da sua família sobre o que são as suas necessidades são diferentes das do sistema judicial, que têm bastantes limitações. Em sexto, perante dois pais e mães adequados o tribunal não tem nenhuma orientação, nem na lei, nem na psicologia, para os distinguir. Finalmente, apesar da retórica assente no “superior interesse da criança” a verdade é que os interesses das crianças estão frequentemente sub-representados nas conferências de pais e nos julgamentos, onde estes últimos mais se assemelham a uma arena de luta de entre os direitos das mães contra os direitos dos pais e vice-versa (Brown, 2013). Será legitimo, face ao que foi dito, manter tudo como antes?

 

3. A residência alternada requer a ausência (ou pode ser geradora) de conflito parental?

 

Durante décadas e ainda nos dias de hoje persiste a ideia que a residência alternada só pode ser determinada na ausência de conflito parental, i.e., se pais e mães se “derem bem”. Próxima desta, é a ideia que a residência alternada pode, de per si, gerar ou potenciar o conflito parental, ou mesmo a violência. Por conseguinte, a existência de conflito parental logo após o divórcio tem sido usada como argumento doutrinal e jurisprudencial para afastar a residência alternada, na convicção de que a sua atribuição a pais e mães em conflito se traduz em resultados negativos para a criança, em comparação com as residências únicas. No entanto, existe hoje uma forte fundamentação empírica que tal não corresponde à realidade. Aliás, a residência alternada pode promover a cooperação entre mães e pais, mesmo quando há alguma conflitualidade.

Apesar de a literatura científica apresentar abordagens metodológicas diferentes nesta matéria (Mahrer, O’Hara, Sandler, & Wolchik, 2018) existem algumas conclusões relevantes que precisam de ser conhecidas antes de se tomar alguma posição.

Para começar, muitos pais e mães têm relações conflituosas quando se separam e no ano seguinte à mesma. Esses conflitos tendem a decrescer com o passar do tempo, em cerca de 50% a seguir ao divórcio e 25% nos anos seguintes (Fischer, Graaf, & Kalmijn, 2005; Hetherington & Kelly, 2003). A investigação realizada por Linda Nielsen vai igualmente nesse sentido, mostrando que a literatura não apoia a ideia de que o conflito parental deve afastar a residência alternada. O conflito e baixos níveis de cooperação não estão ligados a piores resultados em residência alternada do que em residência única. Geralmente, pais e mães com crianças em residência alternada têm menos conflitos e desenvolvem relações mais cooperantes do que crianças em residência única (Nielsen, 2017). Numa meta-análise realizada pela investigadora Linda Nielsen, de dados retirados de 14 estudos (uma amostra de 2.767 pais e mães com crianças em residência alternada e 13.281 sem residência alternada), verificou que pais e mães em residência alternada diminuíam o conflito em 40%, 59% mantinham e apenas em 1% aumentava o mesmo. No mesmo sentido vão autores como Bauserman (Bauserman, 2002). Tal é facilmente compreendido se pensarmos que a residência alternada implica menos intercâmbios (usualmente designado por trocas ou entregas) entre pais e mães, pelo que a probabilidade de o conflito escalar é menor, mais ainda se nas regulações estiver previsto que esses intercâmbios se façam, por exemplo, na escola. Assim, a quantidade de tempo que as crianças passam com pais e mães com elevado conflito e em residência alternada pode não ser tão problemática como crianças em residência única nas mesmas condições familiares (Kelly J. B., 2007). Outra explicação para que o conflito parental tenda a diminuir com a residência alternada do que com a residência única é que nenhuma das partes se sente marginalizada. Assim, a qualidade da relação pai/mãe-criança apresenta-se como melhor preditor do que o conflito parental, com a exceção da exposição da criança a conflito extremo.

Podemos, portanto, afirmar que a residência alternada pode tornar conflitos de elevada intensidade mais toleráveis aos efeitos negativos que estes têm nas crianças (Warshak, 2014). Uma relação próxima com ambos os pais e mães é protetora para a criança, pois estas apresentam uma menor internalização dos problemas (Nielsen, 2017).

Assim, os benefícios da residência alternada são independentes do conflito parental. Estes, são observados tanto em conflitos de baixa, como de elevada intensidade. As exceções são situações onde as crianças estão em situação de maus tratos físicos ou negligência por parte de um dos pais e/ou mães ou a sua exposição a conflito extremo.

 

Por fim, há um erro neste tipo de críticas: a incapacidade de distinguir o conflito extremo da discordância parental. A discordância faz parte do nosso dia a dia, faz parte da nossa sociedade e colocar as crianças numa redoma pode de facto estar a prejudicá-las. “Na medida em que temos famílias mais igualitárias e democráticas, a negociação torna-se num elemento central nas relações familiares, tornando a discordância como algo normal. Ou seja, é a negociação que permite a coesão. Nesta perspetiva, o conflito não é necessariamente negativo, mas um elemento sempre presente, quer na conjugalidade quer na parentalidade” (Simões, 2018). Assim, os conflitos não são necessariamente maus para as crianças. É o conflito persistente e continuado que arrasta a criança para um conflito tóxico e é desse conflito que elas precisam ser protegidas. Mas na maioria das situações de conflito de elevada intensidade pós-divórcio a violência e o abuso não são fatores. As crianças são melhor protegidas quando ambos os pais e mães estão envolvidos de forma igualitária na vida delas e quando as instituições sociais os apoiam no cumprimento das suas responsabilidades (Kruk, 2013).

 

4. A residência alternada já é possível desde a alteração legislativa de 2008 (Lei Nº61/2008)

 

Sim, a residência alternada é possível no ordenamento jurídico português, existindo, no entanto, uma já longa discussão sobre a possibilidade da existência de dois “cuidadores habituais” (Oliveira, 2017, p. 154). Segundo alguns autores de Direito da Família e das Crianças, tal já era possível desde 1977. Mas após a reforma legislativa de 2008, a discussão na doutrina sobre se a lei permitia a fixação de apenas uma ou duas residências, foi mais intensa, tendo prevalecido, salvo melhor opinião, na doutrina e na jurisprudência atual a posição de que é possível a fixar duas residências para a criança. A exemplo disso, diz Prof. Guilherme de Oliveira: “o texto legal refere-se explicitamente ao modelo tradicional em que a criança vive habitualmente com um progenitor e outro exerce direitos de visita. Mas outros dados legais claros sugerem que o tribunal pode homologar ou decidir um regime que alargue os direitos de visita até se poder falar de uma repartição dos tempos de convivência com ambos os progenitores, ou seja, até ao ponto de se fixar um verdadeiro regime de residência alternada” (Oliveira, 2017, p. 162). Ora, se o texto legal é assente num modelo tradicional (progenitor residente versus progenitor visitante), da citação retiramos que a residência alternada não é impedida, o que é diferente de se dizer que está prevista. Por ser uma área de jurisdição voluntária os pais e mães podem entender entre eles qual a melhor forma de determinar os tempos da criança com cada um deles. No entanto, como o próprio Prof. Guilherme de Oliveira o afirma, “a Lei n.º 61/2008 pretendeu, sobretudo, atribuir as responsabilidades parentais a ambos os progenitores nas questões de particular importância; não pretendeu impor um regime novo quanto à residência dos filhos, à confiança, ao cuidado, à guarda, conforme se preferir dizer” (Oliveira, 2017, p. 161)”. Fica assim de fora da letra da lei a promoção da partilha equilibrada dos tempos de vida da criança com ambos os pais e mães. Nem sequer é colocado tal como regime preferencial. Compreende-se assim, que, em 2008, o próprio Guilherme de Oliveira, na elaboração da proposta de Projeto de Lei encomendado pelo Partido Socialista, não quisesse ir mais longe. Optou-se pela estratégia dos pequenos passos, como o próprio esclarece: “estas afirmações mostram que o regime português ficou muito distante de outros que impõem a repartição paritária dos tempos de convivência entre o filho e os dois progenitores. Nos Estados Unidos, alguns Estados impuseram a partilha de “tempos significativos” com cada progenitor; outros estados chegaram ao ponto de exigir uma partilha de “tempos iguais” de convivência (Parkinson, 2011, p. 46)” (Oliveira, 2017, p. 157). Se a isto juntarmos a opinião jurídica do Prof. Jorge Duarte Pinheiro sobre a desigualdade nos cuidados à criança que está implícita na atual legislação, a verdade é que não podemos dizer que a residência alternada esteja prevista na atual legislação. Pela sua omissão legal, pela interpretação dominante da doutrina e de alguma jurisprudência tem sido possível manter algumas decisões judiciais de fixação de duas residências da criança (implicando isso um tempo mais ou menos igualitário da criança com ambos os pais e mães), mesmo em situações de desacordo, e acolhidos acordos de residência alternada, em certos casos com grandes esforços por parte de pais e mães. Assim, a ausência de uma orientação normativa clara neste sentido foi uma opção em 2008, mas face ao que hoje sabemos, não só da literatura internacional, mas igualmente da realidade social portuguesa e das práticas judiciais, é algo que se impõe mudar, de forma a adaptar a lei a esta nova realidade crescente da parentalidade cuidadora nas famílias portuguesas, por parte de pais e mães e no melhor interesse da criança.

 

5. Deve-se ter como critério de determinação da residência a figura primária de referência

 

Na primeira vaga de argumentos contra a residência alternada encontramos frequentemente a defesa da figura primária de referência, geralmente a mãe, como aquela que proporciona a estabilidade à criança. Esta visão, essencialista, argumenta que as separações conjugais com crianças pequenas colocam em causa a vinculação segura, gerando problemas mais tarde no desenvolvimento da criança. Ora, apesar de J. Bowlby, nos primórdios da teoria da vinculação, não abordar o papel do pai, o autor acabou, mais tarde, numa revisão dos seus textos, por salientar o contributo também paterno para o desenvolvimento adaptado da criança. A abordagem do pai como Figura de Vinculação surgiu, desta forma, mais tarde e passou por diferentes fases ao longo das décadas, até aos dias de hoje, a saber (Bretherton, 2010) :

Fase 1. Podem também os pais atuar como Figura de Vinculação? (anos 60)

Fase 2. Se sim, assumem um papel igualitário ao papel da mãe ou secundário? Haverá uma hierarquia das figuras? (anos 70)

Fase 3. Existem diferenças entre a qualidade da relação de vinculação mãe-criança e pai-criança? (anos 80)

Fase 4. A qualidade da relação (e interação) mãe-criança e pai-criança têm impacto no desenvolvimento da criança ao longo do tempo? (anos 90, 2000)

Com o tempo, a investigação neste âmbito foi-se complexificando e, logo, informando a teoria da vinculação. Hoje, a comunidade científica destaca o contributo tanto materno como paterno para o desenvolvimento adaptado da criança, salientando o impacto do seu efeito conjunto: i.e., crianças com vínculos seguros simultaneamente com a mãe e com o pai, parecem evidenciar maior adaptação emocional e comportamental.

Esta mesma investigação tem incorporado a abordagem sistémica da família no estudo da qualidade das relações de vinculação. Tem olhado para outros fatores que influenciam o desenvolvimento emocional e comportamental da criança (e.g. conflito conjugal ou coparentalidade). Assim, tem-se centrado no envolvimento conjunto e recíproco de ambos os pais nos cuidados e decisões a respeito da criança. Incide igualmente nas interações interparentais em relação às práticas, funções e expectativas dos pais no desempenho do papel de ambos. Também desmonta a ideia de que as alterações biológicas são exclusivas da mãe. Por exemplo, a investigação tem verificado que durante as interações criança-pai ocorrem também alterações neuroendócrinas no pai (níveis de ocitocina, por exemplo), e que os homens que são pais apresentam níveis diferentes de prolactina.

Assim, a grande falha deste argumento é que se baseia em investigação científica ultrapassada e datada no tempo. Sustentar a determinação da residência única e, consequentemente, um envolvimento parental desigual nos cuidados à criança após a dissociação conjugal significa não saber fundamentar, à luz do estado atual do conhecimento científico, o melhor interesse da criança.

Por fim, há que referir que este argumento tem sido utilizado há várias décadas, para sustentar os supostos benefícios da figura primária de referência ou do progenitor cuidador como critério orientador, afirmando-se que tal conceito colocaria em causa a saúde psicológica da criança na medida em que tornava os processos judiciais longos e incertos. Essa discussão levantava a hipótese de existir antes presunções, que permitissem produzir resultados mais previsíveis e assim diminuir os tempos da criança em tribunal (Goldstein, Freud, Solnit, & Burlingham, 1984).

Do ponto de vista legal, em Portugal, a opção pela figura primária de referência é, hoje, salve melhor opinião, face ao artigo 1906º, do Código Civil, um critério meramente residual, sendo o critério preferencial o do progenitor amistoso, com a atribuição de força legal à chamada "friendly parent provision".

 

6.A residência alternada não se pode aplicar a bebés e crianças de “tenra idade”

 

Sobre esta matéria existe um consenso que pernoitas frequentes para crianças pequenas com ambos os pais e mães é um fator protetor (Warshak, 2014), contribuí para o seu bem-estar e não diminuí a qualidade da relação mãe-criança (Nielsen, 2015). Especialmente quando elas são muito pequenas as interações entre pai-criança e mãe-criança precisam de ser regulares, com uma rotina e precisam de incluir pernoitas. Só assim é possível maximizar relações douradoras e vinculações seguras. Mas claro que esta situação não se aplica a todas as crianças mais pequenas, pois outros fatores devem influir para as famílias pós-divórcio/separação, como por exemplo os horários de trabalho. No entanto, qualquer proibição ou condicionamento de tempos mais igualitários da criança com ambos os pais e mães (como por exemplo, “não pode dormir na casa do pai antes dos 3 anos”) vão contra o que hoje sabemos sobre o desenvolvimento infantil e tem sido baseada em falsas conceções (Nielsen, 2014). Um dos exemplos dados para desconstruir esta ideia sem fundamento são os casais com profissões com turnos noturnos, como sejam os/as médicos/as, os/as enfermeiros/as ou pessoas que trabalham na aviação comercial ou ainda em fábricas de automóveis. Nesses casais é frequente ver a mãe ausente durante o período noturno por motivos profissionais e o pai assumir os cuidados à criança. E observamos este comportamento com famílias monoparentalis femininas, onde as crianças são confiadas a terceiros. Exemplo disso, em Portugal, é o infantário da companhia aérea TAP, que funciona 24 horas por dia, 365 dias por ano. Como é descrito e apresentado pela própria Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego como uma boa prática, o “serviço destina-se, preferencialmente, a pessoal com horários menos convencionais, como o pessoal de voo ou pessoal com horários por turnos” (CITE, s/d). A pernoita da criança é feita com os chamados cuidadores profissionais (por exemplo, educadores de infância) e nestas circunstâncias não se questiona o afastamento da mãe ou do pai.

Sabemos da atual investigação sobre a vinculação que depois do divórcio/separação as pernoitas são oportunidades fundamentais para interações e cuidados à criança que as “visitas” não permitem, como dar banho, estabelecer rituais de dormir, confortar durante a noite, dar segurança quando acordam, fazer as refeições para a criança entre outras (Warshak, 2014). Além disso, as crianças muito pequenas não toleram bem a separação longa das suas figuras de referência, geralmente pais e mães, pois afeta o seu desenvolvimento e ajustamento à mudança provocada pelo divórcio/separação. Um estudo recente indica-nos inclusive que as crianças com menos de 3 anos que tiveram relações significativas com ambos os pais e mães (com pernoitas) têm, enquanto jovens adultos, melhor relacionamentos com os seus pais e mães do que aquelas crianças que não tiveram esse tipo de relacionamento (Fabricius & Suh, 2017).

Portanto, afastar-se logo à partida a residência alternada de crianças muito pequenas é condicionar as opções sobre o que pode ser o melhor interesse da criança. Sabendo nós, através da literatura científica, que os primeiros anos de vida são fundamentais para o desenvolvimento da criança, especialmente através do estabelecimento de relações significativas com os seus cuidadores, não podemos de todo excluir a importância do tempo igualitário da criança com os pais e mães nesta fase do seu desenvolvimento. Só assim as crianças atribuem significado à relação e a internalizam de forma segura. Existem estudos em Portugal que vão neste sentido, onde o envolvimento parental, em particular, do pai, nos cuidados e atividades de lazer está ligado a vinculações mais seguras (Monteiro, et al., 2010). A desconstrução destes mitos é fundamental para que nos possamos centrar-nos no conceito que melhor dá resposta às necessidades das crianças, que é o envolvimento parental mais igualitário.

 

7. A residência alternada não dá estabilidade à criança

Existem vários argumentos associados à residência das crianças e às mudanças entre residências que tentam descredibilizar a residência alternada enquanto modelo viável. Convém, assim, analisar cada uma dessas críticas e compreender, à luz do que hoje sabemos da literatura científica, o que efetivamente conduz ao melhor interesse da criança.

 

Comecemos pelo argumento recorrente nesta discussão que é a visão dos adultos sobre o lugar ou residência da criança. Para começar é necessário perceber que o lugar da criança se estabelece na relação entre o espaço e a interação. As crianças movem-se num determinado espaço geográfico, mas igualmente nas suas diferentes expressões: paisagem (por exemplo, parques infantis, mas também os seus cheiros, sons, cores, etc.), território (espaço onde se processam as interações e que podem ser ou não vedados às crianças) e lugar (espaço a que a criança dá significado). Assim, as crianças constroem ao longo do tempo, assim, territórios-lugares através de processos de vivência do espaço através da interação, de subversão do espaço, subversão da ordem instituída, conhecimento da comunidade, do sentimento de identidade e de pertença e capacidade de abstração para a criação (Lopes, 2008). As infâncias e a adolescência devem ser vistas como construções sociais, pois só assim é permitido à criança ter um papel de agência nos diferentes processos sociais, assumindo-se como sujeito de direitos. É isso que nos permite hoje olhar para o significado que a criança dá às relações num dado espaço enquanto espaço vivido (Fremont, 1980). Assim, o espaço geográfico deve ser visto como produto social (Isnard, 1982). Tudo isto leva-nos a afastar do essencialismo e do biologismo que durante demasiado tempo dominou muitas das ciências sociais e que ainda perdura no senso comum.

 

Tendo em linha de conta esta perspetiva, em especial a noção de lugar da criança, existiram vários estudos que procuram perceber o impacto da existência de duas residências na criança. As famílias cujas crianças estão em residência alternada raramente se preocupam com a disrupção de ter duas casas (Greif, 1979), sentindo-se as crianças “em casa” nos dois lugares (Abarbanel, 1979). É reconhecido pela literatura que a residência alternada diminui o nível de stress das crianças e melhora a adaptação à separação conjugal dos pais e mães, em comparação com a residência única. Estudos mais recentes, com amostras significativas e longitudinais, têm mostrado que o envolvimento parental igualitário traduz-se no melhor ajustamento ao divórcio conjugal e melhores indicadores físicos, psicológicos, emocionais e de bem-estar da criança (Bergström, et al., 2013; Bergström, et al., 2015; Fransson, Låftman, Östberg, Hjern, & Bergström, 2017; Turunen, 2015). Devemos assim ter em grande consideração o significado que as crianças dão aos espaços, significado esse muito intermediado pelo envolvimento parental.

 

Outra questão é a instabilidade da existência de duas residências para as crianças. É verdade que as crianças precisam de estabilidade e previsibilidade nas suas vidas. Mas essa estabilidade advém das vivências da criança com os seus cuidadores e não do lugar em concreto. Assim, a estabilidade e previsibilidade não deve ser vista sob o ponto de vista de um espaço físico, mas sim das relações e interações que a criança estabelece, em particular, com pais e mães. Se uma criança está habituada a ter mães e pais envolvidos na sua vida quotidiana, a separação ou divórcio provocará instabilidade se esse envolvimento parental (tempos, atividades parentais, cuidados e relacionamento) parental for drasticamente alterado. É nesse envolvimento que se estabelece uma relação quotidiana não só com os pais e mães, mas igualmente com a restante família alargada.

Se atendermos à conciliação entre vida familiar e vida profissional na sociedade portuguesa, não é raro ver as famílias socorrerem-se de ajudas na organização do quotidiano, seja de outros familiares, seja de cuidadores profissionais. Por exemplo, quando mães e pais trabalham muito cedo e tem que deixar a criança na casa dos avós ou em algum equipamento escolar que abra bastante cedo, ou ainda quando precisam de apoio após o horário escolar. As dificuldades a nível da conciliação são ainda maiores em famílias monoparentais, em que recai apenas sobre um progenitor esta gestão do dia-a-dia (Correia, 2013; Wall et al. 2016).Se aceitamos tudo isto, em que a criança circula diariamente entre vários espaços, porque não aceitar a residência alternada, onde a criança poderá ter mais resposta às suas necessidades (pois estão envolvidos os dois pais ou mães e respetivas redes de suporte) e inclusive ter relações muito mais significativas, mitigando ainda a sobrecarga que penaliza a conciliação das famílias monoparentais com residência única?

Existe uma variedade de perspetivas que se propõem explicar as ligações entre o divórcio e o ajustamento da criança (Hetherington, Bridges, & Insabella, 1998) e que podem estar ligados à instabilidade (e não tanto o modelo de residência): caraterísticas individuais da criança; mudanças na composição da família e o possível efeito negativo da ausência paterna, típico nos modelos de custódia maternal; o stress económico gerado pelo orçamento familiar passar a ser suportado essencialmente por um dos pais/mães; os efeitos do stress parental na criança; e as mudanças nas dinâmicas familiares, como o conflito e a expressão de emoções. Existe, assim, uma série de outras variáveis que podem influir para a (in)estabilidade da criança no seu processo de adaptação ao divórcio dos pais e mães, que não tem necessariamente a ver com o modelo de residência.

 

Uma das outras críticas mais comuns e que faz parte da primeira onda de argumentos contra a residência alternada é o da “criança com a mala às costas”. Este argumento tenta passar a ideia que a residência alternada é insustentável para a criança, pois iria parecer um ioiô. Também é argumentado que a transferência entre casas iria trazer consequências no ajustamento da criança e trazer instabilidade e insegurança à mesma. Além desta questão, é levantada ainda a necessidade de a criança se adaptar a dois estilos educativos diferentes e que tal se traduziria em stress e confusão. E ainda que o facto de estar frequentemente com os dois pais e mães poderia estar mais exposta a conflitos de lealdade.

Vejamos então em mais pormenor todas estas questões. Em parte, podemos dizer que as crianças andam com as malas de um lado para o outro, mas isso verifica-se essencialmente com as residências únicas, onde a criança leva uma mala para a casa do outro pai/mãe com quem não está habitualmente e portanto, tem pouca coisa na casa do pai/mãe “visitante”. Um estudo empírico apresentado na 7ª Conferência Internacional Igualdade Parental Séc.XXI, em Leiria, este ano, pelo advogado e mediador familiar espanhol, José Luis Sariego Morillo, demonstrou que em residência única a criança separa-se de cada um dos pais/mães, em média, 120 vezes ao ano de cada um, ou seja, 240 vezes. Num modelo quinzenal a criança separar-se-ia 24 vezes de cada pai ou mãe ou num regime semanal na ordem das 49 vezes (Sariego, 2018). Mas também contabilizou os km que uma criança faz em média, em Sevilha, por semana, nos dois modelos. Verificou que em média em residência alternada a criança faz por semana cerca de 120 km e uma média de 5h de automóvel (seja com o pai ou com a mãe). Em residência única materna observou que uma criança fazia cerca de 200 km e mais de 7h por semana eram passados no automóvel. E não me parece que a cidade de Sevilha seja muito diferente de uma outra cidade urbana em Portugal, pelo que o mesmo raciocínio se poderá fazer para o nosso país.

 

Este mesmo advogado faz a pergunta: comparando os dois modelos qual deles faz efetivamente sentir a criança como uma “criança com a mala às costas”? Penso que a resposta será evidente face ao que acima foi apresentado.

 

Por fim, referir que quando é esperada a fixação de uma residência alternada das crianças os pais e mães tendem a escolher residências próximas uma da outra, nem se colocando a questão da “mala às costas”. Mais uma vez, a previsibilidade legal induz comportamentos que promovem um maior envolvimento parental de ambos.

 

8. É mais importante a qualidade do que a quantidade de tempo com que uma criança está com um dos pais ou mães.

 

Parece hoje evidente que não há qualidade sem quantidade. A literatura científica tem-nos mostrado resultados positivos em vários domínios na relação com a criança quanto maior for o envolvimento parental. Penso que hoje já é do senso comum que contatos de fim-de-semanas quinzenais pouco significam envolvimento parental, na medida em que um pai ou uma mãe não se envolvem no quotidiano da criança. Por exemplo, o envolvimento paternal incluí 3 componentes primárias: (1) um envolvimento positivo nas atividades e interação com a criança ao ponto de influenciar o seu desenvolvimento; (2) afetos e responsividade; e (3) controlo, em particular monitorização e tomada de decisão (Pleck, 2010). Existem ainda dois domínios auxiliares, a saber: os cuidados materiais indiretos, atividades que não envolvam interação direta com a criança (como comprar coisas para a criança) ou cuidados sociais indiretos (como ligação com os pares, ligações com a escola, etc.); um processo de responsabilização, onde o pai/mãe monitoriza em que medida o seu envolvimento parental está a ser adequado às necessidades da criança em função das componentes anteriormente referidas. Por sua vez o envolvimento parental pode-se processar de muitas formas, que passam pela comunicação, educação, monitorização, processos cognitivos, de cuidados, de cuidados indiretos à criança, partilha de interesses, disponibilidade, planeamento, partilha de atividades, prover, afetos, proteção e apoio emocional (Palkovitz, 1997). É o envolvimento em todas estas atividades que dão confiança e segurança à criança na relação com os seus cuidadores. Não será de certo com 4 a 6 dias por mês que se consegue ter um envolvimento parental efetivo e assim contribuir para o desenvolvimento harmonioso da criança. Numa situação pós-divórcio/separação apenas com tempos equitativos conseguimos obter resultados positivos para a criança.

 

9. Só quando existir uma maior convergência na igualdade de género é que devemos alterar a lei

 

Este é um argumento usado para se travar o progresso social e ao fim e ao cabo a modernização da sociedade portuguesa. Também chega a ser visto como um argumento centrado nos adultos e não nas crianças. Ora, não só assistimos já hoje a famílias mais igualitárias e democráticas, como a igualdade trás claros benefícios para as crianças. Vários estudos vão nesse sentido e a prática das famílias portuguesas também o exige. Quando na sondagem encomendada pela APIPDF à Netsonda[3] nos revela que 68,8% dos pais e mães portugueses entendem que o melhor para os seus filhos/a é que numa situação de separação as crianças devem ficar a viver com os dois, isso significa que as atitudes dos portugueses mudaram significativamente nas últimas duas décadas[4]. Mais, quando 20% dos inquiridos tem pelo menos um dos seus filhos em residência alternada, podemos dizer que não só a realidade social hoje justifica a mudança legislativa, mas principalmente os valores da igualdade e da democracia têm efetivamente produzido práticas familiares mais igualitárias. Não reconhecer isto significa querer ignorar a realidade, prestando um mau serviço ao país e em particular às crianças, mães e pais.

Importa, assim, dizer que a igualdade de género é um processo civilizacional em marcha e ainda incompleto. Que a democratização da sociedade portuguesa tornou mulheres e homens iguais perante a lei, embora as mudanças na vida das mulheres tenham sido graduais, nomeadamente no que se refere ao mercado de trabalho e as mudanças na vida dos homens se tenham operado em períodos mais recentes. Este processo tem de avançar em várias frentes em simultâneo, pois estas frentes são interdependentes e beneficiam-se mutuamente: para as mulheres estarem em igualdade de circunstâncias e terem as mesmas oportunidades e responsabilidades na esfera pública, nomeadamente no mercado de trabalho, os homens também têm que estar em igualdade de circunstâncias e terem as mesmas oportunidades e responsabilidades na esfera privada, nomeadamente nos cuidados aos filhos. E tal como os legisladores perceberam que não basta consagrar a igualdade na lei para a igualdade se tornar uma realidade, pelo que é necessário introduzir medidas de incentivo à igualdade  que pretendem combater a discriminação das mulheres na esfera pública, como é o caso das cotas, também são medidas de incentivo à igualdade aquelas que promovem o papel do pai nos cuidados, seja nas licenças parentais seja no período pós-divórcio/separação. Ora, quando se usa o argumento de que não se deve avançar para uma presunção da residência alternada porque não existe igualdade parental como regra na população e que a realidade da presunção iria representar a exceção devo reforçar duas ideias que contradizem essa lógica: a primeira remete-nos para a já referida sondagem, onde demonstra uma verdadeira mudança de atitude e práticas familiares; em segundo, esta visão, ao obstaculizar esta medida de incentivo à igualdade, está na prática a alimentar e a reproduzir a desigualdade estrutural que tem pesado sobre as mulheres e mães, em particular, nomeadamente na sobrecarga familiar e discriminação no mercado de trabalho (a chamada “vulnerabilidade cíclica”  a que as mulheres têm estado sujeitas (Okin, 1991)). Aliás, a resposta a esta visão limitadora da própria igualdade de género, mas que é apresentada como se a realidade social fosse segmentada e cronologicamente programada, é demonstrada no próprio Livro Branco Homens e a Igualdade de Género em Portugal, quando se refere às consequências da manutenção da convicção de que homens e mulheres têm papéis “naturais” de género: “Sobre as mulheres passa a recair uma responsabilidade acrescida (“exclusiva”) no dia-a-dia, com um forte impacto na sua relação com o mercado de trabalho, na conciliação família-trabalho, na gestão dos tempos e no bem-estar económico do seu agregado doméstico. Os homens veem altamente condicionado o acesso aos/às filhos/as, através de um regime de visitas que os impossibilita de partilharem o seu quotidiano e de manterem a proximidade relacional que se cultiva no dia-a-dia, ao mesmo tempo que os desresponsabiliza “quanto aos atos da vida corrente” dos/as seus/suas filhos/as na qualidade de ‘pais não-residentes’” (Wall, et al., 2016, p. 54).

Existe ainda um argumento muito forte para discordar da ideia que só “quando a igualdade de género for efetiva é que os pais e mães podem beneficiar de uma presunção jurídica”: as crianças. Recorro mais uma vez ao Relatório supracitado: “A desigualdade está inscrita, reproduz-se e legitima-se através de estereótipos de género em variadíssimas instâncias sociais, desde a família à escola, desde o mercado de trabalho às políticas públicas e à moldura legal. É consequência da socialização de gerações sucessivas, naturalizando-se e transmitindo-se através das atitudes e das práticas quotidianas de homens e mulheres. Um dos estereótipos mais poderosos, porque legitima a desigualdade de género em diferentes dimensões da vida dos indivíduos e confere prerrogativas a quem é dominado - as mulheres -, prende-se com a conceção de que cuidar é uma atribuição das mulheres, porque está inscrita numa natureza feminina que se materializa com a maternidade” (Wall, et al., 2016, p. 55). Como este Relatório recomenda (e bem), a mudança do status quo é fundamental para mudar as mentalidades e aprofundar a igualdade. As crianças precisam de ser socializadas na igualdade de género, nomeadamente na igualdade parental, para serem adultos que normalizam a igualdade. As crianças precisam de ver as mães a trabalharem em igualdade e os pais a cuidarem em igualdade para serem adultos com atitudes e práticas mais igualitárias. Ter um pai cuidador é o maior incentivo e fonte de aprendizagem para um rapaz vir a ser um pai cuidador. A entrada do pai no universo doméstico, ainda que não de forma linear, tem permitido, já hoje, a socialização de crianças e jovens para esta mudança do estado de coisas.

O caminho faz-se caminhando e é preciso avançar em todas as frentes. E não se pode priorizar avanços ou condicionar um determinado avanço enquanto outros não se concretizarem. As políticas públicas quanto às licenças parentais visam essencialmente promover a entrada de homens e mulheres na parentalidade, enquanto a presunção jurídica da residência alternada visa atuar a nível do pós-divórcio/separação. São assim políticas públicas interdependentes e não baseadas em alguma lógica temporal e sequencial. A presunção jurídica pode ajudar a sociedade a reconhecer cultural e legalmente que a criança precisa de ambos os pais e mães na sua vida e que esse modelo é resultado natural do divórcio (Warsh, 1992).

Bianchi atribuí a convergência de género no cuidado às crianças a 6 fatores: a) à crescente alocação de tempo ao mercado de trabalho por parte das mulheres; b) a sobrestimação, em muitas investigações, do tempo da mãe com os filhos, pois era assumido que todo o tempo doméstico era investido na criança (significando assim que exista um maior equilíbrio nos tempos quanto aos cuidados às crianças); c) a redução do tempo despendido com as crianças em famílias com menos elementos; d) cada vez mais crianças em idade pré-escolar passam mais tempo em equipamentos educativos, independentemente da situação de emprego da mãe; e) o realocar do tempo das mães ao trabalho tem permitido aos pais estarem mais envolvidos nos cuidados às crianças; f) a tecnologia, como os telemóveis, tem permitido a pais e mães estarem presentes na vida dos filhos, sem que tenham a necessidade de estar fisicamente (Bianchi, 2000). Um outro estudo (Hsin & Felfe, 2014) chega mesmo a afirmar que os pais chegam a compensar o facto de a mãe estar empregada, aumentado as atividades que podem contribuir para o melhor desenvolvimento da criança. Outro ainda, muito recente, aponta claramente para que as mudanças sociais têm conduzido a alterações na masculinidade normativa e isso tem-se traduzido num maior envolvimento parental (Petts, Shafer, & Essig, 2018). Assim, não iremos observar, naturalmente, que estes critérios se verificam todos e na perfeição em Portugal, ou em qualquer outro país do mundo. Mas podemos, com certeza, verificar uma tendência muito significativa de convergência nesta matéria e cabe à sociedade e ao Estado estimula-la em vez de colocar obstáculos. Aliás, nesse sentido, um trabalho recentemente publicado (Cunha, Rodrigues, Correia, Atalaia, & Wall, 2018) aborda esta temática: os obstáculos às masculinidades cuidadoras que estão intimamente ligadas à parentalidade e conjugalidade. É referido que as masculinidades cuidadoras em Portugal enfrentam obstáculos, com falta de visibilidade e reconhecimento social. Os estereótipos de género têm reproduzido, prejudicado e legitimado a descriminação também de homens e rapazes, afastando-os dos benefícios do trabalhado cuidador, seja nas famílias, nas escolas, no mercado de trabalho, na saúde e nas políticas públicas (Cunha, Rodrigues, Correia, Atalaia, & Wall, 2018, p. 325). Dizem-nos que para conseguirmos ultrapassar esses obstáculos teremos que envolver os primeiros nos processos de igualdade de género, em particular, no que nos interessa aqui, na socialização de rapazes e homens em práticas e identidades cuidadoras. Para isso temos que remover os obstáculos institucionais, como a ordem legal vigente, que permitam aos homens abraçar as masculinidades cuidadoras e as mulheres partilharem as responsabilidades cuidadoras (desde os próprios filhos a outros familiares). A remoção desses obstáculos permitirá claros benefícios para os homens em diferentes esferas das suas vidas (saúde física e psicológica, esperança média de vida, melhores qualidade nas relações familiares, menor violência interpares, etc.), mas igualmente para crianças e mulheres, que, tal como os homens, vão poder escolher livremente os seus papéis socais na sociedade. A presunção jurídica da residência alternada será de facto um pequeno grande passo para a aceleração dessa mudança social em curso, não só em Portugal, mas na maioria dos países ocidentais.

 

10. O Estado não deve intrometer-se na vida das famílias

 

Um dos argumentos usados, recorrendo-se inclusive à Constituição da República Portuguesa, é que o Estado não deve intrometer-se na família, pois há determinados limites que não podem ser passados e que as famílias precisam de liberdade de escolha. Os pontos um e dois dão resposta a esta última parte. Já quanto à intromissão do Estado nas famílias, parece existir algum desconhecimento sobre a evolução social de ambas as instituições. Os processos de modernização da família têm-se caraterizado por uma “individualização institucionalizada; privatização e sentimentalização das relações familiares; e uma família relacional e individualista” (Marinho & Correia, 2017, p. 14). Diz ainda Sofia Marinho: “Compreende-se, deste modo, que a privatização das relações familiares e os seus desenvolvimentos não devem ser interpretados como um movimento de total libertação dos indivíduos de condicionalismos normativos e institucionais na família e na sociedade, mas, sim, como a sua inserção em novos imperativos sociais e morais, e em quadros

institucionais que substituem as normatividades de pertenças coletivas do passado, como, por exemplo, o legal. Com efeito, é o Estado e as suas instituições que passam a ter um papel central na construção da conjugalidade – ainda que esta possa ser percecionada como uma relação escolhida e construída entre cônjuges – bem como da parentalidade, regulada e intervencionada a vários níveis quer pelos sistemas jurídico e escolar, quer por sistemas periciais (Beck et al., 2000)” (Marinho & Correia, 2017, p. 18). O que isto nos diz é que o Estado, hoje, está constantemente presente na esfera familiar, seja por via da existência de um Sistema de Promoção e Proteção de Crianças e Jovens, pela regulação do exercício das responsabilidades parentais, pelos apoios dados por via da Segurança Social, pela existência de uma rede pré-escolar e escolar, pelo apoio à entrada na parentalidade através das licenças parentais e por muitas outras políticas públicas direcionadas para as famílias e crianças. Esta privatização das relações familiares (separação da esfera pública da privada) ao mesmo tempo que garante uma maior opção de escolha ao individuo exige dele uma maior autorregulação, constantemente supervisionada pelo Estado, através de diversas instituições, em particular pela Justiça. Um bom exemplo desta tutela do Estado é o casamento de pessoas do mesmo sexo. Até há bem pouco tempo o Estado não reconhecia essa forma de relacionamento, apesar de na esfera privada tais relacionamentos existirem de facto. Se até hoje a legislação não tivesse sido alterada a alegada liberdade dos casais do mesmo sexo estaria quartada quanto ao reconhecimento legal da sua relação através do casamento.

No entanto, este argumento vem de setores da sociedade portuguesa que lutaram para que se retirasse o manto da privacidade da família, exigindo a intervenção pública como forma de intervir nas injustiças das relações familiares, visto que a lei lhes dava cobertura (Bartlett, 1999). Tornaram evidente (e bem) que por ser privado não significa que não deva estar sob o olhar público. Foi esse mesmo movimento feminista que nos E.U.A. mostrou a falsa neutralidade da separação entre o privado e o público, visto que ignorava toda a opressão que as mulheres sofriam no seio familiar. Não é por acaso que este movimento, um pouco por todo o mundo, se centrou nas questões do divórcio, da sexualidade e saúde reprodutiva e na violência doméstica. Exatamente porque entendeu que o privado não poderia significar a ausência de intervenção do Estado de forma a garantir direitos fundamentais. Ora, com a presunção jurídica da residência alternada passa-se exatamente o mesmo. Perante a evidência científica dos benefícios para a criança, para pais e mães, para a convergência de género na família, pelo contributo para a conciliação trabalho-família e consequentemente para uma maior igualdade de género, faz todo o sentido que o Estado acompanhe todo este movimento social e legisle em prol da presunção jurídica da residência alternada.

 

11. A residência alternada serve para os pais/mães não pagarem pensão de alimentos

 

Pode parecer uma questão menor, mas é sistematicamente levantada quando se equaciona a residência alternada. Mais uma vez, não é um argumento novo, nem no nosso país nem outros países. Assim, a frase “os pais não querem é pagar pensão de alimentos” acaba sempre por aparecer e é reproduzida por pessoas com responsabilidades na área e que se deviam informar melhor.

Este argumento reproduz um estereótipo quanto ao exercício da Parentalidade, de um pai desinteressado pela criança e apenas preocupado com questões materiais. Ora, este argumento esquece a convergência de género quanto aos cuidados à criança que se tem observado (Bianchi, 2000), inclusive em Portugal. O casal de duplo emprego é uma realidade generalizada em Portugal e as diferenças de tempos nos cuidados às crianças não são o que eram há 30 anos atrás (Perista, et al., 2016). Assim, numa situação pós divórcio/separação, tem-se observado que os pais querem manter uma relação diária significativa com os seus filhos/as, o que implica partilhar direitos e responsabilidades parentais (Lund, 1987; Kruk, 1992).

 

Tendo em conta que o Fundo de Garantia de Alimentos Devido a Menores nos indica que em média de alimentos atribuídos por este Fundo anda ordem dos 150 euros/mês, facilmente poderemos concluir que querer a residência alternada para não pagar pensão de alimentos é uma falsa questão. Estar envolvido na vida de uma criança, com tempos tendencialmente igualitários significa que o custo mensal com a criança é muito superior a este valor. Curiosamente, alguns juristas, são da opinião que o principio constitucional da igualdade de deveres de ambos os progenitores na manutenção dos filhos “não pretende (…) que cada progenitor contribua com metade do necessário à manutenção dos filhos, antes se visa que sobre cada um deles impenda a responsabilidade de assegurar, na medida das suas possibilidades, o que for necessário ao sustento, habitação e vestuário (alimentos naturais), bem como à instrução e educação do menor (alimentos civis)” (Pinto, s/d). Ora, a aplicação prática da atual legislação portuguesa tem-se traduzido, em média, em baixas pensões de alimentos devidos a menores. Custa assim a crer que se queira gastar dinheiro na regulação ou alteração do exercício das responsabilidades parentais quando provavelmente vão estabelece-se baixas pensões de alimentos (talvez pelo salário médio em Portugal ser relativamente baixo em comparação com outros países). Logo, quando cada vez mais pais e mães querem genuinamente estarem envolvidos na vida quotidiana dos seus filhos/as tal não é motivado pela questão da pensão de alimentos, pois, na prática, tal traduz-se num maior custo efetivo no orçamento familiar daquele pai ou mãe.

 

12. A maioria dos pais entendem-se fora do tribunal e por isso não é preciso alterar a lei

 

De facto, a maioria dos pais e mães acordam fora dos tribunais a regulação do exercício das responsabilidades parentais. Em Portugal estima-se que apenas 4% das famílias divorciadas com crianças com menos de 18 anos é que estejam em incumprimento da regulação (Marinho & Correia, 2017, p. 21). Não deixa, no entanto, de ser um número significativo de crianças, por ano, nesta situação (18.069 processos de incumprimento da regulação do exercício das responsabilidades parentais/poder paternal entrados em 2017, segundo a Direção Geral de Política da Justiça). No entanto, devemos ter em atenção algumas questões. Muitos pais e mães continuam sem acesso à justiça pelos elevados custos associados a um processo de divórcio e/ou regulação litigioso, pelo que tendem a aceitar mais facilmente acordos com os quais não concordam. Também é passada a mensagem (algumas das vezes verdadeira) que o Ministério Público frequentemente se opõe à ideia da residência alternada, fazendo com que uma das partes desista de conseguir esse modelo para o seu filho/a, exatamente em nome do mesmo/a. O mesmo acontece com o aconselhamento de alguns advogados/as e mediadores familiares[5]. Daí que seja habitual as crianças voltarem com a sua situação a tribunal, pois as regulações iniciais não correspondem às expetativas de pais e mães, mas também das crianças. Muitas dessas situações geram conflitos, outras apenas alterações da regulação. Com a recente alteração introduzida no Código do Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Singulares, onde existe um claro benefício fiscal para progenitores com crianças em situação de residência alternada, temos observado com frequência pedidos de alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais por ambos os pais e mães, pois na prática a criança já se encontra em residência alternada e ambos estão de acordo em alterar a mesma. A sondagem encomendada pela APIPDF demonstra igualmente esta realidade, onde 20% das crianças têm os seus filhos/as em residência alternada. Ao se criar uma presunção jurídica da residência alternada mais pais e mães vão regular as situações de facto dos seus filhos/as e ao mesmo tempo constituirá um incentivo para que outros o façam, beneficiando o desenvolvimento da criança. Assim, a mudança legislativa impõe-se como necessidade de regular uma nova realidade social (pois já não falamos de situações residuais) e de dar resposta às mudanças sociais na família onde se assiste a um maior envolvimento parental de ambos pais e mães.

 

13. A residência alternada coloca em perigo as crianças, visto que permite convívios com pais/mães agressores ou mesmo abusadores sexuais

 

Dentro da segunda onda de críticas à residência alternada encontramos aquela que alega que esta modalidade de residência expõe as crianças ao conflito de alta intensidade e à violência doméstica. Este argumento tem persistido, sendo mesmo veiculado na comunicação social como verdadeiro, apesar da ausência de investigação que sustente essa ligação. O argumento mais usado em Portugal é que a residência alternada expõe as mulheres e as crianças à violência doméstica e ao abuso sexual. É dito que a residência alternada é frequentemente atribuída a crianças cuja família tem um histórico continuado de violência doméstica.  Não são raras as vezes que organizações e opinadores jurídicos escrevem textos nesse sentido.

 

Ora, a violência doméstica e o abuso sexual de crianças é algo que os defensores da igualdade parental levam muito a sério e daí não aderirem a discursos populistas que nas últimas décadas muito pouco tem trazido à resolução destes fenómenos. Como é óbvio, a residência alternada de crianças de pais e mães separados ou divorciados não se aplica a situações de violência doméstica ou abuso sexual ou mesmo alto conflito parental com violência.

E nestes fenómenos devemos ter em conta que o atual sistema em que um dos pais ou mães “fica com tudo” pode exacerbar o conflito parental e levar a situações de violência. Quase metade das ocorrências na primeira situação de violência familiar ocorre quando os pais e mães se estão a separar, no meio de uma disputa de custódia em que o vencedor “ganha tudo” (Hotton, 2003). Quando ambos os pais e mães não são ameaçados com a perda de convívios com os seus filhos/as o conflito parental e violência doméstica têm maior probabilidade de diminuir (Johnston, Kuehnle, & Roseby, 2009). A animosidade criada por um sistema baseado na residência única é fadado a produzir os piores resultados, apesar de na esmagadora maioria das situações estarmos perante dois pais e mães cuidadores, afetivos e com competências parentais, mas que apenas não concordam quanto à residência da criança e aos tempos de envolvimento parental.

O que sabemos, hoje, é que, em Portugal, a residência alternada não tem tido nenhuma relação direta com as situações de violência doméstica ou abuso sexual (quer os Relatórios Anuais de Avaliação da Atividade das CPCJ quer o Relatório Anual de Segurança Interna não têm identificado nenhuma situação associada à residência alternada[6]). Mesmo nos casos mais mediáticos o que observamos é que tais situações acontecem com regimes restritivos de contatos ou regimes tradicionais (limitados) de contatos. Assim sendo, a residência alternada não constituiu nenhum perigo adicional, antes pelo contrário: ao ter dois pais e mães interessados em cuidar da criança significa que a vigilância sobre o bem-estar da criança é maior e assim mais fácil de sinalizar situações de violência ou abuso. Assim, perante situações com fortes indícios de violência doméstica e abuso sexual as autoridades judiciais vão continuar a comportar-se como até aqui e, de preferência, melhorando os mecanismos e tempos da investigação. A presunção jurídica é imediatamente afastada em função desses fortes indícios, visto que são contrários ao superior interesse da criança e não necessita sequer de uma sentença condenatória.

Tais argumentos só podem ser, assim, usados numa lógica ideológica, que infelizmente, pouco se prende com os interesses da criança. A utilização deste argumento tem por detrás uma visão de uma das correntes do feminismo, o feminismo radical, o qual “defende que todas as relações entre homens e mulheres têm por base o patriarcado, significando isso que o homem é a fonte da exploração e opressão da mulher. Nesse sentido, o patriarcado necessita de ser derrubado e em particular a família, vista como o centro da opressão” (Simões, 2018). Aliás, toda a discussão dentro do próprio movimento feminista sobre o papel dos cuidados às crianças tem sido pouco consensual, chegando esta corrente a afirmar que é impossível saber se os cuidados às crianças entre mulheres e homens serão diferentes ou não numa nova sociedade (Carbone, 1994). É nesta ambiguidade de relações de poder entre mulheres e homens que se posiciona este argumento, ignorando o papel da criança enquanto sujeito de direitos, o mesmo será dizer, ignorando a sua capacidade enquanto ser capaz de agir de forma independente. Este longo movimento histórico, onde a forma como a criança é vista pela sociedade situa igualmente homens e mulheres quanto aos seus papéis, tem, na verdade, ignorando-a, centrando-se essencialmente nos pais e mães. Exemplo disso é o papel que a segunda vaga do feminismo desempenhou no apoio às famílias monoparentais femininas, procurando responsabilizar toda a sociedade, através do Estado, dando assim resposta a uma considerável parte da população feminina empobrecida. A terceira vaga do feminismo veio afastar essa preferência maternal da segunda vaga, procurando iguais direitos e deveres no pós-divórcio, onde se situa a presunção jurídica da residência alternada, rejeitando o essencialismo da feminilidade. No entanto, a história não é linear e muito menos a história das ideias, onde estas últimas coexistem ao mesmo tempo e num no mesmo espaço. Assim, o argumento da violência doméstica e do abuso sexual é puramente instrumental, típico da segunda vaga do feminismo (anos 60 e 70) mas usado nos tempos atuais, como forma de inviabilizar qualquer possibilidade de partilha entre homens e mulheres, em particular no que concerne esfera familiar, vista esta como o centro de opressão da mulher.

 

14. A residência alternada não garante o superior interesse da criança, mas antes o interesse dos pais e mães e a atual petição à Assembleia da República é centrada nos interesses dos adultos e não da criança

 

Devemo-nos lembrar que atualmente o que se tem entendido como o superior interesse da criança tem sido o modelo da residência única ou do progenitor de referência. Argumenta-se com o “cada caso é um caso” e da necessidade de avaliação das circunstâncias únicas de cada criança e sua família. E a reboque deste argumento vem a necessidade de discricionariedade das decisões judiciais. Levanta-se assim a questão que a residência alternada iria priorizar os direitos parentais em função do bem-estar da criança.

Se observarmos o que a criança verdadeiramente deseja encontramos um grande número de estudos que nos dizem que as crianças querem mais tempo com os seus pais numa situação de pós-divórcio/separação (Fabricius, 2003; Emery, 2006; Finley & Schwartz, 2007; Bauserman, 2002; Smith, Taylor, & Tapp, 2003; Nielsen, 2014).

 

Mas também existem aqueles que reconhecem a validade da residência alternada para as crianças, mas criticam a petição apresentada no Parlamento, por se centrar nos adultos. Tal é infundado. Esta petição não vê o mundo de forma segmentada, onde há o mundo das crianças e depois o mundo dos adultos. As vivências, os processos de socialização, entre muitos outros processos sociais, são vivenciados pela criança na relação com os outros. É impossível tratar a criança como sujeito de direitos e não ter em conta quem lhe possa efetivamente garantir esses direitos, visto que em função da sua maturidade, não possui ainda os instrumentos para o fazer. Assim, a família da criança é a primeira linha de proteção e garantia de desenvolvimento harmonioso desta. Ao promovermos o envolvimento parental igualitário, ao propomos a figura dos planos parentais, que são centrados nas necessidades presentes e futuras as crianças, estamos a garantir que a família da criança está em condições no período pós-divórcio/separação para ser o principal garante da concretização desses direitos, com o Estado a ter aqui um papel orientador e vigilante. O Estado está presente nas famílias portuguesas a diferentes níveis através das políticas públicas, mas daí a querer-se substituir totalmente às famílias vai um passo. A presunção jurídica da residência alternada é de facto uma política pública que orienta as decisões, dando aos pais e mães instrumentos fundamentais para concretizarem um dos melhores interesses das crianças: o direito a terem um envolvimento parental igualitário. Afinal, uma das máximas da Psicologia do Desenvolvimento, “não há filhos felizes sem pais felizes” aplica-se como resposta a este argumento.

Por fim, se olharmos efetivamente para vontade da criança constatamos o óbvio. Vários estudos dizem-nos que as crianças preferem a residência alternada do que ver esporadicamente um dos pais/mães (Warshak, 2003; Buchanan, Maccoby, & Dornbusch, 2000; Laumann-Billings & Emery, 2000). A concretização da expetativa da criança de continuar a ter o envolvimento parental de ambos os pais e mães é o que a permite sentir-se segura e estável no seu desenvolvimento.

 

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[1] A utilização das palavras “pais e mães” tem como objetivo englobar não só pais e mães de sexo diferente, como pais e mães do mesmo sexo.

[2] Pode ser consultada neste site: https://www.senato.it/japp/bgt/showdoc/18/DDLPRES/0/1071882/index.html

[3] Sondagem publicada em setembro de 2018, tendo por base 1000 entrevistas online recolhidas junto do Painel Netsonda, entre os dias 24 de maio e 18 de junho de 2018, realizadas a indivíduos de ambos os sexos, com idade entre os 26 e 64 anos e com filhos(as) com 17 anos ou menos, residentes em Portugal Continental.

[4] Já Sofia Marinho tinha apontado a mesma tendência expressa no inquérito do ISSP, de 2014, onde 47,5% entendiam que a criança deveria residir alternadamente com os dois (Marinho & Correia, 2017, p. 25).

[5] O que demonstra um pouco o falhanço da Mediação Familiar em Portugal. Em 2017 existiu apenas 478 pedidos de mediação familiar no sistema público (dados da Direção Geral de Política da Justiça).

[6] Relembre-se que a sondagem da APIPDF aponta para que 20% das crianças vivam num modelo de residência alternada

 

 

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Subsídio para assistência a netos em caso de doença ou acidente

Subsídio para assistência a netos em caso de doença ou acidente

 

De acordo com o disposto no artigo 50º, nº 3 do Código do Trabalho, os avós que necessitem faltar ao trabalho, em substituição dos pais e que o façam para prestar assistência «inadiável e imprescindível, em caso de doença ou acidente, a neto menor ou independentemente da idade, com deficiência ou doença crónica» têm direito a um subsídio, pago pela Segurança Social, o qual visa substituir os rendimentos do trabalho que os avós perdem durante o período de tempo em que, para dar assistência aos netos, faltam ao emprego.

A este subsídio, têm direito as pessoas que se encontrem numa das seguintes situações:

- os trabalhadores por conta de outrem, que descontem para a Segurança Social;

- os trabalhadores independentes;

- os beneficiários do seguro social voluntário, equivalendo tal a dizer que, aqui, estão abrangidos os avós que sejam trabalhadores marítimos e vigias nacionais que trabalhem em navios de empresas estrangeiras, bem como, os que sejam trabalhadores marítimos nacionais a exercer atividade a bordo de navios de empresas comuns de pesca, os tripulantes a exercer atividade em navios inscritos no registo internacional de navios da Madeira e os bolseiros de investigação cientifica;

- os beneficiários em situação de pré-reforma com redução de prestação de trabalho;

- os beneficiários que recebam pensão de invalidez relativa, pensão de velhice ou pensão de sobrevivência, que estejam a trabalhar e que descontem para a Segurança Social;

- os praticantes desportivos profissionais;

- os trabalhadores bancários.

De acordo com quanto previsto no número 6, do artigo 50.º, do Código do Trabalho, o trabalhador que pretenda prestar assistência a neto, deverá informar de tal a entidade patronal logo que possível (nos casos em que a ausência seja imprevisível) ou, com uma antecedência mínima de cinco dias, quando esta ausência seja previsível, devendo a comunicação ser acompanhada do motivo justificativo da mesma, declarando ainda o carácter inadiável e a imprescindibilidade da assistência bem como que, os pais, são trabalhadores e que não irão faltar para efeitos de referida assistência ou que estão impossibilitadas de a prestar, referindo ainda que nenhum outro familiar, do mesmo grau, irá faltar ao trabalho para esse efeito.

Quanto à duração da licença para assistência a neto, em caso de doença ou acidente, esta será atribuída tendo em conta o número de dias que os pais tenham direito a faltar ao trabalho para o efeito e que não tenham utilizado, ou seja, os dias de faltas dos avós, que prestem assistência aos netos, serão descontados nos dias que os pais têm direito a faltar, em cada ano civil, para prestarem assistência aos filhos.

Este subsídio pode ser requerido no prazo de 6 meses, a contar do primeiro dia de falta ao trabalho, para efeitos de prestação de assistência ao neto, devendo ser preenchido o formulário respetivo, a ser entregue nos serviços de atendimento da Segurança Social ou, online, através da Segurança Social Direta.

A atribuição deste subsídio depende do preenchimento, por parte do requerente do mesmo, das seguintes condições:

- ter 6 meses de trabalho, seguidos ou não, tendo efetuado os respetivos descontos para a Segurança Social (consideram-se os descontos efetuados noutros regimes de proteção social, nacionais ou estrangeiros, que abranjam esta modalidade de proteção, incluindo o da função pública);

- ter a situação contributiva regularizada na Segurança Social até ao fim do terceiro mês imediatamente anterior ao do impedimento, nos casos em que o requerente do subsídio se encontre abrangido pelo regime do seguro social voluntário;

- ter gozado as respetivas licenças, previstas no Código do Trabalho, no caso dos trabalhadores por conta de outrem, ou períodos equivalentes nos restantes casos.

Finalmente importa referir que, nos termos do disposto no nº 5 do artigo 50.º do Código do Trabalho, este subsídio é extensível também a «…tutor do adolescente, a trabalhador a quem tenha sido deferida a confiança judicial ou administrativa do mesmo, bem como ao seu cônjuge ou pessoa em união de facto.».

 

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A consagração legal da residência alternada e a defesa do superior interesse das crianças

A consagração legal da residência alternada e a defesa do superior interesse das crianças

Nos últimos dias, veio o Conselho Superior da Magistratura exprimir o entendimento de que deverá a lei evoluir no sentido da consagração da presunção jurídica do regime de residência alternada, para as crianças filhas de pais separados ou divorciados, só devendo a fixação deste regime ceder em casos em que o mesmo não acautele o superior interesse das crianças. Conforme referido na deliberação do Conselho Superior da Magistratura, este regime só deverá ser afastado por “motivos ponderosos” e, para salvaguarda da sua adequação, sempre a sua aplicação deverá acautelar as especificidades do caso concreto.

Defenderá a eventual futura consagração legal do regime de residência alternada, como regime-regra, o superior interesse das crianças?

Verdadeiramente, quando se dá uma separação ou, quando ocorre um divórcio, é indubitável que a família sofre um parcelamento e os elementos mais fragilizados são as crianças, pois, passam de uma realidade de um agregado familiar, em que vivem com ambos os pais, para uma nova vivência, em que o retorno a casa se terá que construir, dia-a-dia, de uma maneira diferente. O mesmo se passa nos tempos de descanso e lazer, aos fins-de-semana e durante as férias.

Encontrar a melhor solução para a nova realidade dos filhos de pais separados e divorciados é um dever destes pais e a ingerência do Estado, via Ministério Público e Tribunal, só deve acontecer em situações excecionais, pois os pais, enquanto adultos responsáveis e guardiões dos filhos, têm que ser capazes de dialogar entre si sobre o futuro destes, sabendo diferenciar o que é o casal conjugal do casal parental.

Infelizmente, a prática dos tribunais demonstra que a litigância, em sede de regulação das responsabilidades parentais, é uma realidade onde é preciso intervir e decidir, porque os pais ainda levam para estas ações judiciais, diferenças e angústias que ditaram o fim do casal conjugal, separado ou que se pretende divorciar.

Quantas vezes, nas conferências de pais, se ouvem os progenitores, a verbalizar, de forma genuína, que são os melhores amigos dos filhos mas, porque toldados por abalos emocionais relevantes na cisão conjugal, não conseguem colocar os interesses dos filhos à frente dos seus próprios interesses?

Quantas mães, por convicção e por assunção de direito próprio, dão por certo que são as únicas capazes de cuidar dos filhos e que os pais, que escolheram para serem pais dos seus filhos, são uns irresponsáveis que não sabem cumprir horários, que não têm regras estritas quanto à hora de deitar dos filhos, etc, etc?

Não valendo a pena fugir à realidade, é certo que a vida de uma criança, filha de pais separados ou divorciados, é sempre diferente da vida de uma criança cujos pais se mantêm numa união familiar estável.

O grande desafio dos pais, em primeiro lugar e, em segundo, do Ministério Público e do Tribunal quando, por força das circunstâncias, a tal são chamados (bem como dos advogados que aconselham juridicamente os seus constituintes), é o de, nestas situações, conseguirem construir uma nova realidade para estas crianças que lhes mantenha qualidade de vida afetiva com ambos os pais e com a família alargada e que lhes garanta a existência como crianças, com infância e adolescência, pois todas estas crianças têm direito a sorrir, a ter tranquilidade emocional, a estudar com paz de espírito e, acima de tudo, a todos os dias, ter alegria.

Temos para nós que o regime de residência alternada é o que melhor satisfaz o superior interesse das crianças, porque lhes permite viver efetivamente com cada um dos pais e conviver com a família alargada materna e paterna, de forma mais frequente.

Do mesmo modo, proporciona-lhes o sentimento de que a casa de cada um dos pais é, também, a sua casa.

Este regime de tempo paritário ou, tendencialmente paritário, com cada um dos pais garante-lhes o direito a viver a afetividade filial sem corridas contra o tempo e programas com calendário apertado.

Estas crianças, se viverem rotativamente e, por períodos de tempo maioritariamente ou totalmente iguais com cada um dos pais, vivem a sua vida de maneira mais feliz, pois mantêm os afectos equilibrados com cada um dos pais permitindo, assim, a filhos e a pais, viver a cumplicidade do dia-a-dia, situação muito diferente daquela em que estas crianças vivem quando têm a sua residência fixada apenas com um progenitor e em que, de quinze em quinze dias, “aterram” em casa do pai ou da mãe com quem não vivem, sendo quase equiparáveis a uma “visita” de casa desses pais, não participando no dia-a-dia, não tendo rotinas integradoras de uma vida familiar, não sendo parte de um todo familiar, ainda que recomposto, o qual tende a existir na vida destes pais, que constroem novas famílias e, com estas, absorvem novas realidades afetivas com filhos das pessoas com quem passam a partilhar a sua vida.

O regime de regulação das responsabilidades parentais em que é fixada a residência a uma criança junto de apenas um progenitor (o progenitor guardião) está ultrapassado e não defende o superior interesse das crianças, pois que a vivência em fins-de-semana alternados com um dos progenitores não é compatível com uma relação filial onde o afeto, o companheirismo, o entendimento, a integração, a noção de pertença, são essenciais.

Viver com um dos progenitores e passar fins-de-semana com o outro progenitor, em regime de alternância, gera incómodos vários: é afetivamente razoável defender que estas crianças devem ir de “mochila às costas”, aos fins-de-semana, de quinze em quinze dias, para casa do outro progenitor, levando os livros escolares quando têm testes, levando a mala feita para passarem o fim-de-semana, etc? Não, não é.

Justiça seja feita aos pais homens que, cada vez mais lutam para não serem o “pai multibanco”, que paga a pensão de alimentos e que apenas pode estar com os filhos de quinze em quinze dias e, em regra, pernoitar com os filhos, uma noite na semana em que, nesse fim-de-semana, não estão com eles, indo buscá-los no final das atividades escolares ou extracurriculares e, entregando-os no outro dia de manhã, no estabelecimento de ensino que frequentam.

É consolador ver como os pais, homens, se batem para dizerem que querem estar e viver com os filhos, porque apesar de se terem separado ou divorciado, querem continuar a ser pais como o eram antes do casal conjugal se ter desfeito, não admitindo que a sua capacidade parental seja posta em causa, quando não o era antes da separação ou do divórcio.

Estes pais, separados ou divorciados, são tão capazes como as mães o são, encontram e enfrentam o mesmo tipo de dificuldades que as mães e, acima de tudo, não têm que pagar nenhuma “fatura” porque não se mantêm casados ou unidos de facto.

Os pais homens não têm um “atestado de menoridade parental”, por isso, é obsoleto pensar-se que as mães são as que melhor cuidam, as que melhor salvaguardam os filhos e decidir-se em conformidade com esse entendimento redutor.

Ambos os pais, na plenitude das suas capacidades parentais são, como o eram antes da separação ou do divórcio, pais capazes de amar e de se sacrificar pelos filhos.

Mãe e Pai são e, devem ser, os cuidadores principais dos filhos, em situação de igualdade parental.

Estes pais que não se bastam com os fins-de-semana alternados e que se batem genuinamente para serem pais em toda a sua plenitude, são dignos desta futura presunção legal, que eleva a residência alternada a um novo estatuto jurídico, em nosso entender, há muito necessário.

No entanto, não podemos esquecer aqueles pais que vêm a residência alternada apenas como a forma de escaparem ao pagamento da pensão de alimentos.

Estes pais não acreditam neste regime como sendo aquele que melhor defende os filhos, não estão verdadeiramente interessados em serem pais responsáveis e em situação de igualdade parental com as mães.

São pais que, infelizmente, decidem a vida dos filhos e a sua condição de pais, de forma numérica, com a economia a bater no coração, se calhar, sem saberem que a residência alternada não anula as despesas e as comparticipações para o sustento dos filhos.

Estes pais que, têm uma visão economicista do regime de residência alternada, se o mesmo vier a ter consagração legal, nos termos constantes da deliberação do Conselho Superior da Magistratura, terão que crescer emocionalmente para serem pais responsáveis, pois, educar e dar o exemplo no dia-a-dia, sendo a tarefa mais nobre dos pais é, também, a mais difícil.

A residência alternada, em termos ideais, é o melhor regime para as crianças mas é preciso não perder de vista que cada criança e cada relação filial é um mundo irrepetível e, também é preciso não esquecer as circunstâncias do caso concreto, como seja, por exemplo, a idade das crianças envolvidas que poderá convidar a uma graduação na implementação deste regime e ao acompanhamento destas crianças que, à vez, ficarão à responsabilidade corrente de cada um dos pais.

A residência alternada é, por tudo e a nosso ver, um risco calculado, que tem que ser acordado e, quando necessário, decidido com as cautelas que cada criança exige e merece, de forma ponderada, atendendo ao caso concreto e à adequação da sua implementação, de forma imediata ou de forma faseada.

Se a alteração legislativa recomendada vier a ter consagração legal, no Código Civil, nos termos deliberados pelo Conselho Superior da Magistratura, todos terão a ganhar, até porque é defensável que este regime diminui fortemente a conflituosidade entre os pais e defende as crianças de situações de alienação parental.

Mais, ficando estabelecido este regime como o regime-regra, deixarão de existir, por desnecessárias, as acesas discussões entre mãe e pai sobre quem é o melhor progenitor e com quem o filho deverá ficar, pois sendo, em situação de separação ou divórcio, a regra a da residência alternada, é esta aplicada e, só se existirem circunstâncias que determinem uma solução diferente, é que a regra deverá ser afastada.

Evidentemente que, vindo a ser letra de lei, como regime-regra, a residência alternada, salvaguardados terão que ficar os casos que se enquadrem nos “motivos ponderosos” mencionados na deliberação do Conselho Superior da Magistratura.

Com efeito, não se poderá decidir pela aplicação do regime de residência alternada, em situações em que um dos progenitores tem uma dependência, se comporta de forma abusiva, tem um perfil agressor, etc.

Esta exceção, tão necessária e razoável, leva-nos a pensar nas exigências próprias das conferências de pais, em que, de acordo com a lei atualmente em vigor, quando os pais não se entendem, o tribunal tem que decidir, fixando um regime provisório de regulação das responsabilidades parentais.

Existindo a presunção legal de residência alternada e, sendo o Tribunal chamado a intervir, estará este órgão em condições de decidir pela aplicação do mesmo, logo na conferência de pais, fase processual onde a produção de prova ainda é incipiente?

Basta prever, do ponto de vista legal, a presunção da residência alternada ou, será preciso adequar a fase processual da conferência de pais a tal comando?

Ou seja, o que queremos aqui enfatizar é que, muito provavelmente, não bastará alterar a lei substantiva, sendo também necessário moldar e atualizar a lei adjetiva a esta nova realidade jurídica, por forma a habilitar o Tribunal a, quando tem que decidir provisoriamente, o poder fazer, em vista das circunstâncias do caso concreto, de forma adequada e ponderada.

Quando o processo de regulação das responsabilidades parentais ainda está em fase de realização da conferência de pais, na maior parte das vezes, o Ministério Público e o Tribunal ainda não estão munidos das informações e das apreciações técnicas que importaria terem já disponibilizadas, pois que as mesmas só são carreadas para os autos em fase posterior à da conferência de pais e, consequentemente, após a prolação da decisão que fixa provisoriamente o regime de regulação das responsabilidades parentais relativas a uma criança.

Louvamos a deliberação do Conselho Superior da Magistratura, porque acreditamos que o regime de residência alternada, como regime-regra, é o que melhor salvaguarda os superiores interesses das crianças mas, não deixamos de frisar que as soluções jurídicas impõem um corpo legislativo global e harmonizado, para que a sua aplicação prática seja realizada, atendendo aos fins que o legislador teve em vista e que cumpre alcançar, de forma cabal e eficaz.

 

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A relação de namoro e o património

A relação de namoro e o património

 

De acordo com o número 1 do artigo 473.º do Código Civil:

«Aquele que, sem causa justificativa enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou. ».

Precisa-se no número 2 do mesmo artigo que:

«A obrigação de restituir, por enriquecimento sem causa, tem de modo especial por objeto o que for indevidamente recebido, ou o que for recebido por virtude de uma causa que deixou de existir ou em vista de um efeito que não se verificou.».

Resulta, pois, que são três os requisitos constitutivos, de verificação cumulativa, para efeitos de acionamento do instituto do enriquecimento sem causa:

- existência de um enriquecimento, através da obtenção de um vantagem patrimonial;

- obtenção desse enriquecimento á custa de outrem;

- inexistência de causa justificativa para esse enriquecimento.

Identificado, em termos gerais, este instituto, não é de menor importância concretizar os termos da sua aplicação - ou da sua não aplicação -, no âmbito de uma relação de namoro (que não se confunde com uma união de facto), no caso em que um dos namorados, durante a vigência da relação afetiva, tenha adquirido, por exemplo, um imóvel, figurando como o único adquirente desse bem e alegando o outro que, contribuiu financeiramente, para a aquisição do imóvel em causa.

Resulta do artigo 1316.º do Código Civil que:

«O direito de propriedade adquire-se por contrato, sucessão por morte, usucapião, ocupação e demais modos previstos na lei.»

Mais, conforme resulta das disposições combinadas dos artigos 1317.º, alínea a) e 408.º, nº 1, ambos do Código Civil, o momento de aquisição do direito de propriedade é o da constituição ou da transferência desse direito, que se dá por mero efeito de contrato.

Assim, mesmo que um namorado pague uma parte do preço de aquisição do imóvel, não adquire, ainda assim, qualquer direito de propriedade sobre esse imóvel quando o comprador, que figura no título aquisitivo de propriedade, é o outro namorado.

Aliás, atentando no número 1, do artigo 777.º do Código Civil, resulta que a prestação, a título de preço, tanto pode ser feita pelo devedor (no caso o comprador que figura no título de aquisição), como por terceiro, interessado ou não, no cumprimento da obrigação.

Daqui resulta que o membro do casal de namorados que não figura no título aquisitivo como proprietário, não tem qualquer direito de propriedade sobre o bem.

Questão diferente é a do acionamento do instituto do enriquecimento sem causa, na medida em que o ex-namorado, não adquirente do bem, se alegar factualidade que preencha os requisitos constitutivos (e cumulativos) deste instituto, tem a faculdade de intentar uma ação contra o outro, com vista a exigir deste, a sua contribuição monetária para a aquisição do bem.

 

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A imprescritibilidade do direito a alimentos durante a menoridade dos filhos

A imprescritibilidade do direito a alimentos durante a menoridade dos filhos

 

Não raras vezes os progenitores demandados em incidentes de incumprimento, por falta de pagamento de pensões de alimentos, invocam a prescrição de 5 anos, relativamente às pensões de alimentos vencidas, que se encontra prevista no artigo 310.º, alínea f), do Código Civil, como forma de se tentarem eximir ao pagamento das quantias devidas aos filhos.

No entanto, a verdade é que este prazo de 5 anos não se inicia nem corre entre os progenitores e o menor, o qual é o credor dos alimentos devidos (artigo 318.º, alínea b) do Código Civil).

Acresce que, nos termos do artigo 320.º, nº 1 do Código Civil, a prescrição só se completa após o prazo de um ano contado da maioridade do filho.

Assim, em termos práticos um menor nascido em dezembro de 2000, que atingirá a maioridade em dezembro de 2018 e em relação a quem o progenitor obrigado a alimentos, esteja em incumprimento desde 2010, poderá intentar incidente de incumprimento, até dezembro de 2019, sem que o progenitor-devedor possa, validamente, invocar a prescrição do crédito a alimentos.

Também não poderá ser, validamente, invocada a prescrição do direito a alimentos, como forma de fazer extinguir a obrigação pelo decurso do tempo, se o progenitor não obrigado a alimentos, tiver intentado incidente de incumprimento, contra o progenitor a eles obrigado, por exemplo em 2016, relativamente a prestações alimentícias devidas desde 2003, não obstante terem já decorrido 13 anos. Isto porque, ao intentar o referido incidente de incumprimento, o progenitor não obrigado a alimentos, está a fazê-lo enquanto representante do verdadeiro credor – o menor e, como supra referido, contra este, a prescrição apenas corre após a sua maioridade.

 

 

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O valor da pensão de alimentos a filhos e os obrigados ao seu pagamento

O valor da pensão de alimentos a filhos e os obrigados ao seu pagamento

 

É indiscutível que o progenitor não guardião se encontra obrigado a prestar alimentos aos filhos, constituindo esta obrigação um dever fundamental cujo incumprimento é gerador de responsabilidade criminal.

De acordo com a previsão do artigo 2003.º do Código Civil, os alimentos abrangem não só o que é indispensável ao sustento, habitação e vestuário dos filhos, compreendendo também o pagamento das despesas relativas à sua instrução e educação. Os alimentos abarcam ainda as despesas relativas à segurança e saúde dos filhos, conforme se pode dilucidar da previsão do artigo 1879.º do Código Civil.

Saliente-se que as despesas com a saúde dos filhos abrangem todos os gastos médico-medicamentosos e tudo o que seja necessário ao desenvolvimento saudável destes.

Já no item relativo às despesas com instrução e educação, deve ter-se em conta que estas comportam as despesas relacionadas com a escolarização e a obtenção de competências profissionais dos filhos, não se podendo deixar de incluir as atividades extra curriculares e, sempre que possível, as despesas com lazer.

Estando em causa a regulação das responsabilidades parentais de um filho e estando-se perante um progenitor não guardião que não tenha atividade profissional - ou que tendo-a aufere um rendimento escasso -, deverá o tribunal atender ao valor atual desses rendimentos na situação conjetural em que esse progenitor se encontra, mas terá também que considerar a condição social deste, a sua capacidade para trabalhar, o eventual património que este possua e o dever que tem de procurar uma atividade profissional que lhe permita satisfazer a obrigação existente a seu cargo de alimentar o filho, não se limitando a considerar a efetiva capacidade económica, naquele momento, do progenitor, pelo que a pensão fixada deverá ser aquela que for julgada adequada às efetivas necessidades do filho.

Sendo a prestação de alimentos um dever fundamental dos pais perante os filhos, tal leva a que, ainda que o progenitor não guardião não esteja conjeturalmente em situação de poder pagar um valor, efetivamente, adequado às necessidades do filho, o tribunal deverá fixar o quantum adequado a tais necessidades, não devendo o outro progenitor que tem a guarda do filho, esquecer-se de que, para além do progenitor não guardião, existem outros familiares que, por lei, são obrigados ao cumprimento desta obrigação, como seja o caso dos avós.

Assim, nestas situações, o progenitor guardião, deverá diligenciar, em representação do filho, através de ação de prestação de alimentos para que a prestação de alimentos, a favor do filho, seja paga por algum dos obrigados que se encontram identificados nas alíneas c) a f) do n.º 1 ao artigo 2009.º do Código Civil.

Em suma, o elemento fundamental na determinação do montante de pensão de alimentos a prestar aos filhos deverá ser o das suas reais necessidades, não podendo tal determinação ficar espartilhada pela condição económica atual do progenitor obrigado a alimentos. Esta obrigação, por ser fundamental, implica que o tribunal valorize amplamente todas as circunstâncias de vida do progenitor obrigado a alimentos, para que os direitos dos filhos não fiquem dependentes de opções de vida ou de circunstâncias que retraiam esses mesmos direitos e deve, também, sempre que necessário, convocar-se para o cumprimento desta obrigação, os familiares que possam assegurar o pagamento da prestação alimentícia, na medida em que estes familiares têm também consagrados direitos e deveres legais relevantes na vida dos menores.

 

 

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