Família, um lugar de Perdão

Em agosto, o blogue vai de férias e aproveitando a presença do Papa Francisco, em Portugal, para as Jornadas Mundiais da Juventude, partilhamos um texto, atribuído ao Papa, que reflete a essência da família:

 

«Não existe uma família perfeita.

Não temos pais perfeitos, não somos perfeitos, não nos casamos com uma pessoa perfeita, nem temos filhos perfeitos.

Temos queixas uns dos outros. Dececionamo-nos uns com os outros.

Não há por isso um casamento saudável, nem uma família unida sem o exercício do perdão. O perdão é vital para nossa saúde emocional e a nossa sobrevivência espiritual. Sem o perdão a família torna-se numa arena de conflitos e num reduto de mágoas.

Sem o perdão, a família adoece. O perdão é a assepsia da alma, a faxina da mente e a alforria do coração.

Quem não perdoa não tem paz na alma nem a comunhão com Deus.

A mágoa é um veneno que intoxica e mata. Guardar uma mágoa no coração é um gesto auto destrutivo.

Quem não perdoa adoece física, emocional e espiritualmente.

Por tudo isto a família precisa de ser um lugar de vida, e não de morte, um território de cura, e não de adoecimento, um palco de perdão e não de culpa.

O perdão traz a alegria onde a mágoa produziu a tristeza, e cura, onde a mágoa causou a doença

 

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A estabilidade na infância traduz-se no equilíbrio emocional na vida adulta.

Para compreender a importância da estabilidade na vida das crianças é interessante começar por clarificar estes dois termos: criança e estabilidade. A ideia será perceber o impacto que a estabilidade ou falta dela pode ter na vida das crianças, futuros adultos. Este impacto existirá sempre e poderá ser positivo ou negativo, daí a importância de pensarmos sobre este tema. É importante lembrar que o termo criança se refere ao ser humano no início do seu desenvolvimento. A criança está em crescimento e por isso é importante proporcionar lhe as condições ideais para o seu desenvolvimento social, emocional e intelectual e para a formação da sua personalidade, que acontece nos primeiros anos de vida. A estabilidade emocional é uma das mais importantes competências a desenvolver desde a infância pois terá impacto no desenvolvimento a todos os níveis, em toda a vida futura.

A família e a escola são fundamentais neste processo na medida em que são os modelos que a criança irá seguir como grande referência na sua vida.

É importante que a relação entre família e escola seja de continuidade. Ou seja, a escola deve ser vista como uma continuação do espaço casa/família ao invés de mais um espaço na vida das crianças. Só assim será possível que as crianças se desenvolvam num verdadeiro ambiente de estabilidade emocional onde através da partilha e reflexão entre escola e família são entendidas e respeitadas as suas vivências, interesses e necessidades. Assim, apesar de na escola a criança pertencer a um grupo, é importante que o educador tenha a oportunidade de conhecer a individualidade de cada criança dentro desse grupo, conseguindo com maior sucesso chegar a cada uma, respeitando o seu estágio de desenvolvimento e as suas necessidades e potencialidades.

É importante que tanto em casa como na escola os adultos consigam transmitir uma estabilidade nas rotinas, regras e limites adequados à idade da criança que se irá traduzir na formação de crianças responsáveis, confiantes e autónomas. Muitas vezes ouvimos os pais dizer “o meu filho na escola porta-se tão bem e em casa não”. Efectivamente, isto acontece mesmo e está muito relacionado com o facto de na escola existir uma rotina diária. E quando falamos em rotina não falamos em horários rígidos e inflexíveis mas sim em momentos em que a criança consegue prever aquilo que vai acontecer a seguir. Assim, quando falamos de rotina falamos de estabilidade, de previsibilidade e segurança.

Rotinas previsíveis, com horários regulares de alimentação e sono, ajudam as crianças a sentir-se seguras e confortáveis. Isto pode ajudá-las a concentrar-se melhor e a aprender mais na escola. Quando existe uma rotina a criança sente se segura porque sabe o que vai acontecer a seguir: sabe que vai arrumar a sala porque é hora da história e, que a seguir vai lavar as mãos porque é hora de ir almoçar.

Quando as crianças têm um ambiente seguro e previsível, elas são capazes de lidar com as situações do dia-a-dia de forma mais tranquila e confiante. Esta previsibilidade permite lhes também uma maior facilidade de organização e gestão do seu tempo durante o decorrer do dia-a-dia.

Por conseguir prever o que vai acontecer a criança sente se parte da rotina e participa em cada momento de forma activa e autónoma.

Muitas vezes em casa pode parecer mais difícil manter alguns momentos da rotina, mas uma boa estratégia para que a criança continue a sentir se segura e tranquila mesmo quando a rotina se altera é antecipar aquilo que vai acontecer, verbalizando. Por exemplo, “hoje não vamos ficar em casa porque é fim-de-semana, vamos passear e à noite voltamos para a nossa casa!”.Com mais ou menos pormenores é importante ir transmitindo aquilo que vai acontecer de forma a que criança sinta a tal previsibilidade e segurança que necessita para se tornar numa criança confiante, segura, cumpridora, responsável, autónoma e organizada.

Além da rotina, como importante elemento de estabilidade na vida da criança é importante também referir a importância da existência de regras e limites. Estes dois são fundamentais e necessários e devem ser sempre claros e bem definidos para que sejam compreendidos e respeitados pela criança. Isto é, se hoje eu disser à criança que não pode brincar com os carros na parede e amanhã a vir repetir este comportamento e não disser nada porque nesse dia estou cansada ou a fazer outra tarefa que me impossibilite de a chamar à atenção, a criança não vai perceber porque é que ontem não podia e hoje já pode. Vai ficar confusa, não vai entender o limite e vai testar mais as regras e limites impostos pelo adulto porque entende que estas, às vezes, podem ser transgredidas. Assim, é importante que exista consistência na imposição de regras e limites. Uma estratégia eficaz utilizada na escola para que as regras sejam interiorizadas pelas crianças é criar as regras da sala com o próprio grupo de crianças. Desconstrui-las. Perceber porque são importantes. O que acontece se não as cumprirmos? Registar por escrito e ilustrar com as crianças. Afixar na parede da sala durante todo o ano. Reler, discutir e relembrar sempre que são transgredidas as regras. Este processo ajuda a que cada criança se sinta responsável e se esforce por cumprir aquilo que foi acordado por todos para o bom funcionamento da sua sala e da vida em grupo que mais tarde será a vida em sociedade. É importante que tudo seja dialogado com a criança. Por exemplo, se a criança quer registar como regra que não se pode bater nos amigos, é importante conversar sobre o porquê desta regra. O que acontece se batermos nos amigos? O que acontece se não arrumarmos a sala ou se falarmos todos ao mesmo tempo? Hoje em dia é importante privilegiar um modelo educacional que ajude as crianças a pensar, a procurar soluções. A criança deve conseguir de forma cada vez mais autónoma encontrar estratégias e soluções para resolver por si os problemas/desafios com que se depara no seu dia-a-dia. Neste processo o adulto deve sempre apoiar, incentivar e elogiar dando espaço à criança para agir. Um ambiente estável, previsível e acolhedor, onde o adulto apoia sempre a criança é especialmente importante para crianças pequenas, que ainda estão a aprender a lidar com o mundo ao seu redor. Quando falamos deste ambiente acolhedor não podemos deixar de referir a importância da aprendizagem das emoções como um importante elemento de estabilidade na vida da criança. Na infância, a educação emocional é da responsabilidade dos pais, educadores e psicólogos. Assim somos nós adultos que devemos ajudar as crianças a descobrir, identificar, nomear e compreender as emoções. É importante que a criança consiga gerir aquilo que sente ao invés de serem as suas emoções a controlar o seu comportamento. As emoções como a raiva, zanga ou tristeza existem e manifestam se na criança tal como no adulto, e acontecem tanto na escola como em casa. A diferença é que o adulto sabe gerir as suas emoções de uma forma mais consciente. A criança ainda não consegue fazê-lo e por isso precisa da ajuda do adulto, neste processo emocional. Assim, é importante que o adulto consiga manter a calma e explicar à criança que é normal o que está a sentir mas que existem várias formas de gerir e controlar aquela emoção. Por exemplo, numa situação em que a criança bate noutra criança, independentemente do motivo, a nossa função é ajudar a criança a desenvolver outros mecanismos de resposta. É normal que perante emoções fortes a criança acabe por ter comportamentos como bater ou empurrar. Mas apesar de “ser normal” é importante que o adulto consiga perceber o que leva a criança a este tipo de comportamento: imaturidade neurológica, desregulação emocional, dificuldade em controlar os seus impulsos ou ausência de recursos para saber lidar com o que sente são alguns exemplos de motivos que podem levar a criança a bater. Para manter a estabilidade e ajudar a criança a gerir estas emoções o adulto deve evitar castigar, humilhar, ignorar, bater ou ameaçar “se voltas a fazer isso ficas aqui sozinho”. Em alternativa, o adulto deve começar por controlar fisicamente a criança para que não magoe o amigo. De seguida deve validar as suas emoções dizendo que percebe que se sinta triste ou com raiva mas deve também colocar um limite dizendo que apesar de perceber e aceitar que se sinta assim, bater no amigo não pode acontecer. No entanto, não basta dizer que não pode bater. É preciso redirecionar o comportamento explicando outras formas de agir, quando sente aquela emoção intensa. O importante é que a criança aprenda desde cedo a lidar com todas estas emoções de forma saudável, construtiva e consciente. Quando tal acontece significa que existe estabilidade emocional, ou inteligência emocional. Na escola, este trabalho de descoberta das emoções é realizado desde cedo através de jogos, canções, conversas e também de histórias onde as crianças descobrem e compreendem as suas emoções e as dos outros através das personagens. Assim, para além das rotinas, regras e limites como elementos fundamentais para a estabilidade infantil na vida da criança, não podemos também esquecer esta aprendizagem das emoções.

Resumindo, a estabilidade é crucial no desenvolvimento das crianças. É fundamental para que se sintam seguras e confiantes na sua vida diária. Assegurar a estabilidade e consistência na vida das crianças é fundamental para que estas consigam criar os recursos emocionais que lhes vão permitir lidar com as situações imprevisíveis do mundo exterior tanto na infância como na vida adulta.

A estabilidade também é importante para a auto-estima da criança. Quando as crianças se sentem seguras e amadas, elas têm uma auto-estima mais saudável e são mais propensas a envolver se em atividades saudáveis e positivas. Isto pode ajudá-las a ter sucesso na escola e a tornarem se adultos mais saudáveis e felizes.

 

 

Luísa Pestana

(Educadora de Infância)

 

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As Crianças e o seu Universo Emocional

A Inteligência Emocional é a chave que abre portas à resiliência e que permite que uma criança percorra caminhos de descoberta, para crescer mais confiante e feliz, mesmo no seio de eventos de vida, por vezes, desafiantes.

 

- Como te sentes?

- Bem. Normal. Mais ou menos.

Este é o reduzido léxico emocional de muitas das crianças e adolescentes que conheço.

 

A Inteligência Emocional constitui uma importante dimensão a que devemos dar atenção na educação de uma criança, uma vez que as emoções desempenham um papel essencial no nosso comportamento, nas nossas escolhas e nas nossas reações.

Para ajudar uma criança a crescer confiante, feliz e resiliente, é muito importante, desde cedo, promover o desenvolvimento de ferramentas para que consiga identificar e nomear emoções que verifica em si e nos outros, para expressar as suas emoções de forma adequada e, também, fornecer-lhes estratégias para regular as suas emoções.

O uso eficaz das emoções permite que a criança ganhe maior controlo sobre situações desafiantes, aprenda a comunicar sobre os seus estados emocionais, expresse necessidades, desenvolva relações saudáveis com a família e os amigos e alcance maior satisfação na escola, no trabalho e na vida.

 

Crescer num contexto de confiança, onde há espaço, tempo e recetividade para se conversar sobre emoções, permite que as crianças e os adolescentes desenvolvam uma relação adequada com esta dimensão das suas vidas, incentivando-os a expressar livremente aquilo que sentem e a ter oportunidade de empatizar com as experiências emocionais de outras pessoas. Criar este espaço, para que isto possa acontecer, é tarefa de todos os adultos que interagem com as crianças. Para tal, importa olhar para o mundo emocional das crianças com respeito e seriedade, compreender que as crianças expressam aquilo que sentem de forma tendencialmente distinta da dos adultos, recorrendo muito mais ao comportamento do que às verbalizações, e validar as suas emoções, por muito estranhas possam parecer as suas manifestações ao olhar de um adulto.

Validar aquilo que uma criança está a sentir, ajudando-a a sentir-se compreendida, é o primeiro passo para uma relação de confiança, assim como para a exploração e implementação de estratégias de regulação emocional eficazes.

 

Uma meta-análise publicada em 2020 na revista Psychological Bulletin reforça aquilo diversos estudos nos últimos anos têm evidenciado: pessoas emocionalmente inteligentes apresentam melhor desempenho nos seus trabalhos, são mais saudáveis e apresentam índices de bem-estar mais elevados. Adicionalmente, salienta que a inteligência emocional é uma competência importante a ser desenvolvida nos estudantes, enquanto promotora do seu bem-estar e sucesso futuros.

 

Ao contrário do que muitos cérebros adultos consideram, a Inteligência Emocional pode ser promovida desde o nascimento, desenvolvendo-se progressivamente a capacidade de:

- identificar e nomear emoções, em si e nos outros;

- expressar emoções de forma adequada;

- possuir e usar estratégias de regulação emocional.

 

Uma criança emocionalmente inteligente possui maior controlo sobre reações instintivas em condições de stress, sabe comunicar o seu estado emocional, desenvolve relações interpessoais satisfatórias, tem mais sucesso na escola, no trabalho e na vida.

 

Crianças emocionalmente inteligentes...

- sabem reconhecer e dar nome às suas emoções;

- reconhecem e compreendem o que os outros expressam e sentem;

- têm maior capacidade de autocontrolo – agem, não reagem;

- conseguem tranquilizar-se de forma mais autónoma;

- têm uma mentalidade de crescimento, na procura de soluções face a contrariedades;

- são mais criativas,

- relacionam-se com os outros de forma satisfatória;

- confiam mais em si próprias.

 

Para um adulto compreender e respeitar o universo emocional das crianças, promovendo a sua inteligência emocional, precisa de abraçar algumas ideias essenciais.

 

Não há emoções certas ou erradas, boas ou más, positivas ou negativas. Todas fazem parte de uma paleta de emoções que os seres humanos possuem, ajudando a dar significado às experiências de vida, não existindo forma certa ou errada de as experienciar. É muito mais eficaz olhar para as emoções como confortáveis ou desconfortáveis, agradáveis ou desafiantes, mais ou menos ativadoras.

 

Nós não somos as nossas emoções; elas não nos definem. Pode acontecer quando experienciamos uma determinada emoção de forma prolongada, começar a olhar para ela como parte da nossa identidade. Recordemos que as nossas emoções são apenas uma peça de um complexo e enorme puzzle que somos. Sentir uma emoção desagradável não significa que somos essa emoção. A subtileza na escolha das palavras que usamos, pode fazer toda a diferença. “É uma criança triste” é muito diferente de “Parece sentir-se triste com esta situação.” Acresce que sentirmos uma emoção desagradável não significa que haja algo de errado connosco ou que tenhamos feito algo de errado. Cabe aos adultos ajudarem as crianças a compreender esta importante noção.

 

Nós não nos livramos das emoções. Por vezes podemos adotar posturas e discursos (habitualmente mais críticos) que levam a criança a cair na tentação de ignorar, acumular ou esconder emoções desagradáveis. Não nos podemos forçar, ou forçar alguém, a não ter emoções, na medida em que estas são respostas a eventos, internos (como uma memória) ou externos (como algo que se experiência ou que nos acontece). Entrar num registo de evitamento apenas faz com que aquilo que se evita ainda se torne mais saliente. Aceitar que, por vezes, emoções desagradáveis vão surgir, da mesma forma que aceitamos que os dias de chuva e vento surgem, apesar de preferirmos os dias luminosos e amenos, é mais eficaz do que tentar fugir delas.

 

As nossas emoções são únicas. Todas as pessoas são capazes de experienciar as mesmas emoções, mas as pessoas podem sentir diferentes emoções em resposta às mesmas situações. E cada pessoa pode experimentar a mesma emoção de forma diferente, consoante a situação, assim como expressá-la de forma distinta. Para as crianças isto não é exceção!

 

Olhemos para as crianças e o seu universo emocional com a máxima seriedade!

 

Inês Afonso Marques

Psicóloga Clínica e Psicoterapeuta Infantojuvenil

Direção da Oficina de Psicologia

Maio, 2023

 

 

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MARIA E O BOM LADRÃO: DESTINOS TROCADOS?

Há já uns anos, causou escândalo um filme intitulado “A última tentação de Cristo”, não tanto pela ideia de que Jesus de Nazaré fosse tentado, mas porque nesse filme se intuía, como aliás em outras obras de ficção, uma relação amorosa entre Nosso Senhor e Maria Madalena.

Como é sabido, o evangelista São João, quando relata a ressurreição de Cristo, diz que Maria Madalena, ao ver o Senhor ressuscitado, tratou-O, embora estivessem sós, por Mestre, ou seja, com a deferência que é própria de uma discípula, e não com a intimidade que é habitual entre os amantes. E, quando ela quis manifestar efusivamente a sua alegria e entusiasmo, foi o próprio Senhor que a conteve, dizendo: “Não me retenhas, porque ainda não subi para meu Pai, mas vai a meus irmãos e diz-lhes que subi para meu Pai e vosso Pai, para o meu Deus e vosso Deus” (Jo 20, 17).

Não repugna à teologia católica admitir que Jesus foi tentado, como aconteceu ao termo dos quarenta dias passados no deserto, embora, dada a sua condição divina, não pudesse pecar. Também se pode admitir, com o devido respeito, que Jesus de Nazaré nem sempre agiu da forma humanamente mais acertada: pense-se, por exemplo, na escolha de Judas Iscariotes, que o traíu, para seu apóstolo; o a de Pedro, que o negou três vezes, para seu representante na terra, como primeiro Papa.

Neste sentido, não será despropositado questionar duas declarações feitas por Jesus, já crucificado, e que, salvo melhor opinião, parecem trocadas. Com efeito, o que disse ao bom ladrão deveria ter sido dito a Nossa Senhora e, o que à sua Mãe foi então pedido, deveria ter sido imposto, mutatis mutandis, ao ladrão arrependido.

É já do alto da Cruz que Jesus não apenas perdoa o bom ladrão, como lhe garante que, nesse mesmo dia, estaria, com Ele, no paraíso. Ora, tendo em conta que o próprio criminoso reconheceu a sua culpa, parecia mais justo que o Mestre lhe tivesse imposto uma dura penitência pelos seus delitos, como exigia a justiça, ou, pelo menos, uns tempos de expiação no purgatório, que para isso, com efeito, existe. Esta absolvição instantânea e incondicional e a imediata canonização do que, desde então, passou à História paradoxalmente como o ‘o bom ladrão’, parece ter sido uma precipitação de Nosso Senhor, talvez devida ao estado de agonia em que se encontrava naquele momento.

A outra injustificada declaração do Mestre, também naquela ocasião, foi a feita a sua mãe, Nossa Senhora. Estando de pé, junto à Cruz, Maria teria merecido uma palavra de elogio ou, pelo menos, de reconhecimento. Esse agradecimento era-lhe tanto mais devido quanto contrastava com a ausência dos apóstolos, salvo a honrosa excepção do discípulo que o Senhor amava. Contudo, em vez de Jesus premiar a sua Mãe pela sua heróica fidelidade, impôs-lhe, precisamente naquele momento, uma enorme cruz, ao fazê-la mãe não apenas daquele apóstolo, mas também de todos nós!

Para quem já era nada menos do que Mãe de Deus, uma tal condição nada tinha de honroso, antes pelo contrário. Pior ainda, atribuindo-lhe essa nova maternidade, Maria ficava impossibilitada de ir também, com Jesus, para o Céu, onde já a esperava São José, os seus pais São Joaquim e Santa Ana, a sua prima Santa Isabel, o seu marido, Zacarias, e o filho de ambos, São João Baptista, etc. Que desilusão para Nossa Senhora! Que pena não poder ainda subir ao paraíso, com Jesus, ela que, mais do que qualquer outra criatura, tanto merecia a bem-aventurança celestial!

Segundo a lógica humana, estes dois casos ter-se-iam resolvido facilmente se Nosso Senhor tivesse dado a cada um deles o destino que deu ao outro: teria sido muito justo que tivesse dito ao bom ladrão que o curava e até libertava da cruz, mas para que servisse os seus irmãos na fé e assim, pelas boas obras, expiasse os seus crimes. Por sua vez, a Nossa Senhora, o seu divino filho deveria ter dito o que então disse ao bom ladrão: Hoje mesmo, estarás comigo, no paraíso!

Não quis Deus que fosse assim, para que Nossa Senhora fosse não apenas a sua Mãe, mas também a nossa mãe. E, com o mesmo desvelo como amou Jesus, também nos ama a nós, convidando-nos, com a sua vida e palavra, a fazermos tudo o que Ele nos disser.

Se Maria trocou o Céu por nós, como não podemos dar o céu, aqui na terra, a todas as mães que nos deram não apenas a vida terrena, mas também a vida na fé?!

                                                                                                                                                                                                                                                                    P. Gonçalo Portocarrero de Almada

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A guarda de facto e o exercício das responsabilidades parentais

Por regra, o exercício das responsabilidades parentais pertence aos pais.

No entanto, existem situações de facto, em que outras pessoas acabam por estabelecer uma relação afetiva com as crianças, por terem assumido o papel de guardiães das mesmas, na ausência dos pais.

A questão que se coloca é a de saber se estas pessoas têm legitimidade para pedir a regulação do exercício das responsabilidades parentais, ficando declarado que tal exercício lhes compete, na medida em que, da interpretação literal dos artigos 17.º e 43.º do RGPTC, resulta que tais normas se aplicam à regulação das responsabilidades parentais de cônjuges separados de facto, de filhos de pais não unidos pelo matrimónio e de crianças apadrinhadas civilmente.

A jurisprudência tem vindo a entender que estas situações devem ser salvaguardas através do recurso à providência tutelar cível destinada a regular os convívios da criança com os irmãos e ascendentes prevista na alínea l) do artigo 3.º do RGPTC, a qual deverá ser utilizada também em relação a outros familiares que não apenas os irmãos e ascendentes aí expressamente previstos, como forma de garantir o respeito por um dos  princípios orientadores da intervenção no âmbito da promoção dos direitos e proteção das crianças estabelecidos no artigo 4.º da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo e que se aplica aos processos tutelares cíveis conforme, expressamente, dispõe o artigo 4.º n.º 1 do RGPTC.

Concretamente, o princípio previsto na alínea g) do referido artigo, 4.º da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo, ou seja, o primado da continuidade das relações psicológicas profundas prevê que deve ser respeitado «…. o direito da criança à preservação das relações afetivas estruturantes de grande significado e de referência para o seu saudável e harmónico desenvolvimento, devendo prevalecer as medidas que garantam a continuidade de uma vinculação securizante;».

No mesmo sentido, deixamos nota do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa em 16 de dezembro de 2016 onde, a propósito de uma situação em que a guarda estava a cargo da avó, se lê o seguinte:

«Efetivamente, as pessoas de especial referência afetiva da criança – como os avós – são chamadas ao processo de promoção e proteção (artigo 4.º, alínea g) e 35.º, alíneas b) e c), da LPCJP) e na vida prática real, a exercer as responsabilidades parentais, exercendo-as de facto (cfr. artigo 5.º, alínea b), da LPCJP) pelo que, por maioria de razão, lhes deverá ser garantida a possibilidade de agirem para regular as responsabilidades parentais que exercem de facto.

Por outro lado, tais pessoas podem também ser chamadas ao processo (ou recorrer – cfr. artigo 123.º da LPCJP) no caso de não ser possível obter o acordo de promoção e proteção ou tutelar cível adequado, caso em que o juiz notifica o Ministério Público, os pais, o representante legal, quem detiver a guarda de facto e a criança ou jovem com mais de 12 anos para alegarem, por escrito, querendo, e apresentarem prova no prazo de 10 dias (cfr. artigo 114.º, n.º 1, da LPCJP).

Assim, na LPCJP, o legislador expressamente reconheceu que não pode deixar de fora os guardiões de facto.

Tal como o legislador da OTM e agora do RGPTC o entendeu relativamente à participação na primeira conferência (artigo 175.º da OTM e 35.º do RGPTC), intervindo nesta conferência os guardiões de facto.

Mas não apenas aqui.

Nos termos do artigo 58.º do RGPTC, «(…) qualquer familiar da criança ou pessoa a cuja guarda esteja confiada, ainda que de facto, podem requerer as providências previstas no n.º 2 do artigo 1920.º do Código Civil, ou outras que se mostrem necessárias, quando a má administração de qualquer dos pais ponha em perigo o património do filho e não seja caso de inibição do exercício das responsabilidades parentais

Assim, nos termos do RGPTC, confere-se a iniciativa processual aos detentores da guarda de facto, reconhecendo-lhes legitimidade para intervir relativamente às questões patrimoniais, pelo que, por maioria de razão, aos mesmos há-de assistir o direito de iniciativa processual para requererem a regulação das suas responsabilidades parentais.

….
Assim, no n.º 3 do artigo 43.º do RGPTC, quando refere «requeridas por qualquer das pessoas a quem caiba o exercício das responsabilidades parentais» há-de entender-se como reportada aos guardiões de facto e assim àqueles que exerçam efectivamente as responsabilidades parentais, aos quais o mesmo regime, a propósito de outras questões (intervenção na conferência de regulação das responsabilidades parentais – artigo 35.º, n.º 2 – e instauração de providências necessárias a acautelar a situação de perigo do património dos menores – 58.º, n.º 1) expressamente reconhece tal intervenção processual.
Os «guardiões de facto», na realidade, não constam enunciados no artigo 17.º, conferindo-se um sentido útil contemplando os mesmos na previsão do artigo 43.º, n.º 3.

….

Ou seja: Encontra-se sentido para a previsão do n.º 3 do artigo 43.º que, nesta linha, estende a legitimidade conferida já às pessoas do artigo 17.º, também às pessoas que exerçam de facto as responsabilidades parentais.»

Assim, em situações de facto em que crianças estão entregues a familiares, sem que esteja legalmente regulado o exercício das responsabilidades parentais a favor de quem, efetivamente, cuida delas deverá, como forma de proteção dessas mesmas crianças, deverá ser requerida tal regulação do exercício das responsabilidades parentais.

 

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Quem é herdeiro de quem?

De acordo com a lei portuguesa existem pessoas que, pela relação família que têm com o falecido, não podem ser afastados da sucessão, sendo, obrigatoriamente, herdeiros.

Estas pessoas são, na terminologia da lei, herdeiros legitimários e são o cônjuge, os descendentes e os ascendentes.

Aos herdeiros legitimários está destinada uma parte da herança (chamada legítima) que não pode ser reduzida, nem sequer por vontade do autor da herança.

Atualmente a lei permite que os cônjuges não sejam herdeiros, entre si, desde que desde que, ao casar, o façam no regime da separação de bens e que, simultaneamente, renunciem à qualidade de herdeiros.

Fora desta situação, os herdeiros legitimários, apenas não terão direito à herança em situações muito especificas de deserdação ou indignidade que terão que ser declaradas pelo tribunal em processos específicos para o efeito.

A legitima é calculada tendo em consideração diversos fatores como seja o valor dos bens que compõem o património do falecido (à data da morte), o valor dos bens que este - em vida - doou, as despesas que estejam sujeitas a colação (restituição à herança, para efeitos de igualação na partilha) e, claro, as dívidas da herança.

O valor concreto da legitima vai, também, depender dos herdeiros a quem se destine.

Assim, se não tiver havido renúncia à qualidade de herdeiro por parte do cônjuge e o falecido não tiver filhos, nem pais, a legitima do cônjuge é de metade da herança.

Se o falecido tiver filhos (e cônjuge) a legitima do cônjuge e dos filhos é de dois terços da herança.

Se não houver cônjuge sobrevivo (ou se este tiver renunciado à qualidade de herdeiro) a legitima dos filhos varia consoante o número de filhos: metade de for um único filho, dois terços se forem dois ou mais filhos.

Numa situação em que não existam filhos, mas exista cônjuge e pais ainda vivos, a legitima destes é de dois terços do total da herança.

Já se apenas existirem pais vivos, a legitima destes é de metade da herança ou, caso existam avós ainda vivos, de dois terços.

Os bens da herança que não estão, obrigatoriamente, destinados aos herdeiros legitimários, (consoante os casos, metade ou um terço), podem ser livremente distribuídos por quem o autor da herança entender, podendo fazê-lo por testamento.

Se não existir testamento e existirem herdeiros legitimários a metade ou o um terço dos bens disponíveis será distribuído pelos chamados herdeiros legítimos que, nos termos da lei e pela ordem preferencial que esta estabelece, são:

O cônjuge (não renunciante) e os descendentes;

O cônjuge (não renunciante) e os ascendentes;

Os irmãos e os descendentes destes

Outros colaterais (até ao 4º grau)

Não existindo parentes colaterais de 4º grau e não existindo como supra referido, testamento, os bens em causa serão entregues ao Estado

Conclui-se, assim, que os cônjuges, os descendentes (filhos, netos, etc) e os ascendentes (pais, avós, bisavós) não podem ser, por regra, afastados da sucessão.

Os irmãos, tios e primos, quando não existam cônjuge, descendentes e ascendentes, são herdeiros sendo que, por vontade do autor da herança, expressa através de testamento, podem ser afastados da sucessão ou podem herdar nos termos que o autor da herança entender.

Através de testamento, o autor da herança, ainda que tenha herdeiros legitimários que não pode afastar da sucessão, pode dispor de metade ou um terço dos seus bens, nos termos que entender, podendo dispor da totalidade dos mesmos, como quiser, se não tiver cônjuge, descendentes ou ascendentes

 

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A compropriedade e a ação de divisão de coisa comum

Conforme resulta do artigo 1412.º do Código Civil, a regra é a de que:
«1- Nenhum dos comproprietários é obrigado a permanecer na indivisão, salvo quando se houver convencionado que a coisa se conserve indivisa»
De acordo com o artigo 209.º do Código Civil, são consideradas diviseis as coisas que possam ser fracionadas sem que se altere a sua substância, sem que diminua o seu valor ou sem que tal cause prejuízo para o uso a que destinam.
Assim, sempre que duas ou mais pessoas sejam comproprietárias e, não havendo acordo entre as mesmas para colocar termo à indivisão, a ação de divisão de coisa comum apresenta-se como o meio processual adequado para que o ou os consortes que pretendam colocar termo à indivisão o façam, devendo alegar, para além da sua qualidade de consorte, a divisibilidade jurídica da coisa, seja em substância ou seja em valor pedindo que «se proceda à divisão em substância da coisa comum ou à adjudicação ou venda desta, com repartição do respetivo valor, quando a considere indivisível …» (artigo 925.º do Código de Processo Civil).
A ação de divisão de coisa comum pode ser sumariamente decidida, após contestação da parte contrária, caso as questões suscitadas pelo pedido de divisão possam ser decididas logo que produzida a prova.
Conforme resulta do n.º 4 do artigo 926.º do Código de Processo Civil, ainda que as partes não suscitem a questão da indivisibilidade da coisa, o Tribunal deverá conhecer desta questão oficiosamente tendo em conta os critérios supra mencionados previstos no artigo 209.º do Código Civil, ou seja, por exemplo, um imóvel será divisível se:
1.não existir alteração da sua substância;
2. não diminuir de valor;
3. não existir prejuízo para o uso a que o mesmo se destina.
Assim, basta que se verifique uma destas situações para que o imóvel seja considerado como indivisível devendo o juízo que se opera sobre tal ser atual, atendendo à situação presente no momento em que a questão é apreciada e não ao que poderá a vir a ser no futuro, por exemplo, com a realização de obras.
Imaginemos um edifício, para habitação, constituído por rés do chão, primeiro e segundo andar, o qual, após a realização de obras, até é suscetível de ser constituído em propriedade horizontal permitindo, deste modo, a autonomização do rés do chão, do primeiro e segundo andares, passando cada uma a constituir uma fração autónoma.
Mas, como referido, essa será uma situação eventual e futura e não atual pelo que, nesta situação, o tribunal não poderá declarar que o prédio é divisível por ser possível que se venha a constituir uma propriedade horizontal.
Acresce sempre que a realização das obras que permitissem que no futuro se viesse a constituir a propriedade horizontal são obras de vulto, do ponto de vista económico, não existindo uma possibilidade legal de, para efeitos de agilizar a divisão do prédio comum, impor a realização de obras para efeitos de constituição de propriedade horizontal impondo, ainda, a repartição dos custos pelos consortes.
Assim, no exemplo aqui dado e, de acordo com o quadro legal, o edifício em causa teria que ser considerado indivisível, situação em que, na conferência de interessados, levará a que se tente um acordo dos interessados na adjudicação do edifício a algum ou alguns dos consortes e preenchendo-se em dinheiro as quotas dos outros consortes. O acordo dos interessados (consortes) presentes obriga os que, notificados para a aludida conferência, não compareçam na mesma.
Não havendo acordo no que à adjudicação respeita, o edifício será vendido, podendo os consortes concorrer à venda.

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Bens comuns e bens próprios no regime da comunhão de adquiridos

No regime da comunhão de adquiridos, os bens que advenham na constância do casamento a qualquer um dos cônjuges e que não sejam excetuados por lei, são bens comuns.

Por vezes, pode acontecer que os cônjuges adquiram bens parcialmente com dinheiro e/ou bens próprios de um deles e com dinheiro e/ou bens comuns de ambos. Nestas situações, o artigo 1726.º do Código Civil determina que os bens assim adquiridos, serão próprios ou comuns consoante a natureza comum ou própria da mais valiosa das duas prestações.

Clarificando, se ambos os cônjuges construírem, durante o casamento, uma moradia num terreno que é bem próprio de um deles, o prédio urbano resultante da construção adquire a natureza de bem comum se a edificação for mais valiosa do que o terreno onde está implantada.

Esta distinção assume relevância em situações de dissolução do casamento, seja por divórcio, seja por óbito, em que tenha que se fazer a partilha de bens comuns, pois, a verdade é que, de acordo com o artigo 1726.º n.º 2 do Código Civil, no momento da dissolução e subsequente partilha do acervo comum, terá que ser efetuada a compensação pelo património comum do ex-casal ao património próprio de um dos cônjuges ou, ao contrário, consoante a concreta situação, ou seja, no exemplo supra, o património comum terá que compensar o cônjuge proprietário único do terreno onde foi construída a moradia do valor do terreno, pelo que, existindo inventário, o imóvel será relacionado como bem comum e será relacionado como passivo comum do casal ao cônjuge proprietário do terreno o valor deste terreno.

 

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O acompanhamento de maior: a escolha do acompanhante

O Regime Jurídico do Maior Acompanhado, que data de 2018, concretizou internamente instrumentos internacionais, nomeadamente, a Convenção das Nações Unidas de 30 de março de 2007 relativa os Direitos das Pessoas com Deficiência, adotada em Nova Iorque.

De acordo com o artigo 1º desta Convenção, o seu objeto é o de  “promover, proteger e garantir o pleno e igual gozo de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais por todas as pessoas com deficiência e promover o respeito pela sua dignidade inerente”, estabelecendo-se no seu artigo 46.º que os Estados Contratantes se comprometem  “a assegurar e promover o pleno exercício de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais para todas as pessoas com deficiência sem qualquer discriminação com base na deficiência”.

Assim, o Regime Jurídico do Maior Acompanhado abandonou a solução da substituição da vontade da pessoa incapaz, tendo privilegiado um modelo de apoio à mesma, no qual as medidas aplicadas serão escolhidas de acordo com as concretas necessidades da pessoa em causa, sendo revistas periodicamente com o objetivo, seja de aferir da manutenção da necessidade de apoio, seja de que o apoio aplicado é o adequado em cada momento, respeitando os princípios da adequação, da proporcionalidade e da dignidade da pessoa, garantindo-se que esta continua a ter vontade e a ser sujeito de direitos, apesar das suas necessidades especiais.

Assim sendo e, conforme resulta do artigo 140.º n.º 1 do Código Civil, o acompanhamento tem como objetivo assegurar o bem-estar, a recuperação, o pleno exercício de todos os direitos e o cumprimento dos deveres do acompanhado, competindo ao acompanhado escolher o seu acompanhante. Não sendo feita essa escolha, a lei identifica, de forma exemplificativa, um conjunto de pessoas a quem deverá ser deferido o exercício do cargo de acompanhante, conforme n.º 2 do artigo 143.º do Código Civil.

Este acompanhante deverá garantir o bem-estar e a recuperação do acompanhado, atuando de forma diligente e mantendo um contacto permanente com este, estabelecendo a lei que, no mínimo, deverá visitá-lo com uma periodicidade mensal.

Na nomeação do acompanhante, ter-se-á em conta a pessoa que melhor salvaguardará os interesses do acompanhado e que melhor possa garantir a sua recuperação e o seu bem-estar, tendo em conta, nomeadamente, as relações de proximidade que mantém com o acompanhado, razão porque o cônjuge, os descendentes e os ascendentes não poderem recusar-se a serem acompanhantes, nem poderão ser exonerados dessa  função, exceção feita aos descendentes, os quais poderão pedir a sua exoneração após 5 anos de exercício da função, se existirem outros descentes igualmente capazes.

Os restantes acompanhantes podem pedir escusa desde que, para o efeito, invoquem os fundamentos que se encontram previstos no artigo 1934.º do Código Civil e, independentemente destes fundamentos, poderão pedir para serem substituídos ao fim de 5 anos de exercício da função.

Com vista a garantir que se determinará a solução mais adequada ao caso concreto, o n.º 3 do artigo 143.º do Código Civil prevê a possibilidade de serem nomeados vários acompanhantes com diferentes funções, especificando-se as atribuições de cada um, nada impedindo também que sejam nomeados vários acompanhantes que exercerão a sua função de forma rotativa.

Por exemplo, se o acompanhado tiver 3 filhos, nada impede que os 3 sejam nomeados acompanhantes exercendo cada um essa função por específicos períodos de tempo.

Também nada impede que sejam nomeados acompanhantes que visem objetivos específicos: um acompanhante para as questões pessoais do acompanhado e, outro acompanhante, para tratar dos assuntos patrimoniais deste.

Em conclusão, de quanto supra exposto, resulta que, no quadro legal, é possível, de acordo com a solução que se apresentar como a mais adequada ao caso concreto, nomear um único acompanhante, nomear um acompanhante e um acompanhante substituto que apenas exercerá funções caso o acompanhante esteja impedido de o fazer, nomear vários acompanhantes cada um com a sua função, nomear vários acompanhantes que exercerão funções, por períodos de tempo concretos e de forma rotativa.

 

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A prestação de fiança

Conforme resulta do artigo 628.º do Código Civil:

«1 – A vontade de prestar fiança deve ser expressamente declarada pela forma exigida para a obrigação principal

Ou seja, o negócio constitutivo da fiança tem que se manifestar através de uma vontade expressa, não bastando uma vontade tácita.

Mais, se a fiança for constituída no âmbito de um negócio para o qual a lei exija forma especial, a declaração de prestação de fiança terá, também, que ter a mesma forma. Se o negócio no âmbito do qual a fiança é prestada não exigir forma, então, a prestação de fiança não está sujeita a forma, podendo ser prestada oralmente.

Assim, na declaração de fiança, deve existir um conjunto de indicações claras, aqui se incluindo a indicação da dívida que a fiança visa garantir. Mais, deve constar a indicação da duração da fiança, na medida em que o garante deverá saber por quanto tempo é que fica vinculado à garantia que presta. Do mesmo modo, deverá constar a identificação do devedor e do credor. Também deverão constar cláusulas que onerem a posição do fiador, como seja a renúncia ao benefício da excussão prévia.

Assim, por exemplo, a simples aposição de assinatura num contrato de mútuo com hipoteca, sujeito a forma legal, não traduz uma declaração de vontade de prestar fiança por não satisfazer os requisitos mencionados no artigo 628.º n.º 1 do Código Civil, supra citado.

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