A estabilidade na infância traduz-se no equilíbrio emocional na vida adulta.

Para compreender a importância da estabilidade na vida das crianças é interessante começar por clarificar estes dois termos: criança e estabilidade. A ideia será perceber o impacto que a estabilidade ou falta dela pode ter na vida das crianças, futuros adultos. Este impacto existirá sempre e poderá ser positivo ou negativo, daí a importância de pensarmos sobre este tema. É importante lembrar que o termo criança se refere ao ser humano no início do seu desenvolvimento. A criança está em crescimento e por isso é importante proporcionar lhe as condições ideais para o seu desenvolvimento social, emocional e intelectual e para a formação da sua personalidade, que acontece nos primeiros anos de vida. A estabilidade emocional é uma das mais importantes competências a desenvolver desde a infância pois terá impacto no desenvolvimento a todos os níveis, em toda a vida futura.

A família e a escola são fundamentais neste processo na medida em que são os modelos que a criança irá seguir como grande referência na sua vida.

É importante que a relação entre família e escola seja de continuidade. Ou seja, a escola deve ser vista como uma continuação do espaço casa/família ao invés de mais um espaço na vida das crianças. Só assim será possível que as crianças se desenvolvam num verdadeiro ambiente de estabilidade emocional onde através da partilha e reflexão entre escola e família são entendidas e respeitadas as suas vivências, interesses e necessidades. Assim, apesar de na escola a criança pertencer a um grupo, é importante que o educador tenha a oportunidade de conhecer a individualidade de cada criança dentro desse grupo, conseguindo com maior sucesso chegar a cada uma, respeitando o seu estágio de desenvolvimento e as suas necessidades e potencialidades.

É importante que tanto em casa como na escola os adultos consigam transmitir uma estabilidade nas rotinas, regras e limites adequados à idade da criança que se irá traduzir na formação de crianças responsáveis, confiantes e autónomas. Muitas vezes ouvimos os pais dizer “o meu filho na escola porta-se tão bem e em casa não”. Efectivamente, isto acontece mesmo e está muito relacionado com o facto de na escola existir uma rotina diária. E quando falamos em rotina não falamos em horários rígidos e inflexíveis mas sim em momentos em que a criança consegue prever aquilo que vai acontecer a seguir. Assim, quando falamos de rotina falamos de estabilidade, de previsibilidade e segurança.

Rotinas previsíveis, com horários regulares de alimentação e sono, ajudam as crianças a sentir-se seguras e confortáveis. Isto pode ajudá-las a concentrar-se melhor e a aprender mais na escola. Quando existe uma rotina a criança sente se segura porque sabe o que vai acontecer a seguir: sabe que vai arrumar a sala porque é hora da história e, que a seguir vai lavar as mãos porque é hora de ir almoçar.

Quando as crianças têm um ambiente seguro e previsível, elas são capazes de lidar com as situações do dia-a-dia de forma mais tranquila e confiante. Esta previsibilidade permite lhes também uma maior facilidade de organização e gestão do seu tempo durante o decorrer do dia-a-dia.

Por conseguir prever o que vai acontecer a criança sente se parte da rotina e participa em cada momento de forma activa e autónoma.

Muitas vezes em casa pode parecer mais difícil manter alguns momentos da rotina, mas uma boa estratégia para que a criança continue a sentir se segura e tranquila mesmo quando a rotina se altera é antecipar aquilo que vai acontecer, verbalizando. Por exemplo, “hoje não vamos ficar em casa porque é fim-de-semana, vamos passear e à noite voltamos para a nossa casa!”.Com mais ou menos pormenores é importante ir transmitindo aquilo que vai acontecer de forma a que criança sinta a tal previsibilidade e segurança que necessita para se tornar numa criança confiante, segura, cumpridora, responsável, autónoma e organizada.

Além da rotina, como importante elemento de estabilidade na vida da criança é importante também referir a importância da existência de regras e limites. Estes dois são fundamentais e necessários e devem ser sempre claros e bem definidos para que sejam compreendidos e respeitados pela criança. Isto é, se hoje eu disser à criança que não pode brincar com os carros na parede e amanhã a vir repetir este comportamento e não disser nada porque nesse dia estou cansada ou a fazer outra tarefa que me impossibilite de a chamar à atenção, a criança não vai perceber porque é que ontem não podia e hoje já pode. Vai ficar confusa, não vai entender o limite e vai testar mais as regras e limites impostos pelo adulto porque entende que estas, às vezes, podem ser transgredidas. Assim, é importante que exista consistência na imposição de regras e limites. Uma estratégia eficaz utilizada na escola para que as regras sejam interiorizadas pelas crianças é criar as regras da sala com o próprio grupo de crianças. Desconstrui-las. Perceber porque são importantes. O que acontece se não as cumprirmos? Registar por escrito e ilustrar com as crianças. Afixar na parede da sala durante todo o ano. Reler, discutir e relembrar sempre que são transgredidas as regras. Este processo ajuda a que cada criança se sinta responsável e se esforce por cumprir aquilo que foi acordado por todos para o bom funcionamento da sua sala e da vida em grupo que mais tarde será a vida em sociedade. É importante que tudo seja dialogado com a criança. Por exemplo, se a criança quer registar como regra que não se pode bater nos amigos, é importante conversar sobre o porquê desta regra. O que acontece se batermos nos amigos? O que acontece se não arrumarmos a sala ou se falarmos todos ao mesmo tempo? Hoje em dia é importante privilegiar um modelo educacional que ajude as crianças a pensar, a procurar soluções. A criança deve conseguir de forma cada vez mais autónoma encontrar estratégias e soluções para resolver por si os problemas/desafios com que se depara no seu dia-a-dia. Neste processo o adulto deve sempre apoiar, incentivar e elogiar dando espaço à criança para agir. Um ambiente estável, previsível e acolhedor, onde o adulto apoia sempre a criança é especialmente importante para crianças pequenas, que ainda estão a aprender a lidar com o mundo ao seu redor. Quando falamos deste ambiente acolhedor não podemos deixar de referir a importância da aprendizagem das emoções como um importante elemento de estabilidade na vida da criança. Na infância, a educação emocional é da responsabilidade dos pais, educadores e psicólogos. Assim somos nós adultos que devemos ajudar as crianças a descobrir, identificar, nomear e compreender as emoções. É importante que a criança consiga gerir aquilo que sente ao invés de serem as suas emoções a controlar o seu comportamento. As emoções como a raiva, zanga ou tristeza existem e manifestam se na criança tal como no adulto, e acontecem tanto na escola como em casa. A diferença é que o adulto sabe gerir as suas emoções de uma forma mais consciente. A criança ainda não consegue fazê-lo e por isso precisa da ajuda do adulto, neste processo emocional. Assim, é importante que o adulto consiga manter a calma e explicar à criança que é normal o que está a sentir mas que existem várias formas de gerir e controlar aquela emoção. Por exemplo, numa situação em que a criança bate noutra criança, independentemente do motivo, a nossa função é ajudar a criança a desenvolver outros mecanismos de resposta. É normal que perante emoções fortes a criança acabe por ter comportamentos como bater ou empurrar. Mas apesar de “ser normal” é importante que o adulto consiga perceber o que leva a criança a este tipo de comportamento: imaturidade neurológica, desregulação emocional, dificuldade em controlar os seus impulsos ou ausência de recursos para saber lidar com o que sente são alguns exemplos de motivos que podem levar a criança a bater. Para manter a estabilidade e ajudar a criança a gerir estas emoções o adulto deve evitar castigar, humilhar, ignorar, bater ou ameaçar “se voltas a fazer isso ficas aqui sozinho”. Em alternativa, o adulto deve começar por controlar fisicamente a criança para que não magoe o amigo. De seguida deve validar as suas emoções dizendo que percebe que se sinta triste ou com raiva mas deve também colocar um limite dizendo que apesar de perceber e aceitar que se sinta assim, bater no amigo não pode acontecer. No entanto, não basta dizer que não pode bater. É preciso redirecionar o comportamento explicando outras formas de agir, quando sente aquela emoção intensa. O importante é que a criança aprenda desde cedo a lidar com todas estas emoções de forma saudável, construtiva e consciente. Quando tal acontece significa que existe estabilidade emocional, ou inteligência emocional. Na escola, este trabalho de descoberta das emoções é realizado desde cedo através de jogos, canções, conversas e também de histórias onde as crianças descobrem e compreendem as suas emoções e as dos outros através das personagens. Assim, para além das rotinas, regras e limites como elementos fundamentais para a estabilidade infantil na vida da criança, não podemos também esquecer esta aprendizagem das emoções.

Resumindo, a estabilidade é crucial no desenvolvimento das crianças. É fundamental para que se sintam seguras e confiantes na sua vida diária. Assegurar a estabilidade e consistência na vida das crianças é fundamental para que estas consigam criar os recursos emocionais que lhes vão permitir lidar com as situações imprevisíveis do mundo exterior tanto na infância como na vida adulta.

A estabilidade também é importante para a auto-estima da criança. Quando as crianças se sentem seguras e amadas, elas têm uma auto-estima mais saudável e são mais propensas a envolver se em atividades saudáveis e positivas. Isto pode ajudá-las a ter sucesso na escola e a tornarem se adultos mais saudáveis e felizes.

 

 

Luísa Pestana

(Educadora de Infância)

 

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As Crianças e o seu Universo Emocional

A Inteligência Emocional é a chave que abre portas à resiliência e que permite que uma criança percorra caminhos de descoberta, para crescer mais confiante e feliz, mesmo no seio de eventos de vida, por vezes, desafiantes.

 

- Como te sentes?

- Bem. Normal. Mais ou menos.

Este é o reduzido léxico emocional de muitas das crianças e adolescentes que conheço.

 

A Inteligência Emocional constitui uma importante dimensão a que devemos dar atenção na educação de uma criança, uma vez que as emoções desempenham um papel essencial no nosso comportamento, nas nossas escolhas e nas nossas reações.

Para ajudar uma criança a crescer confiante, feliz e resiliente, é muito importante, desde cedo, promover o desenvolvimento de ferramentas para que consiga identificar e nomear emoções que verifica em si e nos outros, para expressar as suas emoções de forma adequada e, também, fornecer-lhes estratégias para regular as suas emoções.

O uso eficaz das emoções permite que a criança ganhe maior controlo sobre situações desafiantes, aprenda a comunicar sobre os seus estados emocionais, expresse necessidades, desenvolva relações saudáveis com a família e os amigos e alcance maior satisfação na escola, no trabalho e na vida.

 

Crescer num contexto de confiança, onde há espaço, tempo e recetividade para se conversar sobre emoções, permite que as crianças e os adolescentes desenvolvam uma relação adequada com esta dimensão das suas vidas, incentivando-os a expressar livremente aquilo que sentem e a ter oportunidade de empatizar com as experiências emocionais de outras pessoas. Criar este espaço, para que isto possa acontecer, é tarefa de todos os adultos que interagem com as crianças. Para tal, importa olhar para o mundo emocional das crianças com respeito e seriedade, compreender que as crianças expressam aquilo que sentem de forma tendencialmente distinta da dos adultos, recorrendo muito mais ao comportamento do que às verbalizações, e validar as suas emoções, por muito estranhas possam parecer as suas manifestações ao olhar de um adulto.

Validar aquilo que uma criança está a sentir, ajudando-a a sentir-se compreendida, é o primeiro passo para uma relação de confiança, assim como para a exploração e implementação de estratégias de regulação emocional eficazes.

 

Uma meta-análise publicada em 2020 na revista Psychological Bulletin reforça aquilo diversos estudos nos últimos anos têm evidenciado: pessoas emocionalmente inteligentes apresentam melhor desempenho nos seus trabalhos, são mais saudáveis e apresentam índices de bem-estar mais elevados. Adicionalmente, salienta que a inteligência emocional é uma competência importante a ser desenvolvida nos estudantes, enquanto promotora do seu bem-estar e sucesso futuros.

 

Ao contrário do que muitos cérebros adultos consideram, a Inteligência Emocional pode ser promovida desde o nascimento, desenvolvendo-se progressivamente a capacidade de:

- identificar e nomear emoções, em si e nos outros;

- expressar emoções de forma adequada;

- possuir e usar estratégias de regulação emocional.

 

Uma criança emocionalmente inteligente possui maior controlo sobre reações instintivas em condições de stress, sabe comunicar o seu estado emocional, desenvolve relações interpessoais satisfatórias, tem mais sucesso na escola, no trabalho e na vida.

 

Crianças emocionalmente inteligentes...

- sabem reconhecer e dar nome às suas emoções;

- reconhecem e compreendem o que os outros expressam e sentem;

- têm maior capacidade de autocontrolo – agem, não reagem;

- conseguem tranquilizar-se de forma mais autónoma;

- têm uma mentalidade de crescimento, na procura de soluções face a contrariedades;

- são mais criativas,

- relacionam-se com os outros de forma satisfatória;

- confiam mais em si próprias.

 

Para um adulto compreender e respeitar o universo emocional das crianças, promovendo a sua inteligência emocional, precisa de abraçar algumas ideias essenciais.

 

Não há emoções certas ou erradas, boas ou más, positivas ou negativas. Todas fazem parte de uma paleta de emoções que os seres humanos possuem, ajudando a dar significado às experiências de vida, não existindo forma certa ou errada de as experienciar. É muito mais eficaz olhar para as emoções como confortáveis ou desconfortáveis, agradáveis ou desafiantes, mais ou menos ativadoras.

 

Nós não somos as nossas emoções; elas não nos definem. Pode acontecer quando experienciamos uma determinada emoção de forma prolongada, começar a olhar para ela como parte da nossa identidade. Recordemos que as nossas emoções são apenas uma peça de um complexo e enorme puzzle que somos. Sentir uma emoção desagradável não significa que somos essa emoção. A subtileza na escolha das palavras que usamos, pode fazer toda a diferença. “É uma criança triste” é muito diferente de “Parece sentir-se triste com esta situação.” Acresce que sentirmos uma emoção desagradável não significa que haja algo de errado connosco ou que tenhamos feito algo de errado. Cabe aos adultos ajudarem as crianças a compreender esta importante noção.

 

Nós não nos livramos das emoções. Por vezes podemos adotar posturas e discursos (habitualmente mais críticos) que levam a criança a cair na tentação de ignorar, acumular ou esconder emoções desagradáveis. Não nos podemos forçar, ou forçar alguém, a não ter emoções, na medida em que estas são respostas a eventos, internos (como uma memória) ou externos (como algo que se experiência ou que nos acontece). Entrar num registo de evitamento apenas faz com que aquilo que se evita ainda se torne mais saliente. Aceitar que, por vezes, emoções desagradáveis vão surgir, da mesma forma que aceitamos que os dias de chuva e vento surgem, apesar de preferirmos os dias luminosos e amenos, é mais eficaz do que tentar fugir delas.

 

As nossas emoções são únicas. Todas as pessoas são capazes de experienciar as mesmas emoções, mas as pessoas podem sentir diferentes emoções em resposta às mesmas situações. E cada pessoa pode experimentar a mesma emoção de forma diferente, consoante a situação, assim como expressá-la de forma distinta. Para as crianças isto não é exceção!

 

Olhemos para as crianças e o seu universo emocional com a máxima seriedade!

 

Inês Afonso Marques

Psicóloga Clínica e Psicoterapeuta Infantojuvenil

Direção da Oficina de Psicologia

Maio, 2023

 

 

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