A conciliação da vida familiar com a vida profissional

A conciliação da vida familiar com a vida profissional

A conciliação entre a vida familiar e a vida profissional é um tema que tem vindo a ser objeto de várias propostas da Comissão Europeia relativas ao futuro da política social europeia, com a preocupação de se tentar promover uma mudança no binómio trabalho-família para garantia de que os trabalhadores, ao longo da sua vida, alcancem um equilíbrio entre estes dois vetores.

Efetivamente, na Europa tem sido crescente a adoção de medidas de conciliação entre a vida familiar e profissional, no sentido de se legislar sobre horários de trabalho mais flexíveis.

Em Portugal, também encontramos um conjunto de normas que vão no mesmo sentido da salvaguarda da vida familiar e profissional. Senão vejamos.

Conforme resulta do artigo 59.º da Constituição da República Portuguesa:
1. Todos os trabalhadores, sem distinção de idade, sexo, raça, cidadania, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, têm direito:


b) A organização do trabalho em condições socialmente dignificantes, de forma a facultar a realização pessoal e a permitir a conciliação da atividade profissional com a vida familiar;”.

Também o artigo 68.º da Constituição da República Portuguesa prevê que:

«1. Os pais e as mães têm direito à proteção da sociedade e do Estado na realização da sua insubstituível ação em relação aos filhos, nomeadamente quanto à sua educaçãocom garantia de realização profissional e de participação na vida cívica do país.
2. A maternidade e a paternidade constituem valores sociais eminentes.»
Assim, encontra-se constitucionalmente garantido que o trabalho não pode ser prestado em condições impeditivas da conciliação da atividade profissional com a vida familiar.

E, o artigo 56.º do Código do Trabalho, reportado ao horário flexível do trabalhador com responsabilidades familiares, prevê que:


“1 - O trabalhador com filho menor de 12 anos ou, independentemente da idade, filho com deficiência ou doença crónica que com ele viva em comunhão de mesa e habitação tem direito a trabalhar em regime de horário de trabalho flexível, podendo o direito ser exercido por qualquer dos progenitores ou por ambos.
2 - Entende-se por horário flexível aquele em que o trabalhador pode escolher, dentro de certos limites, as horas de início e termo do período normal de trabalho diário.

5 - O trabalhador que opte pelo trabalho em regime de horário flexível, nos termos do presente artigo, não pode ser penalizado em matéria de avaliação e de progressão na carreira.”

Sendo ainda relevante mencionar que, nos termos do artigo 127.º do mesmo Código a entidade patronal deve proporcionar ao trabalhador condições de trabalho que favoreçam a conciliação da sua atividade profissional com a vida familiar e pessoal.

Mas, a conciliação entre a vida profissional e familiar não se esgota na maternidade e na paternidade, na medida em que esta conciliação é importante para os trabalhadores que têm filhos, mas também o é para os que cuidam dos seus pais ou dos seus avós e é ainda importante para os trabalhadores que, independentemente do estado civil, possam ter que cuidar do seu parceiro.

A adoção de medidas flexíveis nas empresas contribui para o aumento da produtividade e do compromisso dos trabalhadores, reduzindo ainda os conflitos e permite a promoção da valorização da imagem da própria empresa.

Por exemplo, em França, desde 2017 que foi criada uma lei que visa proteger os trabalhadores, na medida em que as empresas ficam obrigadas a definir um horário em que não é obrigatória a consulta e leitura de emails.

Importa salientar que, em 12 de julho de 2019, foi publicada a Diretiva (UE) 2019/1158, do Parlamento Europeu e do Conselho, relativa à conciliação entre a vida profissional e a vida familiar dos progenitores e cuidadores, a qual entrou em vigor 20 dias após a sua publicação, tendo os Estados-membros que transpor a mesma para o seu direito nacional até 2 de agosto de 2022.

Nos termos desta Diretiva, estabelecem-se requisitos mínimos que visam facilitar a conciliação entre a vida profissional e familiar dos trabalhadores que são progenitores ou cuidadores, entendendo-se por cuidador o trabalhador que presta cuidados pessoais ou apoio a um familiar ou uma pessoa que vive no agregado familiar do trabalhador e que necessita de cuidados ou assistência significativos, por uma razão médica grave.

Nos termos desta Diretiva, estabelece-se que os Estados-membros deverão adotar as medidas adequadas a garantir que os trabalhadores com filhos até, pelo menos, 8 anos de idade e que os cuidadores possam solicitar um regime de trabalho flexível que lhes permita ocuparem-se também da prestação de cuidados.

Como se refere no considerando 12 da mesma Diretiva, deverá ser tido em consideração que a utilização das licenças por parte dos trabalhadores, de forma equilibrada, está inter-relacionada com a existência de soluções acessíveis para a generalidade dos trabalhadores, serviços de acolhimento de crianças e cuidados continuados, os quais são determinantes para viabilizar que os progenitores e as pessoas com responsabilidades ao nível da prestação de cuidados, possam entrar, permanecer ou regressar ao mercado de trabalho.

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As medidas protetivas a favor das crianças

As medidas protetivas a favor das crianças

Como decorre de quanto previsto no artigo 3.º n.º 1 da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo, a intervenção para a promoção dos direitos e proteção da criança e do jovem impõe-se quando os seus progenitores, o representante legal ou quem tenha a sua guarda de facto coloquem em perigo, seja a sua segurança, a sua saúde, formação, educação ou desenvolvimento ou quando esse perigo resulte da ação ou da omissão de terceiros ou da própria criança ou do jovem a que aqueles não se oponham de forma adequada a removê-lo.
Com efeito, a intervenção para a promoção dos direitos e proteção das crianças e dos jovens visa a salvaguarda do seu superior interesse, nomeadamente, dando prioridade à continuidade das relações de afeto de qualidade destes, sem prejuízo da consideração que for devida a outros interesses legítimos no quadro da pluralidade de interesses presentes no caso concreto, pelo que os direitos das crianças e dos jovens prevalecem sobre os direitos dos progenitores.
Num processo de promoção e proteção em benefício de uma criança, o superior interesse desta deve ser avaliado e valorado concretamente, sendo que o tribunal deve procurar a melhor solução possível para aquela criança em face das suas circunstâncias concretas, tentando que exista o mínimo de desestabilização e descontinuidade na vida da criança a favor de quem é aplicada uma medida protetiva.
Mais, nestes processos de promoção e proteção e, conforme resulta do artigo 4.º alínea e) da referida LPCJP, a intervenção deve ser proporcional e atual, pelo deverá ser uma intervenção necessária e adequada à situação de perigo em que a criança ou o jovem se encontra no momento em que a decisão judicial é tomada, só podendo interferir na sua vida e na vida da sua família na medida em que tal for estritamente necessário à finalidade protetiva que se visa alcançar.
Acresce ainda que esta intervenção protetiva deve ser conduzida de modo a que os progenitores assumam os seus deveres para com o filho, respeitando-se o direito da criança à preservação das relações afetivas que tem e que, no seu mundo afetivo, se apresentam como estruturantes e de grande significado emocional, por forma a que o seu saudável desenvolvimento não fique comprometido com ruturas e cortes abruptos e injustificados do ponto de vista psicológico. Devem, como decorre, da alínea g) do mencionado artigo 4.º da LPCJP, prevalecer as medidas protetivas que garantam a continuidade de uma vinculação securizante para a criança.
Importa ter em conta que a situação de perigo em que uma criança esteja pode resultar do conflito parental exacerbado o qual se reflete na criança criando-lhe uma instabilidade emocional que a coloca numa situação de perigo e até que essa situação de perigo esteja ultrapassada a medida protetiva aplicada a favor dessa criança deve manter-se para defesa do seu superior interesse.
Sendo os processos de promoção e proteção, processos de jurisdição voluntária, resulta que o tribunal pode investigar, de forma livre, os factos, coligir provas, ordenar inquéritos e recolher as informações que repute convenientes não estando, no seu julgamento, sujeito a critérios de legalidade estrita, devendo antes adotar, perante o caso concreto, a solução que se lhe afigure como a mais conveniente e a mais oportuna.
Uma situação de risco pode, por exemplo, decorrer de um incumprimento reiterado do progenitor guardião em assegurar o regime de visitas da criança com o outro progenitor como pode decorrer de uma recusa persistente da própria criança em conviver com esse progenitor e de um postura inflexível por parte desse progenitor quanto ao cumprimento do regime de convívios e, numa situação destas, fará sentido que perante a situação de perigo em que a criança se encontra, se tenha que optar por uma reaproximação gradual entre a criança e o progenitor, suspendendo-se provisoriamente o regime de regulação das responsabilidades parentais que esteja em vigor.
Numa situação de recusa sistemática da criança em estar com o progenitor não guardião ou, até numa situação de recusa da criança em estar com um dos progenitores, ainda que o regime fixado tenha sido o da residência alternada, alegando a criança medo em conviver com esse progenitor e não conseguindo esse progenitor, de forma flexível, pacifica e mais transigente gerir a situação, antes optando por uma postura impositiva que cria na criança uma angústia elevada, crises de choro e adoção de marcados comportamentos de resistência, faz sentido que, no quadro de um processo de promoção e proteção, se trabalhe a reaproximação entre a criança e esse progenitor para que, no futuro, a relação entre ambos flua, a qual se mostra mais eficaz do que a adoção de uma medida impositiva como seja o cumprimento de entrega da criança mediante mandados, com todos os efeitos psicológicos nefastos que tal pode causar à criança.
Numa situação deste tipo, faz sentido que, quer a criança, quer os progenitores, beneficiem de acompanhamento psicológico, possibilitando-se uma maior compreensão da situação vivida e o trilhar de um caminho de estreitamento de laços afetivos entre a criança e o seu progenitor, sendo importante a consciencialização de ambos os progenitores de que o seu empenho e ajuda mútua são em benefício da criança.
Não deverá o progenitor cujo filho se recusa a estar consigo encarar tal como um enfraquecimento dos laços afetivos entre ambos, mas sim, aderir a um plano de reaproximação gradual e aceitando a suspensão parcial e temporária do regime de regulação das responsabilidades parentais, tudo fazer em prol do relacionamento futuro com o seu filho, devendo também ele, progenitor, salvaguardar o superior interesse do seu filho.

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TODA A CRIANÇA QUER VIVER EM FAMÍLIA – os colos da lei

TODA A CRIANÇA QUER VIVER EM FAMÍLIA – os colos da lei

Paulo Guerra Juiz Desembargador

1.Todos sabemos que toda a criança precisa de um colo seguro a que se vincule e de uma parentalidade positiva, viva e militante, que alie doses de ternura, firmeza e bom trato.

Na promoção de direitos e na protecção da criança em perigo deve ser dada prevalência às medidas que a integram numa família - ou seja, na lei já não se fala «na sua família», mas apenas em «família», seja ela qual for, desde que enriquecedora e nutritiva do seu corpo e do seu espírito.

No fundo, o que se quer é dar o primado à vivência em família em detrimento da colocação de uma criança em acolhimento residencial.

O princípio da prevalência da família terá que ser entendido não no sentido da afirmação da prevalência da família biológica a todo o custo, mas sim como o assinalar do direito sagrado da criança à família, seja ela a natural (se for possível, devendo, neste campo, o Estado ser capaz de acompanhar as famílias biológicas, ajudando-as a superar o perigo em que vivem as suas crianças), seja a adoptiva, reconhecendo que é na família que a criança tem as ideais condições de crescimento e desenvolvimento e é aquela o centro primordial de desenvolvimento dos afectos.

2. Mas uma criança pode viajar para o colo de outras pessoas sem ser pela adopção – existem outros caminhos, menos radicais, que podem até coexistir com alguma parte do exercício das responsabilidades parentais ainda nas mãos da progenitura biológica.

E esses caminhos são trilhados pela legislação portuguesa – podemos estar a falar de limitações do exercício das responsabilidades parentais, de tutelas, de apadrinhamentos civis ou de medidas de promoção e protecção.

3. O acolhimento familiar de crianças está previsto como uma das medidas protectivas aplicáveis pelas Comissões de Protecção e pelos Tribunais aquando da constatação de que uma criança está em perigo.

E sabemos que este é um momento charneira neste país – a lei quer que as crianças até aos 6 anos vivam em famílias de acolhimento se tiverem de ser separadas de seus pais, de forma provisória.

Esta medida do acolhimento familiar apresenta imensas vantagens e benefícios em relação ao acolhimento residencial, como por exemplo, o permitir à criança/jovem a vivência numa família estruturada e equilibrada, em oposição ao acolhimento residencial onde, inevitavelmente, as relações individualizadas ficam seriamente comprometidas e onde não existe um modelo familiar que a criança/jovem possa vivenciar e modelar-se; mas sim um modelo institucional, com enorme rotatividade de cuidadores, rotinas e actividades (quase) sempre de carácter grupal e onde o espaço íntimo – pessoal e relacional – é bastante difícil de ser promovido.

Contudo, este último não deve ser diabolizado – vai, infelizmente, continuar a ser necessário para algumas situações, devendo ser apoiado a elevar a sua acção e capacidade de actuação cada vez mais especializada e orientada para objectivos terapêuticos, com equipas mais preparadas e apoio à supervisão e formação, alteração dos rácios criança/cuidador, tal se conseguindo também com a reformulação dos apoios e dos projectos de intervenção.

Já temos leis e portarias que regulamentam a lei, venham agora as manifestações de vontade dos cidadãos anónimos que densifiquem e multipliquem as bolsas de famílias de acolhimento – neste momento, com números muito baixos a rondar os 2,7% - que possam receber em suas casas as nossas crianças em perigo, fazendo delas a sombra dos seus dias e não apenas um lugar a mais nas suas mesas.

Há que louvar o esforço recente, neste particular, da SCML e do ISS.

Aguardamos melhores números.

4. Não nos esqueçamos de uma outra providência tutelar cível que pode albergar uma criança ao colo e à sombra da lei.

Falo do Apadrinhamento Civil, regulado, em termos substantivos e processuais, pela Lei n.º 103/2009, de 11 de Setembro (diploma já revisto pela Lei n.º 141/2015, de 8/9).

A lei em causa está regulamentada pelo DL n.º 121/2010, de 27/10, alterado pela Lei n.º 2/2016, de 29/2.

É um instituto para a vida, não cessando aos 18, 21 ou 25 anos, tal como uma medida de promoção e protecção, e é mais ampla que a tutela e menos ampla que a adopção, criando uma relação para-familiar apenas baseada no afecto e em qualquer remuneração.

A ideia é manter os pais que são minimamente capazes na vida dos seus filhos: só que essas crianças precisam de mais do que têm, carecendo de mais afecto e segurança. Não é um «em vez de» mas um «a mais».

E a criança, em vez de estar entregue a uma casa de acolhimento, pode ter uma família - os padrinhos – que fica com a parte maior do exercício das responsabilidades parentais. E os pais continuam a ser os pais, ainda com a titularidade dessas responsabilidades, mantendo um núcleo de direitos.

E também pode ser uma solução para prevenir a residencialização de crianças em casas de acolhimento, levando a que haja gente idónea que as receba no seu lar, embora não como «filhos legais», e que lhes proporcione um continuado e mais perpétuo acolhimento familiar que, já sabemos, é tão gratificante para o desenvolvimento de qualquer ser humano.

A providência tutelar cível em causa aí está – e desde há dez anos - no menu das respostas ao perigo em que pode viver uma criança, e quer ser bem aplicada.

Continuo a acreditar que o Apadrinhamento Civil veio para ficar – é mais um instrumento jurídico que atribui a confiança de crianças a terceiros, com vínculo afectivo e legal.

Mais um. De muitos.

Pode não ter até agora acolhido muitas crianças.

Contudo, existe e a ele pode ser lançada mão sempre que a situação do concreto João ou da concreta Maria assim o exigir.

Aguardemos também melhores números e estatísticas no futuro.

E passem palavra pois não duvido que nunca foi feito qualquer esforço estatal real para publicitar este instituto pensado e construído no «meu» saudoso Observatório Permanente da Adopção de Coimbra.

5. Vivemos o mês passado um tempo especialmente pensado para invocar a problemática dos maus tratos à infância.

A condição da Criança – assumindo-se numa cultura própria precisamente pelo facto de ser diferente em idade e desenvolvimento/maturidade - vive muito acima das ideias político-partidária da nossa polis. É um imperativo categórico que se impõe à nossa Civilização como parte integrante dela.

Assumamos de vez que:

           6. Vamos continuar em clima de tolerância zero – pensar e agir futuramente como se estivéssemos sempre em estado de emergência, porque proteger crianças em perigo é, de facto, uma tarefa de emergência e como tal deve ser encarada (fazer menos piscinas e menos estradas e dedicar mais recursos financeiros para este desiderato).

           Estando atentos todos os dias, todos os meses e todos os anos, agiremos com a noção clara e indesmentível de que as crianças não se importam com o quanto tu sabes até saberem o quanto tu te importas (com elas).

           A sociedade saberá erguer-se e permanecer solidária - temos todos de estar permanentemente acordados pois essa é a nossa luz, aquela que ilumina os casarios e vigia as crianças no seu sono.

O sistema tem a sua porção de Poder na mão, mesmo trabalhando com consensos e consentimentos bem expressos (o caso das CPCJ).

Mas não tenhamos ilusões – o Poder só é necessário para fazer o Mal.

Para fazer tudo o resto, muitas vezes, basta o AMOR (um outro nome para o afecto, um valor jurídico constitucional em Portugal).

Porque acolher uma criança em nossa casa, seja qual for a capa legal que usemos, é um passo de gigante para a nossa elevação civilizacional, ao som dos mecanismos dos afectos, aqueles que, como nos ensinou António Alçada Baptista, irão moldar o nosso devir e cimentar as âncoras de segurança de qualquer Criança.

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