O contrato de trabalho e o contrato de prestação de serviços: algumas notas

O contrato de trabalho e o contrato de prestação de serviços: algumas notas

Conforme resulta do artigo 11.º do Código do Trabalho:

"Contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa singular se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua atividade a outra ou outras pessoas, no âmbito de organização e sob a autoridade destas.

E, de acordo com quanto disposto no artigo 12.º n.º 1 do Código do Trabalho:

"Presume-se a existência de contrato de trabalho quando, na relação entre a pessoa que presta uma atividade e outra ou outras que dela beneficiam, se verifiquem algumas das seguintes características:

a) A atividade seja realizada em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinado;
b) Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertençam ao beneficiário da atividade;

c) O prestador de atividade observe horas de início e de termo da prestação, determinadas pelo beneficiário da mesma;

d) Seja paga, com determinada periodicidade, uma quantia certa ao prestador de atividade, como contrapartida da mesma;

e) O prestador de atividade desempenhe funções de direção ou chefia na estrutura orgânica da empresa

Diferentemente, um contrato de prestação de serviços é:

«…aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição».

Das definições legais, quer de contrato de trabalho, quer de contrato de prestação de serviços, resultam várias diferenças entre uma e outra situação.

No contrato de trabalho existe o fator de subordinação jurídica do trabalho, bem como a subordinação económica (exercendo o trabalhador uma atividade remunerada) e, a subordinação jurídica traduz-se num poder de autoridade e direção do empregador de, através de ordens, diretivas e instruções, conformar a prestação a que o trabalhador se obrigou. Nos contratos de trabalho, a entidade empregadora tem um poder de autoridade e direção do empregador.

Diferentemente, no contrato de prestação de serviços, o prestador obriga-se a um certo resultado do seu trabalho, o qual é efetuado por si, com características de autonomia, agindo da forma que considerar mais adequada, sendo a sua obrigação, a de uma obrigação de resultado e não existindo uma relação de subordinação jurídica.

 Numa ação judicial, cabe ao trabalhador provar os elementos constitutivos da existência de um contrato de trabalho, cabendo à parte contrária, a demonstração que a relação existente não configura a existência de tal contrato, não existindo, por isso, uma relação de trabalho subordinado.

A prova da existência de um contrato de trabalho, em juízo, resulta, por vezes, de situações em que a pessoa que alega ser trabalhador subordinado, assinou com a outra parte, um contrato de prestação de serviços, sendo que, na realidade, a sua situação, configura antes a existência de uma relação de trabalho subordinado, razão porque importa provar que, naquela concreta relação, existe (ou não), essa relação de trabalho subordinado.

Se, por exemplo, se provar que a pessoa que invoca a existência de um contrato de trabalho, tinha liberdade para escolher o seu horário de trabalho, as suas pausas, a sua agenda, recebendo dos clientes os valores que lhe eram devidos decorrentes da execução das suas tarefas (e não da sua disponibilidade para trabalhar) e, pagando, à outra parte, um percentual sobre esse montante, que não havia lugar ao pagamento de subsídio de férias e subsídio de natal, não existindo o regime fiscal e de segurança social próprios da vigência de um contrato de trabalho resultará que, em princípio, a relação em causa não configura uma relação de trabalho subordinado e, configurará antes, uma relação de prestação de serviços.

Quando se pretende provar a existência de um contrato de trabalho, é relevante demonstrar que, quem se arroga a qualidade de trabalhador, recebia ordens e orientações específicas da outra parte sobre o que deveria fazer, sobre a estipulação dos seus horários, sobre as ordens quanto à forma como deveria executar o seu trabalho, etc.

A prova da existência de um contrato de trabalho tem relevância, nomeadamente, ao nível das indemnizações a que o trabalhador tem direito, pelo que iremos continuar a falar-lhe sobre Direito do Trabalho.

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A compensação pelo trabalho doméstico e pela educação dos filhos

A compensação pelo trabalho doméstico e pela educação dos filhos

A sociedade portuguesa é, ainda, uma sociedade não igualitária e, apesar de muito caminho já ter sido percorrido, não podemos negar que as mulheres ainda assumem um papel de trabalho no lar, que permanece desvalorizado e que, numa situação de rutura, não tem por hábito ser colocado em cima da mesa, para acertos.

No final de uma vida em comum, costuma arrumar-se a questão, dizendo que a mulher se dedicou ao lar e aos filhos e o homem assumiu a figura do provedor da liquidez.

No entanto, recentemente, esta temática, à luz da sua análise jurídica, foi tomada em conta no acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, datado de 14 de janeiro de 2021.

Neste acórdão, relativo a uma situação de união de facto que cessou após quase 30 anos de vida em comum, foi entendido que nas situações em que as tarefas domésticas são assumidas, apenas ou quase exclusivamente por um dos membros da união de facto, existe um desequilíbrio na repartição de tarefas não sendo, por isso, de considerar que este trabalho feito em casa, refletido na lide doméstica, nos cuidados e acompanhamento da educação dos filhos seja enquadrável numa obrigação natural (artigo 402.º do Código Civil) e corresponda ao cumprimento de um dever. Antes pelo contrário.

Podemos ler nesse acórdão que:

«… desde há muito que a exigência de igualdade é inerente à ideia de justiça, pelo que não é possível considerar que a realização da totalidade ou de grande parte do trabalho doméstico de uma casa, onde vive um casal em união de facto, por apenas um dos membros da união de facto, corresponda ao cumprimento de uma obrigação natural, fundada num dever de justiça. Pelo contrário, tal dever, reclama uma divisão de tarefas, o mais igualitária possível, sem prejuízo da possibilidade de os membros dessa relação livremente acordarem que um deles não contribua com a prestação de trabalho doméstico…

O exercício da atividade doméstica, por apenas, ou essencialmente por um dos membros da união de facto, sem contrapartida, resulta num verdadeiro empobrecimento deste, e a correspetiva libertação do outro membro da união da realização dessas tarefas, um enriquecimento, uma vez que lhe permite beneficiar do resultado da realização dessas atividades sem custos ou contributos. Como refere Júlio Gomes, o trabalho doméstico, embora continue a ser estranhamente invisível para muitos, tem obviamente um valor económico e traduz-se num enriquecimento enquanto poupança de despesas ou Paula Távora Victor, o trabalho doméstico constitui uma forma de contribuir para a aquisição de bens».

Assim, numa situação de cessação da união de facto, deve o trabalho realizado por um dos membros da união no circunstancialismo acima referido, ser contabilizado no quadro das contribuições que permitiram ao outro membro da união de facto a aquisição de património da sua titularidade.

Do mesmo modo, se devem tratar as tarefas realizadas com o cuidado e educação dos filhos nascidos dessa união de facto. Conforme se pode ler, neste acórdão, a propósito desta questão:

«Se existe um dever de cuidado e educação dos filhos (artigos 1874.º, n.º 1 e 2, 1877.º e 1879.º do Código Civil), esse dever recai sobre os dois membros da união de facto, pelo que, quando a respetiva prestação é cumprida exclusivamente ou predominantemente por um deles, essa atividade também se poderá incluir nas contribuições geradoras de um enriquecimento sem causa do membro da união de facto não participante.»

Também para os casados, prevê-se no artigo 1676.º n.º 2 do Código Civil, mecanismos que visam a compensação das contribuições desproporcionadas por um dos membros do casal para os encargos da vida familiar durante a vigência do casamento, aqui se incluindo também a realização de tarefas domésticas.

Com efeito, o legislador ponderou que «o trabalho realizado pelas mulheres no contexto familiar, hoje acumulado com o trabalho que desempenham no exterior, não é valorizado no contexto do casamento e permanece ainda mais invisível quando surge o divórcio, chamando a atenção para a necessidade do reconhecimento da importância decisiva para as condições de vida e equilíbrio da vida familiar dos contributos da chamada esfera reprodutiva, isto é dos cuidados com os filhos e do trabalho doméstico».

Sendo hoje o Dia Internacional da Mulher e confrontando-nos, nós, enquanto advogadas de Família, com situações como a supra descrita, queremos deixar o nosso contributo para uma sociedade mais justa e mais igual, com este artigo e esperamos que quem o leia e encontre correspondência com o que aqui é tratado e a sua situação de vida, compreenda que tem o que reclamar e, mais importante, que o que reclama tem acolhimento legal, doutrinário e jurisprudencial.

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