Falar de emoções

Falar de emoções

Neste período em que a maioria de nós ainda se sente mais desconfiada que desconfinada, mantêm-se os desafios à família no reajuste de rotinas e nas dinâmicas dos relacionamentos. Para muitos, este reajuste parece quase impossível de alcançar, mantendo a tranquilidade e sanidade mentais necessárias para o bem-estar emocional e psicológico da família como um todo, e de cada um em particular. O teletrabalho, a lida da casa, as necessidades fisiológicas e emocionais das crianças tornam-se frequentemente demasiadas bolas no ar para gerir, não deixando espaço para atividades de lazer, momentos de tranquilidade e comportamentos de autocuidado. 

As escolas mantêm, na generalidade, algum contacto com as crianças, privilegiando naturalmente os conteúdos letivos. Contudo, sendo este um tempo de aproximação da família nuclear e em que as interações entre pais e filhos se intensificam, é possível que estejamos a viver um momento de excelência para reforçar outras competências para além das intelectuais, tão ou mais relevantes para o bom desenvolvimento das crianças, nomeadamente as competências socioemocionais.

Em muitos casos, é, aliás, visível o impacto emocional da pandemia no surgimento de sintomas de ansiedade, inquietação, medo, aumento da frequência de birras, pensamentos repetitivos ou mesmo alterações do sono e apetite. Tal como os adultos, as crianças também podem experienciar nestas circunstâncias emoções difíceis de gerir, sendo importante que os pais promovam um ambiente facilitador do diálogo acerca destes assuntos.

Perante a situação actual de incertezas e insegurança é natural que os pais se sintam ansiosos, inquietos e inseguros. Assim sendo, é de suma importância aceitar estas emoções, não procurando evitá-las, nem compensando os seus sintomas. Reconhecer estas emoções sem oferecer resistência é muitas vezes o primeiro passo para diminuir a intensidade com que as sentimos. É essencial ter consciência de que é natural que nos sintamos ansiosos por não saber como e em que circunstâncias voltaremos a ter a rotina que conhecíamos. Deste modo, devemos manter presente que é expectável que nos sintamos frustrados pelo facto de, em muitos dos dias, não conseguirmos cumprir as metas a que nos tínhamos proposto, por ser tão difícil ter tempo para a família, para o trabalho e para nós próprios. Aceitar o que sentimos e procurar estratégias para lidar com as emoções que nos são mais difíceis de gerir pode ser a melhor forma de encontrar um novo equilíbrio.

Nesta perspectiva, a realidade das crianças não é muito diferente… também elas se viram a braços com uma mudança repentina na sua vida social e escolar e também elas perderam as rotinas que tão importantes são para a sua regulação. Talvez ainda mais do que para os adultos, a actual conjuntura é especialmente enigmática para as crianças e, deste modo, passível de criar inseguranças e ansiedade. Posto isto, de que forma podem os pais ajudar as crianças a lidar com as emoções mais desafiantes que podem surgir em tempos de pandemia, investindo simultaneamente nas suas competências socioemocionais?

Em resumo, as ferramentas socioemocionais são um pilar fundamental para o bem-estar psicológico, emocional e social, permitindo que as crianças aprendam a conhecer e gerir as suas emoções, estabelecendo relações positivas e empáticas, tanto com os pares, como com os adultos que as rodeiam. Para as ajudarmos a desenvolver uma inteligência emocional saudável, resiliente e consistente temos, inevitavelmente, de falar de emoções. Quanto mais vasto for o vocabulário emocional fornecido às crianças, maior facilidade estas terão em identificar o que sentem e compreender por que razão o estão a sentir. Por sua vez, esta capacidade para identificar e reconhecer as próprias emoções, facilita a comunicação dos estados emocionais a terceiros, bem como a adopção de comportamentos mais adaptativos. Todo o comportamento é, aliás, forma de comunicação pelo que os momentos de descontrolo, inquietação, euforia ou de isolamento nos podem fornecer informações valiosas sobre a saúde mental e emocional das crianças. Com base nestes comportamentos, podemos ajudar as crianças a compreender o que sentem, salientando as sensações que as emoções lhes provocam no corpo, dando nome às experiências emocionais e fazendo a ponte entre “o que sentem” (emoção) e “o que fazem” (comportamento). Gradualmente estas informações são interiorizadas e as crianças começam a fazer este trabalho autonomamente, tendendo a manifestar cada vez menos comportamentos desafiantes, o que permite também aos pais darem respostas mais adequadas às necessidades dos filhos.

Em tempos de pandemia e de alterações tão bruscas das rotinas, será precioso o investimento neste tipo de competências, fundamentais para o bem-estar de cada um de nós e da sociedade em geral.

Discutir o tema das emoções será certamente uma experiência enriquecedora para todos e um momento de fortalecimento dos laços familiares.

Mariana Belmar da Costa

Neuropsicóloga – Centro de Apoio e Intervenção no Desenvolvimento Infantil

Mariana Achiame

Psicóloga Clínica - Associação Ester Janz

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Planeamento sucessório: o testamento

Planeamento sucessório: o testamento

Ao longo da vida, tomamos decisões procurando planear, da melhor forma possível, um conjunto de situações.

Planear a sucessão é essencial: permite garantir que, dentro do quadro legal, deixemos validamente expressa a nossa vontade quanto à distribuição do nosso património, identificando quem queremos beneficiar e como.

O planeamento sucessório tem ainda a vantagem de diminuir desavenças familiares e ruturas que, a todos, prejudicam.

Uma das formas de planear a sucessão é através da elaboração de um testamento que corresponde a um documento legal no qual fica expressa a vontade do testador quanto à forma de repartição de todo o seu património pelos herdeiros testamentários.

Em termos de planeamento sucessório, o testamento é uma escolha segura pois permite estabelecer, dentro do quadro legal, quem herda o quê, garantindo ainda ao testador, que a sua vontade será cumprida.

Tomando em conta que o conteúdo de um testamento é jurídico, importa que o testador seja devidamente assessorado para que conheça as possibilidades que tem ao seu dispor, fazendo as melhores opções (mesmo em termos de otimização fiscal) e, assim, garantindo que o conteúdo do testamento é válido evitando que, após a sua morte, os herdeiros legitimários ponham em causa a validade do mesmo obviando-se, deste modo, a um ciclo de ações judiciais altamente prejudicial.

Com efeito, a validade de um testamento pode ser posta em causa por várias razões: violação de lei, incapacidade do testador no momento em que testa, coação, etc.

Para evitar tal e, assim, garantir que o que se testou será efetivamente cumprido, importa que o testador tenha assessoria técnica para o efeito, guiando-o na redação do texto legal, garantindo que o mesmo não será judicialmente destruído.

Existem situações, em que os herdeiros - que se sentem prejudicados ou ofendidos com as deixas testamentárias – veem arguir a incapacidade do testador no momento em que redigiu o testamento.

Para evitar tal poderá intervir, no testamento, médico assistente ou médico especialista que ateste que o testador tem capacidade para o fazer, tendo o domínio da sua vontade e compreendendo o alcance do que está a testar.

Sendo o testamento um ato de vontade é, ainda, importante que seja nomeado testamenteiro que o execute, devendo este ser pessoa em quem o testador confie para que cumpra a sua vontade, não esquecendo que um testamento é um documento legal, com linguagem jurídica e que a sua execução é eminentemente jurídica, por isso, convém que o testamenteiro esteja habilitado a, ao fazer cumprir a vontade do testador, garantir também o cumprimento das normas legais aplicáveis na distribuição do património pelos herdeiros.

Porque a vida é dinâmica, nada obsta a que, tendo sido realizado um testamento, o mesmo possa ser alterado e/ou revogado e redigido um novo testamento que acomode as novas realidades, pessoais e patrimoniais, do testador.

Pensemos por exemplo, na situação de alguém que, entretanto, se divorciou e casou novamente, que teve filhos ou que recebeu uma herança com valor patrimonial significativo.

Todas estas realidades podem levar a que o testador reequacione a sua vontade e opte por uma diferente distribuição da sua quota disponível, pelas pessoas que pretende beneficiar.

Um testamento pode ser alterado sempre que o testador entenda que é oportuno fazê-lo, revogando o(s) anterior(es).

Refira-se, ainda que, a identificação do domicílio do testador é relevante, pois, hoje em dia, não é raro que uma pessoa seja nacional de um país e resida habitualmente noutro, sendo possível que o testador escolha, no testamento, a lei que quer ver aplicada à sua sucessão. Essa escolha tem que ser esclarecida, por forma a que, o testador, no momento em que o faz, saiba o exacto alcance do quadro legal em causa e saiba quais os impactos fiscais que podem estar associados à escolha dessa lei.

Em súmula, testar é uma forma de planeamento sucessório e é um acto de vontade para depois da morte e, por isso, a elaboração de um testamento deve ser encarada e tratada como um assunto sério pelo que é fundamental que o testador esteja devidamente assessorado, sendo que a verdade é que a maior parte das pessoas não sabe o quadro legal em que se move quando faz um testamento, as opções que tem à sua disposição, nomeadamente, como proteger, da forma mais eficaz, os beneficiários do testamento.

Uma expressão incorreta pode pôr em causa a validade do testamento e se tal acontecer, a vontade do testador deixa de poder ser cumprida, o que tem como consequência que, contrariamente ao por si pretendido, à sua sucessão se apliquem apenas as regras sucessórias sem que se possa ter em conta, na composição dos quinhões hereditários, a vontade do testador.

Do mesmo modo, é da maior relevância que o testador conheça o quadro fiscal aplicável à sua sucessão, planeando-a, conhecendo as situações em que o pagamento de impostos é devido, quais as situações em que não o é e, sendo, as taxas aplicáveis.

Por tudo quanto supra referido, é determinante que o testador conheça o quadro legal e as formalidades a cumprir, garantindo que o conteúdo do testamento é, efetivamente, válido assegurando, assim, que o que decidiu será executado em conformidade estrita com a sua vontade legalmente testada.

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A importância da presença da família na vida dos idosos

A importância da presença da família na vida dos idosos

A propósito do assunto do envelhecimento, bastante falado nos dias de hoje e da situação que vivemos actualmente, relacionada com o novo corona vírus e a forma como nos apanhou a todos desprevenidos, cheios de preocupação em relação a determinados aspectos da nossa vida e da vida dos nossos entes queridos, falo um pouco da experiência que tenho num campo particularmente especial e que toca a todas as pessoas de uma forma ou de outra: Os idosos institucionalizados.

As instituições de apoio a idosos como centros de dia ou lares, constituem um suporte formal na prestação de serviços à pessoa de idade maior, garantindo cuidados indispensáveis a uma vida digna mas muitas vezes não substituem os cuidados informais prestados pela família. O acompanhamento, o amor, o carinho, etc. Não pelo facto de não investirem cada vez mais neste âmbito, porque o fazem, mas pelo facto de a nossa família… ser a nossa família! E de ter um peso e uma influência extremamente importante neste assunto do envelhecimento.

À medida que envelhecemos temos tendência a apresentar capacidades regenerativas decrescentes que nos levam a uma maior vulnerabilidade e predisposição ao declínio funcional, com elas ocorrem também mudanças físicas e emocionais que comprometem a nossa qualidade de vida.

O envelhecimento é um processo biológico normal mas existe uma tendência a rejeitá-lo pois está ainda muito associado à doença, incapacidade e tristeza. Cada vez temos mais pessoas idosas que nesta etapa da vida precisam do apoio dos seus familiares assim como o apoio da sociedade para garantir a qualidade de vida na terceira idade.

Um dos principais problemas associados ao envelhecimento de que todos temos conhecimento, é o isolamento social e o sentimento de solidão. É uma fase da vida em que a pessoa idosa precisa de se sentir valorizada, viver com dignidade e com o carinho da família. As necessidades afectivas nesta fase não são diferentes daquelas que temos noutras fases da vida, como a realização, a alegria, o amor o sentimento de pertença à sociedade.

Estes sentimentos provenientes da relação com os outros fortalecem a pessoa para enfrentar as dificuldades e combater stress, ansiedade, e os desafios diários com que se depara permitindo assim uma melhor qualidade de vida e o equilíbrio psicológico, tão importante para a não desestruturação da personalidade.

As relações familiares assumem um papel importante neste processo de envelhecimento. Durante a vida conseguimos muitas vezes mascarar a ausência da família com o trabalho, os amigos, as férias, os afazeres domésticos, etc. mas acredito que na terceira idade a família assume uma importância impossível de encobrir.

Tem um peso fundamental e necessário mesmo que não nos apercebamos disto. Nesta fase da vida não são as poupanças que temos, os bens que adquirimos ou a casa que conseguimos construir que importam, mas sim o apoio e o amor que temos daqueles que nos são próximos, que nos querem bem e que não nos deixam ficar desamparados ou viver na solidão.

As famílias, na conjuntura actual, não têm muitas vezes condições para cuidar dos seus familiares idosos em situação de incapacidade física e/ou psicológica pois, muitas vezes, estes exigem um acompanhamento permanente, de 24 horas por dia. Algumas pessoas sentem-se impotentes e frustradas por não conseguirem assistir os seus pais, avós, irmãos, como gostariam e chegam a ter algum preconceito em relação à institucionalização. É preciso desmistificar o conceito de “Lar”.

Os Lares são muitas vezes a opção ideal que dá este apoio quer ao utente quer aos seus cuidadores habituais. Na minha opinião a institucionalização deve ser dos últimos recursos a serem tomados, no entanto, não se deve culpabilizar a família por fazê-lo, como se de um abandono se tratasse. Deve ser valorizada a permanência da pessoa idosa em casa, junto da família mas sabemos que em muitos casos é bastante difícil.

Por outro lado, é fácil haver um afastamento quando a pessoa é de facto institucionalizada e é aqui que falhamos! É fácil envolvermo-nos nas nossas rotinas atarefadas que se dividem entre o trabalho, os filhos, as actividades extra-curriculares, os trabalhos domésticos, o trânsito que nos rouba tempo e por aí fora e não nos lembrar-mos, às vezes, que do outro lado temos o nosso pai, a nossa mãe ou avó, à espera de uma visita, de um telefonema com apenas um beijinho para receber.

Provavelmente estiveram todo o dia a pensar em nós, a desejar que nos corresse bem o dia e que não chegássemos ao final cansados e sem energia.

Mais fácil é ainda afastarmo-nos, mesmo que involuntariamente, quando percebemos que as capacidades intelectuais do nosso familiar estão diminuídas ao ponto de não lembrar o nosso nome ou não nos reconhecer e pensarmos que “se hoje não for lá” ou “se hoje não telefonar” nem vai perceber… Mas vai!

Embora não saiba o meu nome, embora já não se lembre quem sou, sentirá sempre o amor que tenho para lhe dar, assim como sentirá a falta dele. O apoio familiar na forma de amor, afecto e cuidado faz a pessoa idosa acreditar que é amada e estimada e esta atitude pode causar efeitos positivos na sua saúde. É muito importante que tenhamos esta noção sempre presente.

Estamos actualmente a viver uma situação diferente em que somos obrigados a ficar fisicamente afastados dos nossos familiares institucionalizados, não por uma questão de distância, falta de tempo ou vontade mas por uma questão de protecção da sua saúde à partida mais fragilizada.

E muitas vezes não procuramos saber até que ponto esta situação é entendida por eles e os deixa com a certeza de que não estão a ser abandonados mas sim que os contactos apenas podem ser feitos à distância de um telefonema ou de uma parede de acrílico para sua segurança.

Esta é uma fase em que temos de ter mais presente ainda a nossa importância enquanto família e tentar perceber de que forma toda esta situação é entendida por eles.

É preciso percebermos o que os faz sentir, o que pensam sobre o assunto, é preciso comunicar de forma clara para que também as suas preocupações sejam controladas, pois vivem num ambiente “fechado” em que muitas vezes não têm a noção real daquilo que se passa fora destas portas.

O acompanhamento e a comunicação têm agora extrema importância para a pessoa idosa. Pelo contrário o afastamento nesta fase e o sentimento de preocupação que recai sobre estes idosos pode levá-los a uma tristeza profunda e promover a ansiedade, os sentimentos depressivos, que por sua vez levarão à falta de ânimo, de apetite e terão obviamente reflexos nocivos na sua saúde física e mental.

Lembremo-nos que nem sempre teremos energia e juventude, que mais tarde todos precisaremos de ajuda, compreensão e o apoio dos nossos filhos, irmãos ou sobrinhos.

Não sendo o amor um imposto que possamos cobrar, trabalhamos para que cada vez mais a sociedade se consciencialize de todos estes aspectos e que cada um possa e procure assumir uma responsabilidade enquanto familiar, de cuidar e acompanhar quem cuidou de si um dia e que vê agora os papéis invertidos dependendo dos seus descendentes.

Lúcia Pestana

Técnica Superior de Animação Sociocultural, há 8 anos, num Lar de 3ª Idade em Lisboa.

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O stalking

O stalking

Quantas pessoas são perseguidas por outrem, de forma persistente e que, por isso, temem pela sua segurança, seja por se sentirem vigiadas, seja por serem contactadas sem quererem de forma abusiva e assustadora?

Quantas vezes esse agressor invade a privacidade da sua vítima, perseguindo-a, por vezes, de carro criando-lhe medo, sensação de perigo, de ansiedade?

Para além das ações diretas, existem mais comportamentos que se integram no conceito de stalking, como seja o recolher de informações sobre a vítima junto de vizinhos, de amigos, da própria família, via internet, no local de trabalho, etc.

Em comum, todos estes comportamentos têm o facto de serem abusivos, violares da liberdade individual, invasivos e atentarem contra o direito da vítima à tranquilidade e à liberdade pessoal.

Quando falamos de stalking, falamos também do agressor que realiza, sem parar, num curto espaço de tempo, um número irrazoável de telefonemas para a sua vítima, para a assustar, para a desassossegar, para a fazer temer o pior caso não atenda. Idem, para o envio de emails, de sms, mesmo que o seu conteúdo, não seja ameaçador mas que, pela desproporção de contacto, pela forma persistente como é feita a comunicação, corresponde a uma atitude de perseguição e intimidação.

Stalking também é aparecer, como se de uma coincidência de tratasse, em locais onde se sabe que a vítima passa, para que esta veja o agressor e se sinta perseguida, porque se percebe que houve todo um comportamento de vigilância que levou a que o agressor saiba que a vítima iria estar naquele local, naquele dia.

Stalking é a vítima ver o agressor, vezes e vezes, quando vai para o seu local de trabalho, quando sai e quando chega a casa, quando vai e sai de atividade lúdicas que frequenta, porque tudo conflui para um sentimento de perseguição e de invasão e de presença do agressor na vida da vítima.

Stalking é difundir rumores sobre a vítima para a denegrir, espalhar informações falsas, que a envergonham e humilham, revelar segredos que foram transmitidos pela vítima ao agressor em clima de confiança que, por serem segredos, são situações e acontecimentos que a vítima queria longe do conhecimento de um número ilimitado de pessoas.

Todos estes comportamentos perseguem o mesmo objetivo: garantir que a vítima tenha conhecimento e clara noção de que o agressor, por qualquer forma, está presente na sua vida, perpetuando um jogo psicológico que cerca a vítima, enfraquecendo-a psicologicamente, assustando-a, ameaçando-a emocionalmente.

Stalking é aparecer em casa da vítima, bater-lhe à porta fora de horas, é saber que a vítima vai dar um passo importante na sua vida pessoal e contactar família e amigos para tentar convencer a vítima a não o fazer, difundindo informações falsas, assustando a vítima, dizendo que se o fizer, colocará outra pessoa em perigo, ameaçando que se a vir na rua e estiver a passar de carro, acelera para a atropelar, etc.

Relevante para compreensão deste fenómeno, comum, transversal e cobarde, é a seguinte definição:

«(…) Na atualidade, há uma noção mais ao menos generalizada e comum de stalking, que podemos identificar como sendo um padrão de comportamentos reiterados de assédio persistente levados a cabo pelo stalker contra a vítima, consistindo em intromissões na vida privada desta última contra a sua vontade, podendo revestir variadíssimas táticas de perseguição, desde as formas mais tradicionais de comunicação como telefonemas e mensagens até comportamentos altamente intrusivos na esfera privada da vítima, que variam entre esperas à porta da sua habitação ou do seu local de trabalho e presença em lugares socialmente frequentados por esta, entre outros» (Lígia Prudêncio Teixeira, O Crime de Stalking, Faculdade de Direito, Escola do Porto, 2017, Universidade Católica Portuguesa, p. 5, in http://repositorio.ucp.pt).

Para a vítima e, para o stalker, saiba-se que estas condutas são criminalmente punidas, mormente, em face do artigo 154.º A do Código de Penal, que tipifica o crime de perseguição.

Dispõe o n.º 1 deste artigo:

Quem, de modo reiterado, perseguir ou assediar outra pessoa, por qualquer meio, direta ou indiretamente, de forma adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação, é punido com pena de prisão até 3 anos ou pena de multa, se pena mais grave não lhe couber por força de outra disposição legal”.

Este crime pode ser visto como um crime complexo e pluriofensivo que tutela, ainda que reflexamente, também a saúde e a integridade física, a liberdade de expressão e a inviolabilidade das comunicações, a imagem e reputação social, a honra, a reserva do domicílio, consoante o concreto modo de execução do crime (neste sentido, Filipa Isabel Gromicho Gomes, O Novo Crime de Perseguição: Considerações sobre a Necessidade de Intervenção Penal no Âmbito do Stalking, Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Coimbra 2016, p. 38).

Trata-se, ainda, de um crime de perigo concreto que prescinde, para a respetiva consumação, da efetiva lesão da liberdade individual, nesta vertente, exigindo apenas a aptidão ou potencialidade da conduta à concretização dessa lesão, como defluí da expressão «de forma adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação»

Se se identifica com este artigo como vítima, não hesite em pedir ajuda e em ajudar a punir o agressor e, para além da condenação penal, a pedir uma indemnização pelos danos causados.

O medo e o silêncio são os piores inimigos das vítimas, mais do que a cobardia dos stalkers.

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Dia da Criança – Pelo direito ao acompanhamento

Dia da Criança – Pelo direito ao acompanhamento

Neste Dia da Criança, mais do que nunca devemos estar atentos aos mais novos, aqueles que provavelmente menos percebem a situação que vivemos, e devemos esforçar-nos por fazer com que o dia que celebra a natureza da sua infância seja também um dia para repôr alguma normalidade nas suas vidas.

Imagino-me com 12 anos, a meio de um ano letivo como qualquer outro, e a ver-me obrigado a estar afastado dos meus amigos durante meses sem fim, por razões que desconheço.

O que mais quereria não seriam explicações, nem muito menos correções e compensações, mas sim acompanhamento e presença. Se pensarmos a nível nacional e no mundo no período pré-covid, quantas crianças são negligenciadas todos os dias? Quantas crianças sofrem por tabela nas discussões familiares? Quantas crianças são alienadas pela busca incessante pelo sucesso dos seus pais?

No meio desta pandemia, talvez seja altura de olhar este confinamento – que aos poucos já se vai até desconfinando – como uma oportunidade única para dar às crianças aquilo que mais merecem: uma infância acompanhada, de preferência com amor e amizade de toda a família.

É fácil e compreensível que face a uma situação que nunca ninguém viveu, se pense primeiro nas preocupações individuais.

O que muda na minha vida? Como vou eu desenrascar-me no trabalho? Porque é que ninguém me presta atenção? São perguntas completamente legítimas – não se pede a ninguém que perca a sua individualidade e se esqueça dos seus próprios desejos e projetos pessoais –, mas no caso dos pais, pede-se um bocadinho mais.

Enquanto jovem de 20 anos, que não planeia ser pai nos próximos tempos, acredito ter a distância necessária para dizer, sem qualquer tipo de parcialidade, qual deve ser o papel de um pai: acompanhar, proteger, amar e ser um exemplo para o crescimento enquanto pessoa.

Que altura será melhor para começar a pôr este papel em prática do que a que vivemos neste momento? No Dia da Criança, somos relembrados disso mesmo. A pandemia aflige-nos, mas deve afligir ainda mais as crianças.

E, por isso, não só aos pais cabe o dever da atenção aos mais novos. Esse é um dever que todos partilhamos, e que devemos pôr em prática para ajudar qualquer criança que faça parte das nossas vidas. Se não nos acharmos totalmente competentes, é também importante relembrar a nossa falibilidade. Não somos perfeitos, vamos errar. E por isso mesmo, não precisamos de fazer tudo sozinhos.

A lista de instituições que ajuda crianças é longa, e tenho orgulho de estar envolvida com algumas. No campo da formação religiosa, ajudo na preparação para o crisma de jovens do 10º ao 12º no Colégio de Santa Doroteia, e sou dirigente de um grupo de rapazes do 8º ano no Movimento de Schoenstatt, em Lisboa. A nível educativo, acompanho um rapaz da Escola Secundária Pedro Nunes com explicações de Português, em colaboração com o movimento Up To You, um programa de voluntariado que se destaca na ajuda aos jovens e crianças. Aconselho qualquer uma das instituições como suporte ao trabalho que deve começar em casa: o de formar cidadãos para o futuro, com a certeza de que já são pessoas complexas e com devidos direitos, liberdades e garantias.

Porque se a maneira como tratamos os outros diz muito sobre o nosso carácter, também a maneira como tratamos os mais novos diz muito sobre o nosso coração. Neste Dia da Criança, lembremo-nos de olhar por aqueles que mais vitalidade e alegria dão à nossa vida. E se a normalidade pré-covid ainda fosse uma qualquer anormalidade para uma criança, que este dia seja um marco para criar uma nova normalidade, e desta vez, de preferência, uma que seja mais normal.

1 de junho de 2020

Vasco Maria Maldonado Correia

Estudante de Comunicação Social

Voluntário no Movimento de Schoenstatt

Voluntário no Movimento Up To You

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