Os frutos dos bens próprios no regime da comunhão de adquirido

Os frutos dos bens próprios no regime da comunhão de adquirido

Quando os futuros cônjuges não fazem, antes do casamento, qualquer convenção antenupcial ou não optam, expressamente, pelo regime da separação de bens ou pelo regime da comunhão geral de bens, o regime de bens que, supletivamente, vigorará é o da comunhão de adquiridos.

Neste regime de bens, mantêm-se como bens próprios de cada um dos cônjuges todos aqueles que, cada um deles, já detinha à data do casamento e, também, aqueles que cada um dos cônjuges venha a adquirir, após o casamento, com recurso a bens próprios ou a título gratuito garantindo-se, desta forma que, por exemplo, em caso de divórcio, não se verificará a transferência de bens da família de um dos cônjuges para a família do outro cônjuge.

No regime da comunhão de adquiridos, são considerados como bens comuns do casal, para além do produto do trabalho de cada um dos cônjuges, os bens adquiridos por qualquer um destes durante o casamento e que não sejam excetuados de tal comunhão pela lei.

Fazem ainda parte dos bens comuns do casal, no regime da comunhão de adquiridos, os frutos produzidos, seja pelos bens comuns do casal, seja pelos bens próprios de cada um dos membros do casal.

Com efeito, dispõe o 1728º, nº 1 do Código Civil, que: «1. Consideram-se próprios os bens adquiridos por virtude da titularidade de bens próprios, que não possam considerar-se como frutos destes, sem prejuízo da compensação eventualmente devida ao património comum.»

É considerado como fruto de um bem tudo aquilo que seja, por esse mesmo bem, produzido de forma periódica, sem prejuízo da sua substância.

Os frutos podem ser naturais (aqueles que provêm diretamente da coisa, como por exemplo, no caso dos sobreiros, a cortiça) ou civis (aqueles que são produzidos em resultado de uma relação jurídica, por exemplo, as rendas resultantes do arrendamento de um imóvel, ou os lucros resultantes de uma participação social).

Os frutos dos bens próprios de cada um dos cônjuges, sejam eles naturais ou civis são, assim, considerandos como bens comuns do casal, o mesmo acontecendo com os bens que, com o produto desses frutos, sejam adquiridos.

Assim, por exemplo, se um dos cônjuges herdar, na constância do casamento, uma herdade com sobreiros, essa herdade será um bem próprio seu e se, a determinada altura, o cônjuge decidir vender a herdade, o produto da venda será considerado bem próprio seu, o mesmo acontecendo com os bens que, com o produto da venda, sejam adquiridos.

Tal já não acontecerá com o produto da venda da cortiça produzida pelos sobreiros existentes na referida herdade.

Com efeito, se forem efetuadas vendas de cortiça, o produto da venda será um bem comum do casal (por ser um fruto), o mesmo acontecendo com os bens que forem, eventualmente, adquiridos com o produto dessa venda.

Gostou deste artigo? Deixe o seu comentário aqui em baixo. A sua opinião é importante para nós.


Subscreva também o nosso blogue para ficar a par das nossas novidades e informações.


Tem alguma questão? Entre em contacto connosco.

DA RESPONSABILIDADE PARENTAL

DA RESPONSABILIDADE PARENTAL

Este texto nasceu do desafio lançado pelas minhas queridas colegas Teresa Silva Tavares e Sofia Vaz Pardal, grandes especialistas de direito da família, mas também do impulso de falar sobre a residência partilhada que tenho visto ser tão maltratada na sequência da morte trágica de uma criança às mãos de quem a devia proteger.

Quando comecei a advogar, nos idos de 1993, a Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais era, a então denominada “A Regulação do Poder Paternal” e, entendia-se à época, que o superior interesse da criança era cumprido com atribuição da guarda da criança à mãe com visitas quinzenais ao pai.

Pugnar pela entrega da guarda de uma criança ao pai era lutar contra o pré-prejuízo de que a não atribuição à mãe prejudicaria a criança por quebrar ligação única e umbilical entre ambas sendo o pai um acessório nesta relação.

Também era impensável que a criança tivesse residência em duas casas pois tal era visto como uma perturbação inaceitável para a vida dos menores e uma (des) regulação que nem por acordo entre os progenitores podia ser consagrada. Posteriormente, e muito a custo, lá começou a ser admitida a residência partilhada ou alternada, mas só quando havia acordo expresso dos pais.

Até há bem pouco tempo era difícil, em certos tribunais, contar com o ministério público para obter a homologação do acordo de RRP em que fosse convencionado a residência partilhada.

A partir da Lei n.º 61/2008 de 31 de outubro, o artigo 1906 do CC abriu a porta à mudança do paradigma.

Com efeito, a residência partilhada que,  até aí só era admitida em circunstâncias muito restritas e por acordo dos pais, passou a ser, progressivamente, entendida como passível de ser decidida pelos tribunais mesmo quando nisso  os pais não acordassem, desde que se demonstrasse ser o regime mais adequado  às crianças e à natureza da sua relação com os progenitores.

Fundamental foi, também, o reconhecimento e instituição  da obrigatoriedade de ouvir os menores consagrado  no  Regime  Geral do Processo Tutelar Cível, criado pela  Lei n.º 141/2015, de 8 de Setembro e que revogou a velhinha OTM, nos  seus artigos 5º,  4º nº 1º alínea c) e nº 2 e  35º nº 3 , bem como nos instrumentos internacionais relativos aos menores, mormente o artigo 12º da Convenção sobre os Direitos Criança ,  artigo 6.º da Convenção Europeia sobre o Exercício dos Direitos das Crianças e o artigo 24.º, nº 1, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, bem como as Diretrizes do Comité́ de Ministros do Conselho da Europa sobre a Justiça Adaptada as Crianças.

As crianças, desde que a idade e o discernimento o permitam, devem ser ouvidas pelo Juiz, em ambiente protegido e acompanhadas de técnicos, de modo a permitir que a sua audição não seja um ato intrusivo e perturbador, mas uma efetiva participação da criança nas decisões que venham a ser tomadas relativas à sua vida e à regulação das responsabilidades parentais.

Importante, mas ainda pouco efetiva, é a nomeação de advogado à criança que permita assegurar os seus direitos e efetivá-los, o que é absolutamente essencial quando o litígio entre os progenitores seja sério e grave (artigo 18 do RGPTC).

Esta audição não serve para fazer as crianças suportar o fardo da decisão e de uma escolha, mas sim fazer com que as crianças participem e sejam ouvidas e que a sua opinião, conjugada com todos os outros fatores, seja tomada em conta nas decisões que lhes digam respeito.

Em regra, as crianças gostariam de ter os seus pais juntos e, não os tendo, querem ter uma relação tão próxima com os dois quanto possível.

A residência alternada ou partilhada é, seguramente, o regime que melhor permite um crescimento e desenvolvimento da relação entre os progenitores e os filhos  e que a mesma seja de afeto e de equilíbrio.

Aqui chegados, é com grande perplexidade que temos visto ligar a violência doméstica à residência partilhada.

A violência no seio da família é um flagelo, é o lado patológico de uma relação conjugal (incluindo aqui os casados, unidos de facto e a relação de namoro).

Na violência doméstica, crime previsto e punido no Artigo 152º do Código Penal, o agressor humilha, agride física e psicologicamente o seu companheiro numa relação de domínio e rebaixamento. Na violência doméstica as crianças são vítimas por serem os alvos da agressão, como são vítimas porque assistem às agressões físicas e psicológicas entre os adultos.

Numa situação em que existe violência doméstica, a relação do progenitor agressor como seu filho não pode ser tratada como se uma relação normal de pais e filhos se tratasse.

Nesta situação, as crianças terão de ser especialmente protegidas porque são vítimas e especialmente vulneráveis.

Em 2017 foi consagrada uma exceção ao regime geral do exercício em comum das responsabilidades parentais, no artigo 1906.º-A do CC. Afastando-o, sempre que estejamos no âmbito de crimes de violência doméstica e de outras formas de violência em contexto familiar e assim que for decretada medida de coação ou aplicada pena acessória de proibição de contacto entre progenitores ou estiverem em grave risco os direitos e a segurança de vítimas de violência doméstica e de outras formas de violência em contexto familiar, como maus tratos ou abuso sexual de crianças.

Entendo que é pouco, nestas situações a  regra deveria ser a de abertura imediata de um processo de promoção e proteção da criança com o afastamento do agressor até que se demonstre que não constitui perigo para os menores.

A residência partilhada, como qualquer regime de regulação das responsabilidades parentais, exige dos tribunais uma ponderação sobre as pessoas dos progenitores, sobre as suas condições pessoais e competências parentais, bem como sobre o interesse da criança conjugado com a sua vontade expressa.

Uma ponderação séria, não partindo de pressupostos de que o regime adequado é este ou aquele em função de matrizes ou tendências jurisprudenciais, guiada pela avaliação séria daquela família e no melhor interesse para as crianças.

Neste trabalho, difícil e espinhoso, o tribunal deve contar com o auxílio sério e efetivo de assistentes sociais, de psicólogos e de pedopsiquiatras e com o trabalho dos advogados.

Os tribunais não se podem bastar com a presunção de que todos os pais são bons e gostam dos filhos ou que a medida desse amor se avalia pela forma como têm a sua casa organizada.

A verdade é que não pode haver tabelas, nem pode haver tendências jurisprudências, nem presunções legais ou outras, tem de haver nas decisões uma ponderação séria dos factos e do direito e a aplicação da medida mais adequada  ao interesse dos menores e à sua relação com o  pais, por forma a que cresçam amados, felizes, seguros e equilibrados.

Por tudo isto, não se pode tentar colar ao tipo de regulação das responsabilidades a “culpa” da morte de uma criança às mãos do seu pai ou da sua mãe.

 Não é a residência partilhada ou alternada ou residência única que determinam a violência.

São as pessoas que não sabem ser pais ou ter uma relação de amor e dedicação aos seus filhos que tornam qualquer regime de residência desadequando a uma criança.

Assim, como houve coragem para evoluir no sentido da residência partilhada, tem de haver coragem para restringir os contactos e as visitas dos menores aos pais sempre que estes não mostrem ter competências parentais ou capacidade para assegurar a integridade física, psíquica e moral dos filhos.

As crianças têm direito a ter progenitores que as amem e estes têm o dever de as amar.

A regulação do exercício das responsabilidades parentais só é bem feita se der corpo a estes princípios.

Lisboa, 18 de Maio de 2020

Ana Isabel Barona

Advogada, Associada Principal na Rogério Alves & Associados, Sociedade de Advogados, SP, RL

Gostou deste artigo? Deixe o seu comentário aqui em baixo. A sua opinião é importante para nós.


Subscreva também o nosso blogue para ficar a par das nossas novidades e informações.


Tem alguma questão? Entre em contacto connosco.

                                                                      

                                                                      

Dia da Família - 15 de maio

Dia da Família - 15 de maio

O regime da comunhão de adquiridos e a titularidade de participação social: bem comum ou bem próprio?

O regime da comunhão de adquiridos e a titularidade de participação social: bem comum ou bem próprio?

Nos termos artigo 1724.º alínea b) do Código Civil, no regime da comunhão de adquiridos, fazem parte dessa comunhão “os bens adquiridos pelos cônjuges na constância do matrimónio, que não sejam excetuados por lei”.

Com efeito, das disposições conjugadas dos artigos 1722.º a 1724.º do Código Civil, resulta que o regime da comunhão de adquiridos se caracteriza por:

- o património comum do casal ser integrado pelos bens resultantes do esforço e da colaboração dos cônjuges na sua obtenção, nomeadamente, os bens que estes, na constância do matrimónio venham a adquirir, a título oneroso, sendo ainda considerados comuns os rendimentos de bens próprios de cada um dos cônjuges;

- não se integrarem no património comum do casal, os bens que os cônjuges tenham trazido para o casamento ou que tenham sido por eles adquiridos, a título gratuito por doação ou sucessão, os quais são bens próprios do cônjuge que os trouxe ou recebeu, mantendo-se, desta forma, na propriedade exclusiva desse cônjuge.

Assim, no regime da comunhão de adquiridos existe uma presunção de comunhão relativamente aos bens adquiridos na constância do matrimónio, a título oneroso e, esta presunção, para ser afastada, implica que o cônjuge que pretenda provar que o bem em causa é bem próprio (seu) terá o ónus de ilidir essa presunção de comunhão.

Pensemos num casal, casado no regime da comunhão de adquiridos, em que apenas um deles adquire, a título oneroso, uma participação numa sociedade.

A participação social é bem comum ou é bem próprio do titular da participação?

O Código das Sociedades Comerciais refere, no seu artigo 8.º n.º 2, que:

Quando uma participação social for, por força do regime matrimonial de bens, comum aos dois cônjuges, será considerado como sócio, nas relações com a sociedade, aquele que tenha celebrado o contrato de sociedade ou, no caso de aquisição posterior ao contrato, aquele por quem a participação tenha advindo ao casal”.

Ou seja, do ponto de vista societário, ainda que a participação social seja bem comum, o sócio é o titular da referida participação mas tal disposição não permite determinar qual a natureza da participação social em causa, se a mesma é bem comum ou se, pelo contrário, é bem próprio do cônjuge titular da mesma.

Tal determinação tem que ser encontrada nas regras que compõem o regime da comunhão de adquiridos.

Conforme supra referido, no acionamento do regime da comunhão de adquiridos, por exemplo, em sede de partilha subsequente ao divórcio, a presunção será a de que esta participação reveste a natureza de bem comum, desde que adquirida a título oneroso, só assim não sendo, se o cônjuge a quem aproveitar a demonstração que o bem é próprio, ilidir essa presunção de comunicabilidade, caso não tenha, aquando da aquisição da titularidade da participação social, acautelado que a mesma foi adquirida com capitais próprios seus, nos termos do disposto no artigo 1723.º alínea c) do Código Civil.

Mais, o cônjuge titular da participação social em causa poderá demonstrar que a mesma foi adquirida com dinheiro que lhe foi entregue por um terceiro, por exemplo um familiar, pois conforme resulta do artigo 1722.º alínea b) do Código Civil, no regime da comunhão de adquiridos são considerados bens próprios dos cônjuges os que lhes advierem, após o casamento, por sucessão ou por doação, fazendo todo o sentido excluir esses bens do acervo comum tomando em conta que estes bens adquiridos após o casamento não resultaram do esforço conjunto dos cônjuges, esforço esse que releva para efeitos da comunhão de adquiridos.

Em conclusão, quem casa no regime da comunhão de adquiridos tem que reter que existe uma presunção de comunicabilidade dos bens adquiridos após o casamento, a titulo oneroso, pelo que, querendo salvaguardar que um bem, ainda que adquirido a título oneroso, não integre o acervo comum deve rodear-se das cautelas necessárias, para demonstrar que, efetivamente, a aquisição foi, por exemplo, feita com capitais próprios seus, devendo também, para efeitos de clarificação futura (se for o caso) consignar tal no ato de aquisição, cumprindo com os requisitos que a lei impõe.

De outro modo, haverá uma presunção de comunicabilidade que importa ilidir se o outro cônjuge se quiser prevalecer dessa presunção, o que, poderá acarretar um esforço acrescido para o cônjuge que quer provar que o bem em causa é bem próprio, esforço acrescido esse que pode até resultar do decurso do tempo, tornando-se mais difícil coligir as provas que demonstram tal.

No sentido de que mais vale prevenir do que remediar, melhor será que, em cada aquisição, se efetivamente, o bem deve ser considerado como bem próprio, não obstante o regime de bens, tal fique, desde logo, explicitado.

Gostou deste artigo? Deixe o seu comentário aqui em baixo. A sua opinião é importante para nós.

Subscreva também o nosso blogue para ficar a par das nossas novidades e informações.

Tem alguma questão? Entre em contacto connosco.