Bens que garantem o pagamento de tornas em processo de inventário

Bens que garantem o pagamento de tornas em processo de inventário

Em processo de inventário, há lugar ao pagamento de tornas quando algum dos herdeiros licite mais bens do que aqueles a que tem direito em função do seu quinhão hereditário ou quando, na composição dos lotes de cada um dos herdeiros, exista um excesso de bens – também em relação àqueles a que o herdeiro em causa tem direito.

O herdeiro que se encontre nesta situação terá, assim, que “compensar” os restantes herdeiros, pagando-lhes o valor correspondente aos bens que leva a mais.

Esta compensação é feita através do pagamento de tornas.

Quando o herdeiro obrigado ao pagamento de tornas, não efetua, voluntariamente, este pagamento, põe-se a questão de saber como pode o herdeiro (ou herdeiros) credores de tornas forçar o pagamento e quais os bens que respondem por esta divida.

Serão apenas os que, no processo de inventário, foram adjudicados ao devedor ou, também, os bens próprios do herdeiro devedor das tornas?

A resposta a esta questão, implica a análise do regime legal relativo ao pagamento das tornas no âmbito do processo de inventário sendo que tem também que ser ter em conta, nessa análise, a origem do crédito, na medida em que este crédito não pode ser desligada da partilha da herança que é a finalidade última do processo de inventário.

O regime jurídico do processo de inventário em vigor (Lei 123/2013 de 5 de março), não alterou a essência do que anteriormente estava previsto no Código de Processo Civil, quanto ao pagamento de tornas.

Assim, o herdeiro que tenha direito ao pagamento de tornas pode optar por uma de duas formas para ser “compensado”: receber tornas ou serem-lhe adjudicadas as verbas licitadas em excesso pelo devedor de tornas.

Se o herdeiro credor optar pelo pagamento das tornas, o herdeiro devedor das mesmas, é notificado para as pagar ou depositar.

Se o herdeiro devedor, não efetuar, dentro do prazo fixado, o pagamento ou o depósito do valor das tornas em causa, o herdeiro credor pode, em alternativa, requerer:

 - a adjudicação dos bens adjudicados em excesso ao devedor para preenchimento da sua quota, procedendo logo ao depósito das tornas que excedem o seu valor;

 - a venda dos bens adjudicados ao devedor no processo de inventário, para que as tornas sejam pagas a partir do produto da venda de tais bens.

Esta possibilidade de opção pela venda dos bens adjudicados ao devedor das tornas, corresponde a, como ensina Lopes Cardoso na sua obra “Partilhas Judiciais”, volume II, pág. 452: «… um novo, privativo e prático, processo executivo, embora especial. Regra geral, o direito definido executa-se com base em título idóneo a esse fim (Cód. Proc. Civil, arts. 45.º e segs., 813.º-a) e 815.º-1), mediante formalismo próprio. No caso considerado, tudo é diferente, pois o credor das tornas limita-se a pedir, em simples requerimento, o que o n.º 3 do art.º 1378.º se lhe consente. Então, formulado tal pedido e transitada que seja a sentença homologatória das partilhas, procede-se à venda, no próprio processo de inventário, dos bens adjudicados ao devedor até onde seja necessário para pagamento do seu débito ao requerente, isto sem haver necessidade de lhe instaurar qualquer processo executivo, de o citar para o efeito e de nomear bens à penhora

Trata-se, no fundo de uma execução especial (mais célere e mais fácil), a qual apenas pode incidir sobre os bens que, no âmbito do processo de inventário, foram adjudicados “a mais” ao herdeiro devedor e visando garantir ao herdeiro credor a satisfação do seu crédito sem ter que recorrer ao processo executivo comum.

Sendo esta possibilidade – dada ao herdeiro credor – uma execução especial a mesma apenas pode incidir sobre os bens adjudicados ao herdeiro devedor e estando, por isso vedado o pagamento da dívida de tornas através de outros bens que não aqueles que foram partilhados no âmbito do processo de inventário.

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Direito de Família vs Direito das Famílias

Direito de Família vs Direito das Famílias

Rafael Calmon Juiz de Família  (Estado do Espírito Santo - Brasil)

António José Fialho Juiz de Direito (Barreiro – Portugal)

Em pleno século XXI, o ramo da Ciência do Direito destinado a disciplinar as relações jurídicas familiares poderia continuar sendo denominado de “Direito de Família” ou seria melhor alterar seu nome para “Direito das Famílias”?

Obviamente respeitando quem pense diferente, a segunda alternativa nos parece a melhor.

Nas breves linhas que se seguem, expomos as razões que nos levam a pensar assim.

Como se sabe, o conjunto de todas as espécies normativas vigentes em um determinado país, em certo momento da história, incluindo desde a Constituição Federal até a mais simples das leis locais, representa seu “Sistema de Direito”, o qual, para fins didáticos, pode ser subdividido em agrupamentos menores, isto é, em “Subsistemas”, voltados ao tratamento específico e detalhado de determinadas matérias, como o Direito Civil, por exemplo, ou ainda de subtemas a ele pertencentes, como o Direito das Obrigações, o Direito das Coisas e o Direito das Sucessões, apenas para citar alguns. Nesse contexto, o “Subsistema de Direito das Sucessões”, por exemplo, comporia o conglomerado de todas as Emendas Constitucionais, Leis Complementares, Leis Ordinárias, Medidas Provisórias, Decretos, Portarias e demais tipos legais que, de alguma forma, se destinassem ao regramento da transmissão dos bens e obrigações da pessoa em consequência de seu falecimento, ao passo que o “Subsistema de Direito das Obrigações” representaria o amontoado de textos reguladores das relações jurídicas de ordem patrimonial que tenham por objeto prestações devidas entre sujeitos, e assim por diante.

Até aí tudo bem. A coisa começa a ganhar em importância quando se pára para pensar que texto normativo não se confunde com norma jurídica. Sim, o texto é o mero suporte físico que introduz a norma no ordenamento. A verdadeira norma jurídica é o produto da interpretação feita pelo indivíduo a partir de sua leitura. E, por óbvio, essa interpretação não é feita de forma descontextualizada. Pelo contrário. Decorre da percepção de cada um sobre o material histórico, político, econômico e social instaurado em determinado local e momento da história. Logo, existindo diferentes sujeitos interpretantes inseridos em contextos tão diferenciados quanto, a probabilidade de que sejam construídos diversos significados dos termos empregados pelo legislador em cada uma das espécies normativas antes citadas é gigantesca.

E, convenhamos: tudo que não precisamos é de mais caos no meio jurídico.

Daí a importância da “Ciência do Direito”. Tendo por objetivo facilitar o desenvolvimento da atividade interpretativa, ela reúne um emaranhado de conhecimentos teóricos voltados à descrição e à explicação ao intérprete de tudo o que os diversos Sistemas e Subsistemas de Direito prescrevem. Isso torna possível que se fale em “Ciência do Direito Civil”, em “Ciência do Direito Penal”, e, conforme se esmiúce ainda mais a análise, em “Ciência do Direito das Coisas”, em “Ciência do Direito das Obrigações”, em “Ciência do Direito das Sucessões” etc.

Nem sempre, contudo, a legislação, isto é, o texto das leis que compõem o Sistema de Direito Positivo, consegue acompanhar as transformações dos padrões vigentes na sociedade.  Aliás, raras são as vezes em que isso acontece. Via de consequência, o discurso jurídico pode permanecer atrelado a concepções, ideais e valores absolutamente ultrapassados, que não mais exprimem o verdadeiro e atual sentido da norma jurídica, muito embora possam expressar leituras fiéis do texto normativo.

Apegados à dogmática e ao positivismo puro, alguns intérpretes insistem em atribuir ao texto de lei o sentido mais literal possível, meio que se recusando a acreditar que ele serve de mero suporte físico para a construção da norma jurídica, esta sim o elemento que realmente importa para a regulação de condutas intersubjetivas.

            No caso específico das relações jurídicas contraídas pelos membros das entidades familiares algo bastante curioso e um tanto alarmante acontece. O legislador do Código Civil brasileiro de 2002 epigrafou o Livro IV de sua Parte Especial com a nomenclatura “Do Direito de Família”, repetindo, de certa forma, a mesma denominação que o legislador de 1916 havia utilizado para epigrafar o Livro I da Parte Especial do Código Civil de seu tempo.

            Também o Código Civil português de 1966 designa o Livro IV da Parte Especial com a mesma nomenclatura “Direito da Família”, mesmo apesar das sucessivas alterações que foram ocorrendo ao longo destes anos.

            Meio que seguindo essa tendência, a Ciência Jurídica encarregada de estudar e explicar a estrutura e função dessas normas acabou também sendo denominada de “Direito de Família”.

Acontece que, sob os influxos dessa Ciência, uma enorme gama de direitos das famílias foi sonegada no Brasil. E o que é pior: pode continuar sendo.

Basta ver que, apesar de a Constituição Federal brasileira de 1988 ter declarado expressamente que a “família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado” (art. 226, caput), e que todas as “entidades familiares” merecem essa proteção (art. 226, §§ 3º e 4º)[1], o cotidiano das Varas de Família revelava e continua revelando algo bastante diferente. Esse cenário, infelizmente, não apresentou modificação digna de nota nem mesmo com o advento do Código Civil de 2002 e de suas normas de “Direito de Família”. Tanto é assim que temas como o reconhecimento jurídico da multiparentalidade, da socioafetividade, das uniões estáveis familiares homoafetivas, da adoção por ascendentes, do poliamor, da adoção por casais homoafetivos, da custódia e convivência com animais não humanos por ocasião do rompimento das uniões celebradas entre os animais humanos, são muitas vezes taxados de “polêmicos”, chegando mesmo a representar verdadeiros “não-temas” para alguns círculos.

Definitivamente, isso não pode continuar acontecendo.

Atualmente, as famílias são complexas, plurais e dinâmicas. Já faz bastante tempo que deixou de existir a figura do chefe de família, personificada no homem. A mulher deixou de ser tratada como mera auxiliar nos encargos da família, para se tornar responsável por eles, ao lado de quem quer que seja seu ou sua consorte. Aliás, as representações de gênero e sexo sequer podem interferir na formatação das entidades familiares, contanto que exista afeto entre seus membros. Os filhos não podem mais ser tratados de forma discriminatória, simplesmente por terem nascido de uniões não matrimonializadas. Os animais de estimação vêm cada vez mais sendo aceitos e tendo seus direitos reconhecidos em função de sua condição de seres sencientes e amados pelos animais humanos. Os valores, conjunturas e ideais contemporâneos a respeito do que venha a ser família se modificaram completamente, desvinculando-se da biologia para se alinharem à cultura. O conflito atualmente não se confunde com o litígio. Pelo contrário. Aportes provenientes da psicanálise, da antropologia, da psiquiatria, da psicologia, de círculos da paz, da negociação, da economia, do direito sistêmico, do direito colaborativo e de uma série de domínios do conhecimento humano contribuíram para a melhor compreensão dos conflitos familiares e para a percepção de que o litígio deve ser desestimulado. Como resultado, as disputas familiares passaram a ser enxergadas sob um olhar clínico, muito mais humanizado.

Diante desse inteiramente novo panorama, os enunciados normativos do Código Civil e de toda a legislação que compõe o “Subsistema de Direito de Família” precisam ser lidos e compreendidos de forma contextualizada e em conformidade com esses axiomas e padrões comportamentais.

Isso desafia o intérprete a conhecer mais a fundo esse intrigante e em constante mutação domínio das ciências jurídicas, que, por isso, talvez precise ter sua nomenclatura alterada para “Direito das Famílias”.

E nem se diga que essa sugestão seja nova ou possa causar qualquer tipo de estranheza, pois expoentes da literatura jurídica brasileira como Maria Berenice Dias, Rodrigo da Cunha Pereira, Paulo Lôbo, Rolf Madaleno, Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald já empregam essa denominação há bastante tempo em suas obras e o Superior Tribunal de Justiça, ao que parece, a vem prestigiando em seus julgados (veja, por exemplo, o REsp n. 1.760.943/MG, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJe de 06/05/19)

Particularmente, acreditamos que o plural seja realmente necessário no caso, não para simplesmente diferenciar denominações, mas para deixar absolutamente claro que a base principiológica e valorativa que conferia fundamento à ciência outrora denominada de “Direito de Família”, embora possa ter bem servido aos propósitos de um tempo passado, não mais se mostra suficiente para servir de essência a um domínio do conhecimento humano capaz de compreender os fenômenos e formatações familiares da contemporaneidade.

Se as experiências, as configurações e as relações jurídicas contraídas pelas famílias são complexas e plurais, nada mais justo do que a ciência destinada a seu estudo também se pluralizar, inclusive em sua denominação.

Quem sabe um dia o próprio nome das unidades judiciárias dotadas de competência para processamento das ações de família também não se altere para “Varas das Famílias” ou, em Portugal, para “Juízos das Famílias e das Crianças”.

Vai saber, né?

            Até que isso aconteça, e, independentemente do fato de vir ou não a acontecer, o que realmente importa é ter em mente que a atividade de “fazer ciência” é um processo contínuo e, por isso, eternamente incompleto. Pesquisadores, estudiosos e os interessados nas relações jurídicas e existenciais contraídas pelas famílias talvez precisem defender com mais afinco os avanços conquistados pela literatura e consolidados pelas decisões dos tribunais, para que as normas jurídicas construídas a partir da leitura dos textos legais e os problemas práticos, surgidos na realidade vivida pelos indivíduos, possam ser solucionados não segundo os parâmetros ultrapassados e obsoletos de outrora, mas sim em conformidade com o pensamento contemporâneo, plural, disruptivo e desafiador inerente à “Ciência do Direito das Famílias”.

Mas, isso tudo é só questão de opinião.

            Até a próxima!


[1] Os artigos 36.º, 67.º e 69.º da Constituição da República Portuguesa também expressam o dever do Estado de protecção da “família” e a protecção das crianças no seio da “família”, não obstante se considerar há muito que a Lei Fundamental portuguesa não consagra uma única forma de família

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A importância da escolha do regime de bens: as convenções antenupciais

A importância da escolha do regime de bens: as convenções antenupciais

Em poucas palavras, podemos dizer que casar é celebrar o amor que une duas pessoas.

Já no plano do Direito, a lei civil define o casamento como um contrato que é celebrado entre duas que pretendam constituir família «mediante uma plena comunhão de vida» (artigo 1577.º do Código Civil).

E, neste contrato, existe uma regra: a da igualdade dos direitos e dos deveres dos cônjuges.

E, existe ainda uma outra regra: a direção da família pertence a ambos «que devem acordar sobre a orientação da vida em comum tendo em conta o bem da família e os interesses de um e outro.» (artigo 1671.º do Código Civil).

Casar tem, pois, muito que se lhe diga, para além da felicidade do projeto de vida em conjunto e, no meio de tanta alegria e amor, os futuros cônjuges esquecem-se de pensar e de planear as suas futuras relações patrimoniais. É que do casamento decorrem efeitos patrimoniais que deveriam ser pensados e ponderados pelos futuros cônjuges, devidamente aconselhados por quem os pode ajudar.

Não é indiferente casar num regime de separação de bens, num regime de comunhão de adquiridos ou num regime de comunhão geral de bens, como também não é indiferente casar com ou sem convenção antenupcial.

Mas, a verdade é que muitos futuros casais tratam da “papelada do casamento” sozinhos e nas nuvens e o casamento é um projeto a longo termo: um caminho de vida em comum que tem que ser planeado em vários aspetos e, um dos aspetos, é o patrimonial.

Muitos casais estão completamente desinformados no momento em que casam. Não escolhem regime de bens, não sabem que se não escolherem um regime de bens vigora o regime da comunhão de adquiridos e não sabem quais as implicações deste regime.

Se os futuros cônjuges se ocupam de tudo, se escolhem a igreja, se escolhem o local onde festejarão com família e amigos a celebração desta união de amor, se escolhem as ementas, se escolhem a lua-de-mel, se planeiam ter filhos, se pensam em nomes para os futuros filhos, porque não fazem um planeamento patrimonial que é, por eles, escolhido de forma ponderada e com conhecimento do que escolhem?

Fazer um planeamento patrimonial não é um desacreditar na vida em conjunto. É escolher com consciência o que ambos querem para a sua futura vida em comum.

Não deveriam as convenções antenupciais ser mais divulgadas e estimuladas? Sim.

Em regra, conhecem as pessoas o possível conteúdo de uma convenção antenupcial? Não.

Quem casa não deveria saber que, querendo, pode outorgar uma convenção antenupcial e antes de o fazer pensar, a dois, maduramente sobre o que pretendem? Sim.

Deve-se, por isso, divulgar a importância das convenções antenupciais nas quais os futuros cônjuges podem começar por fixar qual o regime de bens que querem, seja optando por um dos regimes previstos na lei (separação de bens, comunhão de adquiridos ou comunhão geral de bens) seja estipulando um outro regime que melhor se adeque ao que, efetivamente, pretendem desde que o conteúdo desse outro regime esteja dentro dos limites da lei.

É, ou não melhor, poder decidir e deixar, por escrito, o que ambos escolheram? Claro que sim.

Mas o conteúdo das convenções antenupciais não se limita à escolha do regime que deverá reger as relações patrimoniais do futuro casal.

É que, na convenção antenupcial, qualquer um dos futuros cônjuges pode, por exemplo, instituir terceiros como herdeiros ou legatários. Do mesmo modo, a lei permite que a convenção antenupcial contenha a «instituição de herdeiro ou a nomeação de legatário em favor de qualquer dos esposados, feita pelo outro esposado ou por terceiro …».

E, se os futuros cônjuges, escolherem o regime da separação de bens podem, na convenção antenupcial, renunciar reciprocamente à condição de herdeiro legitimário do outro.

É também possível, na convenção antenupcial, estabelecer cláusulas de reversão ou cláusulas fideicomissárias em relação às liberalidades que, na convenção antenupcial, sejam efetuadas.

Evidentemente, que o conteúdo de uma convenção antenupcial necessita de prévio acompanhamento técnico pois, por exemplo, a regulamentação da sucessão hereditária apenas pode ser objeto de convenção antenupcial nos termos permitidos no artigo 1700º do Código Civil (os quais estão referidos acima) e que, para poderem ter validade carecem de aconselhamento para evitar situações de nulidade das disposições efetuadas na convenção antenupcial.

O que é importante fixar é que quem casa deve planear o que pretende, em termos de futuro, deve fazê-lo ponderadamente e pode escolher ou desenhar, em conjunto, um regime que corresponde às suas convicções devendo ter o devido aconselhamento técnico para o efeito, na medida em que existem muitas figuras jurídicas que importa esclarecer e repercussões que têm que ser previamente explicadas.

Para além do que uma convenção antenupcial pode conter, em termos de conteúdo, é importante referir que existem matérias que não podem ser reguladas na mesma.

De tal cuida a previsão do artigo 1699.º do Código Civil que, restringindo o princípio da liberdade contratual, enumera o que não pode ser objeto de convenção antenupcial, como seja a alteração dos direitos e dos deveres dos futuros pais ou dos direitos e dos deveres dos futuros cônjuges, a alteração das regras sobre a administração dos bens do casal, etc.

E, se quem casar tiver filhos, ainda que maiores ou emancipados, não poderá ser escolhido o regime da comunhão geral de bens, nem poderão os futuros cônjuges convencionar a comunicabilidade dos bens que, no regime da comunhão de adquiridos são considerados como bens próprios dos cônjuges e que estão enunciados no artigo 1722.º n.º 1 do Código Civil.

Por fim, refira-se que a convenção antenupcial, deve ser celebrada por declaração prestada perante funcionário do registo civil ou por escritura pública, é livremente revogável ou modificável até à celebração do casamento desde que, quer na revogação, quer na modificação, consintam as pessoas que nela tenham outorgado ou os respetivos herdeiros.

Depois de celebrado o casamento, a regra é a de que não é permitido alterar, nem as convenções antenupciais, nem o regime de bens.

Claro está que se o casamento não for celebrado dentro de um ano ou se, vier a ser declarado nulo ou anulado, a convenção antenupcial caduca.

Muito ficou por dizer sobre as convenções antenupciais e os efeitos que se podem obter quando se pensa, a fundo, sobre o que se quer, antes de casar num projeto de vida até ao fim da vida, mas pensamos que, aqui, fica expressa a importância das mesmas e que mais vale estabelecer e regular o que se pretende pois só assim somos donos da nossa vontade, mesmo que se trate de uma vontade construída a dois.

Existem países, como o Reino Unido, onde as convenções antenupciais são um instrumento com conteúdo e efeito relevante, onde as pessoas pensam, com aconselhamento técnico, aturadamente sobre o que pretendem e essa devia ser a regra em Portugal.

Esperamos ter contribuído para ajudar quem nos lê a pensar sobre a importância de fazer uma convenção antenupcial.

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13 de Outubro

O conceito de residência habitual no âmbito da Convenção da Haia de 1996

O conceito de residência habitual no âmbito da Convenção da Haia de 1996

Quando que existe uma separação de um casal com filhos importa, para efeitos de regulação do exercício das responsabilidades parentais determinar qual o tribunal competente para regular esse mesmo exercício – quer quando existe um litigio, quer quando é de comum acordo -, na medida em que a regulação das responsabilidades parentais tem que ser, sempre, homologada.

Quando o casal e os filhos têm nacionalidades diferente e/ou quando vivem em países dos quais não são nacionais, esta questão torna-se, ainda, mais relevante.

Se, no espaço da EU, releva quanto disposto no Regulamento (CE) n.° 2201/2003, do Conselho, de 27 de Novembro de 2003, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental, que no seu artigo 8º, dispõe que «Os tribunais de um Estado-Membro são competentes em matéria de responsabilidade parental relativa a uma criança que resida habitualmente nesse Estado-Membro à data em que o processo seja instaurado no tribunal», põe-se a questão de saber o que acontece quando estão envolvidas outras nacionalidades fora da União.

O que acontece, por exemplo, se estiver em causa uma família de nacionalidade australiana que, tendo fixado residência em Portugal, há pouco tempo, se separa? Mais, o que acontece se, por exemplo um dos membros da família pretender regressar à Austrália e levar os filhos consigo?

Numa situação como esta, porque não tem aplicação o supra referido regulamento, terão que ser aplicadas as regras do Código Civil, concretamente o artigo 59º do Código de Processo Civil, nos termos do qual: «Sem prejuízo do que se encontre estabelecido em regulamentos europeus e em outros instrumentos internacionais, os tribunais portugueses são internacionalmente competentes quando se verifique algum dos elementos de conexão referidos nos artigos 62º e 63º ou quando as partes lhe tenham atribuído competência nos termos do artigo 94.º.»

Portugal está internacionalmente vinculado pela Convenção Relativa à Competência, à Lei Aplicável, ao Reconhecimento, à Execução e à Cooperação em Matéria de Responsabilidade Parental e Medidas de Proteção das Crianças, adotada em Haia em 19 de Outubro de 1996, a qual produz efeitos na ordem jurídica interna e que prevalece sobre as normas processuais portuguesas.

O artigo 5º da Convenção, prevê que: «1 -As autoridades jurídicas ou administrativas do Estado Contratante no qual a criança tem a sua residência habitual possuem competência para tomar as medidas necessárias à proteção da pessoa ou bens da criança.»

Importa, pois, determinar o conceito de residência habitual.

A jurisprudência tem entendido que, a residência habitual, no caso, de um menor, será o local onde este vê organizada a sua vida com carácter de estabilidade e permanência. A residência habitual de um menor, é o local onde este desenvolve, habitualmente, a sua vida (ainda que há pouco tempo), onde frequenta a escola, onde tem amigos e atividades, em suma, o local onde se encontra integrado.

A residência habitual pode ser o local para onde o menor se mudou recentemente mas no qual se estabeleceu de forma permanente.

Assim, voltando ao exemplo supre referido da família de nacionalidade australiana que, tendo fixado residência em Portugal, há pouco tempo, se separa e em que um dos progenitores pretende regressar à Austrália, levando consigo, os filhos, a competência internacional para regular o exercício das responsabilidades parentais dos menores (e, consequentemente autorizar, ou não, a relocalização dos menores para a Austrália) pertence aos Tribunais portugueses.

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