Arrolamento de saldos bancários no estrangeiro: (in)competência dos Tribunais Portugueses

Arrolamento de saldos bancários no estrangeiro: (in)competência dos Tribunais Portugueses

Não raras vezes se coloca a questão de, no âmbito de um arrolamento, existirem como bens que potencialmente poderão/deverão ser objecto de arrolamento, saldos bancários em instituições sediadas fora de Portugal.

Nestas situações o que está em causa é determinar a competência internacional de um tribunal português para ordenar o arrolamento – através de cativação – de tais saldos.

Para determinar tal, impõe-se conhecer as regras que regulam a efetivação dos arrolamentos.

O artigo 406.º, nº 5 do Código de Processo Civil, determina que, ao arrolamento, são aplicáveis as disposições relativas à penhora, em tudo o que não contrarie o que se encontre especialmente previsto para este tipo de procedimento cautelar.

Ou seja, em global, ao arrolamento, serão aplicáveis as regras dos artigos 735.º e seguintes do Código de Processo Civil, com remissão, no que respeita à penhora de saldos bancários, para as regras constantes do artigo 780.º do mesmo Código.

O referido artigo 780.º do Código de Processo Civil estabelece as regras que deverão presidir à efetivação da penhora de depósitos bancários determinando, nomeadamente, quais os elementos que, obrigatoriamente, deverão constar da comunicação eletrónica a fazer pelo agente de execução, às instituições bancárias.

O arrolamento de um saldo bancário corresponderá assim, nos termos em que for ordenado, a uma cativação do valor existente.

Coloca-se pois, a questão de saber se a efetivação da diligência de arrolamento de um saldo de depósito bancário, considerando as suas características e alcance, é qualificável como um verdadeiro “ ato executivo“.

A jurisprudência tem entendido que, a efetivação da diligência de arrolamento, é «um acto de verdadeira afectação patrimonial, rodeado da coerção invasiva própria e inerente aos actos executivos em geral.»

No acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 6 de Junho de 2012, pode ler-se que: «…a notificação necessária (para a efectivação da penhora de um depósito bancário) sempre implica um acto de coerção da empresa devedora situada noutro país. Aliás, cumpre aqui questionar qual seria a sanção que o Estado Português poderia impor à entidade devedora … se esta não acatasse a notificação (ordem) em causa.… Resumindo, afigura-se-nos que para a entidade devedora em questão ficar vinculada pela notificação relativa à penhora do crédito em causa, cumpre, antes de mais, declarar a executoriedade da decisão declarativa ou equivalente no Estado membro da União onde se situa a empresa devedora … e, após, nesse mesmo Estado proceder à inerente execução “.

A concretização de um arrolamento tem, na sua base, uma ordem proferida por uma autoridade jurisdicional, sendo que esta ordem se reveste, indiscutivelmente, de carácter executivo na medida em que se consubstancia numa ordem dirigida a uma instituição bancária determinando a afetação coerciva do valor existente aos fins do arrolamento.

Assim, ao ser esta ordem dirigida a uma instituição bancária sedeada fora de Portugal a qual não se encontra vinculada ao ordenamento jurídico português, a mesma não será, aí exequível pois, o facto de a instituição bancária em causa se localizar em espaço abrangido por ordenamento jurídico estrangeiro impõe, por si só, a conclusão de que não poderá ser executada sem mais.

Resulta assim claro que, os tribunais portugueses, carecem de competência internacional para ordenar, a entidades bancárias sediadas fora de Portugal - as quais são, necessariamente, regidas pelo ordenamento jurídico do país onde se localizam – a pratica de atos que afetem materialmente o seu giro comercial.

Impõe-se assim, a conclusão de que não dispõem os tribunais portugueses da necessária competência internacional para ordenar os atos coercivos necessários à efetivação do arrolamento de contas bancárias abertas em instituições sediadas em território estrangeiro. Pelo que, nestas situações, terá que ser pedido o arrolamento dos depósitos bancários em causa, junto dos tribunais do país onde se situam as respetivas instituições bancárias.

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As responsabilidades parentais quanto aos bens dos filhos

As responsabilidades parentais quanto aos bens dos filhos

As responsabilidades parentais não respeitam apenas à pessoa dos filhos estendendo-se, ainda, aos bens dos filhos.

Com efeito, o artigo 1878.º do Código Civil, ao estabelecer o conteúdo das responsabilidades parentais, define concretamente a existência destas duas vertentes.

As responsabilidades parentais relativas aos bens dos filhos encontram-se reguladas nos artigos 1885.º a 1900.º do Código Civil e, conforme previsto neste último artigo, logo que o filho atinja a maioridade (ou seja emancipado) os pais devem entregar-lhe os bens que lhe pertençam.

O artigo 1888.º do Código Civil refere quais os bens relativamente aos quais os pais não têm a administração e, aqui, releva a alínea c) deste artigo, na qual se exclui da administração, os bens que tenham sido deixados ao filho, com exclusão da administração dos pais, exclusão essa que pode ser feita por meio de testamento onde se nomeie administrador para esses bens, retirando-se expressamente esses poderes de administração aos pais.

Apesar de terem a administração dos bens dos filhos, a verdade é que o legislador considerou que existe um conjunto de atos que só podem ser praticados pelos pais, como administradores, desde que estejam devidamente autorizados para o efeito.

Esses atos encontram-se identificados no artigo 1889.º do Código Civil e cobrem, por exemplo:

Também, não podem os pais de um menor, por exemplo, sem terem autorização judicial para o efeito, tomar de arrendamento (diretamente ou por interposta pessoa), bens ou direitos do filho menor (artigo 1892.º do Código Civil).

Se os pais, na sua qualidade de administradores, praticarem atos como os supra identificados ou os taxativamente enumerados nestes artigos, os atos são anuláveis, a requerimento do filho, o qual o pode fazer até um ano após atingir a maioridade (ou ser emancipado). Este direito de anulação não caduca no prazo de um ano, se o filho demonstrar, em juízo, que só teve conhecimento do ato que pretende ver impugnado, nos seis meses anteriores à data da propositura da ação.

Sendo que, conforme previsão do artigo 1894.º do Código Civil, o tribunal pode confirmar os atos praticados pelos pais, na sua qualidade de administradores, ainda que os mesmos tenham sido praticados sem que previamente tenham requerido a necessária autorização judicial para a sua prática.

Importa, ainda, referir que os pais devem administrar os bens dos filhos com o mesmo cuidado com que administram os seus próprios bens e, em regra, os pais não são obrigados a prestar contas da administração feita.

O presente artigo pretende, de forma sumária, elucidar os pais quanto a este poder-dever sendo que a matéria relativa a este segmento das responsabilidades parentais tem várias especificidades, correspondendo este texto a um sumário, pelo que cumpre sempre acautelar junto dos técnicos habilitados a delimitação da extensão e compressão dos termos da administração e os termos em que esta deve ser levada a cabo.

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O direito de visita dos avós no âmbito do Regulamento (CE) n.º 2201/2003 do Conselho de 27 de novembro de 2003

O direito de visita dos avós no âmbito do Regulamento (CE) n.º 2201/2003 do Conselho de 27 de novembro de 2003

Para efeitos de quanto disposto no artigo 2.º n.º 10 do Regulamento, o direito de visita corresponde ao «direito de levar uma criança, por um período limitado, para um lugar diferente do da sua residência habitual» sendo que esta definição não identifica as pessoas que poderão exercer este direito, nomeadamente, não expressa se, neste direito de visita, estão incluídos os avós.

É certo que, conforme resulta do considerando 5 do Regulamento, este abrange «todas as decisões em matéria de responsabilidade parental …» e de entre estas, o direito de visita é considerado como uma prioridade.

Sobre esta matéria pronunciou-se o Tribunal de Justiça, no acórdão proferido em 31 de maio de 2018, no qual concluiu que o direito de visita dos avós tem acolhimento no Regulamento, pelas razões expressas nos pontos 33 a 35 que, a seguir, se transcrevem:

«33. Resulta ….o conceito de direito de visita, referido no artigo 1.º, n.º 2, alínea a), …. Deve ser entendido no sentido de que se refere não só ao direito de visita dos progenitores em relação ao filho, mas igualmente ao de outras pessoas com as quais é importante que o menor mantenha relações pessoais, designadamente os seus avós, independentemente de se tratar ou não de titulares de responsabilidade parental.

34. Daqui decorre que um pedido dos avós destinado a que lhes seja concedido um direito de visita em relação aos seus netos está abrangido pelo âmbito de aplicação do artigo 1.º, n.º 1, alínea b), do Regulamento n.º 2201/2003 e, por conseguinte, pelo âmbito de aplicação deste último.

35. Importa igualmente sublinhar que, se o direito de vista não visasse todas estas pessoas, as questões relativas a este direito poderiam ser determinadas não só pelo órgão jurisdicional designado em conformidade com o Regulamento n,º 2201/2003 mas igualmente por outros órgãos jurisdicionais que se considerassem competentes com fundamento no direito internacional privado. Correr-se-ia o risco de serem adotadas decisões contraditórias, ou até inconciliáveis, podendo suceder que o direito de visita concedido a alguém próximo do menor fosse suscetível de infringir o direito concedido a um beneficiário da responsabilidade parental.»

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A locação no regime da comunhão: o consentimento escrito do outro cônjuge

A locação no regime da comunhão: o consentimento escrito do outro cônjuge

Dispõe o artigo 1024.º n.º 1 do Código Civil que:

«1. A locação constitui para o locador, um ato de administração ordinária, exceto quando for celebrado por prazo superior a seis anos.»

Em face da redação deste artigo, coloca-se a questão de saber se um dos cônjuges, casado no regime da comunhão de adquiridos, pode arrendar um imóvel, sem ter o consentimento do outro cônjuge, sendo tal arrendamento celebrado por prazo inferior a seis anos.

Com efeito, conforme resulta do artigo 1682.º-A n.º 1 alínea a) do Código Civil:

«1 – Carece do consentimento de ambos os cônjuges, salvo se entre eles vigorar o regime da separação de bens:

a)A alienação, oneração, arrendamento ou constituição de outros direitos pessoais de gozo sobre imóveis próprios ou comuns.»

Como conjugar estes dois artigos caso seja arrendado um imóvel por um prazo inferior a seis anos? Prevalece quanto disposto no artigo 1024.º n.º 1 ou a previsão da alínea a) do n.º 1 do artigo 1682.ºA?

A resposta a esta questão é a de que prevalece quanto previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 1682.º-A do Código Civil, ou seja, sendo arrendado imóvel por prazo inferior a seis anos, importa que o arrendamento seja consentido por ambos os cônjuges, salvo se entre eles vigorar o regime da separação de bens, isto apesar de, em regra, os cônjuges terem a faculdade de administrar bens comuns, conforme resulta do artigo 1678.º n.º 2 alínea c) do Código Civil.

Com efeito, o legislador entendeu como solução prudente a de não se considerar o arrendamento de imóveis como ato de administração ordinária, na medida em que, em termos práticos, ao se arrendar um imóvel, existe um despojamento de direitos relativos ao gozo do imóvel que não é compaginável com a qualidade de um ato de administração ordinária podendo mesmo, segundo a melhor doutrina, em termos práticos, poder ser equiparado quase a um ato de disposição.

Já quanto ao consentimento o mesmo deve ser dado especificamente para o arrendamento em causa devendo, ainda revestir a forma escrita, para que se garanta que o cônjuge que consente na prática do ato possa refletir sobre o consentimento que presta e ter conhecimento concreto das consequências patrimoniais desse mesmo consentimento e da concreta oneração do bem que integra o património comum do casal.

Mais, garante-se que, assim sendo, existirá também prova do consentimento prestado.

Não sendo o consentimento conjugal prestado nos termos referidos, o contrato de arrendamento é anulável, podendo o cônjuge que não prestou o seu consentimento intentar ação para o efeito dentro dos prazos fixados no artigo 1687.º do Código Civil.

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O regime imperativo da separação de bens

O regime imperativo da separação de bens

Conforme resulta do artigo 1720.º do Código Civil, a lei impõe que as pessoas que tenham completado 60 anos de idade, têm que casar sob o regime da separação de bens.

Compreende-se a existência desta norma e a razão que presidiu à mesma: a proteção de pessoas que, pela idade, se mostram mais vulneráveis a uma atuação de abuso por parte do outro cônjuge, procurando também dissuadir-se as uniões conjugais em que predominam os interesses financeiros.

Apesar de hoje em dia, a lei permitir que quem casa em regime de separação de bens pode prever a renúncia do cônjuges à qualidade de herdeiro, a verdade é que, em situações em que a aproximação e posterior casamento têm na sua base interesses patrimoniais, na prática, não será fácil fazer prova da existência deste interesse patrimonial e pode acontecer que não se preveja a renúncia à qualidade de herdeiros por parte dos cônjuges.

É evidente que nem todas as pessoas, mais novas, que casam com pessoas com 60 anos ou mais têm em mente um interesse patrimonial, mas porque a vida a todos ensina, o legislador entendeu por bem acautelar estes casamentos, impondo que o regime de bens seja imperativamente o regime da separação de bens.

Pode sempre questionar-se se, com o aumento da esperança de vida, não seria de repensar o limite dos 60 anos previsto na norma do artigo 1720.º do Código Civil e alterar o mesmo, para uma idade superior, na medida em que, hoje em dia, uma pessoa de 60 anos, em regra, está plenamente apta a avaliar e analisar comportamentos e a, por si, decidir, o que pretende para a sua vida.

No entanto, até ao momento, o legislador português não modificou a norma e, assim, vigora a imperatividade do casamento sob o regime da separação de bens a partir dos 60 anos de idade, pelo que, em termos práticos, conforme como resulta do artigo 1735.º do Código Civil, sendo este o regime de bens que vigora, do mesmo resulta que cada um dos cônjuges conserva o domínio e a fruição de todos os seus bens, presentes e futuros, podendo dispor dos mesmos livremente.

No entanto, nada obsta, a que no regime de separação de bens, os cônjuges optem por ter bens em regime de compropriedade, situação que tem contornos diferentes de uma comunhão, na medida em que a quota de cada um deles nesses bens, integra o seu património próprio.

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