O processo de inventário subsequente à dissolução da sociedade conjugal

O PROCESSO DE INVENTÁRIO SUBSEQUENTE À DISSOLUÇÃO DA SOCIEDADE CONJUGAL

E quando chega ao fim?

 

O processo de inventário para partilha de bens, decretada que esteja a separação judicial de pessoas e bens ou o divórcio ou declarado nulo ao anulado o casamento, é tramitado, desde 2 de Setembro de 2013, nos Cartórios Notariais.

De facto, com a publicação da Lei n.º 23/2013, de 5 de Março (RJPI), concretizou-se a pretensão legislativa anunciada desde a Lei 29/2009 de 29 de Junho, de conferir aos processos de inventário uma tramitação primordialmente não judicial, vindo tal Lei a ser regulamentada pela Portaria nº 278/2013, de 26 de Agosto, posteriormente alterada pela Portaria nº 46/2015, de 23 de Fevereiro.

            Assim, o inventário para separação de meações, destinado a partilhar os bens comuns do casal, nomeadamente em caso de divórcio, à luz daquela Lei, passou a ser tramitado no Cartório Notarial sediado no município do lugar da casa de morada de família (nos termos do artigo 3º, nº 6, do RJPI; na falta desta, o cartório notarial competente é aquele que vem referido nos termos da alínea a) do número 5 do artigo 3º e, assim, o Cartório da situação dos bens a partilhar).

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Dispõe o artigo 1688.º do Código Civil que «As relações pessoais e patrimoniais entre os cônjuges cessam pela dissolução, declaração de nulidade ou anulação do casamento, sem prejuízo das disposições deste Código relativas a alimentos; havendo separação judicial de pessoas e bens, é aplicável o disposto no artigo 1795.º-A.».

Ora, havendo que proceder à partilha do património comum do casal e liquidação do passivo da sociedade conjugal, por cessarem aquelas relações patrimoniais entre os cônjuges, o processo adequado é o previsto nos artigos 79º e 80º do RJPI.

Este processo de inventário segue a tramitação prevista para o processo comum de inventário, nos termos do artigo 79º, nº 3, 1ª parte, com as especificidades decorrentes do fim a que se destina, da natureza do património a partilhar, bem como as aludidas nos mencionados artigos 79º e 80º e, assim, designadamente, com a possibilidade de o Notário, em qualquer estado da causa, poder remeter o processo para mediação, relativamente à partilha de bens garantidos por hipoteca, salvo quando alguma das partes expressamente se opuser a tal remessa.

Este processo tem uma tramitação nos Cartórios Notarias e, chegada a fase de ser proferida sentença homologatória da partilha, o mesmo é remetido para o Tribunal da Comarca do Cartório Notarial onde o processo foi apresentado, sendo aí distribuído (artigos 66º, nº 1, 3º, nº 7, 83º do RJPI e artigo 212º §7 do CPC aprovado pela Lei 41/2013, de 26 de Junho).

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O Tribunal de 1ª instância da Comarca do Cartório Notarial intervirá no processo de inventário, para além do momento em que deva proferir decisão homologatória da partilha (artigo 66º do RJPI), também para conhecer dos recursos que venham a ser interpostos da decisão do Notário (Cfr., designadamente, artigos 16º, nº 4, 57º, nº 4).

Intervenção diversa desta, que nada tem que ver com a intervenção na sequência da distribuição acima referida, é o conhecimento, pelos tribunais de 1ª instância das acções que lhes vierem a caber, sempre que, ao abrigo dos artigos 16º,nºs 1 , 17º, nº 2, 36º, nº 1 e 57º, nº3, seja caso de remessa dos interessados para os meios judiciais comuns.

Assim, a competência para a tramitação a cargo dos Notários, não abrange todos os actos a praticar no âmbito do processo de inventário, por um lado e, por outro, assiste às partes o direito de acção judicial para as questões que, atenta a sua natureza ou complexidade da matéria de facto e de direito devam ser decididas nos meios comuns.

No primeiro caso, a intervenção judicial cabe ao Tribunal da Comarca do Cartório Notarial (artigo 3º, nº 7, do NRJPI). No segundo caso, a tramitação destas acções judiciais caberá aos Tribunais competentes de acordo com as regras gerais sobre a competência do artigo 59º e segs do CPC.

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Este novo regime legal trouxe alterações significativas, designadamente, no paradigma de intervenção do Juiz, com repercussão nos papéis atribuídos aos demais intervenientes processuais, como é o caso do Ministério Publico, cuja intervenção foi mitigada.

Para a sua análise, importa que não percamos de vista a génese deste regime e os pressupostos que lhe estão subjacentes.

Efectivamente, esta tramitação a «duas mãos», efectuada à luz de uma Lei em muitas matérias omissa e que convoca, assim, a aplicação do Código de Processo Civil (82º RJPI), importa, para além das dificuldades naturais da articulação entre os dois regimes, a dificuldade acrescida de interpretar o regime supletivo à luz de um novo paradigma da intervenção do Juiz.

Uma nota importa que se deixa a este propósito: a necessidade de não se perder de vista que a opção legislativa pela referida dualidade de intervenientes, pelo formato a atribuir ao processamento do inventário, designadamente, no que toca à intervenção do tribunal e à articulação entre a função notarial e a função jurisdicional, foi sendo sedimentada à luz da necessidade de expurgar qualquer anátema de inconstitucionalidade do diploma.

E esta questão coloca-se a propósito daquela que é a intervenção principal do Juiz no processo de inventário, constituída pela decisão homologatória da partilha.

Subjaz à decisão da partilha o despacho determinativo da forma da partilha, o mapa da partilha e as operações de sorteio, destinando-se a sentença a homologar tais operações.

Poderá ocorrer a não homologação, pelo Juiz, da partilha, para o que mencionará fundamentadamente os motivos determinantes da não confirmação dos actos anteriormente praticados, desencadeando, em sede notarial, a realização de novos actos de partilha ou a prática de actos que, por omitidos, impedem aquela homologação (previsão que não se mostra presente no RJPI e que encontrávamos enunciada na Lei 29/2009, de 29 de Junho: «A decisão de não homologação deve ser fundamentada e propor a forma da realização da nova partilha pelo conservador ou notário.», artigo 60º, nº 2, da Lei 29/2009, de 29 de Junho).

De facto, impende sobre o Juiz o dever de verificar a legalidade da partilha, do ponto de vista substantivo (cumprimento das disposições legais substantivas) e processual (nulidades e excepções de conhecimento oficioso), o que foi expressamente reconhecido no Parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias da Assembleia da República de 12.12.2012, sobre a Proposta de Lei nº 105/XII, que antecedeu a Lei 23/2013, de 5 de Março, nos seguintes termos: «(…) algumas normas da Proposta suscitaram dúvidas quanto à sua constitucionalidade (…). O que está em causa é a alegada violação do princípio constitucional da reserva jurisdicional (…), não só porque pode entender-se que o juiz perde o controlo geral do processo, que passa para o notário, mas também porque este último passa a realizar verdadeiros julgamentos e facto e de direito, apreciando a prova documental e testemunhal apresentada, exercendo, nessa medida, verdadeiros poderes jurisdicionais, que a Constituição reserva exclusivamente aos tribunais. (…) essas indicadas dúvidas ou desconformidade podem suavizar-se ou ultrapassar-se com o poder de homologação da partilha que o art 66°. da Proposta confere ao juiz. Com o despacho que, a final, tem de proferir, o juiz deve verificar a legalidade de todos os atos praticados, validando-os e confirmando-os ou não e conferindo-lhes depois força de sentença. (…) Com a presente proposta, qualquer questão litigiosa ou indevidamente decidida pelo notário, acabará sempre e em última instância (por maioria de razão se as partes assim o desejarem com uma impugnação ou com um recurso) por ser apreciada e escrutinada por um juiz.»

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A atribuição aos Cartórios Notariais da competência para efectuar o processamento dos actos e termos do processo de inventário é, inequivocamente, a tónica dominante deste novo regime (artigo 3º).

O Notário, órgão próprio da função notarial, exerce as suas funções em nome próprio e sob sua responsabilidade, com respeito pelos princípios da legalidade, autonomia, imparcialidade, exclusividade e livre escolha, cabendo-lhe praticar alguns dos actos que, na previsão do Código de Processo Civil, eram antes do RJPI praticados pelo Juiz.

Nesta medida, pela ordem porque deverão ser praticados num processado típico, cabe ao Notário: a nomeação do cabeça de casal (artigo 22.º), excepção feita aos casos em que se verifique a previsão do artigo 2083º do Código Civil; Tomar as declarações de cabeça de casal (artigo 24.º); Receber a relação de bens (artigo 25.º); Determinar a realização das citações (artigos 28.º e 29.º); Receber as oposição e impugnações ao inventário e reclamações contra a relação de bens ( artigos 30.º a 32.º), as respostas do cabeça de casal sobre as reclamações (artigo 35.º); Decidir as reclamações ou determinar que é caso de remessa para os meios judiciais comuns (artigos 35.º e 36.º); Resolver as questões suscitadas que possam influir na partilha e determinados os bens a partilhar; Designar data para a realização de conferência preparatória da conferência de interessados (artigo 47.º); Sendo caso, determinar a avaliação dos bens (artigo 33.º); Conhecer dos pedidos de adjudicação de bens (artigo 34.º); Presidir à conferência preparatória (artigos 47.º e 48.º); Designar data e presidir à conferência de interessados; Proferir despacho determinativo do modo como deve ser organizada a partilha (artigo 57º, nº 2 ); Proceder à organização do mapa da partilha (artigo 59º); Decidir as reclamações contra o mapa da partilha (artigo 63º); Presidir ao sorteio de lotes, sendo caso de a tal proceder (artigo 64º); Proceder à emenda da partilha, havendo acordo de todos os interessados ou proceder à rectificação de erros materiais que a mesma contenha (artigo 70º); Proceder à partilha adicional (artigos 74º e 75º) e à partilha em casos especiais (Inventário em consequência de justificação de ausência – artigos. 77.º e 78.º - e Inventário em consequência de separação, divórcio, declaração de nulidade ou anulação de casamento – artigo 79.º).

Pode ocorrer, por determinação do Notário, a remessa para os meios comuns, a requerimento dos interessados ou oficiosamente.

No que a tal remessa diz respeito, importa atentar no que estabelece, desde logo, o artigo 16.º, nos termos do qual o Notário, oficiosamente ou a requerimento de qualquer interessado, pode entender que existem questões insusceptíveis de serem decididas no processo de inventário, caso em que poderá remeter as partes para os meios comuns.

Assim, o Notário determina a suspensão da tramitação do processo sempre que, na pendência do inventário, se suscitem questões que, atenta a sua natureza ou a complexidade da matéria de facto e de direito, não devam ser decididas no processo de inventário, remetendo as partes para os meios judiciais comuns até que ocorra decisão definitiva, para o que identifica as questões controvertidas, justificando fundamentadamente a sua complexidade (artigo 16º, nº 1).

Para tanto, o Notário deverá fundamentar tal remessa, elencando os fundamentos porque as questões não devam se decididas no processo de inventário, concluindo pelo convite à interposição da acção para resolução da questão em apreço.

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Sobre a remessa para os meios comuns estatui, também, o artigo 17º, nº 2.

Nos termos estabelecidos neste preceito, poderá o Notário determinar a remessa dos interessados para os meios judiciais comuns, quando a complexidade da matéria de facto subjacente à questão a dirimir torne inconveniente a decisão incidental no inventário, por implicar a redução das garantias das partes.

Caberá ao Notário, também aqui, efectuar um juízo de conveniência sobre a resolução da questão e a eventual redução das garantias das partes.

A estas duas normas acresce uma outra que, igualmente, prevê tal remessa.

Assim, tendo sido deduzida reclamação contra a relação de bens e sendo insuficientes as provas para as decidir, estatui o artigo 36º nos seguintes termos: quando a complexidade da matéria de facto ou de direito tornar inconveniente, nos termos do n.º 2 do artigo 17.º, a decisão incidental das reclamações, o notário abstém-se de decidir e remete os interessados para os meios judiciais comuns (nº1). Nesta circunstância, não são incluídos no inventário os bens cuja falta se acusou e permanecem relacionados aqueles cuja exclusão se requereu ( nº2).

Cabe aqui a possibilidade de o Notário, com base numa apreciação sumária das provas produzidas, deferir provisoriamente as reclamações (à semelhança da admissibilidade de resolução provisória prevista no artigo 17º, nº 2), com ressalva do direito às acções competentes (artigo 36º, nº 3).

Estamos aqui, novamente, perante a necessária realização de um juízo de conveniência.

Concluindo-se pela inconveniência da decisão incidental, por implicar redução das garantias das partes, decidirá o Notário que a resolução da questão deverá ser feita em acção autónoma, que acautele estas garantias, em consequência do que remete os interessados para os meios comuns. Também aqui a decisão do Notário deverá ser fundamentada, explicitando-se o motivo porque a decisão incidental poria em causa as garantias das partes.

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Por fim, encontramos a previsão da remessa para os meios comuns no artigo 57º, nº 3, que não prescinde, igualmente, da formulação de um juízo de conveniência e da necessária fundamentação da decisão de remessa para os meios comuns.

O momento adequado para a remessa para os meios comuns que encontra previsão neste preceito ocorre depois de realizadas as conferências – preparatória e de interessados-, e quando o processo se encontra na fase da partilha.

Cabendo ao notário proferir despacho determinativo do modo como deve ser organizada a partilha, cabe-lhe igualmente resolver todas as questões que ainda o não tenham sido e que seja necessário decidir para a organização do mapa da partilha.

A remessa para os meios judiciais comuns, que deverá ser devidamente fundamentada, constitui uma excepção à regra de que cabe aos Notários praticar os actos e termos do processo de inventário (artigo 3º, nº 1) e justifica-se apenas em circunstâncias excepcionais em que a resolução das questões a decidir careçam de uma indagação que se não compadeça com a natureza incidental da tramitação em inventário.

Estas acções deverão ser interpostas nos Tribunais competentes à luz das regras de repartição de competência do Código de Processo Civil, acções estas com total autonomia do processo de inventário.

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Detemo-nos, de seguida, nas duas conferências que poderão ocorrer no processo de inventário: a conferência preparatória e, não terminando o processo nesta conferência, nos termos permitidos pelo artigo 48º, nº 6, a conferência de interessados.

A conferência preparatória da conferência de interessados, com previsão nos artigos 47.º e 48º, é designada logo que resolvidas as questões suscitadas que sejam susceptíveis de influir na partilha e determinados que foram os bens a partilhar.

Destina-se esta conferência à deliberação sobre as verbas que devem compor, no todo ou em parte, o quinhão de cada um deles e os valores por que devem ser adjudicados; à indicação das verbas ou lotes e respectivos valores, para que, no todo ou em parte, sejam objecto de sorteio; ao acordo sobre a venda total ou parcial dos bens.

Esta conferência é, ainda, o momento próprio para os interessados deliberarem sobre a aprovação do passivo.

À semelhança do que já acontecia no regime do Código de Processo Civil, o inventário pode findar na conferência (artigo 48º, nº 6, do RJPI).

Neste caso, se o inventário findar por acordo na conferência preparatória, deverão os autos ser remetidos para tramitação judicial, por forma a que seja proferida sentença homologatória da partilha; Poderá equacionar-se, todavia que, havendo acordo, procedam as partes a um acordo de partilha que prescinda da intervenção judicial.

A conferência de interessados, prevista no artigo 49º, destina-se à adjudicação dos bens e tem lugar nos 20 dias posteriores ao dia da conferência preparatória, devendo a sua data ser designada pelo Notário.

A adjudicação dos bens em processo de inventário faz-se por acordo (afectando-se determinados bens a integrar o quinhão de cada um dos herdeiros) por sorteio (sendo os quinhões preenchidos pelos bens que venham a caber em sorte a cada um dos herdeiros) ou em resultado da venda dos bens, adjudicação esta que é o objecto da regulação do artigo 49º.

A adjudicação a que se refere o artigo 49º é efectuada mediante propostas em carta fechada, devendo o Notário, pessoalmente, proceder à respectiva abertura, salvo nos casos em que aquela forma de alienação não seja admissível, sendo que o valor a propor não pode ser inferior a 85% do valor base dos bens.

Se não forem apresentadas propostas em carta fechada, ter-se-á que proceder à venda mediante negociação particular, a realizar pelo Notário, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no Código de Processo Civil quanto à venda executiva por negociação particular, na mesma medida em que se aplicara à venda por abertura de propostas em carta fechada as regras da venda executiva (artigos 50º, nº 2 e 51º, in fine).

Encerrada a conferência de interessados, eis-nos chegados ao momento da efectivação da partilha, que culminará com decisão homologatória da partilha (artigo 66º), momento em que os autos são remetidos para tramitação judicial.

Para além de proferir sentença homologatória da partilha, incumbe ao Juiz a prática dos seguintes actos no processo de inventário: a) Com previsão na Lei 23/2013, de 5 de Março: Homologação do acordo dos interessados que põe fim ao processo na conferência preparatória (48º, nº 7 e 66º, nº 1 RJPI); Decisão homologatória da partilha (66º, nº 1 RJPI); Decisão do recurso interposto da decisão do notário que indeferir o pedido de remessa das partes para os meios comuns (artigo 16º, nº 4 RJPI); Decisão do recurso interposto do despacho determinativo da forma da partilha (57º, nº 4 RJPI); Decisão, a final, sempre que as questões revistam especial complexidade, do pagamento de um valor superior de taxa de justiça, dentro dos limites estabelecidos na Tabela do RCP ( 83º, nº 1, RJPI); b) Com previsão na Portaria 46/2015, de 23 de Fevereiro (que Regulamenta o processamento dos actos e os termos do processo de inventário no âmbito do Regime Jurídico do Processo de Inventário aprovado pela Lei n.º 23/2013, de 5 de Março): Decisão sobre os valores dos honorários previstos para os processos de inventário de especial complexidade, bem como para os incidentes de especial complexidade (18º, nº 4 e 5, da Portaria 46/2015, de 23 de Fevereiro); Decisão da reclamação da nota final de honorários e despesas (24º da Portaria 46/2015, de 23 de Fevereiro); c) Com previsão no Código Civil: Designar cabeça de casal quando todas as pessoas referidas no artigo 2080º do Código Civil se escusarem ou forem removidas (2083º do Código Civil); d) Com previsão no Código de Processo Civil: Apreciação da legitimidade da escusa com fundamento em sigilo profissional e incidente de dispensa do dever de sigilo, nos termos do artigo 135.º, do Código de Processo Penal, junto do Tribunal da Relação respectivo, que dela deva conhecer (417º, nº 3, c) e nº 4 do CPC e artigo 135.º, do Código de Processo Penal); Decisão dos recursos interpostos das decisões dos Notário, nos casos em que cabe recurso de apelação (76º, nº 2, 1ª parte, RJPI e 644º CPC).

A sentença homologatória de partilha, uma vez transitada em julgado, põe, em regra, termo ao processo de inventário.

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Após o trânsito em julgado da sentença homologatória da partilha, o Cartório Notarial, que retoma a tramitação do processo, emite a nota final de honorários e despesas e, após o pagamento da 3.ª prestação de honorários e de eventuais despesas em falta, procede ao encerramento do processo de inventário, competindo-lhe emitir a respectiva certidão (artigo 25º da Portaria citada).

Aqui chegados, tendo-se efectuado referência aos novos paradigmas da intervenção a cargo do Notário e do Juiz, importa referir que os advogados e solicitadores mantêm a intervenção que as normas do Código de Processo Civil já prescreviam pelo que, quanto a estes intervenientes, a intervenção mantém-se inalterada.

De facto, nos termos estatuídos pelo artigo 13º, é obrigatória a constituição de advogado no inventário se forem suscitadas ou discutidas questões de direito, bem como em caso de recurso de decisões proferidas no processo de inventário.

Assim, sempre que se interponha recurso ou se suscitem questões de direito, é obrigatória a intervenção de advogado.

Os advogados-estagiários, os solicitadores e as partes podem fazer requerimentos onde não se suscitem questões de direito – artigo 32.º, n.º 2 do CPC, aplicável por força do disposto no artigo 82.º do RJPI.

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Concluindo se dirá que à beira de se completarem 4 anos sobre a entrada em vigor da Lei nº 23/2013 de 5 de Março, a prática dos Cartórios Notariais, a prática junto destes de actos pelos demais intervenientes processuais, como os advogados, os solicitadores e a intervenção do Juiz são e serão determinantes na efectivação da mudança preconizada por esta Lei.

Só pelos reflexos da aplicação deste novo regime se poderá aferir da bondade da opção legislativa, ditada pela necessidade de descongestionamento dos tribunais e pela necessidade de atribuir celeridade a um processo particularmente moroso.

Se a evolução legislativa no sentido de que os conflitos familiares saiam da esfera do judiciário - e bem sabemos que o processo de inventário se encontra, na maioria das vezes, eivado de conflitos familiares de intensidade acentuada -, não está isenta da criticas, aqui chegados, aprovada que está a Lei, importa que procuremos olhar para este novo regime recentrando a discussão e colocando-a ao serviço do cidadão.

 

«Embora ninguém possa voltar atrás e fazer um novo começo, qualquer um pode começar agora e fazer um novo fim.»

 

                                                                                 Lisboa, 10 de Março de 2017

Carla Câmara

 

Residência Alternada: da lenda urbana à realidade social

Residência Alternada: da lenda urbana à realidade social

 

Nas últimas duas décadas tem-se assistido a mudanças nas relações conjugais e parentais de forma significativa. Desde o 25 de abril de 1975 que observamos a existência de uma pressão para alterações legislativas sobre o poder político-legislativo em função das mudanças sociais. De facto, as mudanças sociais têm-se traduzido igualmente em mudanças no seio da família, em particular na conjugalidade e na parentalidade. Os papéis de género na família passaram a ser questionados (Wall & Amâncio, 2007), os filhos assumiram um outro lugar na família, com outras funções (Cunha, 2007), e os direitos e liberdades individuais afirmadas pelos movimentos sociais pós-revolução traduziram-se na afirmação dos valores da igualdade, de processos de individualização, de diversidade e de privatização da conjugalidade (Aboim, 2008). É nesta linha de transformações históricas e sociais que chegamos aos dias de hoje com novas realidades sociais, onde a diversidade familiar e o papel da afetividade na parentalidade assumem especial relevância. A opção pela residência alternada para crianças com progenitores em situação de dissociação conjugal tem assim assumindo, de forma crescente, um papel maior. Apesar de existirem desde os anos 80 estudos sociológicos em outros países com este objeto, a verdade é que, em Portugal, só com as alterações legislativas dos anos 90 e o próprio desenvolvimento da Sociologia da Família nesse período, foi possível observar esses novos rearranjos na família da criança. Os primeiros dados aparecem-nos em 2001, onde apontavam para 0,6% em 2001 (segundo o Ministério da Justiça) e terminam a sua recolha em 2006, com valores de 3% (Marinho, 2011) dos casos em tribunal com guarda conjunta[1]. Passados 10 anos após a publicação destes dados e tendo em conta que uma parte dos regimes de convívio das crianças no pós-divórcio/separação com os seus progenitores não refletem a formalidade jurídica (não aparecendo sequer nas estatísticas), somos levados a crer que devemos hoje ter percentagens de crianças em residência alternada muito superiores ao que comumente é percecionado. Aquilo que era visto nos anos 90 como uma lenda urbana, nos dias de hoje assume-se cada vez mais como uma opção viável e uma realidade social com uma dimensão inegável. Aliás, vários Estados dos E.U.A., como Washington e Arizona apresentam percentagens de residência alternada acima de 30%. Em países europeus como a Bélgica, Dinamarca, Holanda, Suécia e França pelo menos 20% das crianças vivem em modelo de residência alternada (Nielsen, 2015).

 

No entanto, se a realidade social no âmbito das conjugalidades e das diferentes parentalidades tem evoluído, temos assistido a uma maior resistência por parte de outras instituições à aceitação dessa evolução, resultado de uma perceção cristalizada dos papéis de género na família. Falamos do sistema judicial e do próprio poder político-legislativo.

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Antes de avançarmos, convém definir conceitos, visto que frequentemente existe alguma confusão dos mesmos, quando lidamos com esta temática. Assim, quando falamos em residência alternada, estamos a referir-nos a um modelo particular de coparentalidade onde existe o exercício conjunto das responsabilidades parentais (na linguagem anglo-saxónica, joint legal custody) e um regime de convívio da criança com ambos os progenitores com tempos equilibrados, não inferior a 35% (Nielsen, 2014), ao ponto de existirem duas residências. Nos ordenamentos jurídicos onde ainda usam o conceito de guarda, estaríamos perante uma guarda conjunta legal, com uma guarda física partilhada[2]. É nesta diversidade de interpretações nacionais quanto a estes conceitos que surgem confusões quanto, por exemplo, à guarda partilhada e guarda alternada, confusões essas, que muita das vezes são usadas como bloqueio por parte do poder judicial à aceitação desta nova realidade familiar. A discussão atualmente tida no Brasil sobre o conceito de guarda compartilhada demonstra claramente essa confusão (IBDFAM, 2013), agarrando-se ao conservadorismo da doutrina, que demonstra mais o imobilismo caraterístico de vários sistemas judiciais na área da família, do que uma adesão às novas realidades sociais, em particular, quanto às diferentes dinâmicas na construção da parentalidade no pós-divórcio. Ainda que recentemente existam tentativas de esclarecimento do conceito de domicílio[3] em situações da guarda compartilhada na Lei Federal 13.058 (Silva F. S., 2017), a verdade é que a confusão de conceitos, querendo associar a alternância entre residências à alternância da guarda, tem contribuído para um avanço lento das instituições na criação de novas perceções sobre a realidade social. Estas e outras tentativas de esclarecimento têm por base um olhar sobre as práticas parentais pós-divórcio, onde encontrarmos, em particular, uma diversidade nas de coparentalidade que vão desde a conjunta, à igualitária, passando pela paralela (Marinho, 2011). Se o regime regra na regulação do exercício das responsabilidades parentais é o exercício conjunto quanto aos atos de particular importância, ou seja, questões como mudança de residência da criança, mudança de escola que implique a mudança de residência, questões de âmbito religioso, de mudança de escola publica para privada (e vice-versa), entre outras (Rodrigues, 2011), facilmente compreendemos que na prática, mesmo quando estamos perante parentalidades paralelas, com forte autonomia dos ex-cônjuges e fraca coordenação (Leandro, 2008), não se coloca de todo a questão da guarda alternada. Naturalmente, a esmagadora maioria das decisões do quotidiano são tomadas pelo progenitor com quem a criança se encontra naquele momento, mesmo que a comunicação seja reduzida e/ou formal entre eles, como é típico nas parentalidades paralelas de residência única, mas igualmente em situações de residência alternada. Assim sendo, não se entende que se associe a questão dos tempos de convívio e da residência a uma alternância de decisões, pois estaremos sempre na presença das mesmas quanto aos atos de vida corrente. O cumprimento das orientações educativas mais relevantes torna-se sem sentido em situações de residência alternada (e mesmo em residência única), pois, como já foi referido, em função da diversidade de parentalidades, a criança acaba sempre por ter várias orientações educativas, sem que isso levante qualquer problema ao seu desenvolvimento. Aliás, a inclusão deste conceito surge mais como reação às criticas do estabelecimento do regime regra do exercício conjunto, do que de uma necessidade centrada no desenvolvimento da criança. Se olharmos ainda para exercício de atos de particular importância, dificilmente são executáveis sem o consentimento do outro progenitor, até porque envolve geralmente terceiros, seja a escola, uma igreja, um hospital, uma organização desportiva[4].

Resumindo, quando falamos em residência alternada referimo-nos ao exercício conjunto das responsabilidades parentais, com a produção de um quotidiano familiar e social com a criança (Marinho, 2011), onde se incluem a partilha dos tempos, cuidados, orientações educativas e a existência de duas residências[5].

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Isto leva-nos às interpretações doutrinais que têm sido feitas sobre este modelo. Num contexto de resistência ao conceito por parte de alguns magistrados e face à necessidade de as ultrapassar, Helena Bolieiro e António José Fialho[6] (CEJ, 2012), numa formação no Centro de Estudos Judiciais, em 2012, avançam com os seguintes critérios normativos para o estabelecimento do regime de residência alternada:

- O superior interesse da criança

- O acordo dos progenitores

- A disponibilidade manifestada por cada um deles para promover relações habituais do filho com o outro

- A possibilidade de a criança manter uma relação de grande proximidade com ambos os progenitores

- Os acordos que os pais estabeleçam e que permitam amplas oportunidades de contacto e de partilha de responsabilidades entre eles

 

Ao mesmo tempo, apontam para critérios orientadores:

- O superior interesse da criança

- A capacidade de diálogo, entendimento e cooperação por parte dos progenitores

- Um modelo educativo comum ou consenso quanto às suas linhas fundamentais

- A proximidade geográfica

- A opinião e a idade da criança

- A ligação afetiva com ambos os progenitores

- A disponibilidade dos pais para manterem o contacto direto com a criança durante o período de residência que a cada um cabe

- As condições habitacionais e económicas de cada um deles (equivalentes ou suficientes)

Nesta interpretação doutrinal e que acabou por refletir-se em alguma jurisprudência portuguesa, o regime de residência alternada está sujeito a pré-requisitos, que a instituição judicial considera como fundamentais[7] para a criança, decorrente da interpretação do texto da Lei. Assim, este foi o caminho encontrado por alguns magistrados. com responsabilidades de formação para avançarem com a disseminação do conceito, mas sem que tal significasse a aplicação rígida, nas suas práticas, desses mesmos critérios. No entanto, não deixa de ser relevante para a análise, que esta interpretação, que se destinava aos aplicadores do Direito, parte das representações e práticas judiciais de alguns operadores do Direito, onde é assumido o enviesamento das mesmas, colocando o sistema judicial em tensão com realidade social. Deve, no entanto, influir para estas perceções e práticas judiciais, não só as construções e representações sociais estereotipadas dos atores da área do Direito sobre a ideia de família, de relações conjugais e parentais, mas também a evidência empírica e científica, além da orientação normativa já referida. Na medida em que a norma jurídica deixa larga amplitude à decisão casuística quanto ao regime adequado a cada criança em situações de divórcio/separação dos seus progenitores e supondo que a mesma que pretende estabilizar as relações sociais, torna-se necessário fazer chegar aos diferentes atores do Direito a diversidade e dinâmicas das relações familiares em Portugal, ajudando a alterar as perceções e práticas judiciais no sentido da coparentalidade. A relação jurídica familiar enquanto conceito fulcral do Direito de Família (Pinheiro, 2010) não é apenas permeável à realidade social, mas igualmente à ideologia dominante em cada época histórica. “No campo do Direito da Família e das Crianças, a neutralidade legislativa é impossível. A lei reflete sempre ideologias, conceções de vida[8]. O conceito de coparentalidade surge nos 70 e começa a afirmar-se como construto científico nos anos 80, na procura de um campo comum centrado nas necessidades das crianças e resultado do aumento significativo dos divórcios nos E.U.A.. Assim, o próprio conceito de coparentalidade, onde a residência alternada se insere, apesar de refletir novas dinâmicas familiares, não deixa igualmente de pertencer a um sistema de ideias que se vai impondo no sistema judicial. Se o ponto de partida, em face das referidas evidências, deverá ser a residência alternada, não podemos afirmar que tal modelo se aplique a todas as crianças e à sua família.

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Mas porque devemos então considerar a residência alternada como o ponto de partida?

A evidência cientifica dos últimos 30 anos aponta para que sim. No entanto, não devemos cair no erro de entender que este modelo é adequado a todas as crianças e famílias. O que se deve ter em consideração para o superior interesse da criança, é que a distribuição do tempo deve assegurar o envolvimento de ambos os progenitores nas rotinas diárias da criança (e.g., rituais de adormecimento, transições para a escola, atividades de lazer) (Lamb, Sternberg, & Thompson, 1997). Esta consideração deve ter em conta as necessidades de desenvolvimento, o temperamento e as circunstâncias individuais de cada criança, bem como as características únicas de cada família. O que nos leva a referir um instrumento muito útil, os planos parentais, que em Portugal não tem nenhuma tradição, mas é amplamente usado nos países anglo-saxónicos, pois permitem uma adaptação das diferentes formas de convívio às necessidades de desenvolvimento da criança e da sua família, ao longo do tempo. Na Europa, outros países, como a Suécia, já se socorrem deste instrumento, pelo que em Portugal deverá ser objeto de mais interesse.

Mas voltemos à questão dos aspetos positivos e menos positivos da residência alternada. Muitas das resistências a este modelo advêm de um quadro cultural e historicamente determinado, onde se empurra as mulheres para a função exclusiva de cuidadoras, geralmente primárias, ao mesmo tempo que se exige que as mesmas compitam com os homens no espaço público, em igualdade de circunstâncias. E enfrenta, em Portugal, como em outros países, o mito da maternidade[9], onde se estabelece a presunção natural que as crianças com menos de três anos não podem estar afastadas das suas mães. Ora, a ciência mais uma vez vem desmentir esta tese, que é mais ideológica e cultural. Richard Washark, Professor de Psiquiatria Clínica na Universidade de Texas, nos EUA, publicou um relatório subscrito por 110 especialistas reconhecidos nesta área, concluindo que as crianças de idades mais novas (bebés com menos de 4 anos) precisam de pernoitas com ambos os progenitores numa situação de separação (Warshak, 2014). Num comunicado do próprio Warshak este afirma:

Warshak, citando pesquisas aceites dos últimos 45 anos, opõem-se à ideia de que as crianças abaixo dos 4 anos (ou dos 6), precisam de passar o seu tempo exclusivamente com um progenitor e que não conseguem aceitar estar longe desse progenitor, mesmo recebendo afeto e carinho do outro progenitor. Proibições ou avisos contra as crianças e bebés a passarem a noite ao cuidado do seu pai são inconsistentes com o nosso atual conhecimento do desenvolvimento da criança“[10] .

Diz-nos ainda:

“Os bebés e crianças precisam de progenitores que respondam consistentemente, afetivamente e sensitivamente às suas necessidades. Não necessitam, e a maioria não tem, um progenitor a full-time de presença constante. Muitas mães casadas e que são hospedeiras de bordo, doutoras e enfermeiras, trabalham em turnos noturnos que lhes mantêm longe das suas crianças e bebés durante a noite. Tal como estas mães casadas, as mães solteiras não precisam de se preocupar em deixar os seus filhos aos cuidados dos seus pais ou avós durante o dia ou noite.

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As mais promissoras investigações sobre a residência alternada vêem-nos, curiosamente, de um país Europeu, a Suécia. O Centre for CHESS - Health Equity Studies, tem publicado vários artigos dentro da linha de investigação sobre a temática da residência alternada e com dados muito relevantes. De uma forma geral, estes estudos têm demonstrado que as crianças que não convivem habitualmente com um dos progenitores têm mais problemas psicossomáticos que as crianças que vivem em famílias nucleares. No entanto, as crianças em residência alternada, em análise longitudinal, apresentam melhor saúde psicossomática que crianças que apenas convivem com um dos progenitores.

As crianças em residência alternada em comparação com as crianças em residência única (Bergström, Fransson, & Hjern, Barn med växelvis boende, 2015) :

 

Em outra investigação, onde foram medidos o bem-estar subjetivo das crianças, a qualidade familiar e a relação com os pares (para uma amostra de 164.580 crianças entre os 12 e 15 anos) (Bergström, et al., 2013), os resultados demonstraram que as crianças em famílias nucleares apresentavam resultados elevados, resultados médios em residência alternada e resultados baixos em residência única.

Num outro estudo (Bergström, Fransson, Hjern, Köhler, & Wallby, 2014) com uma amostra de 1.297 crianças entre os 4 e 18 anos, 10% em situação de residência alternada (dados de 2011), foram observados nas crianças em famílias nucleares baixos problemas emocionais e de comportamento, bem como baixos problemas entre pares. As crianças em situação de residência alternada apresentavam resultados médios e em residência única, elevados, para os critérios referidos. Também foram observados os progenitores e as conclusões foram no mesmo sentido, com maior satisfação com a saúde, a situação social e económica em famílias com crianças em situação de residência alternada do que em residência única. Nos indicadores quanto a sintomas psicossomáticos e doenças das crianças, em crianças entre os 12 e 15 anos, mais uma vez as residências únicas apresentam piores resultados (Bergström, et al., 2015). Num artigo muito recentemente publicado por este centro, com uma amostra de 5.000 crianças entre os 10 aos 18 anos, foram encontradas as mesmas relações quanto ao modelo de residência quando avaliadas as condições económicas e materiais, as relações sociais entre progenitores e entre pares, saúde e comportamentos de saúde, condições de trabalho e segurança na escola e na comunidade e ainda atividades culturais e de lazer (Fransson, Låftman, Östberg, Hjern, & Bergström, 2017).

Mais surpreendente é um estudo que aponta que as crianças em residência alternada apresentam menores níveis de stress do que as crianças em residência única (Turunen, 2015), contrariando perceções que muitos profissionais da área da infância e juventude têm sobre esta matéria. Não será assim de estranhar que vários estudos demonstram uma elevada taxa de satisfação daqueles que viveram em residência alternada (acima dos 90%) e um número igualmente elevado de estudantes que afirma que seria do seu melhor interesse ter convivido mais com o seu pai (Nielsen, 2011).

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Poderíamos continuar a enunciar centenas de estudos científicos, revistos pelos pares e com credibilidade académica, que atestam a necessidade incontornável de se considerar a residência alternada em Portugal como uma das melhores hipóteses para as crianças cujos progenitores se separaram ou divorciaram. No entanto, seria demasiado exaustivo e nesta pequena amostra do estado da arte sobre esta matéria, ficou evidente que as críticas que são apresentadas em Portugal têm pouco fundamento ou são deliberadamente enviesadas com o objetivo de cumprir uma agenda ideológica, em contra corrente com a realidade social objetiva.

 

Em conclusão, tendo em conta o exposto, que a literatura internacional demonstra que o divórcio em si não trás, per si, consequências negativas para as crianças. As experiências negativas de divórcio é que colocam a criança em situação de vulnerabilidade. O mesmo será dizer que qualquer regime de residência será necessariamente negativo se prevalecer a longo prazo as situações de conflito parental. Fica claro, assim, que o caminho da residência única como modelo de proteção da criança é um modelo falhado e aqueles/as que insistem nele estão a condenar as crianças a uma maior violência do que daquela que dizem que as querem proteger. Se a residência alternada não protege totalmente as crianças das situações de conflito parental ou violência familiar, a verdade é que se apresenta, como se expôs, como o melhor ponto de partida para atenuar essa realidade. Mas também não será correto afirmar que toda esta evidência científica deva ser usada para fundamentar este modelo para situações onde estamos perante progenitores negligentes, não responsivos, abusivos ou progenitores que deliberadamente não tiveram qualquer convivência com a criança antes da separação (retirando daqui as situações de alienação parental ou falta de convivência por motivos profissionais e outros). Assim, não podemos ter posições extremadas, idealizando as relações familiares pós-divórcio, como se elas, na realidade, não sejam pautadas por ausência de amizade entre os progenitores, com algum conflito e mesmo falta de cooperação entre os progenitores. Esta é a realidade mais comum e em função dela devemos olhar para as melhores práticas parentais e apontar o caminho da coparentalidade.

Ficou igualmente evidente que as pernoitas de bebés em situação de residência alternada não apresentam resultados negativos para estes e são fundamentais para o estabelecimento de vinculações seguras com ambos os progenitores. Naturalmente, o modelo de residência alternada para crianças pequenas tem que ser adaptado em função do seu desenvolvimento, Ou seja, quando mais pequenas as crianças são, menos tempo de separação devem ter de cada um dos progenitores, devendo o tempo de convívio ir sendo alargado à medida que vão crescendo.

Em face desta conclusão, é necessário ouvirmos mais, não só as crianças, mas a família da criança, perceber as suas dinâmicas presentes e futuras. Contribuir, na medida do possível, para rearranjos familiares que melhor beneficiem a criança. Porque a realidade social está aí para demonstrar tudo isto que aqui falamos…

 

Ricardo Simões

Março 2017

Presidente da Direção da Associação Portuguesa para a Igualdade Parental e Direito dos Filhos

 

 

Referências

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Bergström, M., Fransson, E., & Hjern, A. (2015). Barn med växelvis boende. Centre for Health Equity-Studies, pp. 71-81. Obtido de http://www.chess.su.se/polopoly_fs/1.261599.1450340833!/menu/standard/file/Barn%20i%20va%CC%88xelvis%20boende%20-%20en%20forskningso%CC%88versikt.pdf

Bergström, M., Fransson, E., Hjern, A., Köhler, L., & Wallby, T. (2014). Mental health in Swedish children living in joint physical custody and their parents' life satisfaction: a cross-sectional study. Scandinavian Journal of Psycholog, 55, pp. 433–439. Obtido de https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/25040954

Bergström, M., Fransson, E., Modin, B., Berlin, M., Gustafsson, P., & Hjern, A. (2015). Fifty moves a year: is there an association between joint physical custody and psychosomatic problems in children? J Epidemiol Community. Obtido de http://jech.bmj.com/content/jech/early/2015/04/09/jech-2014-205058.full.pdf

Bergström, M., Modin, B., Fransson, E., Rajmil, L., Berli, M., Gustafsson, P., & Hjern, A. (2013). Living in two homes-a Swedish national survey of wellbeing in 12 and 15 year olds with joint physical custody. BMC Public Health. Obtido de http://bmcpublichealth.biomedcentral.com/articles/10.1186/1471-2458-13-868

CEJ. (1 de junho de 2012). Novos modelos e tendências na regulação do exercício das responsabilidades parentais – a residência alternada. Obtido de Centro de Estudos Judiciários: https://elearning.cej.mj.pt/course/view.php?id=28

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Fransson, E., Låftman, S., Östberg, V., Hjern, A., & Bergström, M. (17 de janeiro de 2017). The Living Conditions of Children with Shared Residence – the Swedish Example. Child Indicators Research, pp. 1-23. Obtido de https://link.springer.com/article/10.1007/s12187-017-9443-1

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Warshak, R. A. (fevereiro de 2014). Social science and parenting plans for young children: A consensus report. Psychology, Public Policy, and Law, 20, pp. 46-67.

 

 

[1] À altura os conceitos de Poder Paternal e de guarda estavam no ordenamento jurídico, sendo retirados (ainda que não totalmente) do mesmo após as alterações de 2008 na área do Direito de Família e das Crianças.

[2] Note-se que o conceito de guarda está associado a uma das situações jurídicas do Poder Paternal.

[3] Que difere de residência, quer no Brasil, quer em Portugal. O domicilio é o local onde a pessoa física possui habitualmente o seu local principal de residência ou exerce a sua atividade profissional, nos quais, exerce os seus direitos e obrigações. Assim, nada impede que possamos ter duas residências, pois habitualmente podemos residir alternadamente em duas habitações. A questão do domicílio torna-se assim como algo secundário, mas, no entanto, mantém-se em alguns países como justificação jurisprudencial e doutrinal para rejeitar a residência alternada. No entanto, Joaquim Manuel Silva esclarece-nos quanto à questão da residência(s) da criança e a sua admissibilidade legal, jurisprudencial e doutrinal (Silva J. M., 2016), pelo que não nos vamos deter mais com esta questão.

[4] Com isto não se pode ignorar os incumprimentos quanto à consulta e decisão conjunta de atos de particular importância, mas que, no entanto, aconteceriam sempre em qualquer regime de residência e convívios.

[5] E correspondente “circulação de práticas parentais e bens da criança” (Marinho, 2011).

[6] Juízes de Direito

[7] No seu “superior interesse

[8] Pinheiro, J. D. (2013). Ideologias e ilusões no regime jurídico do divórcio e das responsabilidades parentais. Em A. J. Fialho, Guia Prático do Divórcio e Responsabilidades Parentais. Lisboa: Centro de Estudos Judiciários. Obtido de http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/GuiaDivorcioRespParent/anexos/anexo26.pdf

[9] Sobre esta ideia vide Badinter, E. (1985). Um amor conquistado: o mito do amor materno. Rio de Janeiro, Nova Fronteira.

[10] Warshak, R. (2014). Press-Release: Experts Agree: Infants and Toddlers Need Overnight Care from Both Parents After their Separation, Dallas.

Alimentos após os 18 anos do filho

Alimentos após os 18 anos do filho

Desde 1 de outubro de 2015, com a entrada em vigor da Lei n.º 122/2015, de 1 de setembro, que a obrigação de pagamento de pensão de alimentos a filhos se mantém após os 18 anos e até que estes completem a sua formação profissional, sendo agora o limite de idade os 25 anos.

Com efeito, a referida Lei n.º 122/2015, de 1 de setembro, aditou um número 2 ao artigo 1905.º do Código Civil, cuja redação é a seguinte:

Para efeitos do disposto no artigo 1880.º, entende-se que se mantém para depois da maioridade, e até que o filho complete 25 anos de idade, a pensão fixada em seu benefício durante a menoridade, salvo se o respetivo processo de educação ou formação profissional estiver concluído antes daquela data, se tiver sido livremente interrompido ou ainda se, em qualquer caso, o obrigado à prestação de alimentos fizer prova da irrazoabilidade da sua exigência.”.

O aditamento deste n.º 2 ao artigo 1905.º do Código Civil teve em conta a necessidade de adaptação à realidade atual, na medida em que, nos dias de hoje, se mostra necessária uma maior formação académica para que se possa obter colocação no mercado de trabalho, o que implica que se prolongue no tempo o período durante o qual os filhos se vêm, por regra, na dependência económica dos pais, apresentando-se como desajustado à realidade o anterior regime legal, em que a pensão de alimentos cessava aos 18 anos de idade.

Acresce ainda que a necessidade de ser o filho, entretanto maior, mas apenas com 18 anos, a intentar uma ação judicial contra o progenitor obrigado a alimentos, por forma a que ficasse judicialmente consagrada a obrigação deste continuar a pagar alimentos, representava um grande constrangimento, quando não um verdadeiro impedimento à efetivação do reconhecimento judicial da obrigação de pagamento de pensão de alimentos após os 18 anos.

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Com o aditamento do n.º 2 do artigo 1905.º do Código Civil, que acima transcrevemos, fica dispensada a necessidade desta ação, mantendo-se a obrigação de prestação de alimentos, fixada na menoridade, até aos 25 anos.

Esta alteração de regime, para além da inovação já mencionada, tem ainda reflexos processuais em matéria de ónus de prova, ou seja, anteriormente, cabia ao filho maior, que intentava a ação judicial contra o progenitor alegar e provar que continuava ainda a sua formação profissional, necessitando, por isso, de alimentos.

Atualmente, o filho maior fica desobrigado da propositura da ação e do ónus de prova, sendo agora o progenitor obrigado a alimentos que terá que intentar uma ação, alegando e provando, que não se encontram preenchidos os pressupostos para a manutenção da obrigação de alimentos.

Assim, o progenitor de filho maior de 18 anos, que não pretenda continuar a pagar pensão de alimentos, deverá alegar e provar que:

- o processo de educação ou formação profissional está concluído ou que,

- o processo de educação ou formação profissional foi, pelo filho, livremente interrompido ou que,

- independentemente da conclusão, ou não, do processo de formação profissional do filho, a exigência da continuação do pagamento da pensão de alimentos é irrazoável.

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A Lei n.º 122/2015, de 1 de setembro previu ainda, que o progenitor que assume, a título principal, o pagamento das despesas de filhos maiores de 18 anos, que se encontram ainda em processo de formação profissional, não sendo, por isso, autónomos no que ao seu sustento respeita, pode exigir, ao outro progenitor, a contribuição para o pagamento das despesas de sustento e educação daqueles.

Em conclusão, se anteriormente à Lei n.º 122/2015, de 1 de setembro, após os 18 anos do filho, a única forma de este manter a pensão de alimentos, seria através de uma ação judicial por si intentada contra o progenitor obrigado a alimentos, atualmente resulta da lei essa obrigação, ou seja, relativamente a todos aqueles que atingiam a maioridade, após 1 de outubro de 2015, continuará a ser devida pensão de alimentos, até que atinjam 25 anos ou completem ou interrompam o seu processo de formação profissional.

Para aqueles que perfizeram 18 anos antes de 1 de outubro de 2015, que continuam a sua formação profissional e não atingiram ainda os 25 anos de idade e o progenitor obrigado a alimentos durante a menoridade deixou de pagar pensão de alimentos, após o filho ter feito 18 anos, abrem-se dois caminhos:

- ou o progenitor que assume, a título principal, o pagamento das despesas do filho exige ao outro a contribuição para essas mesmas despesas, através de uma providência tutelar cível, a correr por apenso ao processo de regulação das responsabilidades parentais que tenha existido (ou que será distribuída autonomamente, se não tiver havido processo de regulação das responsabilidade parentais) ou,

- o filho, agora maior de 18 anos, intenta uma ação executiva especial por prestação de alimentos, sendo o título executivo o acordo homologado ou a sentença que fixou a pensão de alimentos na menoridade.