Da Mediação Familiar e da Justiça para uma parentalidade tranquila

Da Mediação Familiar e da Justiça para uma parentalidade tranquila

 

Simão e Joana são pais de Francisco de seis anos de idade. No correr dos dias atribulados, Simão e Joana não se querem mais na mesma casa, na mesma mesa, no mesmo leito.

Separam-se e ameaçam-se reciprocamente de não mais verem o filho.

Simão deu entrada, no tribunal, de uma acção de regulação do exercício das responsabilidades parentais.

Algum tempo depois são chamados a uma Conferência de Pais onde ambos manifestaram a vontade inabalável de ficarem com Francisco na sua residência. O juiz fixa um regime provisório em que a criança permanece junto do pai e convive com a mãe em datas definidas. É solicitada a intervenção da Audição Técnica Especializada.

Convocada nova conferência de pais, tudo permaneceu na mesma, com Simão e Joana ainda mais zangados, de olhares quase fulminantes. Conhecem já a posição processual de cada um, conhecem o campo de batalha, só não conhecem todas as armas.

São elaborados os relatórios sociais com vista à marcação de julgamento e quase um ano e meio depois do início da acção judicial, chegamos ao dia de produzir prova sobre qual dos dois pais proporciona um quotidiano mais favorável à satisfação das necessidades do Francisco.

Ah…..por falar em Francisco, por onde tem andado ele neste longuíssimo entretanto? Sem dúvida, a circular entre pai e mãe zangados, cada vez mais zangados com o que tudo isso deixa transparecer para uma criança que, agora, já fez sete anos.

Decorreu o julgamento, extenso como se previa. Requerimentos e mais requerimentos, alegações que notoriamente indiciavam a manutenção da residência de Francisco com o pai.

No fim-de-semana seguinte, como de costume o pai faz 100 kms para levar o filho à mãe. A mãe não comparece no local de sempre.

Aguardam.

Nada.

Regressam.

O pai envia uma sms e a resposta chega: “Fica com ele. É teu, agora é todo teu.”

E de novo o Francisco, do alto dos seus sete anos, um menino grande que tem de se portar bem, como tantas vezes ouve, o que sentirá ele?

Teria de ser assim? Terá de ser assim tantas vezes? Somos capazes de ouvir em coro uníssono “não, nunca devia ser”, seguido da conformação “mas não temos alternativa”.

Temos sim, temos outras atitudes e outros caminhos possíveis. Vim aqui para vos deixar a dica do que há muito defendo como um outro caminho a trilhar para alcançar a paz social, enquanto fim último da justiça. Um caminho que permite poupar energias emocionais, poupar tempo e preservar afectos.

A Mediação é hoje um meio de resolução de conflitos, previsto e regulamentado na lei portuguesa. A pertença a uma união europeia assim o recomendou e assim o impôs. Confrontados com a existência de um conflito familiar, temos todos a possibilidade de escolher a mediação para através dela alcançarmos a solução mais adequada e mais justa no caso concreto.

Perante uma questão controvertida, dispomos de duas vias, o que é apanágio de sociedades ditas desenvolvidas. Entregamos o assunto ao tribunal para decidir de acordo com a convicção que vier a formar, ou pomos mãos à obra e construímos nós próprios a solução à medida da nossa realidade familiar. Nesse percurso devemos contar com a ajuda de um profissional devidamente qualificado, escolhendo um mediador do sistema público, ou um mediador privado, mas em qualquer dos casos inscrito nas listagens que se encontram disponíveis no site da Direcção Geral da Politica de Justiça, já que estes respondem a requisitos de formação reconhecida pelo próprio Ministério da Justiça.

O processo de mediação familiar desenvolve-se, então, num espaço profissional e acolhedor, onde todos os intervenientes são tratados de igual forma, onde têm igual oportunidade de falar das suas emoções, dos seus interesses e das suas necessidades e onde o mediador não formula juízos de valor, simplesmente legitima as partes enquanto pessoas que vivenciam dificuldades para as quais estão interessadas em encontrar uma solução exequível. Uma solução que não dê lugar a sucessivos incumprimentos e porque os próprios são os obreiros da sua resposta, sentem-se muito mais predispostos ao cumprimento do que numa qualquer solução que lhes seja imposta.

Cabe aqui referir que a mediação não é panaceia para todos os males. Ao longo dos mais de vinte anos que dedico à prática, ao estudo e ao ensino do tema sou com frequência questionada sobre tal, e a resposta inevitável é a de que nem todos cabemos nos mesmos fatos, nem todos respondemos de igual forma à mesma medicação. Porque haveriam os conflitos de caber todos na mesma forma de resolução e aí obter respostas eficazes? É com a diversidade de caminhos e de abordagens disponibilizadas ao cidadão, que se enriquece uma sociedade que aspira alcançar um elevado índice de paz social, mas um facto é certo, quanto mais precoce for o recurso à mediação maior a probabilidade de se conseguir trabalhar a comunicação das pessoas desavindas e como consequência alcançar um acordo satisfatório para os seus destinatários. Antes de conhecerem o campo de batalha deveriam conhecer a mesa da negociação assistida.

Uma última referência, que se julga da maior pertinência para o tema em reflexão, é a da ligação da mediação a outras actividades profissionais com intervenção nestas matérias. Falamos de magistrados, advogados e psicólogos, chamados à colação em direito da família. É urgente a aceitação, o respeito e a interligação entre todos. Cada um tem um papel diferente, mas complementar no apoio às famílias.

Para que todos os Franciscos saiam do centro do conflito dos pais e permaneçam no centro da sua cooperação, na nobre tarefa da parentalidade.

Anabela Quintanilha

Mestre em Direito com especialização em Justiça Alternativa, advogada, mediadora familiar e formadora

 

 

 

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As deslocações da criança ao estrangeiro com um dos pais e a desnecessidade de autorização do outro

As deslocações da criança ao estrangeiro com um dos pais e a desnecessidade de autorização do outro

 

Por hábito, quando uma criança se desloca ao estrangeiro, acompanhada apenas de um dos progenitores, aquele que se desloca com a criança, considera que tem que se fazer acompanhar de uma autorização escrita do outro.

Ora, tal não corresponde a uma exigência legal, conforme resulta do artigo 23º, do Decreto-lei n.º 83/2000 de 11 de maio, na redação introduzida pelo Decreto-lei nº 138/2006 de 26 de julho.

É a seguinte a previsão deste artigo 23º:

«1 - Os menores, quando não forem acompanhados por quem exerça o poder paternal, só podem sair do território nacional exibindo autorização para o efeito.

2 - A autorização a que se refere o número anterior deve constar de documento escrito, datado e com a assinatura de quem exerce o poder paternal legalmente certificada, conferindo ainda poderes de acompanhamento por parte de terceiros, devidamente identificados.

3 - A autorização pode ser utilizada um número ilimitado de vezes dentro do prazo de validade que o documento mencionar, a qual, no entanto, não poderá exceder o período de um ano civil.

4 - Se não for mencionado outro prazo, a autorização é válida por seis meses, contados da respetiva data.»

Da leitura do n.º 1 deste artigo resulta que, quando um pai, que exerça as responsabilidades parentais, pretenda viajar com a criança, não necessita de obter qualquer autorização do outro, para o efeito.

No entanto, e em termos práticos, esta autorização escrita acaba por ser necessária na medida em que as transportadoras aéreas têm, como regra, a exigência de tal autorização.

Assim sendo: «… se a transportadora aérea exige uma autorização da progenitora à margem da lei o apelante deve reagir na sede própria, que não é, seguramente, o Tribunal de Família e Menores.» (cfr, acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 11 de outubro de 2017, em www.dgsi.pt).

 

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A hipoteca legal como garantia da obrigação alimentar do menor

A hipoteca legal como garantia da obrigação de alimentos do menor

 

Conforme resulta do artigo 704º do Código Civil, as hipotecas legais são as que resultam imediatamente da lei não dependendo, a sua constituição, da vontade do titular do bem hipotecado.

De entre o conjunto de credores que têm hipoteca legal sobressai o credor de alimentos (artigo 705º, alínea d), do Código Civil).

No que respeita à abrangência das hipotecas legais, conforme resulta do artigo 708º do Código Civil, estas podem incidir sobre quaisquer bens do devedor.

Aos pais dos menores compete representar os filhos, compreendendo-se neste poder de representação o exercício de todos os direitos do menor (artigo 1881º do Código Civil).

Assim sendo, um progenitor, enquanto representante do menor, tem legitimidade para requerer o registo de uma hipoteca legal a favor do filho.

Com efeito, conforme resulta do artigo 706º, nº 2, do Código Civil, têm legitimidade para requerer o registo, entre outros, o administrador legal.

Assim, a incapacidade do menor é suprida pelo poder paternal.

O pedido de registo da hipoteca legal deve ser instruído com certidão da sentença judicial na qual é fixado o valor e a periodicidade dos alimentos a pagar ao menor.

Aquando do pedido do registo de hipoteca legal deve ser indicado o valor da hipoteca estabelecida a favor do menor para efeito do registo, devendo tal valor ser também indicado pelo progenitor que requer o registo da hipoteca legal, na medida em que, também aqui, atua em representação do menor, conforme resulta do já mencionado artigo 1881º do Código Civil.

 

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Extensão do exercício das responsabilidades parentais

Extensão do exercício das responsabilidades parentais

 

A possibilidade de estender o exercício das responsabilidades parentais a terceiros que não os progenitores, encontra-se prevista nos artigos 1903.º, 1904.º e 1904º-A do Código Civil, sendo que os dois primeiros foram reformulados com a entrada em vigor da Lei 137/2015 de 7 de setembro, a qual introduziu também o artigo 1904º-A.

A ordem pela qual, em caso de impedimento de um dos progenitores da criança, decretado pelo Tribunal, poderão terceiros ser chamados, em caso de impedimento do progenitor não previamente impedido, a exercer as responsabilidades parentais de uma criança, está prevista no artigo 1903º do Código Civil figurando, em primeiro lugar, o cônjuge ou a pessoa que viva com qualquer um dos pais da criança e, apenas em segundo lugar, alguém da família de qualquer um dos pais da criança.

Desta nova redação resulta que se pretendeu dar uma importância ao cônjuge ou pessoa com quem o progenitor vive que, anteriormente não tinha, sendo que esta nova importância está diretamente relacionada com o facto de através do convívio se estabelecerem laços com a criança que poderão colocar o cônjuge ou a pessoa com quem o progenitor vive, em melhores condições de exercer as responsabilidades parentais de uma criança que, por exemplo, uns avós que não terão uma relação de dia-a-dia com a criança.

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Já se estivermos perante uma situação de morte de um dos progenitores, em que, por impedimento do progenitor sobrevivo, a quem, nos termos do nº 1 do artigo 1904º do Código Civil, caberia o exercido das responsabilidades parentais, este progenitor não possa exercer as mesmas, o nº 2 do artigo 1904º do Código Civil, mantém a ordem de preferência estabelecida no artigo 1903º, ou seja, em primeiro lugar o cônjuge ou pessoa que viva com qualquer um dos pais e, apenas em segundo lugar, alguém da família de qualquer um dos pais. Nestas situações, contudo, deverá ainda ter-se em consideração a eventual designação de tutor, efetuada em testamento, pelo progenitor falecido, a qual deverá, dentro do possível, ser respeitada.

Já para situações em que, a filiação da criança, apenas se encontra estabelecida quanto a um dos progenitores, como por exemplo nos casos de adoções singulares ou - mais raros – em que não foi possível estabelecer uma relação de paternidade, aplica-se o artigo 1904º-A do Código Civil cujo número 1, dispõe que:

«Quando a filiação se encontre estabelecida apenas quanto a um dos pais, as responsabilidades parentais podem ser também atribuídas, por decisão judicial, ao cônjuge ou unido de facto deste, exercendo-as, neste caso, em conjunto com o progenitor

O conteúdo dos mencionados artigos traduz também, a evolução que, o conceito de família tem vindo a sofrer aos longo dos anos, passando a valorizar-se, tanto social como legalmente, o afeto resultante das relações estabelecidas entre a criança e os cônjuges e/ou companheiros do progenitor.

Deixando assim a família de ser entendida apenas como o conjunto de pessoas que estão ligadas entre si por laços biológicos, para passar a incluir-se, no conceito de família, também as pessoas que entre si estabelecem laços afetivos relevantes, resultantes de relações de amparo psicológico, financeiro, emocional, etc, nas quais se incluem as relações com as crianças.

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A nova redação dada pela Lei 137/2015, de 7 de setembro, aos artigos 1903º, 1904.º e o conteúdo do novo artigo 1904º-A do Código Civil, remete-nos para o conceito de paternidade sócio-afetiva, na medida em que, em causa, estão situações que, na sua base têm o afeto estabelecido entre uma criança e alguém que, com a mesma não tem qualquer relação biológica mas que, ao nível do exercício da parentalidade de facto age como se tal relação existisse, comportando-se como Pai, ou como Mãe da criança.

Concretamente, quanto ao artigo 1904ºA do Código Civil, veio permitir-se que, em determinadas circunstâncias – e, sempre que apenas exista o estabelecimento de filiação quanto a um progenitor -, seja criado um vínculo que não sendo de filiação é-lhe equiparável em termos de exercício de responsabilidades parentais conjuntamente com o progenitor com filiação estabelecida, sendo o estabelecimento deste vinculo decorrente de uma prévia relação de afeto estabelecida com a criança.

Este vínculo decorrente do afeto, após decisão judicial que o decrete, passa a ser vigente na ordem jurídica sendo equiparado ao vínculo decorrente de uma relação biológica, da qual resultam os mesmos direitos e deveres.

A decisão judicial que dá corpo à relação de afeto entre a criança e o terceiro que passará a ser titular do exercício das responsabilidades parentais terá que, como qualquer decisão relativa a uma criança proferida por um Tribunal, ser sempre norteada pelo superior interesse da criança, a qual, nos termos da lei, terá que se ouvida, devendo o tribunal, sempre que possível, estar suportado, sempre que possível, pela opinião de pedopsiquiatras, psicólogos e assistentes sociais, em face da delicadeza e complexidade da decisão que é chamado a tomar.

Com efeito, o impacto que o estabelecimento de uma filiação baseada no afeto, tem na vida da criança em relação à qual tal situação se verifica, impõe um exercício probatório consistente, nomeadamente, quanto ao nível de relação afetiva desenvolvida entre a criança e a madrasta ou padrasto o que implica, por exemplo, uma averiguação da real capacidade deste, enquanto futuro titular das responsabilidades parentais da criança em respeitar e promover a manutenção da relação desta com a família biológica do progenitor em relação a quem se encontra estabelecida a filiação, na medida em que a regra é a de que a manutenção de tais relações salvaguardará o superior interesse da criança.

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O campo de aplicação destes normativos é muito sensível e se a verdade é que se pode verificar o cuidado de adaptar a legislação vigente à evolução da família do ponto de vista social, também não é menos verdade que aplicar, em termos práticos, os conceitos de família legal e de família afetiva, nos termos dos normativos em causa, corresponde a um exercício do Direito que se exige de suma prudência tomando em conta que antes de tudo e, acima de tudo, importa respeitar os direitos da criança.

As alterações legislativas operadas ainda são muito recentes, pelo que não permitem a ponderação dos efeitos que uma decisão judicial proferida, por exemplo, nos termos do artigo 1904-ºA n.º 1 do Código Civil terá na vida da criança em causa e no círculo global das relações afetivas desta, seja com a sua família biológica, seja com a sua família afetiva.

Caberá, por isso, aos tribunais escrever a história judiciária do sucesso das finalidades que estes artigos tiveram em vista salvaguardar devendo o legislador estar e ser atento ao curso dos processos e aos desfechos judiciais, já prolongados no tempo para que, sempre, se mantenha a salvaguarda do superior interesse da criança.

 

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