A indignidade sucessória e a deserdação

A indignidade sucessória e a deserdação

 

A indignidade sucessória e a deserdação, embora tenham consequências idênticas, são institutos jurídicos que não se confundem e que têm aplicação em situações distintas.

A indignidade sucessória traduz-se na falta de capacidade para suceder numa herança, ou seja, aquele que, de acordo com a lei - ou o testamento - seria herdeiro (ou legatário), não o poderá ser por indignidade.

Para que alguém perca a capacidade sucessória, por indignidade, terá sempre que existir uma sentença que decrete a referida indignidade sucessória, a qual deverá ser proferida em ação a intentar pelos restantes herdeiros ou, se não os houver, pelo Ministério Público. A indignidade sucessória poderá, também, ser decretada na sentença penal que condene pela prática do crime que determina a indignidade.

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No artigo 2034º do Código Civil, estão elencadas as situações em que a se verifica a perda de capacidade sucessória, por indignidade.

Assim, nos termos da lei portuguesa, carece de capacidade sucessória por indignidade:

quem for condenado, seja como autor, seja como cúmplice, do crime de homicídio doloso (mesmo que não consumado) do autor da sucessão, do cônjuge deste, de seu descendente, ascendente, adotante ou adotado;

quem for condenado, por denúncia caluniosa ou por falso testemunho, também contra o autor da sucessão, o seu cônjuge, seu descendente, ascendente, adotante ou adotado, relativamente a crime a que corresponda uma pena de prisão superior a dois anos, qualquer que seja a natureza do crime;

quem através de dolo ou coação, tenha induzido o autor da sucessão a fazer, revogar ou modificar testamento ou que tenha impedido o autor da sucessão de fazer, revogar ou modificar testamento;

quem de forma dolosa tenha subtraído, ocultado, inutilizado, falsificado ou suprimido testamento, seja antes seja depois da morte do autor da sucessão ou se tenha aproveitado de algum destes factos.

A indignidade sucessória poderá afetar qualquer tipo de sucessível, seja qual for o tipo de sucessão em causa – legitima ou legitimária.

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Já a deserdação, apenas poderá afetar os sucessíveis legitimários (cônjuges, descendente e ascendentes) sendo que tem como consequência a equiparação do sucessível deserdado ao indigno, significando tal que o sucessor deserdado – tal como o sucessor considerado indigno – é equiparado ao possuidor de má-fé no que respeita a bens que integrem a herança.

Para que um sucessível legitimário possa ser deserdado, tal terá que constar expressamente de testamento no qual, com expressa identificação da causa, o autor do testamento, declare pretender que o herdeiro não tenha direito à legítima.

Poderão justificar a deserdação as seguintes situação, previstas no artigo 2166º do Código Civil:

- a condenação do herdeiro, por um crime doloso, a que corresponde pena de prisão superior a seis meses, cometido contra a pessoa, bens ou honra, seja do autor da sucessão, seja do cônjuge deste, algum descente, ascendente, adotante ou adotado;

- a condenação do herdeiro, por um crime de denúncia caluniosa, cometido seja contra o autor da sucessão, seja contra o cônjuge deste, algum descente, ascendente, adotante ou adotado;

- recusa de alimentos, ao autor da sucessão ou ao cônjuge deste, por parte do herdeiro e sem causa que o justifique.

O sucessível legitimário que tenha sido deserdado poderá, no prazo de dois anos após a abertura do testamento, propor uma ação com vista a demostrar a inexistência da causa invocada para a sua deserdação e assim, manter o seu direito à legítima.

 

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A realização de declarações para memória futura no caso de crianças vítimas de abuso sexual

A realização de declarações para memória futura no caso de crianças vítimas de abuso sexual

 

A entrevista com a criança deve ocorrer o mais rápido possível após os fatos serem comunicados às autoridades competentes, em instalações concebidas ou adaptadas para este fim e deve ser realizada por profissionais qualificados para o efeito; todas as entrevistas devem ser gravadas em vídeo e essas gravações podem ser aceites como prova durante a fase de julgamento”.

Convenção do Conselho da Europa 1 para a Proteção das Crianças contra a Exploração Sexual e os Abusos Sexuais (art.35 º).

Margarida Sequeira Santos.

 

 

No âmbito da inquirição de Declarações para Memória Futura (doravante, designadas abreviadamente por DMF), de acordo com o previsto no art.º 271.º do Código de Processo Penal, as crianças vítimas de abuso sexual são sempre ouvidas perante um juiz de instrução, em sede de inquérito, para que o depoimento prestado possa, se necessário, ser tomado em conta no julgamento. Um estudo recentemente divulgado2, da autoria de Carlos Eduardo Peixoto, vem apontar algumas fragilidades à realização deste tipo de inquirição no contexto do sistema judicial português, e coloca em evidência que a natureza das questões é capaz de influenciar a exatidão das informações transmitidas.

 

Segundo dados deste estudo, na realização das DMF a crianças vítimas de abuso sexual a colocação de perguntas designadas “option-posing” (aquelas que focalizam determinados aspetos, ainda não mencionados pela criança, e que obrigam necessariamente a respostas como "sim/não" ou de escolha forçada – por exemplo, "ele tocou no teu corpo?" ou "isso aconteceu antes ou depois da escola?") parecem caracterizar a abordagem adotada pelos profissionais de direito. O seu uso excessivo indica que este tipo de questões funciona como meio de confirmação/validação das provas existentes, a que os juízes têm acesso previamente, e não propriamente como um método de investigação. Segundo as orientações profissionais a nível mundial, só deveriam ser utilizadas para obter detalhes cruciais numa fase final da inquirição. Ao invés, são dadas poucas oportunidades às crianças de responder a solicitações de natureza aberta, perguntas designadas “invitation”, (por exemplo, "diz o que aconteceu" ou "conta tudo sobre..."), as quais são, normalmente, utilizadas por psicólogos, cuja participação nas DMF apresenta uma expressão reduzida.

Este método de inquirição afeta, de forma negativa, quer a qualidade, quer a quantidade da informação que é recolhida. Por um lado, devido ao seu carácter extremamente rígido, não permite obter uma resposta que narre uma história completa e detalhada e, aliás, encoraja as crianças a aceitar e validar evidências, o que, consequentemente, gera falta de precisão nos detalhes e põe em causa a consistência e credibilidade dos relatos das crianças. Segundo o autor deste estudo existem provas consideráveis de que o uso deste tipo de perguntas possa aumentar as taxas de erro e de contradição, assim como, ao sinalizar os interesses ou expetativas de quem está a inquirir, aumente também os riscos de aquiescência, sugestibilidade e tendência confirmatória. Por outro lado, ao impedir que a criança aceda, de forma livre, a recordações da sua memória, limita a quantidade de informação relevante que é capaz de transmitir.

Deve-se, por isso, dar primazia à utilização de questões abertas, através das quais se entende que é possível extrair relatos elaborados, provavelmente mais precisos e ricamente detalhados, de maneira espontânea, dando oportunidade às crianças de se expressarem fazendo uso das suas próprias palavras; pois só desta forma, a informação obtida será mais aproximada da realidade.

Outra questão de extrema importância destacada por este estudo, prende-se com o fato de a competência para inquirir no âmbito deste procedimento estar legalmente atribuída aos juízes de instrução (não obstante ser admitida a formulação de perguntas adicionais por procuradores do Ministério Público e Advogados), a quem muitas vezes falta formação especializada para inquirir crianças abusadas sexualmente. E, nesta sede, os psicólogos não desempenham um papel ativo, nem existe na lei qualquer especificação quanto ao seu nível de envolvimento, pelo que, tipicamente, apenas explicam às crianças o procedimento, a importância de prestar DMF e ajudam a gerir o seu stress emocional (por exemplo, indicando ao juiz que a criança precisa de uma pausa).

Considerando que está em causa a averiguação de fatos (a existência ou não de abuso sexual de menores) que exigem especiais conhecimentos no domínio da psicologia, que os juízes, em virtude da sua formação académica, não possuem naturalmente, seria, a meu ver, adequado equacionar a possibilidade de as inquirições serem conduzidas por técnicos especializados, numa estreita cooperação interdisciplinar entre a justiça e a psicologia. E isto porque, um juiz pode direcionar excessivamente o inquérito, no entanto, ao psicólogo pode faltar a sensibilidade para os elementos juridicamente relevantes, essenciais à tomada de decisão. Neste sentido, foi implementado na Comarca do Porto, pelo autor deste estudo, um novo método segundo o qual os menores são entrevistados por um psicólogo forense, numa sala com vidro unidirecional, onde estão presentes o juiz de instrução, o procurador do Ministério Público e os advogados, sem que a vítima os consiga ver.

Esta investigação aponta também que em Portugal, a inquirição de crianças, alegadamente vítimas de abuso, não é orientada por instruções operacionais específicas. Não existe um procedimento cientificamente validado orientador da inquirição nem sequer a aplicação de qualquer tipo de avaliação sobre os métodos existentes, o que deixa margem para que cada profissional faça a abordagem que, de acordo com a sua sensibilidade e experiência, considerar conveniente.

Além disso, na maioria dos casos, ocorrem sucessivos momentos de inquirição, numa média de oito vezes, por diferentes tipos de profissionais, durante os quais é solicitado à criança que relate o que aconteceu. Esta prática contraria a intenção do legislador quando redigiu a norma do art.º 271.º do Código de Processo Penal, da qual se depreende que o procedimento de DMF foi pensado e formulado para ser o primeiro e único contato das crianças com sistema judicial. Existe na lei uma intencionalidade protetiva (que parece ser ignorada na prática), a qual pretende evitar que as crianças, atendendo à sua posição de maior fragilidade, sejam chamadas a relatar fatos traumatizantes mais do que uma vez, e que, deste modo, passem por situações de reexperiênciação, emocionalmente desgastantes, tendo em conta que uma vez gravadas, as declarações podem servir como meio de prova em julgamento.

Por fim, outro aspeto de destaque prende-se com a demora na realização das DMF, sendo que, em média, segundo dados deste estudo, decorrem cerca de 28 meses entre a ocorrência do evento abusivo e a realização das DMF. E, mais uma vez, a intencionalidade protetiva do legislador surge frustrada, já que, desta forma, ao deixar passar o momento em que o evento está mais presente na memória das crianças, pode ocorrer perda de informação relevante, considerando que o número de detalhes de que as crianças são capazes de se recordar diminui ao longo do tempo.

1 Convenção de Lanzarote (Resolução da Assembleia da República nº75/2012).

2 Peixoto, C. E., Fernandes, R. V., Almeida, T. S., Silva, J. M., La Rooy, D., Ribeiro, C., & Lamb, M. E. (2017). Interviews of children in a Portuguese special judicial procedure. Behavioral Sciences & the Law.

 

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A data de produção de efeitos do divórcio nas relações patrimoniais entre os cônjuges

A data de produção de efeitos do divórcio nas relações patrimoniais entre os cônjuges

Nos processos de divórcio e, de acordo com o artigo 1789.º n.º 1 do Código Civil, não obstante os efeitos do divórcio se produzirem a partir do trânsito em julgado da sentença que decrete a dissolução do casamento, a verdade é que, quanto às relações patrimoniais entre os cônjuges, os efeitos do divórcio retroagem à data da proposição da ação e já não a partir da data do trânsito em julgado da referida sentença.

Assim, para efeitos de cessação das relações patrimoniais entre os cônjuges decisiva é a data em que dá entrada, em juízo, a ação de divórcio.

Mais, se antes do divórcio, os cônjuges tiverem deixado de ter uma comunhão de vida, ocorrendo uma separação de facto e, desde que a mesma fique provada no processo de divórcio, qualquer um dos cônjuges pode pedir que os efeitos do divórcio retroajam, não à data da propositura da ação de divórcio, mas antes à data em que se tenha iniciado a separação de facto, ficando tal fixado na sentença que vier a decretar a dissolução do casamento por divórcio.

No que respeita à separação de facto, importa atentar na norma do artigo 1782.º do Código Civil, que define a mesma, nos seguintes termos:

«1. Entende-se que há separação de facto … quando não existe comunhão de vida entre os cônjuges e há da parte de ambos, ou de um deles, o propósito de não a restabelecer

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Importa salientar que, para efeitos de fixação da data da separação de facto, a data que releva é a do início da separação de facto e não a data em que a separação de facto se tenha consolidado.

E, de acordo com a jurisprudência e com a doutrina, a separação de facto inicia-se «logo que demonstrados factos que consubstanciem a luz da normalidade das relações entre duas pessoas, que se verifica uma rutura na comunhão de vida entre os cônjuges.» (cfr, por todos, acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, em 27 de abril de 2017).

Aporta-se, pois, um elemento objetivo para fixação da data em que se iniciou a separação de facto que é o da inexistência de vida em comum entre os cônjuges e é este elemento objetivo o relevante para efeitos de fixação, na sentença que decretar o divórcio, da data em que a mesma se iniciou e, consequentemente, da data à qual retroagem os efeitos do divórcio no que respeita às relações patrimoniais entre os cônjuges.

Este elemento objetivo – início da inexistência de vida em comum entre o casal - assume efetiva relevância, não sendo abalado por episódios esporádicos ou ocasionais, como seja, por exemplo, o caso de, após iniciada a separação de facto, os ainda cônjuges pernoitarem juntos uma ou duas noites pois, apesar deste episódio ocasional, a verdade é que tal não corresponde a uma nova tentativa de restabelecimento da vida de casados, mantendo-se a inexistência de vida em comum entre o casal.

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A fixação da data em que se produzem os efeitos do divórcio nas relações patrimoniais entre os cônjuges, nos termos supra expostos, assume relevância, nomeadamente, em casos em que, não obstante se manter o casamento, a verdade é que já existe uma situação de separação de facto e um dos cônjuges contrai dívidas que possam vir a responsabilizar o outro cônjuge.

Neste caso, ficando fixada a data em que se iniciou a separação de facto e, sendo o requerido na ação de divórcio, que os efeitos do divórcio retroajam à data do início da separação de facto, as dívidas que, durante o período da separação de facto tenham sido contraídas por um dos cônjuges e que poderiam vir a responsabilizar o outro, deixam de poder ser exigidas a este.

 

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Apadrinhamento Civil

Apadrinhamento Civil

 

Rossana Martingo Cruz

Docente na Escola de Direito da Universidade do Minho

 

 

A Lei n.º 103/2009, de 11 de setembro, aprovou o Regime Jurídico do Apadrinhamento Civil (RJAC). O apadrinhamento civil constitui uma relação jurídica, tendencialmente duradoura, entre uma criança (ou jovem) e uma pessoa ou família que exerça os poderes e deveres próprios dos pais e promova uma relação afetiva gratificante e permita um desenvolvimento saudável num seio familiar.

A razão da terminologia selecionada para esta figura consta na exposição de motivos da Proposta de Lei n.º 253/X: «as expressões ‘apadrinhamento civil’, ‘padrinho’, ‘madrinha’ têm vantagem sobre outras quaisquer, na medida em que são conhecidas pela população com um sentido relativamente aproximado do que se pretende estabelecer na lei civil: o padrinho ou madrinha são substitutos dos pais no cuidado das crianças e dos jovens, sem pretenderem fazer-se passar por pais.»

O apadrinhamento terá de apresentar reais vantagens para a criança ou o jovem e, além disso, é necessário que não estejam reunidos os pressupostos da adoção (pois, se estiverem, o menor deve ser encaminhado para essa opção). Se a criança não puder ser encaminhada para a adoção e se o apadrinhamento for do seu interesse (manifestação do superior interesse da criança como princípio fundamental), podem ser apadrinhados quaisquer menores de dezoito anos que, entre outras situações, se encontrem acolhidos numa instituição ou numa situação de perigo (art. 5.º do RJAC).

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O apadrinhamento civil constitui-se por decisão judicial ou por compromisso de apadrinhamento civil homologado pelo tribunal (art. 13.º do RJAC). Não são permitidos apadrinhamentos civis simultâneos. Enquanto subsistir um vínculo de apadrinhamento, não pode constituir-se outro sobre o mesmo afilhado, a não ser que os padrinhos vivam em família (art. 6.º do RJAC).

Para que se possa constituir o apadrinhamento civil é necessário o consentimento de determinadas pessoas que estão enumeradas no n.º 1 do artigo 14.º do RJAC. Além do consentimento da criança ou jovem que seja maior de doze anos, será necessário o consentimento dos pais do afilhado, mesmo que sejam menores e não exerçam as responsabilidades parentais - só assim não será quando estes tenham sido inibidos das responsabilidades parentais por terem infringido, de forma culposa, os deveres para com os filhos (alínea c) do n.º 1 e n.º 3 do art. 14.º). Também o cônjuge do padrinho ou madrinha (ou unido de facto), o representante legal do menor e quem tiver a guardar de facto deste devem prestar consentimento. O consentimento pode ser dispensado nos termos do n.º 4 e n.º 2 daquele art. 14.º (designadamente se as pessoas que o deveriam prestar estiverem privadas do uso das suas faculdades mentais, se houver grave dificuldade em ouvi-las, se puserem em perigo a segurança, saúde, educação e desenvolvimento da criança ou jovem, etc.).

A iniciativa do apadrinhamento pode partir do Ministério Público, da comissão de proteção de crianças e jovens no âmbito dos processos que aí corram, do organismo competente da segurança social (ou instituição por ela habilitada), dos pais, guardião de facto ou representante legal do menor, do tribunal e ainda da própria criança maior de doze anos (artigo 10.º do RJAC).

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A designação dos padrinhos é feita nos termos do art. 11.º daquele diploma. Os padrinhos são designados de entre pessoas previamente habilitadas que constem numa lista regional da segurança social (n.º 1 daquele preceito). Quando o apadrinhamento partir da iniciativa dos pais, do representante ou guardião da criança ou ainda da própria criança ou jovem, estas pessoas podem designar a pessoa ou família da escolha para padrinhos (sem prejuízo desta designação só se tornar efetiva após a respetiva habilitação – n.º 2 do artigo 11.º). Caso a criança ou jovem se encontre acolhido numa instituição, esta pode designar os padrinhos nos termos do n.º 1 (n.º 4 daquele art. 11.º). A escolha dos padrinhos terá de respeitar sempre o princípio da audição obrigatória da criança ou jovem, bem como dos seus pais, representante ou guardião de facto (n.º 6 do artigo 11.º do RJAC). Podem ser padrinhos os maiores de vinte e cinco anos, desde que previamente habilitados para o efeito (artigo 4.º RJAC). Podem ser designados como padrinhos os familiares, a pessoa idónea ou a família de acolhimento a quem a criança possa já ter sido confiada ou o seu tutor (n.º 5 do artigo 11.º do RJAC).

O Decreto-lei n.º 121/2010, de 27 de outubro, procedeu à regulamentação do regime jurídico do apadrinhamento civil, concretizando os requisitos e os procedimentos necessários à habilitação da pessoa que pretende apadrinhar uma criança ou jovem. Tal como na adoção, a vontade de apadrinhar deve, em princípio, ser comunicada ao organismo de segurança social (n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 121/2010, de 27 de outubro).

Determinados elementos têm de constar, necessariamente, no compromisso de apadrinhamento civil. É o caso, nomeadamente, do regime de visitas dos pais ou outras pessoas, as eventuais limitações ao exercício das responsabilidades parentais, o montante de alimentos que possam eventualmente ser devidos pelos pais, além da identificação dos intervenientes, entre outros (artigo 16.º do RJAC). O não cumprimento do compromisso de apadrinhamento por parte dos pais pode levar a limitações nos seus direitos (n.º 2 do art. 8.º do RJAC). Também o não cumprimento, por parte dos padrinhos, pode levar à revogação do apadrinhamento (alínea b) do art. 25.º do RJAC).

O artigo 17.º indica quem deve subscrever esse compromisso: padrinhos; pessoas cujo consentimento é exigido; instituição onde o menor estava acolhido, se for esse o caso; a entidade encarregada de apoiar o apadrinhamento e o protutor quando seja o tutor a assumir o apadrinhamento.

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O apadrinhamento civil é um vínculo tendencialmente duradouro. Apesar de o artigo 24.º do RJAC consagrar o seu carácter permanente, o artigo 25.º consagra a possibilidade de revogação do vínculo mediante os requisitos aí elencados.

O objetivo do apadrinhamento civil será o de fomentar o bem-estar e desenvolvimento sadio da criança. Este instituto não visa a separação entre pais e os filhos, bem pelo contrário. Embora a criança viva com os padrinhos (e a estes caberá o exercício das responsabilidades parentais), as relações familiares (parentesco e afinidade) não se terminam. Em consequência, o artigo 8.º do RJAC prevê um conjunto de direitos dos pais (sem prejuízo de alguns destes direitos poderem sofrer limitações se o interesse do menor assim o exigir - n.º 2 do artigo 8.º do RJAC).

Almeja-se que os padrinhos mantenham uma relação mínima com os pais, de forma a assegurar a estabilidade e o crescimento integral da criança/jovem. Nos termos do disposto no artigo 9.º do RJAC, os pais e os padrinhos devem orientar a sua relação por um dever de mútuo respeito e de preservação da intimidade da vida privada e familiar, do bom nome e da reputação (n.º 1). Ademais, devem cooperar na criação das condições adequadas ao bem-estar e desenvolvimento do afilhado (n.º 2).

O propósito do apadrinhamento civil não se confunde com a adoção. A adoção tem efeitos marcadamente fortes e relevantes: há uma total integração do adotando enquanto filho do(s) adotante(s); existirá a extinção dos laços jurídicos com a sua família biológica, a perda dos seus apelidos de origem e esta conexão será irrevogável.

Já o apadrinhamento civil pressupõe uma coexistência entre o vínculo de apadrinhamento e o vínculo da filiação natural, mantêm-se o direito a alimentos e os efeitos sucessórios entre pais e filhos.

O apadrinhamento civil será uma solução para os jovens e crianças que, por diversos motivos, não podem seguir para a adoção mas que também não têm uma opção de vida viável junto da sua família natural.

 

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O direito da criança à nomeação de advogado

O direito da criança à nomeação de advogado

Dispõe o artigo 18.º n.º 2 do Regime Geral do Processo Tutelar Cível que:

«É obrigatória a nomeação de advogado à criança quando os seus interesses e os dos seus pais, representante legal ou de quem tenha a guarda de facto, sejam conflituantes, e ainda quando a criança com maturidade adequada o solicitar ao tribunal

Sobre este direito pronunciou-se o Tribunal da Relação de Lisboa, no acórdão datado de 13 de julho de 2017, o qual analisamos.

Em causa estava um regime de regulação das responsabilidades parentais, o qual acabou por ser obtido por acordo entre os progenitores e que foi homologado pelo Tribunal no decurso do presente ano de 2017, por se ter considerado que o mesmo acautelava devidamente os interesses da criança (nascida em 2003).

Sucede que a criança, por discordar do acordo alcançado, apresentou um requerimento nos autos, no qual expressou que os seus interesses eram conflituantes com os dos seus pais, solicitando que lhe fosse nomeado advogado, na medida em que pretendia interpor recurso da sentença que homologou a regulação das responsabilidades parentais em causa.

O Tribunal de primeira instância entendeu que o pedido de nomeação de advogado, constituiria um ato inútil na medida em que a criança o havia apresentado após a homologação do acordo de regulação das responsabilidades parentais estando, por isso, a decisão transitada em julgado. Mais, considerou o Tribunal que a criança não tinha, também, legitimidade para interpor recurso, pelo que indeferiu o requerimento.

O Ministério Público recorreu, pugnado pelo direito da criança a pedir a nomeação de advogado para efeitos de interposição de recurso.

No acórdão em análise, o Tribunal da Relação de Lisboa considerou que esta criança (que tinha idade superior a 12 anos, à data dos factos), tinha direito à nomeação de advogado.

Com efeito, entendeu o Tribunal da Relação que, nos termos do disposto no artigo 18.º n.º 2 do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, o Tribunal de primeira instância estava obrigado a nomear advogado à criança, não lhe sendo «lícito sujeitar o deferimento da nomeação em causa da pertinência da ratio invocada – pelo menor – para a solicitada nomeação», sendo ao advogado nomeado que compete aconselhar e aferir qual o meio adequado para a defesa dos interesses do seu constituinte, no caso, a criança.

Ou seja, se no seu requerimento, o menor havia assente o pedido de nomeação de advogado no facto de existir uma situação de interesses conflituantes – os interesses dos pais e os interesses do menor – o Tribunal teria que ter procedido, sem mais, à nomeação de advogado à criança, independentemente de, à data, a sentença ainda admitir, ou não, recurso, na medida em que a nomeação de advogado à criança deve «ser perspetivado para todo o processo» e não apenas «dirigido tão só para a prática de um único e isolado acto processual.»

Este entendimento sufragado pelo Tribunal da Relação de Lisboa, no referido acórdão assentou, do ponto de vista legal, na norma do artigo 18.º n.º 2 do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, bem como na previsão do artigo 103.º n.ºs 2 e 3 da Lei n.º 147/99, de 1 de setembro (Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo) e na própria Lei n.º 103/2009, de 11 de setembro (Lei do Apadrinhamento Civil), normas estas que contemplam a obrigatoriedade de nomeação de patrono à criança ou jovem quando exista uma situação em que os seus interesses e os dos pais, representante legal ou quem tenha a sua guarda de facto sejam conflituantes e, ainda, quando aquele o solicitar, desde que tenha maturidade para tal.

Por fim, não queremos deixar de salientar que este direito das crianças à nomeação de advogado é um corolário do seu direito de audição, sendo importante que os tribunais e todos os intervenientes judiciais saibam atuar, efetivamente, na salvaguarda dos interesses das crianças, para que os seus direitos sejam ferramentas legais consequentes e consentâneas com os seus interesses que é o que se visa, sempre e a todo o tempo, salvaguardar.

 

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